A obesidade é uma condição complexa e multifatorial, resultante da interação entre fatores genéticos, ambientais, psicológicos, nutricionais e metabólicos. Esses fatores alteram os mecanismos biológicos responsáveis pela manutenção da massa corporal, distribuição e função do tecido adiposo. A seguir, discutiremos as principais causas e mecanismos envolvidos no desenvolvimento da obesidade, com ênfase na contribuição dos diversos fatores que compõem esse fenômeno.
Desbalanço Energético: A Base da Obesidade
O ganho de peso ocorre quando há um balanço energético positivo, ou seja, a ingestão de macronutrientes excede seu gasto. Embora frequentemente atribuída ao consumo excessivo de alimentos ou à “gula”, a origem desse desequilíbrio nem sempre é clara. Estudos mostram que mudanças ambientais, como o fácil acesso a alimentos ultraprocessados, densamente energéticos, baratos e amplamente comercializados, têm desempenhado um papel central no aumento global da obesidade. O sedentarismo, embora associado a efeitos metabólicos adversos, não é considerado a principal causa do aumento das taxas de obesidade.

Figura 1: Quando a ingestão de energia excede o gasto energético, ocorre ganho de peso. A ingestão de energia provém dos alimentos e bebidas consumidas. O gasto de energia ocorre em três áreas principais: 1.) Energia utilizada em repouso para manter a temperatura e fisiologia, conhecida como Taxa Metabólica Basal (TMB); 2.) Energia usada para digestão, absorção e metabolismo dos alimentos, conhecida como o Efeito Térmico dos Alimentos (TEF); 3.) Energia gasta com atividades físicas, incluindo exercícios. O crescimento também contribui com o gasto enérgico.
Esse estado de balanço energético positivo prolongado leva à hipertrofia (aumento do tamanho) e, em menor grau, à hiperplasia (aumento do número) dos adipócitos, culminando em ganho de peso. É importante notar que, uma vez estabelecida, a obesidade pode desencadear alterações na estrutura e função de vários órgãos, predispondo a uma série de doenças associadas e à redução da qualidade de vida.
Resistência Biológica à Perda de Peso
A biologia humana é programada para armazenar energia sob a forma de gordura como proteção contra períodos de escassez alimentar. Quando ocorre perda de peso induzida por dietas hipocalóricas, o organismo ativa mecanismos robustos para defender o equilíbrio do peso corporal. Esses mecanismos incluem aumento da fome, maior desejo de comer e redução do gasto energético. Esses efeitos são mediados por respostas hormonais, como a redução dos níveis de leptina (um hormônio derivado do tecido adiposo) e alterações nos hormônios gastrointestinais, que sinalizam ao cérebro para preservar o peso.
O conceito de “ponto de equilíbrio” no peso corporal refere-se ao peso que o cérebro defende como ideal, seja ele saudável ou excessivo. Mesmo em indivíduos obesos, esse ponto é vigorosamente mantido, o que dificulta a perda e a manutenção de peso a longo prazo.
Influência Genética
A genética desempenha um papel substancial na obesidade, com estudos em famílias, gêmeos e crianças adotadas indicando que entre 40% e 70% da variação no peso corporal pode ser explicada por fatores hereditários. Estudos de associação genômica ampla identificaram centenas de variantes genéticas comuns que afetam o consumo alimentar, a taxa metabólica basal e a eficiência do uso de energia durante a atividade física.
Indivíduos obesos tendem a apresentar maior número de variantes genéticas associadas à obesidade em comparação com aqueles com peso saudável. Além disso, mutações raras, mas de grande impacto, em genes relacionados ao sistema leptina-melanocortina podem causar obesidade severa. Esse sistema está envolvido na regulação da fome e da saciedade, influenciando o comportamento alimentar. A identificação de tais mutações tem implicações no diagnóstico, aconselhamento familiar e desenvolvimento de terapias específicas.
Fatores Ambientais e Epigenéticos
A obesidade também é influenciada por fatores ambientais, como urbanização, sedentarismo e mudanças no padrão alimentar, além de aspectos socioculturais. A exposição a poluentes ambientais pode contribuir, embora os mecanismos não estejam totalmente esclarecidos. A epigenética adiciona outra camada de complexidade, demonstrando que modificações químicas nos genes, influenciadas pelo ambiente e pela dieta, podem afetar a propensão à obesidade.
Fisiopatologia da Obesidade
A obesidade vai além do aumento na massa de gordura corporal. Há uma redistribuição preferencial da gordura para o compartimento intra-abdominal, especialmente na presença de resistência à insulina, bem como acúmulo ectópico de lipídios em órgãos como fígado, músculos esqueléticos e pâncreas. Esse acúmulo ectópico contribui para a disfunção metabólica, incluindo resistência à insulina, inflamação crônica e aumento do risco de doenças metabólicas, como diabetes tipo 2.
A expansão do tecido adiposo é acompanhada por alterações na microcirculação, isquemia e inflamação. Há infiltração de macrófagos no estroma do tecido adiposo, levando à liberação de citocinas pró-inflamatórias, como TNF-α e IL-6, e redução de adiponectina, um hormônio sensibilizador à insulina. Esse ambiente inflamatório contribui para a resistência à insulina e para as complicações metabólicas observadas em muitos, mas não em todos, os indivíduos com obesidade.
Papel do Sistema Nervoso Central
O sistema nervoso central (SNC) desempenha um papel fundamental na regulação da ingestão alimentar, armazenamento de energia e metabolismo. Áreas subcorticais e corticais interagem com sinais hormonais, como leptina e GLP-1, para regular o equilíbrio energético.
O hipotálamo, por exemplo, contém circuitos neurais que regulam a fome e a saciedade. Neurônios orexigênicos (estimulantes do apetite) produzem NPY e AgRP, enquanto neurônios anorexigênicos (supressores do apetite) produzem POMC e CART. A disfunção desses circuitos pode levar a um aumento do apetite e redução do gasto energético, contribuindo para o ganho de peso.
Outras áreas cerebrais, como o núcleo do trato solitário (NTS), o núcleo accumbens (NAc), o hipocampo e o córtex pré-frontal, também desempenham papéis importantes na regulação do comportamento alimentar. Alterações nesses sistemas podem reforçar comportamentos alimentares disfuncionais, incluindo a preferência por alimentos altamente palatáveis e ricos em calorias.
Microbiota Intestinal e Inflamação Sistêmica
A microbiota intestinal também é um fator relevante na obesidade. Indivíduos obesos apresentam alterações na composição microbiana, com aumento da abundância de Firmicutes e Proteobacteria, além de maior permeabilidade intestinal a produtos bacterianos, como lipopolissacarídeos. Esses produtos desencadeiam inflamação crônica de baixo grau, que agrava a resistência à insulina e contribui para a progressão da obesidade e suas complicações.
Resistência à Insulina e Complicações Metabólicas
Embora a obesidade não seja suficiente nem necessária para o desenvolvimento de resistência à insulina, a maioria dos indivíduos obesos apresenta graus variados dessa condição. A resistência à insulina se manifesta como aumento da lipólise no tecido adiposo, com liberação de ácidos graxos livres, que contribuem para a esteatose hepática, produção aumentada de glicose hepática e redução da tolerância à glicose. Inicialmente, ocorre hiperinsulinemia compensatória, mas, com o tempo, pode haver falência das células β pancreáticas, levando ao diabetes tipo 2.
Além disso, a resistência à insulina está associada a disfunção endotelial, hipertensão, dislipidemia e maior risco de doenças cardiovasculares.
Conclusão
A obesidade resulta da interação complexa de fatores genéticos, ambientais, metabólicos e comportamentais, que alteram os mecanismos biológicos responsáveis pelo equilíbrio energético e a distribuição do tecido adiposo. A compreensão aprofundada dessas causas e mecanismos é essencial para o desenvolvimento de estratégias eficazes de prevenção, diagnóstico e manejo da obesidade, considerando a variabilidade individual e as múltiplas dimensões dessa condição.
Referências:
- Rubino F, Cummings DE, Eckel RH, Cohen RV, et al. Definition and diagnostic criteria of clinical obesity.
Lancet Diabetes Endocrinol. 2025 Jan 9:S2213-8587(24)00316-4. doi: 10.1016/S2213-8587(24)00316-4.
Como citar este artigo
Martins BC. Fisiopatologia da Obesidade Gastropedia 2025; vol 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/obesidade/fisiopatologia-da-obesidade/

Professor Livre-Docente pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Médico Endoscopista do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP)
Médico Endoscopista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz
Emerging Star pela WEO