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Tratamento Quimioterápico dos Tumores Esofagogástricos: do ECF ao FLOT e à Imunoterapia

por Bruno Martins
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O manejo dos tumores da transição esofagogástrica (TEG) e do estômago localmente avançados evoluiu significativamente nas últimas duas décadas. Diversos estudos randomizados definiram os esquemas quimioterápicos mais eficazes no cenário perioperatório, estabelecendo o papel da quimiorradioterapia e, mais recentemente, da imunoterapia.
A seguir, revisitamos os estudos que moldaram esse panorama:


O que era o ECF?

O esquema ECF combinava:

  • Epirrubicina
  • Cisplatina
  • 5-Fluorouracil (5-FU)

Foi o padrão estabelecido após o MAGIC trial, publicado em 2006, que demonstrou melhora da sobrevida com quimioterapia perioperatória em relação à cirurgia isolada.


O estudo MAGIC

Publicação: NEJM, 2006
Desenho: fase III, randomizado
População: pacientes com adenocarcinoma gástrico ou da junção esofagogástrica
Intervenção: cirurgia isolada vs. quimioterapia perioperatória com ECF (3 ciclos antes e 3 após a cirurgia)


Resultado:

  • Sobrevida global mediana: 24 meses (ECF) vs. 20 meses (cirurgia isolada)
  • HR 0,75; p = 0,009

Conclusão: o estudo consolidou o uso da quimioterapia perioperatória como novo padrão na época.


O protocolo CROSS

O CROSS trial (Van Hagen et al., NEJM, 2012) marcou uma virada no tratamento dos tumores do esôfago e da TEG, principalmente do tipo escamoso e adenocarcinomas Siewert I.


Intervenção:

  • Carboplatina (AUC 2) + Paclitaxel (50 mg/m²), 1x por semana por 5 semanas
  • Radioterapia: 41,4 Gy em 23 frações
  • Cirurgia: 4 a 6 semanas após término da RQT
  • Sem quimioterapia adjuvante


Resultado:

  • Sobrevida global mediana: 49 meses (RQT + cirurgia) vs. 24 meses (cirurgia isolada)
  • HR = 0,657; p = 0,003

Conclusão: CROSS estabeleceu a quimiorradioterapia neoadjuvante como padrão para tumores do esôfago distal e TEG proximal.


O esquema FLOT

Diante da baixa eficácia do ECF, o estudo FLOT4-AIO introduziu o esquema FLOT, mais intenso, mas com resultados superiores.

FLOT:

  • 5-FU: 2.600 mg/m² em infusão contínua por 24h (dia 1)
  • Leucovorin: 200 mg/m² (dia 1)
  • Oxaliplatina: 85 mg/m² (dia 1)
  • Docetaxel: 50 mg/m² (dia 1)
  • Ciclo a cada 14 dias
  • 4 ciclos antes e 4 ciclos após a cirurgia (total de 8)


FLOT4 trial (Lancet, 2019):

  • Comparou FLOT vs. ECF/ECX
  • Sobrevida global mediana:
    • FLOT: 50 meses
    • ECF: 35 meses
    • HR = 0,77; p = 0,012


Conclusão: FLOT tornou-se o novo padrão perioperatório para tumores gástricos e da TEG ressecáveis.


TOPGEAR Trial

Estudo fase II/III que avaliou se adicionar quimiorradioterapia ao esquema perioperatório poderia melhorar os resultados em câncer gástrico e TEG.

  • Braço A: quimioterapia perioperatória (FLOT ou ECF)
  • Braço B: quimio neoadjuvante + quimiorradioterapia (45 Gy + cisplatina/5-FU) + cirurgia + QT pós-op


Resultados (fase II):

  • Aumento da resposta patológica completa com RT
  • Sem ganho estatisticamente significativo em sobrevida global até o momento

Referência: Lancet Oncol, 2021. Fase III em andamento.


CheckMate-577

Estudo fundamental no cenário adjuvante após CROSS, para pacientes com doença residual.

  • População: esôfago/TEG pós-RQT e cirurgia, sem resposta patológica completa
  • Intervenção:
    • Nivolumabe vs. placebo por até 1 ano


Resultado:

  • Sobrevida livre de doença: Nivolumabe: 22,4 meses | Placebo: 11,0 meses | HR = 0,69; p < 0,001


Conclusão: Estabeleceu nivolumabe como padrão adjuvante nesse subgrupo.


KEYNOTE-585

Avaliou o uso de pembrolizumabe perioperatório em câncer gástrico/TEG ressecável.

Intervenção: QT baseada em platina + pembrolizumabe vs. QT + placebo

Resultado (interino – ASCO GI 2024):

  • Aumento da resposta patológica completa
  • Sem diferença significativa na sobrevida livre de eventos

Conclusão: aguardando seguimento mais longo; não mudou a prática clínica até o momento.


MATTERHORN

Estudo mais promissor até agora no uso de imunoterapia com FLOT.

  • Intervenção: FLOT + durvalumabe vs. FLOT + placebo
  • Resultados:
    • Resposta patológica completa: Durvalumabe: 19,2% | Placebo: 7,2%
    • Sobrevida livre de eventos em 2 anos: 67,4% (durvalumabe) vs. 58,5% (placebo)
    • HR = 0,71; p < 0,001

Conclusão: consolida a tendência de integração entre quimioterapia e imunoterapia no cenário perioperatório.

Comparativo dos principais estudos

EstudoSituação clínicaIntervençãoResultado relevante
MAGICPerioperatórioECF vs. cirurgiaECF ↑ sobrevida vs. cirurgia
CROSSNeoadjuvanteQT + RT → cirurgia↑ sobrevida global vs. cirurgia
FLOT4-AIOPerioperatórioFLOT vs. ECFFLOT superior em SG e resposta patológica
TOPGEARPerioperatórioFLOT ± RTRT ↑ resposta patológica (fase II)
CheckMate-577AdjuvanteNivolumabe vs. placebo↑ sobrevida livre de doença
KEYNOTE-585PerioperatórioPembro + QT vs. QT↑ resposta patológica, sem ganho em SLE
MATTERHORNPerioperatórioFLOT + durvalumabe vs. FLOT↑ resposta patológica e sobrevida livre de eventos


Referências

  1. MAGIC Trial – Cunningham D, Allum WH, Stenning SP, et al. Perioperative chemotherapy versus surgery alone for resectable gastroesophageal cancer. N Engl J Med. 2006 Jul 6;355(1):11-20.
  2. CROSS Trial – Van Hagen P, Hulshof MCCM, van Lanschot JJB, et al. Preoperative chemoradiotherapy for esophageal or junctional cancer. N Engl J Med. 2012 May 31;366(22):2074-2084.
  3. FLOT4-AIO Trial -Al-Batran SE, Homann N, Pauligk C, et al. Perioperative chemotherapy with FLOT versus ECF/ECX for resectable gastric or gastro-oesophageal junction adenocarcinoma (FLOT4-AIO): a multicentre, open-label, phase 3 trial. Lancet. 2019 May 25;393(10184):1948–1957.
  4. TOPGEAR Trial (fase II) – Leong T, Smithers BM, Haustermans K, et al. TOPGEAR: a randomized phase II trial of preoperative chemotherapy with or without chemoradiation for resectable gastric cancer. Lancet Oncol. 2021 Jan;22(1):e1-e15.
  5. CheckMate-577 – Kelly RJ, Ajani JA, Kuzdzal J, et al. Adjuvant Nivolumab in Resected Esophageal or Gastroesophageal Junction Cancer. N Engl J Med. 2021 Apr 1;384(13):1191–1203.
  6. KEYNOTE-585 (Interim) – Shitara K, van Cutsem E, Ajani JA, et al. Neoadjuvant and adjuvant pembrolizumab plus chemotherapy in locally advanced gastric or gastro-oesophageal cancer (KEYNOTE-585): an interim analysis of the multicentre, double-blind, randomised phase 3 study. Lancet Oncol. 2024 Feb;25(2):212–224.
  7. MATTERHORN – Janjigian YY, Al-Batran SE, Wainberg ZA, Muro K, Molena D, Van Cutsem E, et al. Perioperative Durvalumab in Gastric and Gastroesophageal Junction Cancer.
    N Engl J Med. 2025.

Como citar este artigo

Martins BC. Tratamento Quimioterápico dos Tumores Esofagogástricos: do ECF ao FLOT e à Imunoterapia Gastropedia 2025; Vol II. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/tratamento-quimioterapico-dos-tumores-esofagogastricos-do-ecf-ao-flot-e-a-imunoterapia/

Professor Livre-Docente pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Médico Endoscopista do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP)
Médico Endoscopista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz
Emerging Star pela WEO


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