Tratamento Quimioterápico dos Tumores Esofagogástricos: do ECF ao FLOT e à Imunoterapia

O manejo dos tumores da transição esofagogástrica (TEG) e do estômago localmente avançados evoluiu significativamente nas últimas duas décadas. Diversos estudos randomizados definiram os esquemas quimioterápicos mais eficazes no cenário perioperatório, estabelecendo o papel da quimiorradioterapia e, mais recentemente, da imunoterapia.
A seguir, revisitamos os estudos que moldaram esse panorama:

O que era o ECF?

O esquema ECF combinava:

  • Epirrubicina
  • Cisplatina
  • 5-Fluorouracil (5-FU)

Foi o padrão estabelecido após o MAGIC trial, publicado em 2006, que demonstrou melhora da sobrevida com quimioterapia perioperatória em relação à cirurgia isolada.

O estudo MAGIC

Publicação: NEJM, 2006
Desenho: fase III, randomizado
População: pacientes com adenocarcinoma gástrico ou da junção esofagogástrica
Intervenção: cirurgia isolada vs. quimioterapia perioperatória com ECF (3 ciclos antes e 3 após a cirurgia)

Resultado:

  • Sobrevida global mediana: 24 meses (ECF) vs. 20 meses (cirurgia isolada)
  • HR 0,75; p = 0,009

Conclusão: o estudo consolidou o uso da quimioterapia perioperatória como novo padrão na época.

O protocolo CROSS

O CROSS trial (Van Hagen et al., NEJM, 2012) marcou uma virada no tratamento dos tumores do esôfago e da TEG, principalmente do tipo escamoso e adenocarcinomas Siewert I.

Intervenção:

  • Carboplatina (AUC 2) + Paclitaxel (50 mg/m²), 1x por semana por 5 semanas
  • Radioterapia: 41,4 Gy em 23 frações
  • Cirurgia: 4 a 6 semanas após término da RQT
  • Sem quimioterapia adjuvante

Resultado:

  • Sobrevida global mediana: 49 meses (RQT + cirurgia) vs. 24 meses (cirurgia isolada)
  • HR = 0,657; p = 0,003

Conclusão: CROSS estabeleceu a quimiorradioterapia neoadjuvante como padrão para tumores do esôfago distal e TEG proximal.

O esquema FLOT

Diante da baixa eficácia do ECF, o estudo FLOT4-AIO introduziu o esquema FLOT, mais intenso, mas com resultados superiores.

FLOT:

  • 5-FU: 2.600 mg/m² em infusão contínua por 24h (dia 1)
  • Leucovorin: 200 mg/m² (dia 1)
  • Oxaliplatina: 85 mg/m² (dia 1)
  • Docetaxel: 50 mg/m² (dia 1)
  • Ciclo a cada 14 dias
  • 4 ciclos antes e 4 ciclos após a cirurgia (total de 8)

FLOT4 trial (Lancet, 2019):

  • Comparou FLOT vs. ECF/ECX
  • Sobrevida global mediana:

    • FLOT: 50 meses
    • ECF: 35 meses
    • HR = 0,77; p = 0,012

Conclusão: FLOT tornou-se o novo padrão perioperatório para tumores gástricos e da TEG ressecáveis.

TOPGEAR Trial

Estudo fase II/III que avaliou se adicionar quimiorradioterapia ao esquema perioperatório poderia melhorar os resultados em câncer gástrico e TEG.

  • Braço A: quimioterapia perioperatória (FLOT ou ECF)
  • Braço B: quimio neoadjuvante + quimiorradioterapia (45 Gy + cisplatina/5-FU) + cirurgia + QT pós-op

Resultados (fase II):

  • Aumento da resposta patológica completa com RT
  • Sem ganho estatisticamente significativo em sobrevida global até o momento

Referência: Lancet Oncol, 2021. Fase III em andamento.

CheckMate-577

Estudo fundamental no cenário adjuvante após CROSS, para pacientes com doença residual.

  • População: esôfago/TEG pós-RQT e cirurgia, sem resposta patológica completa
  • Intervenção:

    • Nivolumabe vs. placebo por até 1 ano

Resultado:

  • Sobrevida livre de doença: Nivolumabe: 22,4 meses | Placebo: 11,0 meses | HR = 0,69; p < 0,001

Conclusão: Estabeleceu nivolumabe como padrão adjuvante nesse subgrupo.

KEYNOTE-585

Avaliou o uso de pembrolizumabe perioperatório em câncer gástrico/TEG ressecável.

Intervenção: QT baseada em platina + pembrolizumabe vs. QT + placebo

Resultado (interino – ASCO GI 2024):

  • Aumento da resposta patológica completa
  • Sem diferença significativa na sobrevida livre de eventos

Conclusão: aguardando seguimento mais longo; não mudou a prática clínica até o momento.

MATTERHORN

Estudo mais promissor até agora no uso de imunoterapia com FLOT.

  • Intervenção: FLOT + durvalumabe vs. FLOT + placebo
  • Resultados:

    • Resposta patológica completa: Durvalumabe: 19,2% | Placebo: 7,2%
    • Sobrevida livre de eventos em 2 anos: 67,4% (durvalumabe) vs. 58,5% (placebo)
    • HR = 0,71; p < 0,001

Conclusão: consolida a tendência de integração entre quimioterapia e imunoterapia no cenário perioperatório.

Comparativo dos principais estudos

Estudo Situação clínica Intervenção Resultado relevante
MAGIC Perioperatório ECF vs. cirurgia ECF ↑ sobrevida vs. cirurgia
CROSS Neoadjuvante QT + RT → cirurgia ↑ sobrevida global vs. cirurgia
FLOT4-AIO Perioperatório FLOT vs. ECF FLOT superior em SG e resposta patológica
TOPGEAR Perioperatório FLOT ± RT RT ↑ resposta patológica (fase II)
CheckMate-577 Adjuvante Nivolumabe vs. placebo ↑ sobrevida livre de doença
KEYNOTE-585 Perioperatório Pembro + QT vs. QT ↑ resposta patológica, sem ganho em SLE
MATTERHORN Perioperatório FLOT + durvalumabe vs. FLOT ↑ resposta patológica e sobrevida livre de eventos


Referências

  1. MAGIC Trial – Cunningham D, Allum WH, Stenning SP, et al. Perioperative chemotherapy versus surgery alone for resectable gastroesophageal cancer. N Engl J Med. 2006 Jul 6;355(1):11-20.
  2. CROSS Trial – Van Hagen P, Hulshof MCCM, van Lanschot JJB, et al. Preoperative chemoradiotherapy for esophageal or junctional cancer. N Engl J Med. 2012 May 31;366(22):2074-2084.
  3. FLOT4-AIO Trial -Al-Batran SE, Homann N, Pauligk C, et al. Perioperative chemotherapy with FLOT versus ECF/ECX for resectable gastric or gastro-oesophageal junction adenocarcinoma (FLOT4-AIO): a multicentre, open-label, phase 3 trial. Lancet. 2019 May 25;393(10184):1948–1957.
  4. TOPGEAR Trial (fase II) – Leong T, Smithers BM, Haustermans K, et al. TOPGEAR: a randomized phase II trial of preoperative chemotherapy with or without chemoradiation for resectable gastric cancer. Lancet Oncol. 2021 Jan;22(1):e1-e15.
  5. CheckMate-577 – Kelly RJ, Ajani JA, Kuzdzal J, et al. Adjuvant Nivolumab in Resected Esophageal or Gastroesophageal Junction Cancer. N Engl J Med. 2021 Apr 1;384(13):1191–1203.
  6. KEYNOTE-585 (Interim) – Shitara K, van Cutsem E, Ajani JA, et al. Neoadjuvant and adjuvant pembrolizumab plus chemotherapy in locally advanced gastric or gastro-oesophageal cancer (KEYNOTE-585): an interim analysis of the multicentre, double-blind, randomised phase 3 study. Lancet Oncol. 2024 Feb;25(2):212–224.
  7. MATTERHORN – Janjigian YY, Al-Batran SE, Wainberg ZA, Muro K, Molena D, Van Cutsem E, et al. Perioperative Durvalumab in Gastric and Gastroesophageal Junction Cancer.
    N Engl J Med. 2025.

Como citar este artigo

Martins BC. Tratamento Quimioterápico dos Tumores Esofagogástricos: do ECF ao FLOT e à Imunoterapia Gastropedia 2025; Vol II. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/tratamento-quimioterapico-dos-tumores-esofagogastricos-do-ecf-ao-flot-e-a-imunoterapia/