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Pancreatite Crônica – principais etiologias e risco associado de Neoplasia Pancreática

por Maira Marzinotto
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O termo pancreatite crônica (PC) é usado para definir uma doença fibro inflamatória do pâncreas, de caráter progressivo e irreversível, e que pode cursar com dor abdominal como sintoma e perda das funções exócrina e endócrina da glândula.

Causas de pancreatite crônica

O que se discute atualmente na literatura são as possíveis causas para essa patologia. O álcool já está bem estabelecido como o principal fator de risco ambiental para o surgimento da PC (42-77% dos casos). Os pacientes considerados etilistas moderados ou severos (35-48 drinks por semana) têm um risco relativo de 2,7 a 3,3 para o desenvolvimento da doença em um estudo observacional dinamarquês.

Outro fator de risco ambiental é o tabagismo, que é muito prevalente nos pacientes com PC, e atualmente considerado um fator de risco independente para o surgimento da patologia. É um fator de risco potente, inclusive, para quadros de pancreatite aguda de repetição, que por vezes culminam no aparecimento de PC. No caso do tabagismo, o risco relativo é de 1,93 para fumantes atuais comparado com pessoas que nunca fumaram.

Outras causas de PC incluem as etiologias autoimunes (tanto a pancreatite autoimune tipo I – doença relacionada a IgG4 – quanto a pancreatite auto-imune tipo II são consideradas etiologias de pancreatite crônica), as etiologias obstrutivas (como nos casos de neoplasias, cistos, estenoses cicatriciais do ducto pancreático principal, disfunções do esfíncter de oddi e pancreas divisum), as Pancreatites Agudas de Repetição (PAR) e as etiologias genéticas.

Mesmo após estudo genético, cerca de 10-15% das PC ainda permanecem como idiopáticas, sugerindo que há muito desconhecimento nesse campo.

Genética pancreática e risco de neoplasia

A genética das patologias pancreáticas é extremamente complexa, podendo vários genes estarem envolvidos nos fenótipos apresentados. Muitas mutações podem levar a um quadro de PAR, que culmine com fibrose da glândula, e outras mutações ou polimorfismos que levam diretamente ao aparecimento da PC.

Os principais genes envolvidos na patogênese da PC estão listados a seguir:

  • PRRS-1: gene do tripsinogênio catiônico – mutação de herança autossômica dominante, responsável pela Pancreatite Crônica Hereditária.
  • SPINK-1: gene que, na ausência de mutações patogênicas, previne a ativação do tripsinogênio.
  • CFTR: gene que codifica os canais de cloro na membrana das células ductais – são as mutações nesse gene que podem incorrer nos fenótipos da Fibrose Cística
  • CTRC: gene que promove a degradação do tripsinogênio e que mutado perde esse mecanismo de proteção

Existem diversos outros genes elencados como coadjuvantes nos processos patológicos do pâncreas, e provavelmente outros que ainda não temos conhecimento. O fato é que, nas pancreatites associadas a uma ou mais mutações genéticas, o risco de Adenocarcinoma Ductal do Pâncreas é superior ao de outras pancreatites e muito superior ao risco populacional. Os pacientes com mutações do PRRS-1 e SPINK-1 têm risco cumulativo de 53% de neoplasia pancreática aos 75 anos de idade, ao passo que as PC alcoólicas tem esse mesmo risco calculado de 4%.

Entretanto, observou-se que esse risco pode ser ainda maior nos pacientes tabagistas. O cigarro é o principal fator de risco para neoplasia pancreática não associada com PC, e quando somados os riscos dos genes mutados com o tabagismo

Outras mutações (como a do CFTR e CTRC) não parecem contribuir para um aumento expressivo na incidência de câncer de pâncreas. Assim como as outras causas de PC, como pancreatite auto-imune ou causas mais raras, também não conferem risco adicional expressivo de neoplasia.


Etiologia

Risco estimado de Neoplasia Pancreática

PC alcoólica

Incidência de 2 e 4% após 5 e 20 anos de evolução, respectivamente

Pancreatite Hereditária (mutação do PRSS-1)

Incidência de 10, 19 e 53,5% aos 50, 60 e 75 anos, respectivamente

Mutações SPINK-1

Incidência de 2, 28 e 52% aos 60, 70 e 80 anos, respectivamente

Mutações CFTR

Aumento do risco relativo em 1,41 comparados com grupo controle

Mutações CTRC, CARS, CLDN2, CPA1 e outras

Sem dados disponíveis devido a frequência baixa dessas mutações

Adaptado de Le Cosquer, G et al. Cancers 2023

Embora haja essa maior incidência de adenocarcinoma ductal de pâncreas na população com PC, não existem estudos que sugiram uma estratégia eficiente de screening para todos os pacientes. Para os pacientes com mutações no PRSS-1 (ou com a suspeita da mutação, nos casos mais de dois familiares acometidos por PC) está recomendado pelo grupo internacional o screening anual com exame de imagem (tomografia computadorizada ou ressonância magnética). A utilização da ecoendoscopia não foi recomendada, pois pode ser falseada por inflamação, fibrose ou calcificações. Ainda mais estudos são necessários para recomendações em relação a outras mutações e outras etiologias.

Apesar dos recentes avanços, há ainda um vasto campo desconhecido quanto a etiologia e fatores de risco para PC, e mais estudos são necessários para que possamos desvendar todos os mistérios acerca desse tema.

Referências

  1. Singh, VK et al. Diagnosis and Management of Chronic Pancreatitis A Review. JAMA. 2019;322(24):2422-2434.
  2. Hart, PA et al. Chronic Pancreatitis: Managing a Difficult Disease. Am J Gastroenterol. 2020 January ; 115(1): 49–55.
  3. Aune, D et al. Tobacco smoking and the risk of pancreatitis: a systematic review and meta-analysis of prospective studies. Pancreatology, 2019 Dec;19(8):1009-1022.
  4. Gardner, TB et al. ACG Clinical Guideline: Chronic Pancreatitis. Am J Gastroenterol 2020;115:322–339.
  5. Le Cosquer, G et al. Pancreatic Cancer in Chronic Pancreatitis: Pathogenesis and Diagnostic Approach. Cancers 2023, 15, 761.
  6. Greenhalf, G et al. International consensus guidelines on surveillance for pancreatic cancer in chronic pancreatitis. Recommendations from the working group for the international consensus guidelines for chronic pancreatitis in collaboration with the International Association of Pancreatology, the American Pancreatic Association, the Japan Pancreas Society, and European Pancreatic Club. Pancreatology 2020, 20, 910-918

Como citar este artigo

Marzinotto M. Pancreatite Crônica – principais etiologias e risco associado de Neoplasia Pancreática Gastropedia 2023, vol 2. Disponível em: gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/pancreatite-cronica-principais-etiologias-e-risco-associado-de-neoplasia-pancreatica/

Maira Marzinotto

Medica responsável pelo Grupo de Pâncreas da Disciplina de Gastroenterologia Clínica do HCFMUSP


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