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Pancreatite Crônica: Como fazer o diagnóstico

por Maira Marzinotto
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Já falamos aqui sobre os fatores de risco para pancreatite crônica e de seu risco associado de neoplasia pancreática (pancreatite-cronica-principais-etiologias-e-risco-de-neoplasia). Agora vamos conversar sobre como realizar o diagnóstico.

Diagnóstico

Estabelecer o diagnóstico de pancreatite crônica (PC) nem sempre é simples. A história clínica e anamnese é muito importante, na tentativa de verificar a presença de fatores de risco (álcool, tabagismo) e dos principais sintomas. Os principais sintomas são:

  • Dor abdominal (presente em 80% dos casos). Até 70% dos pacientes contam terem uma história de pancreatite aguda prévia, e até 50% podem ter pancreatite aguda de repetição. 
  • Além da dor, sintomas de má-digestão, diarreia crônica, esteatorreia e déficits nutricionais (carência de vitaminas lipossolúveis e alterações ósseas como osteopenia e osteoporose) também podem estar presentes ao diagnóstico, configurando a insuficiência exócrina do pâncreas, assim como sinais de insuficiência endócrina (diabetes mellitus). 

A presença dos sintomas e de fatores de risco não confirma o diagnóstico. A certeza diagnóstica é somente com a histologia pancreática, que frequentemente está indisponível. Dessa forma, o diagnóstico definitivo se baseia em alterações de exames de imagem e em possíveis alterações na função exócrina e endócrina.

Exames de Imagem

Dentre os exames de imagem que podem auxiliar o diagnóstico de PC, destaco 3 modalidades:

  • Tomografia de abdome (TC): pode evidenciar alterações mais grosseiras na glândula, como presença de calcificações, dilatação ductal e atrofia do parênquima pancreático. Esse exame pode ser suficiente em pacientes com alta probabilidade de PC. É o melhor exame para visualizar calcificações.
(Imagem de arquivo próprio – reprodução autorizada)
  • Ressonância Magnética com Colangio-Pancreatorressonância (CPRM): em pacientes com baixa probabilidade de PC a ressonância pode avaliar alterações menores em parênquima, que aparecem como alteração na intensidade do sinal, além de alterações em ductos, inclusive ductos secundários.
  • Ecoendoscopia (EcoEDA): o ultrassom endoscópico avalia 4 critérios parenquimatosos e 5 critérios ductais para o diagnóstico de PC. É o exame com a maior acurácia para o diagnóstico de PC (especialmente nas pancreatites crônicas precoces), entretanto apresenta uma alta discordância inter-observador, além de ser mais invasivo do que os exames axiais.

Em uma revisão sistemática e metanálise de 2017, foram comparadas as acurácias dos exames disponíveis. Os resultados não tiveram diferenças estatisticamente significantes: Sensibilidade da EcoEDA foi 81%, da CPRM 78% e TC 71%. Já as especificidades foram: EcoEDA 90%, CPRM 96% e TC 91%. Aparentemente a vantagem da EcoEDA seria para avaliação de pancreatite crônica precoce, onde as alterações morfológicas da glândula ainda são iniciais, e melhores vistas pelo Ultrassom endoscópico. 

A escolha do exame de imagem deve ser baseada na probabilidade pré teste do diagnóstico (por exemplo, um paciente etilista e tabagista, com dor epigástrica e diabetes mellitus tem uma alta probabilidade pré teste de pancreatite crônica), além de custo e disponibilidade do exame em questão.

Testes funcionais

Os testes funcionais servem para avaliar a função exócrina da glândula, que somados a alterações de imagem compatíveis, podem contribuir para o diagnóstico de PC. 

Os testes diretos são realizados com aspirados duodenais, para análise do suco pancreático, e não são solicitados de rotina pois são invasivos e demorados. 

Dentre os testes indiretos o padrão-ouro é a quantificação de gordura fecal – teste que exige do paciente um alto consumo de gordura durante 5 dias e análise das fezes dos últimos 3 dias. Caso haja uma quantidade de gordura > 7g em 24h está diagnosticada a esteatorreia (manifestação da insuficiência pancreática exócrina). Esse teste é muito oneroso ao paciente, portanto pouco utilizado. 

O esteatócrito (teste semi-quantitativo) ou teste qualitativo de gordura nas fezes com amostra única (SUDAM III) têm baixa sensibilidade para o diagnóstico de esteatorreia, portanto não ajudam se vierem negativos.

A elastase fecal é uma enzima produzida pelo pâncreas que é pouco degradada no trânsito intestinal, e recuperada de forma quase intacta nas fezes. A pesquisa é feita com amostra única de fezes e é somente importante que as fezes não estejam líquidas (pois isso diminuiria a especificidade do exame, podendo levar a um falso-positivo). Os níveis de elastase são considerados normais se estiverem acima de 200 mcg/g fezes. Abaixo desse valor, é sugerida uma insuficiência pancreática leve, e níveis abaixo de 100 mcg/g fezes sugerem insuficiência pancreática grave. O exame tem sensibilidade em torno de 77% (maior para insuficiências moderadas e graves) e especificidade de 88% (diminuída em fezes líquidas ou presença de algumas condições associadas, como supercrescimento bacteriano – SIBO)

Além dos testes funcionais para avaliação exócrina, é sempre prudente a pesquisa de insuficiência endócrina, com dosagem de glicose e hemoglobina glicada.

Em resumo, o diagnóstico de pancreatite crônica envolve suspeição por parte do gastroenterologista (especialmente nos casos em que há fatores de risco presentes e quadro clínico compatível), mas também exige alteração em exame de imagem. A escolha do exame de imagem deve ser baseada na experiência de cada profissional, assim como custos dos exames e disponibilidade em cada local. É imprescindível também a pesquisa de insuficiência pancreática exócrina (que pode estar presente nas PC) e pesquisa e monitorização da função endócrina.

Leia também: insuficiência exócrina do pâncreas: um olhar além do óbvio

Referências

  1. Vege, SS, Chari, ST. Chronic Pancreatitis. N Engl J Med 2022;386:869-78.
  2. Issa Y, Kempeneers MA, van Santvoort HC, et al. Diagnostic performance of imaging modalities in chronic pancreatitis: a systematic review and meta-analysis. Eur Radiol 2017;27:3820–44.
  3. Beyer, G et al. Chronic Pancreatitis. Lancet 2020; 396: 499–512
  4. Singh, VK et al. Diagnosis and Management of Chronic Pancreatitis – A Review. JAMA. 2019;322(24):2422-2434.

Como citar este artigo

Marzinotto M. Pancreatite Crônica: Como fazer o diagnóstico Gastropedia 2024, vol 2. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/pancreatite-cronica-como-fazer-o-diagnostico/

Medica responsável pelo Grupo de Pâncreas da Disciplina de Gastroenterologia Clínica do HCFMUSP


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