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Quando indicar o contraste hepatoespecífico na avaliação de lesões focais hepáticas?

por Karla Sawada Toda Oti
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Rotineiramente, na ressonância magnética (RM) de abdome, utiliza-se o contraste extracelular inespecífico (gadolínio), o qual se distribui conforme a distribuição dos vasos e capilares sanguíneos e determina, assim, uma padrão dinâmico de impregnação da lesão focal hepática nas fases arterial, portal (venosa) e equilíbrio.

Em casos selecionados, pode-se indicar os contrastes intracelulares específicos, também denominados de hepatoespecíficos e que podem ser de duas principais classes: (1) óxido de ferro superparamagnérico e (2) hepatobiliares, sendo este último captado especificamente pelas células hepáticas e com excreção renal (50%) e biliar (50%). No Brasil, há a aprovação do contraste hepatobiliar, conhecido como ácido gadoxético (Gd-EOB-DTPA, PrimovistÒ).

Desta forma, além de fornecer os dados habituais do estudo dinâmico, há a etapa final de avaliação hepatobiliar, após cerca de 10 a 20 minutos da injeção endovenosa, na qual há a entrada do contraste nos hepatócitos através dos transportadores de membrana (OATP1, B1/B3) e saída através de proteínas dependentes de ATP multifármaco-resistentes (MRP2, MRP3, MRP4), sendo o transportador MRP2 o encarregado em excretar o contraste no canalículo biliar.

Quais as indicações do contraste hepatoespecífico?

Sabendo-se que o ácido gadoxético é captado pelos hepatócitos e excretado em cerca de 50% pela via biliar, espera-se que um tecido hepático normofuncionante seja impregnado pelo contraste na fase hepatobiliar. Desta forma, a não captação do ácido gadoxético na fase hepatobiliar infere que não há hepatócitos ou canalículos biliares viáveis na lesão avaliada.

Podemos enumerar 3 principais indicações no uso do ácido gadoxético na avaliação de lesões focais hepáticas:

1. Diferenciação entre hiperplasia nodular focal (HNF) e adenoma

Adenoma e HNF são terceiro e segundo tumores hepáticos benignos mais frequentes, respectivamente.

O adenoma é caracterizado por cordões de hepatócitos e ausência de ductos biliares ou tratos portais, logo, na fase hepatobiliar, não apresenta captação na fase hepatobiliar.

Já a HNF caracteriza-se por um aglomerado de hepatócitos hiperplásicos e pequenos canalículos biliares imaturos que não se comunicam com os maiores, o que pode gerar um acúmulo (retenção) de contraste hepatoespecífico na fase hepatobiliar em relação ao parênquima hepático adjacente. Pode-se ainda encontrar uma cicatriz fibrosa central que direciona o padrão da lesão para HNF.

Fonte: arquivo pessoal, em colaboração com Dra Ângela Caiado

Figura 1. Nódulo hipervascularizado no segmento VII hepático medindo 1,2 cm, com padrão de retenção do contraste hepatoespecífico (tardia, 20 minutos), compatível com hiperplasia nodular focal.
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2. Avaliação de nódulos hepáticos em pacientes cirróticos

  • Nódulos regenerativos e displásicos x neoplásicos (carcinoma hepatocelular, CHC)
  • Identificação de pequenos CHCs (<2cm) e melhor avaliação de lesões focais com comportamento atípico em exame contrastado prévio, com realce inespecífico.

O CHC é o tumor primário do fígado mais comum. No paciente cirrótico, um nódulo igual ou maior que 2,0cm de diâmetro, com padrão típico hipervascular na fase arterial (wash-in) e com clareamento nas fases tardias (wash-out) é diagnosticado como CHC.

Em lesões menores que 2 cm, os achados típicos não costumam ser vistos com frequência, em especial nos CHCs iniciais bem diferenciados. Nesses casos, o estudo com contraste hepatoespecífico pode contribuir com achados adicionais, sendo desafiador a distinção entre nódulo displásico de alto grau e CHC bem diferenciado.

Fonte: arquivo pessoal, em colaboração com Dra Ângela Caiado.

Figura 2. Nódulo na face anterior do segmento II/III, medindo 1,2 cm, com realce na fase arterial, clareamento precoce e sem retenção na fase hepatoespecífica.

3. Avaliação de metástases hepáticas

As lesões metastáticas não possuem hepatócitos ou ductos biliares funcionantes, logo, não há a captação de contraste na fase hepatobiliar. Além disso, a captação do contraste hepatoespecífico pelos hepatócitos do parênquima normal aumenta a diferença de contrastação com as lesões metastáticas (hipointensas), elevando a sensibilidade da detecção das mesmas.

Fonte: arquivo pessoal, em colaboração com Dra Ângela Caiado.

Figura 3. Metástases hepáticas em paciente com neoplasia de cólon. Há sinais de hepatectomia direito com aumento compensatório do lobo esquerdo. Nas lesões metastáticas, nota-se realce arterial periférico com lavagem e ausência de retenção na fase hepatoespecífica.

Em resumo, na Tabela 1, pode-se identificar os padrões típicos das lesões hepáticas focais nas fases contrastadas.

Tabela 1. Características das lesões hepáticas focais nas fases dinâmicas e hepatobiliar

CHC: carcinoma hepatocelular.

Pontos de reflexão sobre o contraste hepatoespecífico

Além do maior custo, é descrito na literatura a maior ocorrência de artefatos respiratórios após a injeção do contraste hepatoespecífico na fase arterial em alguns pacientes, podendo estar relacionado à dificuldade de se sustentar a apnéia e/ou dispneia subjetiva.

Conclusão

O contraste hepatoespecífico aumenta a acurácia diagnóstica na detecção e caracterização de lesões focais hepáticas, em especial nas mencionadas na Tabela 1, e devem ser avaliadas de acordo com o quadro clínico dos pacientes.
Nódulos com padrão atípico nos exames contrastados devem ser avaliados caso a caso, podendo ser indicados a biópsia hepática para adequada elucidação ou exames de imagem periódicos para seguimento.

Referências

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Como citar este artigo

Oti, KST. Quando indicar o contraste hepatoespecífico na avaliação de lesões focais hepáticas? Gastropedia 2023, vol. 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/quando-indicar-o-contraste-hepatoespecifico-na-avaliacao-de-lesoes-focais-hepaticas

Karla Sawada Toda Oti

Gastroenterologia Clínica pelo Hospital das Clínicas da FMRP-USP. Hepatologia pelo Hospital das Clínicas da USP HCFMUSP. Doutorado em Ciências em Gastroenterologia HCFMUSP. Aperfeiçoamento de Elastografia Hepática Transitória HCFMUSP. Médica colaboradora do Ambulatório de NASH HCFMUSP. Membro FBG e SBH


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