A colangite biliar primária (CBP) e a colangite esclerosante primária (CEP) são doenças hepáticas crônicas que afetam os ductos biliares, mas apresentam diferenças significativas em termos de patogênese, apresentação clínica e diagnóstico.
A CBP, anteriormente conhecida como cirrose biliar primária, é uma doença autoimune que afeta principalmente os ductos biliares intra-hepáticos. É mais comum em mulheres e frequentemente se apresenta com fadiga e prurido. O diagnóstico é geralmente confirmado pela presença de anticorpos anti-mitocondriais (AMA) em mais de 95% dos pacientes, juntamente com evidências bioquímicas de colestase, como elevação da fosfatase alcalina.[1][2]
Por outro lado, a CEP é caracterizada por inflamação e fibrose dos ductos biliares intra e extra-hepáticos, levando a estenoses multifocais. A CEP está frequentemente associada a doenças inflamatórias intestinais, especialmente a colite ulcerativa, e não possui um marcador sorológico específico como a CBP. O diagnóstico é geralmente feito por colangiografia por ressonância magnética (MRCP), que revela estenoses e dilatações características dos ductos biliares, conferindo uma aparência “em contas”.[3][4][5]
Em termos de complicações, a CEP está associada a um risco aumentado de colangiocarcinoma e outras malignidades, enquanto a CBP pode progredir para cirrose e insuficiência hepática se não tratada.[2][5] O tratamento para CBP inclui o uso de ácido ursodesoxicólico, que pode retardar a progressão da doença, enquanto para CEP, o transplante hepático é a única opção curativa, uma vez que não há tratamentos médicos eficazes disponíveis.[2][4]
Quais são os grupos de pacientes mais afetados por essas condições?
A CBP é uma doença hepática crônica que afeta predominantemente mulheres, com uma proporção de aproximadamente 9:1 em relação aos homens. A maioria dos casos é diagnosticada em mulheres de meia-idade, geralmente entre 40 e 60 anos.[1]
Por outro lado, a CEP é mais comum em homens, com cerca de 60% a 70% dos casos ocorrendo em pacientes do sexo masculino. A idade média de diagnóstico é geralmente entre 30 e 40 anos.[4] A CEP está fortemente associada à doença inflamatória intestinal (DII), especialmente à colite ulcerativa, que está presente em aproximadamente 70% dos pacientes com PSC.[3][6] A prevalência da PSC é maior em populações do norte da Europa e da América do Norte.[6]
Quais são os principais sintomas?
Na colangite biliar primária (CBP), os principais sintomas relatados pelos pacientes incluem fadiga e prurido. Esses sintomas são frequentemente debilitantes e podem impactar significativamente a qualidade de vida dos pacientes, embora não haja uma boa correlação entre a presença desses sintomas e o estágio da doença.[4]
Por outro lado, na colangite esclerosante primária (CEP), muitos pacientes são assintomáticos no momento do diagnóstico, sendo a condição frequentemente identificada por testes de função hepática anormais persistentes. Quando presentes, os sintomas mais comuns incluem fadiga, prurido e icterícia. Outros sintomas podem incluir desconforto abdominal no quadrante superior direito e perda de peso. A CEP também está associada a doenças inflamatórias intestinais, como a colite ulcerativa, o que pode complicar o quadro clínico com sintomas gastrointestinais adicionais.
Quais as opções de tratamento disponíveis para esses pacientes?
Para a colangite biliar primária (CBP), o tratamento de primeira linha é o ácido ursodesoxicólico (UDCA), que melhora os marcadores bioquímicos de colestase e está associado a uma melhor sobrevida livre de transplante hepático.[7][8] No entanto, cerca de um terço dos pacientes não responde adequadamente ao UDCA, necessitando de terapias adicionais. Nesses casos, o ácido obeticólico, um agonista do receptor farnesoide X, pode ser utilizado como terapia de segunda linha.[7][9] Além disso, agonistas do receptor ativado por proliferadores de peroxissoma (PPAR), como o seladelpar, estão sendo investigados e mostram resultados promissores.[9] Fibratos, como bezafibrato e fenofibrato, também são usados off-label para pacientes com resposta inadequada ao UDCA
Para a colangite esclerosante primária (CEP), atualmente não há terapias aprovadas que modifiquem a progressão da doença, além do transplante hepático, que é a única opção curativa.[7][10] O UDCA tem sido utilizado, mas sua eficácia em retardar a progressão da doença ou melhorar a sobrevida não foi comprovada Vários agentes estão em desenvolvimento, incluindo agonistas do receptor farnesoide X, como o ácido obeticólico, cilofexor e tropifexor, além de inibidores de ASTB/IBAP e análogos do fator de crescimento de fibroblastos (FGF)19.[11] A pesquisa continua a explorar novas terapias que possam abordar os mecanismos subjacentes da CEP, incluindo agentes que atuam na microbiota intestinal e nas vias de metabolismo dos ácidos biliares.[11]
Característica | Colangite Biliar Primária (CBP) | Colangite Esclerosante Primária (CEP) |
---|---|---|
Nome da Doença | Colangite Biliar Primária (CBP) | Colangite Esclerosante Primária (CEP) |
Patogênese | Doença autoimune, destruição progressiva dos ductos biliares intra-hepáticos | Inflamação e fibrose progressiva dos ductos biliares intra e extra-hepáticos |
Ductos Acometidos | Ductos biliares intra-hepáticos | Ductos biliares intra e extra-hepáticos |
Grupo mais afetado | Mulheres, 40-60 anos | Homens, 30-40 anos |
Associação com DII | Não associada | Forte associação com colite ulcerativa |
Sintomas Principais | Fadiga, prurido | Assintomática no início, fadiga, prurido, icterícia |
Diagnóstico | Anticorpos anti-mitocondriais (AMA) + bioquímica hepática | Colangiografia por ressonância magnética (MRCP) – imagem de ‘contas’ |
Complicações | Cirrose, insuficiência hepática | Colangiocarcinoma, cirrose, insuficiência hepática |
Tratamento | Ácido ursodesoxicólico (UDCA), ácido obeticólico, fibratos em casos refratários | Transplante hepático (única opção curativa), terapias experimentais em estudo |
Tabela 1: comparação entre colangite biliar primária e colangite esclerosante primária.
Referências
- Kwo PY, Cohen SM, Lim JK. ACG Clinical Guideline: Evaluation of Abnormal Liver Chemistries. The American Journal of Gastroenterology. 2017;112(1):18-35. doi:10.1038/ajg.2016.517.
- Yokoda RT, Carey EJ. Primary Biliary Cholangitis and Primary Sclerosing Cholangitis. The American Journal of Gastroenterology. 2019;114(10):1593-1605. doi:10.14309/ajg.0000000000000268.
- Chapman R, Fevery J, Kalloo A, et al. Diagnosis and Management of Primary Sclerosing Cholangitis. Hepatology (Baltimore, Md.). 2010;51(2):660-78. doi:10.1002/hep.23294.
- Lindor KD, Kowdley KV, Harrison ME. ACG Clinical Guideline: Primary Sclerosing Cholangitis. The American Journal of Gastroenterology. 2015;110(5):646-59; quiz 660. doi:10.1038/ajg.2015.112.
- Yimam KK, Bowlus CL. Diagnosis and Classification of Primary Sclerosing Cholangitis. Autoimmunity Reviews. 2014 Apr-May;13(4-5):445-50. doi:10.1016/j.autrev.2014.01.040.
- Weismüller TJ, Trivedi PJ, Bergquist A, et al. Patient Age, Sex, and Inflammatory Bowel Disease Phenotype Associate With Course of Primary Sclerosing Cholangitis. Gastroenterology. 2017;152(8):1975-1984.e8. doi:10.1053/j.gastro.2017.02.038.
- Bhushan S, Sohal A, Kowdley KV, Agaf FF. Primary Biliary Cholangitis and Primary Sclerosing Cholangitis Therapy Landscape. The American Journal of Gastroenterology. 2024;:00000434-990000000-01424. doi:10.14309/ajg.0000000000003174.
- Hasegawa S, Yoneda M, Kurita Y, et al. Cholestatic Liver Disease: Current Treatment Strategies and New Therapeutic Agents. Drugs. 2021;81(10):1181-1192. doi:10.1007/s40265-021-01545-7.
- Levy C, Manns M, Hirschfield G. New Treatment Paradigms in Primary Biliary Cholangitis. Clinical Gastroenterology and Hepatology : The Official Clinical Practice Journal of the American Gastroenterological Association. 2023;21(8):2076-2087. doi:10.1016/j.cgh.2023.02.005.
- Wheless WH, Russo MW. Treatment of Primary Sclerosing Cholangitis Including Transplantation. Clinics in Liver Disease. 2024;28(1):171-182. doi:10.1016/j.cld.2023.07.008.
- Fiorucci S, Urbani G, Di Giorgio C, Biagioli M, Distrutti E. Bile Acids-Based Therapies for Primary Sclerosing Cholangitis: Current Landscape and Future Developments. Cells. 2024;13(19):1650. doi:10.3390/cells13191650.
Como citar este artigo
Martins BC, Orso IRB. Qual a diferença entre colangite biliar primária e colangite esclerosante primária? Gastropedia; 2025 Vol 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/qual-a-diferenca-entre-colangite-biliar-primaria-e-colangite-esclerosante-primaria/