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O que devemos saber sobre a elastografia hepática transitória e sua aplicação na Doença hepática gordurosa não-alcoólica?

por Karla Sawada Toda Oti
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A esteatohepatite não-alcoólica (EHNA) corresponde ao grupo de pacientes com doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) que cursam, além da esteatose predominantemente macrogoticular, com balonização hepatocitária, inflamação lobular, fibrose hepática, cirrose e risco de evolução para carcinoma hepatocelular (CHC). Saiba mais nesse outro artigo.

Cerca de 30-40% dos adultos possuem DHGNA e destes, 3-12% evoluem com EHNA, com prevalência em progressão nos últimos anos, em especial, pela forte associação com fatores metabólicos como a obesidade. Desta forma, a EHNA tornou-se nos últimos anos a principal causa de transplante hepático no mundo

Na avaliação dos pacientes com DHGNA, é fundamental avaliar quais testes não-invasivos (TNI) podem contribuir na investigação. Apesar da ultrassonografia de abdome ser o exame de primeira linha na avaliação inicial dos pacientes com DHGNA, é operador-dependente e apresenta baixa sensibilidade para esteatose hepática leve: tipicamente, a esteatose precisa acometer mais de 30% dos hepatócitos para ser detectável por este método. 

Dentre os TNI disponíveis em nosso meio, a elastografia hepática transitória (FibroScan®, Echosens, Paris, França; TE) é a mais comumente utilizada pelos hepatologistas. A tecnologia foi aprovada em 2013 pela Food and Drug Administration nos Estados Unidos e rapidamente incorporada na avaliação dos pacientes com hepatopatia por diferentes etiologias, incluindo, os portadores de DHGNA.

Vantagens do método

Através da seleção apropriada de uma das sondas (Small, Medium e XL) pela idade, tipo físico e distância pele-fígado, o exame é realizado de forma não invasiva e rápida, permitindo a quantificação da gordura hepática pelo CAP (controlled attenuation parameter) e da fibrose hepática pela avaliação da rigidez hepática (liver stiffness measurement; LSM).

O ponto de referência é guiado pelos marcadores anatômicos (encontro da linha axilar média com linha transversa e paralela aos rebordos costais, ao nível do apêndice xifóide). 

LSM

Através de vibrações de leve amplitude e baixa frequência (50Hz) emitidas pela sonda no ponto de referência, uma onda de cisalhamento se propaga pelo tecido hepático sob uma determinada velocidade (m/s): quanto mais rígido é o tecido, mais veloz será a propagação da onda. A LSM varia de 1,5 a 75 kilopascal (kPa) e avalia a rigidez hepática em volume 100 vezes maior do que uma biópsia hepática.

Os valores de LSM variam de acordo com a etiologia da hepatopatia, sendo reportados na DHGNA, os valores de AUROC para F1, F2, F3 e F4 de 0,82, 0,85, 0,94 e 0,96, respectivamente. Para fibrose avançada (F3-F4), os cut-offs variam de 8-12kPa, com sensibilidade de 84-100% e especificidade de 83-97%.

Nota 1: Alguns estudos transversais e comparação head-to-head indicaram melhor acurácia da elastografia por RM na avaliação da fibrose hepática em relação a TE, na identificação de fibrose (F1-F4) com especificidade (F4, 94,5% vs 75,9%), entretanto, os fatores custo, disponibilidade e tempo de exame (duração) são limitantes da elastoRM na prática clínica.

CAP

É reportada AUROC de 81-84% ≥E1 (esteatose em pelo menos 5-10% dos hepatócitos); 85-88% para ≥E2 (33%) e 86-91% para E3 (66%), com sensibilidade para ≥E1, ≥E2 e E3 de 60-75%, 69-84% e 77-96%, respectivamente. Os cut-offs para CAP é de 248 dB/m para E1, 268 dB/m para E2 e 280 dB/m para E3.

Nota 2: Apesar da ressonância de abdome com fração de gordura por densidade de prótons (RM-PDFF) ter melhor sensibilidade e especificidade para a quantificação da fração de gordura hepática em relação ao CAP, os fatores custo e disponibilidade são os maiores limitantes na prática clínica.

Critérios de confiabilidade

De acordo com as recomendações do fabricante, durante a TE, devem ser obtidas 10 medidas válidas, com taxa de sucesso >60% e um intervalo interquartil (IQR) ≤30%.
Alguns estudos demonstraram que IQR > 40 dB/m do CAP com sonda M associou-se com menor confiabilidade para o diagnóstico de esteatose hepática, porém estudos adicionais são necessários para validação como critério.

Limitações e considerações do método

Um dos maiores desafios da TE é a menor taxa de sucesso em pacientes obesos. Enquanto a sonda M é indicada para adultos com peso normal (IMC <25kg/m2) e a sonda S para crianças e adolescentes, a sonda XL está indicada para pacientes obesos ou naqueles com distância pele-fígado maior que 3,5cm, haja vista que esta sonda permite maior profundidade na avaliação da rigidez hepática (35-75 vs 25-65mm) e do CAP.

Estudos prospectivos indicam que a sonda XL estima maior valor de rigidez hepática do que a sonda M quando aplicada no mesmo paciente, entretanto, o IMC elevado tende a superestimar a LSM, assim, os efeitos da obesidade e da sonda XL tendem a se anular.

Outros fatores que prejudicam a LSM são: congestão hepática, obstrução biliar, amiloidose, lesões focais hepáticas, aumento de transaminases (1-5xLSN) e ascite.

É fundamental orientar o jejum de 3-4 horas antes do exame, pois o aumento do fluxo portal pode aumentar a LSM em 1-5kPa (pico em 20-40 minutos, com duração de até 180 minutos, em média).

Aplicação clínica

Além da avaliação de rigidez hepática e quantificação da esteatose, a TE possui um importante papel em predizer complicações da doença hepática crônica avançada compensada (DHCAc), como varizes de esôfago (VE), CHC e morte relacionada ao fígado.

De acordo com Baveno VII, no geral:

  1. LSM ≤15kPa e plaquetas ≥ 150.000 exclui hipertensão portal clinicamente significativa (HPCS, sensibilidade e valor preditivo negativo >90%) em paciente com DHCAc;
  2. LSM <20kPa e plaquetas > 150.000 permite evitar a realização de EDA rastreamento de VE;
  3. Em pacientes de etiologia viral, alcoólica e EHNA não obesos (IMC <30kgm/2), LSM ≥ 25 é suficiente para excluir HPCS (sensibilidade e valor preditivo positivo >90%).
  4. Nos pacientes com DHCAc por EHNA, o modelo ANTECIPATE pode ser usado para predizer o risco de HPCS, mas validação adicional é necessária.

Recomendações de Guidelines

A TE é um TNI validada e recomendado pelos guidelines da AASLD e EASL e, conforme a sua disponibilidade, deve ser incorporado como ferramenta na avaliação dos pacientes com DHGNA na prática clínica.

Referências

  1. Zhang X, Wong GL, Wong VW. Application of transient elastography in nonalcoholic fatty liver disease. Clin Mol Hepatol. 2020 Apr;26(2):128-141. doi: 10.3350/cmh.2019.0001n. Epub 2019 Nov 8. PMID: 31696690; PMCID: PMC7160347.
  2. Younossi ZM, Loomba R, Anstee QM, Rinella ME, Bugianesi E, Marchesini G, Neuschwander-Tetri BA, Serfaty L, Negro F, Caldwell SH, Ratziu V, Corey KE, Friedman SL, Abdelmalek MF, Harrison SA, Sanyal AJ, Lavine JE, Mathurin P, Charlton MR, Goodman ZD, Chalasani NP, Kowdley KV, George J, Lindor K. Diagnostic modalities for nonalcoholic fatty liver disease, nonalcoholic steatohepatitis, and associated fibrosis. Hepatology. 2018 Jul;68(1):349-360. doi: 10.1002/hep.29721. PMID: 29222917; PMCID: PMC6511364.
  3. Park CC, Nguyen P, Hernandez C, Bettencourt R, Ramirez K, Fortney L, Hooker J, Sy E, Savides MT, Alquiraish MH, Valasek MA, Rizo E, Richards L, Brenner D, Sirlin CB, Loomba R. Magnetic Resonance Elastography vs Transient Elastography in Detection of Fibrosis and Noninvasive Measurement of Steatosis in Patients With Biopsy-Proven Nonalcoholic Fatty Liver Disease. Gastroenterology. 2017 Feb;152(3):598-607.e2. doi: 10.1053/j.gastro.2016.10.026. Epub 2016 Oct 27. PMID: 27911262; PMCID: PMC5285304.
  4. de Franchis R, Bosch J, Garcia-Tsao G, Reiberger T, Ripoll C; Baveno VII Faculty. Baveno VII – Renewing consensus in portal hypertension. J Hepatol. 2022 Apr;76(4):959-974. doi: 10.1016/j.jhep.2021.12.022. Epub 2021 Dec 30. Erratum in: J Hepatol. 2022 Apr 14;: PMID: 35120736.

Como citar este arquivo

Oti KST., O que devemos saber sobre a elastografia hepática transitória e sua aplicação na Doença hepática gordurosa não-alcoólica?. Gastropedia, 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/figado/o-que-devemos-saber-sobre-a-elastografia-hepatica-transitoria-e-sua-aplicacao-na-doenca-hepatica-gordurosa-nao-alcoolica/



Karla Sawada Toda Oti

Gastroenterologia Clínica pelo Hospital das Clínicas da FMRP-USP. Hepatologia pelo Hospital das Clínicas da USP HCFMUSP. Doutorado em Ciências em Gastroenterologia HCFMUSP. Aperfeiçoamento de Elastografia Hepática Transitória HCFMUSP. Médica colaboradora do Ambulatório de NASH HCFMUSP. Membro FBG e SBH


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2 comments

Felipe Paludo Salles
Felipe Paludo Salles 7 de dezembro de 2022 - 17:42

Karla, parabéns pelo post, muito didático e objetivo. Pode-se dizer que atualmente os métodos não invasivos como a elastografia e a RM substituem completamente a biópsia hepática? Existem critérios clínicos para estratificar pacientes com DHGNA que possuem maior risco para desenvolver EHNA?

Karla Sawada Toda Oti
Karla Sawada Toda Oti 12 de dezembro de 2022 - 17:15

Olá Felipe, obrigada!
Os métodos não invasivos que você citou auxiliam bastante na investigação e estadiamento da esteatose e fibrose hepática, porém, a biópsia segue como padrão ouro para o diagnóstico de esteato-hepatite (NASH). Por ser invasiva, a biópsia será indicada em casos selecionados de elevação persistente de enzimas hepáticas, positividade de alguns auto-As para diagnóstico diferencial com etiologia auto-imune e/ou quando os métodos não invasivos indicarem fibrose avançada (F3-F4) para confirmação da fibrose – exceto se achados inequívocos de hipertensão portal nos demais exames.
Existem escores clínicos que podemos utilizar para triar os pacientes com DHGNA sob risco menor/intermediário/maior de fibrose avançada (F3-F4), como NAFLD Fibrosis Score (NFS), FIB-4, APRI, entre outros e, assim, auxiliar se é necessário seguir com a investigação com elastografia hepática e/ou biópsia hepática.

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