Recentemente, a terapia de conversão surgiu como uma nova possibilidade de tratamento para pacientes com câncer gástrico (CG). Ela consiste na administração de quimioterapia (QT) seguida de cirurgia, ainda com intenção curativa, em pacientes com CG estádio clínico (EC) IV. É também descrita como a combinação de QT de indução e cirurgia “adjuvante”. Pode ser indicada para tratar lesões irressecáveis ou marginalmente ressecáveis, pacientes com metástases linfonodais (LN) à distância ou mesmo aqueles com doença metastática ou disseminação peritoneal.
A terapia de conversão tem se destacado nos últimos anos, visto que o desenvolvimento e aprimoramento de esquemas quimioterápicos e a terapia-alvo baseada em marcadores moleculares têm melhorado dramaticamente as taxas de resposta. Assim, tornou-se cada vez mais comum para os cirurgiões reavaliarem pacientes inicialmente rotulados como não candidatos à ressecção curativa que apresentam uma doença completamente diferente após a QT paliativa/conversão inicial. Esse novo cenário deu à terapia de conversão grande destaque nas discussões atuais sobre o tratamento do CG.
A definição da terapia de conversão passa pela presença de um tumor irressecável. Entretanto, é extremamente difícil definir o que é um tumor marginalmente ressecável ou até mesmo irressecável e isso varia muito, mesmo entre os cirurgiões. Outra situação que pode ser englobada na terapia de conversão é a presença de LN acometidos fora do território de dissecção da linfadenectomia D2 habitual. Tecnicamente, as metástases linfonodais para-aórticas não são irressecáveis, mas também podem ser incluídos no grupo de conversão por serem considerados marginais do ponto de vista de cura.
Essas dificuldades foram em parte superadas com a proposta de Yoshida et al. para classificar os pacientes ECIV em 4 categorias. A divisão é baseada na presença de doença peritoneal, metástase sistêmica, metástase linfonodal e ressecabilidade do tumor (Figura 1).
Categorias de Câncer Gástrico estádio IV proposta por Yoshida
Categoria 1
Metástases potencialmente ressecáveis – inclui pacientes com metástase hepática única, citologia oncótica positiva (CY1) ou metástases para os LN para-aórticos nos níveis 16a2 e/ou 16b1. São definidos oncologicamente como tumores ECIV, mas com metástases tecnicamente ressecáveis sem a necessidade de qualquer regime de QT para a citorredução do tumor e sua metástase. Nesse grupo, os pacientes têm lesões que podem ser ressecáveis mesmo antes da administração de QT.
Categoria 2
Metástases marginalmente ressecáveis – inclui pacientes com mais de duas metástases hepáticas, metástase hepática maior que 5 cm localizada próxima à veia porta e/ou artéria hepática e metástases para LN em sítios distantes como estações para-aórticas 16a1 e/ou 16b2, cadeia mediastinal, fossas supraclavicular ou axilar. Metástases para outros órgãos distantes também podem ser incluídos nessa categoria (como exemplo, pulmão).
Categoria 3
Essa categoria inclui pacientes com doença peritoneal detectada em exames de estadiamento, laparoscopia diagnóstica ou durante a laparotomia. Não há metástases em outros órgãos. Quando os implantes peritoneais apresentam boa resposta à QT de conversão, o tumor primário e os implantes podem ser removidos totalmente. Nesses casos, a cirurgia é considerada por alguns autores como citorredutora pois a maioria dos pacientes irá recidivar no peritônio visto que a remoção completa da doença peritoneal é improvável.
Categoria 4
Pacientes com doença peritoneal macroscópica e metástases em outros órgãos. Dificilmente algum paciente desse grupo será candidato à terapia de conversão sendo a QT paliativa a modalidade de escolha na grande maioria dos casos. (Confira: Partição gástrica para tratamento de tumores gástricos distais obstrutivos não ressecáveis)
O conhecimento de fatores prognósticos relacionados com o resultado é importante para seleção adequada dos pacientes que serão submetidos à terapia de conversão sem prejudicar o tratamento. A taxa de pacientes que completaram com sucesso a QT de conversão, e são operados, varia entre 26 e 32,4%. Entretanto, como a maioria dos estudos são retrospectivos existe um grande viés de seleção dessas populações.
Dentre os fatores, o de mais fácil avaliação e maior impacto na resposta à terapia e na sobrevida seria a presença de mais de um fator de incurabilidade: a presença de doença metastática em dois ou mais sítios. O estado geral do paciente (performance status) e à resposta à QT inicial são outros importantes fatores que impactam a sobrevida. O esquema de QT aplicado, incluída aí a via de administração (sistêmica e/ou intraperitoneal) também influencia os resultados.
Doença localmente avançada – Yoshida categorias 1 e 2
Os tumores das categorias 1 e 2 são provavelmente a indicação mais favorável para a terapia de conversão.
O estudo multicêntrico de fase II alemão FLOT 3 comparou três grupos de pacientes que foram inicialmente submetidos a quatro ciclos de QT (fluorouracil, leucovorin, oxaliplatina e docetaxel).
- grupo A (n=51 pacientes) incluiu pacientes ressecáveis (QT neoadjuvante);
- grupo B (n=60) envolveu pacientes com doença oligometastática em sítio único (linfonodos retroperitoneais, fígado, pulmão, doença peritoneal localizada ou outros sítios);
- grupo C (n=127) contava com pacientes com doença metastática extensa.
A maior parte do grupo B incluiu a doença nodal retroperitoneal (27 dos 60 pacientes). Após a QT inicial, 96,1% dos pacientes do grupo A, 60% do grupo B e 11,8% do grupo C foram submetidos à ressecção cirúrgica. No grupo B, que representou a terapia de conversão, a cirurgia foi possível em 18 dos 27 pacientes com doença nodal extensa (66,7%), em seis dos 11 com metástase hepática (54,5%), em seis dos 10 com metástase pulmonar (60%) e em quatro de oito com outras metástases (50%). Nesse grupo, a sobrevida mediana global foi de 31,3 meses dentre os pacientes que foram submetidos à cirurgia vs. 15,9 meses nos não ressecados. Segundo o relato dos autores, os pacientes com doença nodal extensa obtiveram o melhor prognóstico.
Além dos tumores localmente avançados, vale destacar que os casos com citologia peritoneal positiva também são considerados na categoria 1. Kim et al. avaliaram o efeito da QT de conversão nesse grupo de pacientes com câncer gástrico e citologia positiva num estudo retrospectivo. De 43 pacientes, 18 foram submetidos à cirurgia (10 procedimentos curativos) após QT de conversão e os outros 25 seguiram com a QT exclusiva. A sobrevida em 3 anos no primeiro grupo foi de 16,3%. Nenhum paciente sobreviveu 3 anos no grupo da QT exclusiva.
Doença peritoneal – Yoshida categorias 3 e 4
As metástases peritoneais sincrônicas são as mais comuns no câncer gástrico ECIV e têm prognóstico reservado. Recentemente, o uso de QT intraperitoneal (IP) normotérmica, HIPEC e PIPAC tem sido empregado na tentativa de melhorar os resultados nessa população.
O uso do taxano por via IP e sistêmica mostrou ser um esquema terapêutico viável e bastante efetivo para pacientes com doença peritoneal, quer seja ascite, citologia positiva ou implante neoplásico, sendo observada a redução e, eventualmente, o desaparecimento da expressão peritoneal, o que permite ser realizada a gastrectomia de conversão em um número relevante de casos.
- Um recente estudo analisou a QT IP repetida em 222 pacientes portadores de doença peritoneal tratados em 20 instituições japonesas. Foi possível realizar a ressecção em 99 pacientes e a sobrevida global foi de 26 meses comparada com 12 meses para os pacientes não operados (Ishigami et al.).
Infelizmente, até o momento, não há evidências definitivas da efetividade da QT IP empregando HIPEC e PIPAC. Definição do melhor esquema de drogas, duração da terapia e perfil dos pacientes ainda são necessárias. Diversos estudos estão em andamento nesse sentido e seus resultados podem aumentar a indicação e o número de casos candidatos à terapia de conversão no cenário da carcinomatose peritoneal.
Concluindo, a terapia de conversão pode oferecer a possibilidade de ressecção cirúrgica com sobrevida em longo prazo para um grupo de pacientes considerados inicialmente fora das possibilidades terapêuticas. Os avanços do tratamento sistêmico e das terapias IP ampliarão essa possibilidade. O cirurgião que atua na área do CG deve estar atento a essas possibilidades sempre levando em consideração o balanço entre o risco e benefício do tratamento.
Referências
- Al-Batran SE,Homann N,Pauligk C et al. Effect of Neoadjuvant Chemotherapy Followed by Surgical Resection on Survival in Patients With Limited Metastatic Gastric or Gastroesophageal Junction Cancer: The AIO-FLOT3 Trial. JAMA Oncol, 3, n. 9, p. 1237-1244, Sep 1 2017.
- Ishigami H,Fujiwara Y,Fukushima R et al. Phase III Trial Comparing Intraperitoneal and Intravenous Paclitaxel Plus S-1 Versus Cisplatin Plus S-1 in Patients With Gastric Cancer With Peritoneal Metastasis: PHOENIX-GC Trial. J Clin Oncol, 36, n. 19, p. 1922-1929, Jul 1 2018.
- Kim SW. The result of conversion surgery in gastric cancer patients with peritoneal seeding. J Gastric Cancer, 14, n. 4, p. 266-270, Dec 2014.
- Morgagni P,Solaini L,Framarini M et al. Conversion surgery for gastric cancer: A cohort study from a western center. In: Int J Surg. England: © 2018. Published by Elsevier Ltd., 2018. v. 53, p. 360-365.
- Ramos MFKP,Pereira MA,Charruf AZ et al. Conversion Therapy For Gastric Cancer: Expanding The Treatment Possibilities. Arq Bras Cir Dig, 32, n. 2, p. e1435, 2019.
Como citar este artigo
Ramos MFKP, Terapia de conversão no câncer gástrico Gastropedia 2023 Vol 2. Disponível em: gastropedia.pub/pt/cirurgia/terapia-de-conversao-no-cancer-gastrico/
Cirurgião do Aparelho Digestivo
Professor Livre-Docente da Faculdade de Medicina da USP