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As Temidas Deiscências de Anastomose. Fatores de Risco, Diagnóstico e Tratamento

por Mariane Gouvea Monteiro de Camargo
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Todo cirurgião que faz ressecções intestinais já perdeu o sono preocupado com deiscência de anastomose. A incidência das deiscências de anastomoses intestinais varia de 2 a 21% e sua ocorrência gera uma cascata de outros eventos que levam a prejuízos significativos à qualidade de vida do paciente, aumento da dor, incapacidade em retornar às atividades de rotina por um período prolongado, períodos de internação hospitalar mais longos, maior necessidade de exames e, em alguns casos, óbito.

Na cirurgia colorretal, ainda que sejam adotadas as diretrizes perioperatórias baseadas em evidências, esforços para otimizar os fatores de risco do paciente e que os princípios cirúrgicos sejam respeitados, as deiscências e suas graves consequências ainda ocorrem.

Fatores de Risco

  • Local da anastomose: menor risco nas anastomoses do intestino delgado e ileocólicas e maior para anastomoses ileorretais e colorretais baixas.
  • Fatores associados ao paciente: diabetes mellitus, hiperglicemia, hemoglobina glicada alta, sexo masculino, IMC elevado, tabagismo, doença inflamatória intestinal, uso crônico de medicamentos imunossupressores, enterite actínica, desnutrição, hipoalbuminemia e infecção ativa.
  • Em pacientes com câncer de reto: anastomoses mais baixas, radioterapia pélvica neoadjuvante e estadios mais avançados do tumor.
  • Fatores intraoperatórios: incapacidade de obter uma anastomose livre de tensão, irrigação insuficiente da anastomose, sangramento intraoperatório e necessidade de hemotransfusões, tempo cirúrgico prolongado, contaminação intraoperatória, além de uso de vários disparos de grampeador no reto (comum em abordagens laparoscópicas e robóticas).
  • O cirurgião é outro fator de risco potencial, mas as características que aumentariam o risco de uma complicação cirúrgica ainda são pouco conhecidas.

Drenagem

Apesar de muito utilizada, sobretudo em anastomoses extraperitoneais baixas, ainda não há evidências suficientes para concluir que a drenagem de rotina reduza a incidência de deiscência. Em geral, o dreno colocado no sítio da  cirurgia não é capaz de controlar de forma efetiva uma sepse pélvica na ocorrência de uma deiscência, com drenagem de pus ou fezes. Por outro lado, como há vários estudos que não mostraram que os drenos aumentam o risco de deiscência, seu uso pode auxiliar no diagnóstico e ele pode ser reposicionado com a ajuda da radiologia intervencionista, se necessário. Além disso, o dreno pode auxiliar no controle de hematomas pélvicos, evitando que aumentem o processo inflamatório local e a pressão sobre a anastomose.

Derivação Intestinal

Seu papel na prevenção de deiscência de anastomose também é assunto ainda em debate. Mas é certo que seu uso reduz o risco de complicações sépticas na ocorrência de deiscência, diminuindo o risco de reoperação e óbito. 

Preparo de Cólon e Antibióticos Orais

Há diversos estudos com resultados variados a respeito do papel do preparo de cólon e do uso de antibióticos por via oral no pré-operatório na prevenção de deiscência de anastomose. Recentemente, várias análises estatísticas usando o robusto banco de dados do American College of Surgeons National Surgery Quality Improvement Program (NSQIP) são consistentes com a conclusão de que tanto o preparo mecânico quanto os antibióticos orais estão associados a um menor risco de deiscência de anastomose.

O surgimento de linhas de pesquisa que sugerem que o microbioma intestinal pode ser um outro fator de risco para a deiscência de anastomose pode explicar porque essas intervenções poderiam ser úteis para diminuir a deiscência. 

Diagnóstico

Apesar de se supor que ocorram na primeira semana, metade das desicências pode ocorrer após a alta do paciente, com uma proporção não desprezível ocorrendo após um mês da cirurgia.

O diagnóstico da deiscência de anastomose nem sempre é óbvio, portanto, além de estar atento às manifestações clínicas, o cirurgião pode precisar lançar mão de exames laboratoriais e radiológicos para confirmação da deiscência e avaliação de sua magnitude. 

  • Sinais clínicos: febre, leucocitose, aumento da dor, drenagem suspeita da ferida ou do dreno, íleo prolongado e até peritonite e sepse francas.
  • Deiscências mais tardias tendem a apresentar-se insidiosamente com dor pélvica e retardo na recuperação clínica do paciente.
  • Tomografia (TC) com contraste oral ou retal: tem a maior sensibilidade e especificidade para detectar deiscência de anastomose (identificação de pneumoperitôneo livre, extravasamento de contraste, defeito na anastomose com líquido livre adjacente ou um abscesso ou coleções com realce).
  • Proteína C reativa sérica (PCR) elevada e a procalcitonina são biomarcadores que servem como indicadores precoces de deiscência após cirurgia colorretal e podem guiar a alta do paciente.

Tratamento

A estratégia para lidar com a deiscência de anastomose depende de fatores como condição clínica do paciente, momento da fístula, localização da anastomose e da fístula e se a fístula está bloqueada. 

O paciente com sepse e peritonite fecal tem indicação de reabordagem cirúrgica, com lavagem e drenagem da cavidade e consideração intraoperatória (condições clínicas do paciente versus condições locais do intestino) de desfazer a anastomose ou drenar e fazer uma derivação proximal. Pacientes submetidos a abordagem minimamente invasiva podem ser reoperados da mesma forma, mas é bastante provável que uma laparotomia seja necessária para uma lavagem da cavidade e controle do foco de forma adequada. 

Pacientes com deiscências bloqueadas e abscessos pequenos podem ser submetidos ao tratamento conservador com antibióticos de amplo espectro. Abscessos maiores podem exigir também drenagem percutânea. Para deiscências de anastomoses baixas, pode ser colocado um dreno por via transretal através do defeito da anastomose e na cavidade do abscesso. 

Se a deiscência não for bem controlada com drenagem e derivação, o paciente pode precisar ser submetido à ressecção da anastomose. Se possível, é ideal esperar pelo menos 3 meses para reoperar de forma a permitir a resolução de aderências inflamatórias que dificultariam a reoperação. 

A colocação endoscópica de esponja a vácuo em cavidades de abscesso pré-sacral, stents cobertos intraluminais e clipes sobre o orifício de vazamento têm tido resultados promissores. O tratamento com vácuo pode ser feito ambulatorialmente, com troca a cada 2-3 dias e geralmente é bem tolerado e seguro. A derivação fecal é comumente parte da estratégia. 

Resultados após Deiscência de Anastomose

  • Risco de mortalidade perioperatória aumenta na presença de fístula de anastomose e varia de 3% a 14%.
  • Para pacientes com câncer de reto, há associação à diminuição da sobrevida global em 5 anos e sobrevida de 5 anos específica do câncer, aumento de recidiva local e sistêmica em alguns estudos, sendo que os piores resultados oncológicos são atribuídos ao atraso na quimioterapia adjuvante. 
  • Ostomia permanente: quanto mais distal for a anastomose, maior o risco de ostomia permanente.
  • Resultados funcionais e qualidade de vida piores, principalmente na anastomose pélvica, com aumento da frequência evacuatória e incontinência, disfunção sexual e urinária. 

Referências

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Como citar este artigo

Camargo MGM., As Temidas Deiscências de Anastomose – Fatores de risco, Diagnóstico e Tratamento. Gastropedia, 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/miscelanea/as-temidas-deiscencias-de-anastomose-fatores-de-risco-diagnostico-e-tratamento/

Mariane Gouvea Monteiro de Camargo

Cirurgiã Colorretal pela Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo e Coloproctologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Médica do Departamento de Coloproctologia – Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Research Fellow (2017 – 2019) do Departamento de Cirurgia Colorretal da Cleveland Clinic, Cleveland – OH


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