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Atualização das Diretrizes Americanas para Enhanced Recovery After Surgery (ERAS) na Cirurgia Colorretal

por Mariane Gouvea Monteiro de Camargo
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A sociedade americana de cirurgia do cólon e reto e a sociedade americana de cirurgia endoscópica e gastrointestinal publicou na primeira edição da revista Diseases of Colon and Rectum de 2023 as atualizações (a última versão era de 2017) das diretrizes para recuperação acelerada no pós-operatório de cirurgia colorretal.

Os protocolos de recuperação avançada são um conjunto de processos perioperatórios padronizados, cujo conteúdo pode variar significativamente, que são aplicados a pacientes submetidos a cirurgias eletivas. São projetados para melhorar os resultados dos pacientes, como aliviar náuseas e dor, retorno precoce da função intestinal e diminuir as taxas de infecção da ferida e tempo de internação. Aqui, falaremos a respeito das principais medidas citadas para melhorar os resultados dos pacientes após ressecções eletivas de cólon e reto.

Como é sabido, a cirurgia colorretal sempre foi associada a tempos de internação mais longos, custos maiores e maiores taxas de infecção de sítio cirúrgico (cerca de 20%) se comparada a procedimentos de outras especialidades. Além disso, altas taxas de náuseas e vômitos (80%), que também retardam a alta hospitalar, e de reinternação (35%). Foi demonstrado que a implementação do ERAS em cirurgia colorretal reduz as taxas de morbidade e diminui o tempo de internação sem aumentar as taxas de readmissão.


INTERVENÇÕES PRÉ-OPERATÓRIAS

Aconselhamento pré-internação

  • Discussão pré-operatória sobre os objetivos clínicos e critérios de alta deve ser realizada antes da cirurgia. A adesão a um protocolo de recuperação avançada que inclui a educação pré-operatória do paciente está associada à diminuição do tempo de internação e diminuição das taxas de complicações.
  • Os pacientes que serão submetidos à criação de ileostomia devem receber orientações sobre o manejo do estoma e aconselhamento sobre como para evitar desidratação, o que reduz o tempo de internação e as taxas de readmissão.

Nutrição Pré-Internação e Preparo de cólon

  • Líquidos claros podem ser continuados até 2 horas antes da anestesia geral. Essa intervenção, de acordo com diversos ensaios clínicos randomizados, é segura e melhora a sensação de bem-estar dos pacientes.
  • Ingestão de bebidas ricas em carboidratos deve ser incentivada antes da cirurgia em pacientes sem diabetes para atenuar a resistência à insulina induzida por cirurgia e jejum. Os estudos que avaliaram essa medida mostraram redução no tempo de internação, mas não houve diferenças nas taxas de complicações ou outros desfechos.
  • A suplementação nutricional oral é recomendada em pacientes desnutridos antes da cirurgia colorretal eletiva, visando uma ingestão de proteína de 1,2 a 1,5g/kg/d por um período de 1 a 2 semanas, o que diminuiu complicações pós-operatórias. Por outro lado, a eficácia da imunonutrição, suplementação contendo nutrientes imunomoduladores como arginina, óleo de peixe (ácidos graxos ômega-3), nucleotídeos e glutamina, sobre suplementos nutricionais orais de alta proteína padrão permanece controversa.
  • Preparo de cólon mecânico combinado a antibióticos orais pré-operatórios é normalmente recomendada antes da cirurgia colorretal eletiva. Uma meta-análise de sete ensaios clínicos randomizados incluindo 1.769 pacientes comparando preparo de cólon com e sem antibióticos orais, mostrou uma redução na infecção de sítio cirúrgico e de ferida operatória. Em uma análise retrospectiva de um banco de dados nacional dos Estados Unidos, o preparo de cólon com antibióticos orais foi associado a diminuição da morbidade geral, infecção de ferida, deiscência de anastomose e infecções intra-abdominais.

Otimização de pré-internação

  • A pré-habilitação multimodal, que é a melhora das condições clínicas gerais do paciente, antes da cirurgia colorretal eletiva, pode ser considerada para pacientes com múltiplas comorbidades ou com perda de performance significativa, sobretudo em pacientes que serão submetidos a cirurgia aberta.

INTERVENÇÕES PERIOPERATIVAS

Infecção de Sítio Cirúrgico

  • Deve haver um conjunto de medidas para reduzir a infecção de sítio cirúrgico. Há diversos itens descritos na literatura, mas não há uma padronização universal. As medidas incluem banho de clorexidina, preparo de cólon com administração oral antibióticos, antibióticos intravenosos dentro de uma hora após a incisão e padronização da preparação do campo cirúrgico com clorexidina/álcool. As medidas cirúrgicas incluem o uso de um protetor de ferida, troca de aventais e luvas antes do fechamento da aponeurose, usando uma caixa de instrumentos exclusiva para o fechamento, suturas antimicrobianas, limitação do tráfego de pessoas na sala de cirurgia e manter uma glicemia controlada e normotermia.

Controle da Dor

  • Um plano de controle da dor multimodal, evitando opioides deve ser implementado antes da indução da anestesia. Vários estudos demonstraram que a minimização de opioides após a cirurgia colorretal está associada ao retorno mais precoce da função intestinal e menor tempo de internação. As medidas incluem o uso de analgésicos simples (dipirona, paracetamol) e antiinflamatórios não-hormonais, sobretudo os seletivos (como os inibidores da ciclooxigenase) e o cetorolaco, bloqueios analgésicos, como quadrado lombar e transverso do abdome, e infiltração da ferida e analgesia espinhal com administração intratecal de morfina.
  • A analgesia peridural torácica, embora não seja recomendada para uso rotineiro em cirurgia colorretal laparoscópica, é uma opção para cirurgia colorretal aberta se uma equipe dedicada à dor estiver disponível para o tratamento pós-operatório.

Náuseas e Vômitos Perioperatórios

  • O uso de antieméticos profiláticos e multimodal reduz as náuseas e os vômitos perioperatórios. Os fatores de risco para o desenvolvimento de vômitos no pós-operatório incluem sexo feminino, história prévia de vômitos ou náuseas em pós-operatório, não-tabagista, idade jovem, cirurgia laparoscópica, uso de anestesia respiratória, tempo operatório prolongado e analgesia com opióide. Vários estudos prospectivos e observacionais demonstram que a terapia combinada usando dois ou mais antieméticos para prevenir náusea e vômito é superior a um único agente. Uma meta-análise de nove ensaios clínicos randomizados incluindo 1.089 pacientes, demonstrou que a dexametasona combinada com outros antieméticos forneceu profilaxia significativamente melhor do que um único antiemético, diminuiu a necessidade de terapia de resgate e não aumentou infecções pós-operatórias ou afetou significativamente o controle glicêmico.

Gerenciamento de Fluidos

  • A administração de fluidos deve ser adaptada para evitar administração excessiva de fluidos e sobrecarga de volume ou restrição indevida de fluidos e hipovolemia. Tanto a sobrecarga de líquidos intravenosos quanto a hipovolemia podem prejudicar significativamente a função dos órgãos, aumentar a morbidade pós-operatória e prolongar a internação hospitalar.
  • Soluções cristaloides balanceadas com restrição de cloreto devem ser usadas para infusões de manutenção e bôlus de fluidos em pacientes submetidos a cirurgia colorretal. Não há benefício no uso rotineiro de soluções colóides para fluidos em bôlus.
  • A hipotensão intraoperatória deve ser evitada, pois mesmo períodos curtos de pressão arterial média <65 mmHg estão associados a desfechos adversos, em particular lesão miocárdica e lesão renal aguda.
  • Em pacientes de alto risco e em pacientes submetidos à cirurgia colorretal com perdas intravasculares significativas antecipadas, recomenda-se o uso de terapia hemodinâmica dirigida por objetivos. Medidas objetivas de hipovolemia, como débito cardíaco, volume sistólico, oferta de oxigênio, extração de oxigênio e saturação venosa mista de oxigênio e índices dinâmicos de responsividade a fluidos (por exemplo, variação da pressão de pulso ou variação do volume sistólico) podem ajudar a decidir se devem ser administrados fluidos intravenosos para fins de ressuscitação.
  • Na ausência de complicações cirúrgicas ou instabilidade hemodinâmica, os fluidos intravenosos devem ser descontinuados rotineiramente no período pós-operatório imediato.

Abordagem Cirúrgica

  • Uma abordagem cirúrgica minimamente invasiva deve ser usada quando houver experiência disponível e quando apropriado.
  • O uso rotineiro de sondas nasogástricas e drenos intra-abdominais para cirurgia colorretal deve ser evitado.

INTERVENÇÕES PÓS-OPERATÓRIAS

Mobilização do paciente

  • A mobilização precoce e progressiva do paciente está associada a menor tempo de internação.

Prevenção de Íleo Paralítico

  • Deve-se oferecer aos pacientes uma dieta regular dentro de 24 horas após a cirurgia colorretal eletiva. A alimentação precoce está associada a uma diminuição no tempo de permanência hospitalar, a um retorno mais rápido da função do trato gastrointestinal e a menor tempo para eliminação de flatus e primeira evacuação.
  • A alimentação simulada (ou seja, mascar chiclete por ≥10min 3–4× ao dia) após a cirurgia colorretal é segura, resulta em pequenas melhorias na recuperação gastrointestinal e pode estar associada a uma redução no tempo de internação.

Cateteres Urinários

  • Sondas vesicais devem normalmente ser removidas dentro de 24 horas após a ressecção de cólon ou reto alto eletivas, independentemente do uso de analgesia peridural torácica.
  • Geralmente, as sondas vesicais devem ser removidas dentro de 24 a 48 horas após a ressecção retal média/inferior. A manipulação e dissecção próxima da bexiga e dos nervos pélvicos laterais durante a proctectomia pode aumentar o risco de retenção urinária pós-operatória.

Critérios de alta

  • A alta hospitalar antes da evacuação pode ser oferecida para pacientes selecionados. Os critérios tradicionais de alta após a cirurgia colorretal incluem presença de evacuação juntamente com a tolerância à ingestão oral, controle adequado da dor com analgesia oral e a capacidade de mobilização na ausência de complicações. Muitos pacientes atendem a esses critérios no primeiro ou segundo dia após a cirurgia. No entanto, há relatos crescentes de alta no mesmo dia da cirurgia, o que depende da viabilidade de dar alta aos pacientes antes do retorno da função intestinal para pacientes muito selecionados, com possibilidade de seguimento próximo e suporte domiciliar adequado. Esta é uma área com evidências limitadas, mas em evolução. As recomendações podem mudar à medida que mais evidências se tornam disponíveis.

Referências

  1. Irani JL, Hedrick TL, Miller TE, Lee L, Steinhagen E, Shogan BD, Goldberg JE, Feingold DL, Lightner AL, Paquette IM. Clinical Practice Guidelines for Enhanced Recovery After Colon and Rectal Surgery From the American Society of Colon and Rectal Surgeons and the Society of American Gastrointestinal and Endoscopic Surgeons. Dis Colon Rectum. 2023 Jan 1;66(1):15-40.
  2. Chen M, Song X, Chen LZ, Lin ZD, Zhang XL. Comparing mechanical bowel preparation with both oral and systemic antibiotics versus mechanical bowel preparation and systemic antibiotics alone for the prevention of surgical site infection after elective colorectal surgery: a meta-analysis of randomized controlled clinical trials. Dis Colon Rectum. 2016; 59:70–78.
  3. Herbert G, Perry R, Andersen HK, et al. Early enteral nutrition within 24 hours of lower gastrointestinal surgery versus later commencement for length of hospital stay and postoperative complications. Cochrane Database Syst Rev. 2019;7:CD004080.
  4. Hogan S, Steffens D, Rangan A, Solomon M, Carey S. The effect of diets delivered into the gastrointestinal tract on gut motility after colorectal surgery—a systematic review and meta-analysis of randomised controlled trials. Eur J Clin Nutr. 2019; 73:1331–1342.
  5. Liu Q, Jiang H, Xu D, Jin J. Effect of gum chewing on amelio- rating ileus following colorectal surgery: a meta-analysis of 18 randomized controlled trials. Int J Surg. 2017; 47:107–115.

Como citar este arquivo

Camargo, MGM. Atualização das Diretrizes Americanas para Enhanced Recovery After Surgery (ERAS) na Cirurgia Colorretal. Gastropedia; 2022. Disponível em: strongatualizacao-das-diretrizes-americanas-para-emenhanced-recovery-after-surgery-em-eras-na-cirurgia-colorretal-strong

Mariane Gouvea Monteiro de Camargo

Cirurgiã Colorretal pela Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo e Coloproctologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Médica do Departamento de Coloproctologia – Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Research Fellow (2017 – 2019) do Departamento de Cirurgia Colorretal da Cleveland Clinic, Cleveland – OH


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