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Estratégias Neoadjuvantes e Reestadiamento no Adenocarcinoma de Pâncreas Borderline Ressecável: Uma Abordagem Multidisciplinar

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O adenocarcinoma ductal pancreático (ADP) permanece como uma das neoplasias de maior letalidade, primariamente devido ao seu diagnóstico tardio e comportamento biológico agressivo. Dentro do espectro de doença localizada, a categoria borderline resectable pancreatic cancer (BRPC) representa um desafio clínico e cirúrgico único. Estes tumores, pela sua íntima relação com estruturas vasculares críticas, apresentam altas taxas de margens cirúrgicas comprometidas (R1) quando a ressecção cirúrgica é a abordagem primária.

Este post detalha a estratégia contemporânea de manejo, focada na terapia neoadjuvante e nos critérios de reestadiamento para otimizar os desfechos oncológicos.


1. Estratificação de Ressecabilidade: A Definição Atual de Borderline

Uma estratificação anatômica precisa, baseada em tomografia computadorizada com contraste em protocolo pancreático, é o pilar para o planejamento terapêutico. De acordo com as diretrizes mais atuais (como as do NCCN – National Comprehensive Cancer Network), a classificação de BRPC é definida por contatos vasculares específicos:

  • Envolvimento Venoso (Veia Mesentérica Superior/Veia Porta):
    • Contato do tumor sólido com a VMS ou VP >180°.
    • Contato ≤180° associado a irregularidade do contorno venoso ou trombose, desde que haja segmento vascular proximal e distal adequados que permitam uma ressecção segura e completa com reconstrução venosa.
    • Contato do tumor sólido com a veia cava inferior (VCI).
  • Envolvimento Arterial:
    • Contato com a artéria hepática comum sem extensão ao tronco celíaco ou à bifurcação da artéria hepática, permitindo ressecção e reconstrução.
    • Contato com a artéria mesentérica superior (AMS) ≤180°.


2. O Racional da Terapia Neoadjuvante Sistêmica

Para pacientes com BRPC, a terapia sistêmica em regime neoadjuvante (ou de indução) tornou-se o padrão-ouro.

Os objetivos são múltiplos:

  1. Tratamento de Micrometástases: Erradicar a doença subclínica sistêmica, a principal causa de recidiva precoce.
  2. Downstaging Tumoral: Reduzir o envolvimento tumoral nas interfaces vasculares, aumentando a probabilidade de uma ressecção R0.
  3. Seleção Biológica: Identificar pacientes com doença de progressão rápida durante a quimioterapia, que não se beneficiariam de uma cirurgia de grande porte.

Os regimes quimioterápicos mais utilizados são o FOLFIRINOX (ácido folínico, fluorouracil, irinotecano, oxaliplatina) e a combinação de Gemcitabina com nab-paclitaxel. A escolha é individualizada com base no performance status e comorbidades do paciente. A duração do tratamento é tipicamente de 4 a 6 meses, seguida por um reestadiamento criterioso.

Existe atualmente discussão na literatura sobre a possível indicação de terapia neoadjuvante mesmo para as lesões classificadas como ressecáveis, especialmente quando há marcadores de pior prognóstico / comportamento mais agressivo, tais como CA 19-9 elevado ou linfonodomegalias peripancreáticas.


3. Reestadiamento e Avaliação de Resposta Pós-Terapia Sistêmica

Após a conclusão da terapia de indução, a avaliação da resposta para determinar a elegibilidade para a cirurgia é um processo multimodal e complexo.

  • Avaliação Metabólica com PET/CT (¹⁸F-FDG): O PET/CT é fundamental para avaliar a resposta metabólica. Uma redução significativa ou a normalização do SUVmax (Standardized Uptake Value) no sítio primário e a ausência de novas lesões hipermetabólicas são fortes indicadores de resposta favorável e preditores de melhores desfechos.
  • Avaliação Bioquímica com CA 19-9: O antígeno carboidrato 19-9 é um marcador tumoral sérico essencial. Uma queda >50% em relação ao valor basal, ou a sua normalização, constitui uma resposta bioquímica positiva. A falha na redução ou o aumento do CA 19-9 durante a terapia neoadjuvante é um sinal de alerta para progressão de doença ou quimiorresistência.


4. A Decisão Cirúrgica: O Objetivo é a Ressecção R0

Pacientes que demonstram resposta radiológica, metabólica e bioquímica, sem evidência de doença metastática, são considerados candidatos à exploração cirúrgica. A pancreatectomia pós-terapia neoadjuvante é um procedimento tecnicamente exigente, frequentemente complicado por fibrose e desmoplasia.

A escolha da via de acesso — aberta, laparoscópica ou robótica — permanece um tópico de intenso debate na comunidade cirúrgica. Embora centros de alto volume demonstrem a viabilidade de abordagens robóticas para casos selecionados, não há consenso definitivo sobre a superioridade de uma via em detrimento da outra em termos de desfechos oncológicos a longo prazo para BRPC. O objetivo primordial e inegociável é a obtenção de uma ressecção R0 com linfadenectomia adequada, independentemente da plataforma cirúrgica utilizada. A decisão deve ser baseada na experiência do centro, na expertise da equipe cirúrgica e nas características individuais do paciente e do tumor.


Conclusão

O manejo do adenocarcinoma de pâncreas borderline ressecável evoluiu para um paradigma multidisciplinar complexo, onde a terapia neoadjuvante é central. A estratificação precisa, o uso de regimes quimioterápicos eficazes e uma avaliação de resposta multimodal são cruciais para selecionar os pacientes que mais se beneficiarão da ressecção cirúrgica. O sucesso cirúrgico, definido pela margem R0, continua sendo o fator prognóstico modificável mais importante, e sua busca deve guiar a estratégia técnica, reconhecendo o debate existente sobre as diferentes vias de acesso.


Referências

  1. Mokadem M, et al. Defining and Predicting Early Recurrence in 957 Patients With Resected Pancreatic Ductal Adenocarcinoma. Annals of Surgery. 2021;273(4):780-788.
  2. Versteijne E, et al; Dutch Pancreatic Cancer Group. Preoperative Chemoradiotherapy Versus Immediate Surgery for Resectable and Borderline Resectable Pancreatic Cancer (PREOPANC): A Randomized, Controlled, Multicenter Phase III Trial. The Lancet Oncology. 2020;21(9):1199-1210.
  3. Tsai S, et al. Neoadjuvant FOLFIRINOX in Patients With Borderline Resectable Pancreatic Cancer: A Systematic Review and Patient-Level Meta-Analysis. JAMA Surgery. 2020;155(5):422-431.

Como citar este artigo

de Meira Junior, JD. Estratégias Neoadjuvantes e Reestadiamento no Adenocarcinoma de Pâncreas Borderline Ressecável: Uma Abordagem Multidisciplinar Gastropedia; 2025 Vol 2.  Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/estrategias-neoadjuvantes-e-reestadiamento-no-adenocarcinoma-de-pancreas-borderline-ressecavel-uma-abordagem-multidisciplinar/

José Donizeti de Meira Júnior

Cirurgião do serviço de Cirurgia do Fígado do ICESP/HCFMUSP
Doutor em Ciências em Gastroenterologia pela Universidade de São Paulo (USP)
Fellowship Internacional em Cirurgia Hepato-Pancreato-Biliar
Cirurgião Geral e do Aparelho Digestivo pelo HCFMUSP


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