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Pancreatite Aguda – Controvérsias parte III: Mas e o antibiótico?

por Maira Marzinotto
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Voltamos com mais uma controvérsia em pancreatite aguda (vocês podem ler sobre outras controvérsias em Pancreatite Aguda – Controvérsias Parte I: Qual a melhor maneira de predizer a gravidade? e Pancreatite Aguda – Controvérsias Parte II: Como realizar a hidratação), e essa talvez seja uma das mais discutidas.

Durante muitos anos, recomendou-se o uso profilático de antibióticos em casos de pancreatite aguda, especialmente nas formas graves, com o objetivo de prevenir a infecção do tecido necrótico. Essa prática foi inicialmente sustentada por estudos clínicos e metanálises que sugeriam redução na taxa de infecção e, em alguns casos, também na mortalidade. Entretanto novos estudos foram realizados, e essa determinação foi revista.

Para entender as recomendações, é necessário entender a fisiopatologia da pancreatite aguda. A doença tem duas fases distintas, que podem se sobrepor.

  • A primeira fase é a chamada fase inflamatória, que leva de 7-10 dias, em que as alterações inflamatórias são decorrentes da cascata de citocinas. O quadro clínico é o da Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS), e na presença de SIRS é onde está o risco de disfunção orgânica. Nesta fase a formação de complicações locais (como necrose pancreática ou coleções fluidas) não é determinante para o prognóstico.
  • A segunda fase (ou fase tardia) ocorre após 10-14 dias, e é nesta fase que as complicações locais (como necrose ou coleções) evoluem e aumentam o risco de infecção. Além disso, devido a alteração de permeabilidade intestinal, aumenta também o risco de infecções extra-pancreáticas. A presença de sinais inflamatórios alterados ou SIRS nessa fase tardia sugerem possível foco infeccioso.

Figura 1. Mecanismos de Infecção na Pancreatite Aguda

Assim, é improvável que o paciente tenha infecção relacionada ao pâncreas na primeira fase, sendo contra-indicado o uso de antibióticos neste momento (se houver suspeita de infecção extra pancreática, essa condição deve ser pesquisada e tratada quando presente).

Após 10-14 dias, no caso das pancreatites moderadamente graves e graves, pode haver formação de tecido necrótico. Neste momento podem surgir sinais e sintomas que indiquem infecção desse tecido. O uso de terapia com antibióticos deve ser considerado na suspeita ou confirmação de infecção de tecido necrótico. A confirmação pode ser feita através de imagem (presença de gás em topografia da necrose é um sinal inequívoco de infecção) ou através de exames laboratoriais e piora clínica (febre, aumento de PCR, leucocitose, ou cultura de material com presença de microrganismos).

Não é necessária confirmação microbiológica (embora seja recomendável) para instituir antibioticoterapia, na suspeita de infecção de tecido necrótico.


Profilaxia antibiótica

As diretrizes e guidelines atuais não recomendam a administração de antibióticos para profilaxia de infecção de tecido necrótico. A recomendação foi estabelecida após a realização de estudos prospectivos, randomizados e placebo-controlados que não evidenciaram diferenças entre mortalidade, infecção de tecido necrótico, complicações sistêmicas ou necessidade de intervenção cirúrgica. Também é contraindicada a administração profilática de anti-fúngicos.

Recentemente, em um estudo observacional prospectivo indiano, os pacientes com suspeita de infecção de tecido necrótico que receberam antibióticos na primeira semana de doença, tiveram maiores taxas de infecções com microrganismos resistentes e infecções fúngicas.

A profilaxia antibiótica não é recomendada nos casos de pancreatite aguda moderadamente grave ou grave.


Tratamento antibiótico


Imagem de arquivo pessoal, autorizada pelo paciente

O tratamento com antibióticos de amplo espectro e com boa penetrância em loja pancreática deverá ser iniciado na suspeita ou confirmação de infecção de sítio necrótico. A escolha é por carbapenêmicos, quinolonas ou cefalosporinas de terceira geração (que têm cobertura para germes gram negativos), embora essa cobertura possa se estender para germes gram positivos e fungos, se não houver resposta clínica.

No caso da resposta clínica não ser adequada, se possível, a cultura do material necrótico pode auxiliar no diagnóstico, e guiar a cobertura antibiótica.

E, por fim, caso haja piora clínica, mesmo com a terapia antibiótica instituída, o paciente deverá ser considerado para tratamento intervencionista do tecido necrótico, mas este assunto será abordado em novo post.

Referências

  1. Ukai T, Shikata S, Inoue M, Noguchi Y, Igarashi H, Isaji S, Mayumi T, Yoshida M, Takemura YC. Early prophylactic antibiotics administration for acute necrotizing pancreatitis: a meta-analysis of randomized controlled trials. J Hepatobiliary Pancreat Sci. 2015 Apr;22(4):316-21. doi: 10.1002/jhbp.221. Epub 2015 Feb 9. PMID: 25678060.
  2. Yao L, Huang X, Li Y, et al. Prophylactic antibiotics reduce pancreatic necrosis in acute necrotizing pancreatitis: a meta-analysis of randomized trials. Dig Surg. 2010;27(6):442–449
  3. Banks PA, Bollen TL, Dervenis C, et al. Classification of acute pancreatitis-2012: revision of the Atlanta classification and definitions by international consensus. Gut. 2013;62(1):102–111
  4. Baron TH, DiMaio CJ, Wang AY, Morgan KA. American Gastroenterological Association Clinical Practice Update: Management of Pancreatic Necrosis. Gastroenterology 2020;158:67–75
  5. Loganathan P, Muktesh G, Kochhar R, et al. (October 19, 2024) Natural History and Microbiological Profiles of Patients With Acute Pancreatitis With Suspected Infected Pancreatic Necrosis. Cureus 16(10): e71853.

Como citar este artigo

Marzinotto M. Pancreatite Aguda – Controvérsias parte III Mas e o antibiótico? Gastropedia 2025, Vol II. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/pancreatite-aguda-controversias-parte-iii-mas-e-o-antibiotico/

Medica responsável pelo Grupo de Pâncreas da Disciplina de Gastroenterologia Clínica do HCFMUSP


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