A hipertensão portal é a complicação mais comum da cirrose hepática e é considerada o ponto chave para o desencadeamento de ascite, encefalopatia e varizes de esôfago e, dessa forma, é considerada um marco para tomada de decisões, sendo o seu diagnóstico fundamental no seguimento de pacientes cirróticos.
Como podemos fazer o diagnóstico de hipertensão portal?
O padrão ouro para definição da hipertensão portal é a medida do gradiente venoso de pressão hepática (HPVG). Valores acima acima de 5mmHG definem hipertensão portal. Quando esse gradiente ultrapassa 10mmHg, consideramos que a hipertensão portal é clinicamente significativa (HPCS), estando o paciente propenso ao aparecimento de descompensações. A presença de varizes de esôfago em pacientes com diagnóstico de cirrose, também implica na presença de hipertensão portal clinicamente significante independente da medida do gradiente venoso.
Como a realização da medida do gradiente venoso de pressão hepática não é uma prática rotineira, além de ser um exame invasivo, admite-se que, valores de rigidez hepática ≥ 25 kPa obtidos através da elastografia hepática transitória, são definidores de HPCS, com especificidade e valor preditivo positivo > 90%. Por ser um exame não invasivo, capaz de fornecer tal informação, a elastografia hepática transitória tem sido cada vez mais utilizada no seguimento de pacientes cirróticos compensados a fim de fornecer dados para que possa ser instituído precocemente o tratamento farmacológico da hipertensão portal, sem que haja a necessidade da realização de endoscopias seriadas ou mesmo a medida do gradiente venoso de pressão hepática.
E qual o papel dos betabloqueadores no tratamento do paciente com cirrose hepática?
Os betabloqueadores não-seletivos (propranolol, nadolol e carvedilol), tem sido usado de rotina, com benefícios comprovados na profilaxia primaria de sangramento de varizes de risco e como adjuvante na profilaxia secundária do sangramento varicoso.
São considerados pacientes de alto risco para sangramento aqueles com varizes esofágicas de fino calibre com sinais da cor vermelha, varizes de médio e grosso calibre, varizes gástricas e pacientes descompensados em ascite com variz de qualquer tamanho.
O Carvedilol é um betabloqueador não- seletivo, com atividade alfa-1 bloqueadora e parece ser mais efetivo do que os bebtabloqueadores tradicionais na redução da hipertensão portal, tendo sido recomendado no último consenso de Baveno VII, como o betabloqueador de escolha no tratamento da hipertensão portal. Sua dose atualmente recomendada é de 12,5mg/dia, dividida em duas tomadas e os pacientes devem ser monitorizados em relação aos seus principais efeitos adversos como astenia, dispneia hipotensão arterial (PAS< 90mmHG).
O estudo PREDESCI mostrou que o uso de betabloqueador, especialmente o carvedilol, em pacientes cirróticos com hipertensão portal clinicamente significante (HPVG> 10mmHG) reduziu a chance de descompensação em ascite em até 40% num subgrupo de pacientes com varizes de fino calibre sem sinais da cor vermelha, implicando em melhora de sobrevida.
O uso do betabloqueador em pacientes com hipertensão portal sem varizes não tem benefícios claramente comprovados. A profilaxia pré-primária, isto é, o uso dessa medicação em pacientes cirróticos compensados, não demonstrou benefício no aparecimento de varizes, porém, o uso em pacientes com HPCS, mesmo na ausência de varizes, tem sido uma prática cada vez mais rotineira, sugerida nos últimos consensos, com o intuito de diminuir a descompensação a longo prazo.
Em resumo…
Em pacientes com diagnóstico de cirrose hepática, o uso de betabloqueador, preferencialmente o carvedilol, está indicado em:
- pacientes sem ascite com varizes de esôfago de fino calibre sem sinais da cor vermelha – para prevenção de descompensação em ascite;
- pacientes descompensados em ascite com varizes de esôfago de fino calibre sem sinais da cor vermelha – para profilaxia primária de sangramento;
- varizes de fino calibre com sinais da cor vermelha, varizes de médio e grosso calibre e varizes gástricas– como profilaxia primária;
- varizes de fino calibre com sinais da cor vermelha, varizes de médio e grosso calibre e varizes gástricas – como profilaxia secundária associado à ligadura elástica;
- sangramento recorrente por gastropatia hipertensiva portal;
- pacientes com hipertensão portal clinicamente significante ( LMS ≥ 25 kPa).
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Como citar este artigo
Ramos JSD, Quando está recomendado o uso de betabloqueador em pacientes com cirrose hepática? Gastropedia 2023 Vol 2. Disponível em: gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/quando-esta-recomendado-o-uso-de-betabloqueador-em-pacientes-com-cirrose-hepatica/
Residência Médica em Gastroenterologia e Endoscopia Digestiva pela UNIFESP
Especialista em Gastroenterologia pela FBG
Especialista em Endoscopia Digestiva pela SOBED
Membro da comissão de título de especialista da SOBED