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Pancreatite Aguda – Controvérsias Parte I: Qual a melhor maneira de predizer a gravidade?

por Maira Marzinotto
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A pancreatite aguda (PA) continua sendo uma relevante questão de saúde pública no mundo. Permanece como a principal causa gastrointestinal de internação hospitalar (nos EUA os dados são de 300.000 admissões por ano, a um custo de 2.5 bilhões de dólares), com considerável ônus sócio-econômico. A incidência está em ascensão em cerca de 3% nas principais casuísticas mundiais. A mortalidade permanece pouco alterada, e é consideravelmente maior no grupo que desenvolve necrose pancreática.

O diagnóstico é dado conforme os critérios de Atlanta, definidos em 2012. Estando presentes 2 de 3 critérios, o diagnóstico é estabelecido. Os critérios são:

  1. dor em abdome superior
  2. elevação de enzimas pancreáticas séricas, > 3 vezes o limite superior do método,
  3. exame de imagem evidenciando sinais de inflamação pancreática.

Com o diagnóstico dado, é necessário estabelecer a gravidade. Também de acordo com o consenso de Atlanta, as PAs são classificadas conforme a gravidade em: leve, moderadamente grave e grave. A PA leve tem curso benigno, e não cursa com complicações locais (necrose pancreática) ou com disfunções orgânicas. Já a PA grave exige a presença de disfunções orgânicas persistentes e pode ter a presença de complicações locais. A moderadamente grave se assemelha à grave, entretanto tem as disfunções orgânicas revertidas em até 48 horas.

Ao longo dos anos múltiplos scores clínicos foram desenvolvidos na tentativa de estimar a evolução de cada caso. Para o médico assistente (seja emergencista, intensivista ou gastroenterologista), entretanto, surgem dúvidas sobre quais critérios utilizar. Existe algum score que seja melhor? Nesse texto tentaremos esclarecer essas questões com base nas mais recentes evidências.


Presença de SIRS

A presença de SIRS (Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica) na admissão do paciente parece ser um bom preditor de mau prognóstico, e a persistência desta síndrome após 48 horas está associada a disfunção de múltiplos órgãos e mortalidade. A mortalidade nos casos de SIRS transitória é de 8% enquanto pode chegar a 25% nos casos de SIRS persistente. São necessários 2 dos seguintes 4 critérios para diagnóstico de SIRS:


Temperatura < 36oC ou > 38o.C

Frequência cardíaca > 90 bpm

Frequência respiratória > 20 ipm ou PaCO2 < 32 mmHg

Leucócitos < 4.000/mL ou > 12.000/mL ou > 10% de formas imaturas


Além da presença de SIRS, alguns achados clínicos podem auxiliar a identificar pacientes potencialmente graves:

  • Características do paciente:
    • Idade > 55 anos
    • Obesidade (IMC > 30 kg/m2)
    • Alteração mental na admissão
    • Presença de comorbidades.
  • Achados laboratoriais:
    • Concentração de uréia nitrogenada (BUN) > 20
    • Ascensão dos níveis de BUN
    • Elevação de creatinina (> 2mg/mL)
    • Hemoconcentração (hematócrito > 44)
    • Hematócrito em ascensão
    • Proteína C reativa > 150 mg/dL
  • Achados radiológicos:
    • Derrame pleural
    • Infiltrado pulmonar
    • Extensas ou múltiplas coleções extra pancreáticas

Neste cenário, a utilização de critérios clínicos ou de imagem se torna trabalhosa e com baixa acurácia para predizer gravidade. Os scores parecem ser mais úteis e confiáveis para as PAs leves.

Dentre os scores conhecidos, podemos citar:

  • Scores de Ranson e Glasgow – muitas variáveis para somar pontos e necessárias 48 horas para conclusão, ambos com sensibilidade de 80% para diagnóstico de PA grave.
  • Score APACHE-II: também apresenta muitas variáveis e foi criado para pacientes críticos, e posteriormente validado para PA com sensibilidade de 71% e especificidade de 90% para PA grave. Não é específico para pancreatite aguda.
  • Score BISAP: feito à beira leito com poucas variáveis, consegue detectar disfunção orgânica; porém, como é realizado apenas na admissão, não detecta disfunção orgânica persistente (característica da PA grave).
  • Outros critérios como Panc3, HAPS, JSS estão sendo validados, e ainda carecem de mais estudos.

Mais recentemente, a tecnologia da Inteligência Artificial (IA), utilizando machine learning, está sendo utilizada para predizer a gravidade na PA. Embora faltem estudos que comparem as ferramentas de IA com os scores tradicionais, algoritmos estão sendo criados e aplicativos sendo criados (como o EASY-APP – validado em uma coorte com > 3000 pacientes) que permitem identificar na admissão o paciente que está em risco de PA grave.

Assim sendo, ainda hoje o melhor preditor de gravidade da PA é o quadro clínico, especialmente a presença de SIRS na admissão. Outros scores podem ser utilizados (com acurácia menor) e futuramente ferramentas de inteligência artificial serão aprimoradas e incorporadas à prática clínica.

Veja também: aumento de enzimas pancreáticas: como investigar e conduzir?

Referências

  1. Tenner, S et al. American College of Gastroenterology Guidelines: Management of Acute Pancreatitis. Am J Gastroenterol 2024;119:419–437.
  2. Goodchild G, Chouhan M, Johnson GJ. Practical guide to the management of acute pancreatitis. Frontline Gastroenterology 2019;10:292–299.
  3. Banks, PA et al. Classification of acute pancreatitis—2012: revision of the Atlanta classification and definitions by international consensus. Gut 2013;62:102–111.
  4. Working Group IAP/APA Acute Pancreatitis Guidelines. IAP/APA evidence-based guidelines for the management of acute pancreatitis. Pancreatology 2013;13:e1–15.
  5. Kuo, DC et al. Acute Pancreatitis – What´s the Score? The Journal of Emergency Medicine, Vol. 48, No. 6, pp. 762–770, 2015
  6. Hu, JX et al. Acute pancreatitis: A review of diagnosis, severity prediction and prognosis assessment from imaging technology, scoring system and artificial intelligence. World J Gastroenterol 2023 October 7; 29(37): 5268-5291
  7. Kui, B et al. EASY-APP: An artificial intelligence model and application for early and easy prediction of severity in acute pancreatitis. Clin. Transl. Med. 2022;12:e842.

Como citar este artigo

Marzinotto M. Pancreatite Aguda – Controvérsias Parte I Qual a melhor maneira de predizer a gravidade? Gastropedia 2025, Vol 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/pancreatite-aguda-controversias-parte-i-qual-a-melhor-maneira-de-predizer-a-gravidade/

Medica responsável pelo Grupo de Pâncreas da Disciplina de Gastroenterologia Clínica do HCFMUSP


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