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Gastroenterite Eosinofílica

por Rafael Bandeira Lages
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Introdução

  • A gastroenterite eosinofílica (GEE) é uma condição clínica rara e heterogênea, que pode envolver qualquer segmento do trato gastrointestinal.[1]
  • O pico de incidência ocorre entre a terceira e quinta décadas, com discreto predomínio entre mulheres.[1]
  • A patogênese ainda não é bem estabelecida, mas há associação com quadros atópicos, como asma, rinite e eczema.[1]

Quadro clínico

  • O quadro clínico da GEE é inespecífico e pode mimetizar outras patologias gastrointestinais.[2] Estima-se que há um atraso de 4 a 9 anos entre o início do sintomas e o diagnóstico.[1]
  • A apresentação dependerá da localização, extensão e profundidade da doença no trato gastrointestinal. São descritos três principais padrões de acometimento, conforme descrito abaixo: [3–5]
    • Envolvimento predominante das camadas mucosa e submucosa: mais comum. Caracteriza-se por dor abdominal, náuseas, vômitos, dispepsia, saciedade precoce, diarreia, anemia, enteropatia perdedora de proteínas, má absorção e perda ponderal; [3,4]
    • Envolvimento da camada muscular: segundo mais comum. Pode cursar com espessamento da parede intestinal e sintomas obstrutivos, como distensão e dor abdominais, náuseas e vômitos. [3,4]
    • Envolvimento da camada serosa: mais raro. Apresenta-se tipicamente com ascite eosinofílica, podendo ocorrer peritonite e até perfuração em casos mais graves. [3,4]
  • O curso da doença pode se apresentar tanto como: [6]
    • Surto único em cerca de 40% dos casos
    • Sintomas recorrentes (períodos de crises e remissões) em 40%
    • Sintomas crônicos (persistentes por mais de 6 meses) em 20%

Diagnóstico

  • O Quadro 1 resume critérios sugeridos para o diagnóstico. [7–9]
Critérios diagnósticos para gastroenterite eosinofílica

Deve preencher os 3 critérios
1.Sintomas gastrointestinais (dor abdominal, diarreia, náuseas, bloating)
2.Densa infiltração de eosinófilos em um ou mais segmentos do trato gastrointestinal OU alto número de eosinófilos no líquido ascítico
3.Exclusão de outras causas de eosinofilia (reações a drogas, alergias alimentares, doença celíaca, parasitoses, colagenoses, vasculites, síndrome hipereosinofílica e doença inflamatória intestinal)
Quadro 1: Critérios sugeridos para o diagnóstico de GEE  [7,8]
  • Os exames laboratoriais apresentam eosinofilia no sangue periférico em 70 a 80% dos casos e aumento de IgE sérico em até dois terços dos pacientes.[10]
  • Caso a contagem de eosinófilos periféricos seja maior que 1500 células/μL, deve-se descartar o acometimento cardíaco ou de outros órgãos para excluir a síndrome hipereosinofílica.[9,11]
  • Exames radiológicos geralmente são inespecíficos, podendo apresentar espessamento mucoso ou mesmo ascite. [4]
  • A principal utilidade da endoscopia é a obtenção de fragmentos de biópsia, uma vez que a mucosa pode ser normal à avaliação endoscópica ou apresentar achados inespecíficos, tais como edema, enantema, erosões e úlceras.[3] Se você não suspeitar clinicamente e não pedir as biópsias endoscópicas, provavelmente o diagnóstico não será realizado.
Até o momento, não há consenso sobre um critério histológico bem estabelecido, sem definição de um ponto de corte para contagem de eosinófilos, uma vez que, com exceção do esôfago, a presença de eosinófilos no nosso trato digestivo pode ser fisiológica.[7]
Baseado em estudos em pessoas saudáveis, contagens de eosinófilos > 30 por campo de grande aumento (CGA) no estômago, > 50 no duodeno e > 30 no cólon (dependendo da localização) sugeririam GEE.[12,13]
Alguns autores, contudo, sugerem menor ênfase na quantidade de eosinófilos e maior foco nas outras alterações patológicas adicionais.[8]

Tratamento

  • O tratamento da Gastroenterite Eosinofílica é um desafio, uma vez que as recomendações são baseadas apenas em relatos e séries de casos. 
  • Pacientes com doença leve podem ser tratados inicialmente com sintomáticos, ao passo que os demais necessitam de terapia mais agressiva.
  • Em caso de complicações, como estenoses ou perfurações, o tratamento cirúrgico pode ser necessário.[4,8,9] O fluxograma 1 resume uma abordagem sugerida.
Fluxograma 1: Abordagem terapêutica sugerida para GEE. Adaptado de Walker et al., 2018 [8]

De modo análogo à esofagite eosinofílica, as dietas com eliminação de alimentos também são recomendadas como primeira linha de tratamento para a GEE. A retirada empírica dos antígenos alimentares mais comumente implicados como potenciais alérgenos (leite, trigo, soja, ovos, nozes e frutos do mar) é uma opção válida. Por sua vez, a retirada de alimentos baseada em testes alérgicos (prick test e IgE sérico específico para alimentos), apesar de ser teoricamente melhor tolerável, tem resultados controversos.[8]

Os corticoides são a primeira linha de terapia medicamentosa, principalmente em pacientes com sintomas mais relevantes. Prednisona oral 20 a 40 mg ao dia por 2 semanas mostrou induzir remissão na maioria dos pacientes, apesar que doses maiores (0,5 a 1,0 mg/kg) são sugeridas em alguns relatos. Sugere-se manter a medicação por 6 a 8 semanas, com diversos esquemas de desmame.[8,9,14] Pacientes que apresentam recidiva dos sintomas durante ou após o desmame da medicação podem necessitar de terapia de manutenção. A budesonida (3 a 9 mg/dia) pode ser uma alternativa interessante por apresentar menos efeitos sistêmicos.[8]

Outras opções que podem ser utilizadas como adjuvantes (geralmente em combinação com corticoides) são os estabilizadores de mastócitos (cromoglicato de sódio e cetotifeno) e os antagonistas do receptor de leucotrieno (montelucaste). Os estabilizadores de mastócitos bloqueiam a degranulação dos mastócitos e assim estabilizam as células e evitam a liberação de histamina e mediadores relacionados.

  • A dose de cromoglicato de sódio varia de 100 a 300 mg três ou quatro vezes ao dia.
  • O cetotifeno, por sua vez, que também é um anti-histamínico, é usado na dose de 1 a 2 mg duas vezes ao dia.
  • O montelucaste já é comumente utilizado na asma e em doença eosinofílicas e sua dose habitual é de 5 a 10 mg/dia.[4]

No caso de doença recidivante ou refratária, pode haver resposta a imunossupressores (azatioprina, 6-mercaptopurina) e a biológicos, como o infliximabe (anti-TNFα) e o vedolizumabe (antiintegrina α4β7).[4,7,8]

Referências

  1. Li K, Ruan G, Liu S, Xu T, Guan K, Li J, et al. Eosinophilic gastroenteritis: Pathogenesis, diagnosis, and treatment. Chin Med J (Engl) 2023;136:899–909. doi:10.1097/CM9.0000000000002511.
  2. Mansoor E, Saleh MA, Cooper GS. Prevalence of Eosinophilic Gastroenteritis and Colitis in a Population-Based Study, From 2012 to 2017. Clin Gastroenterol Hepatol 2017;15:1733–41. doi:10.1016/j.cgh.2017.05.050.
  3. Zhang MM, Li YQ. Eosinophilic gastroenteritis: A state-of-the-art review. J Gastroenterol Hepatol 2017;32:64–72. doi:10.1111/jgh.13463.
  4. Sunkara T, Rawla P, Yarlagadda KS, Gaduputi V. Eosinophilic gastroenteritis: diagnosis and clinical perspectives. Clin Exp Gastroenterol 2019;Volume 12:239–53. doi:10.2147/CEG.S173130.
  5. Klein NC, Hargrove RL, Sleisenger MH, Jeffries GH. Eosinophilic Gastroenteritis. Med 1970;49:299–319. doi:10.1097/00005792-197007000-00003.
  6. De Chambrun GP, Gonzalez F, Canva JY, Gonzalez S, Houssin L, Desreumaux P, et al. Natural History of Eosinophilic Gastroenteritis. Clin Gastroenterol Hepatol 2011;9:950-956.e1. doi:10.1016/j.cgh.2011.07.017.
  7. Grandinetti T, Biedermann L, Bussmann C, Straumann A, Hruz P. Eosinophilic Gastroenteritis: Clinical Manifestation, Natural Course, and Evaluation of Treatment with Corticosteroids and Vedolizumab. Dig Dis Sci 2019;64:2231–41. doi:10.1007/s10620-019-05617-3.
  8. Walker MM, Potter M, Talley NJ. Eosinophilic gastroenteritis and other eosinophilic gut diseases distal to the oesophagus. Lancet Gastroenterol Hepatol 2018;3:271–80. doi:10.1016/S2468-1253(18)30005-0.
  9. Halland M, Talley NJ. Eosinophilic Gastroenteritis. Pract. Gastroenterol. Hepatol. Board Rev. Toolkit, Oxford, UK: John Wiley & Sons, Ltd; 2016, p. 152–5. doi:10.1002/9781119127437.ch24.
  10. Kinoshita Y, Ishihara S. Eosinophilic gastroenteritis: epidemiology, diagnosis, and treatment. Curr Opin Allergy Clin Immunol 2020;20:311–5. doi:10.1097/ACI.0000000000000635.
  11. Abassa KK, Lin XY, Xuan JY, Zhou HX, Guo YW. Diagnosis of eosinophilic gastroenteritis is easily missed. World J Gastroenterol 2017;23:3556–64. doi:10.3748/wjg.v23.i19.3556.
  12. Egan M, Furuta GT. Eosinophilic gastrointestinal diseases beyond eosinophilic esophagitis. Ann Allergy, Asthma Immunol 2018;121:162–7. doi:10.1016/j.anai.2018.06.013.
  13. Collins MH. Histopathology Associated with Eosinophilic Gastrointestinal Diseases. Immunol Allergy Clin North Am 2009;29:109–17. doi:10.1016/j.iac.2008.10.005.
  14. Rached AA, Hajj W El. Eosinophilic gastroenteritis: Approach to diagnosis and management. World J Gastrointest Pharmacol Ther 2016;7:513. doi:10.4292/wjgpt.v7.i4.513.

Como citar este artigo

Lages RB. Gastroenterite Eosinofílica Gastropedia 2024, Vol. 2. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/gastroenterite-eosinofilica/

Médico do Departamento de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas de São Paulo

Residência de Gastroenterologia e Endoscopia Digestiva pelo Hospital das Clínicas-FMUSP


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