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Investigação de Hepatite Medicamentosa (Drug-Induced Liver Injury – DILI): principais conceitos e linha de raciocínio

por Karla Sawada Toda Oti
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Aspectos Gerais

A hepatite medicamentosa (Drug-induced liver injury, DILI) é um dos quadros mais desafiadores na Hepatologia devido a ampla disponibilidade de medicações, suplementos e ervas com potencial de hepatoxicidade heterogêneo, variando desde leve elevação de enzimas hepáticas até hepatite aguda pronunciada e insuficiência hepática fulminante (IHF).

Tradicionalmente, DILI pode ser classificada como intrínseca (ou direta) versus idiossincrásica. A primeira é tipicamente dose-relacionada e ocorre na maioria dos pacientes expostos a uma droga, ocorrendo dentro de um curto espaço de tempo (horas a dias). Já DILI idiossincrásica usualmente não é dose-dependente, ocorre em uma menor proporção de indivíduos expostos (imprevisível) e apresenta uma latência variável entre dias a semanas. 

Um pré-requisito comum para DILI intrínseca e idiossincrásica é o metabolismo de drogas lipofílicas no fígado, gerando metabólitos reativos que levam à ligação covalente, estresse oxidativo mitocondrial e do retículo endoplasmático. Tais consequências podem resultar (a) diretamente em necrose ou apoptose [intrínseca] ou (b) em resposta imune adaptativa [idiossincrásica] em indivíduos geneticamente susceptíveis. As principais drogas relacionadas com DILI estão na Tabela 1.

Tabela 1. Drogas associadas com DILI intrínseca e idiossincrásica

Padrões de DILI

Existem 3 padrões de DILI avaliados pela elevação de enzimas hepáticas:

  • Hepatocelular:  se ALT isolada ≥ 5x limite superior da normalidade (LSN)  ou  Fator R ≥ 5
  • Colestático: se FA isolada ≥ 2x LSN  ou  Fator R ≤ 2
  • Misto: Fator R > 2  a  < 5

                                                                                  Clique para calcular

Recomendação

DILI deve ser classificada como hepatocelular, colestática ou mista de acordo com o padrão de elevação de enzimas hepáticas da primeira dosagem laboratorial em relação ao evento clínico. Grau B (EASL, 2019).

Chás, Ervas e Fitoterápicos

A hepatotoxicidade por chás, ervas, fitoterápicos e suplementos está relacionada a diferentes fatores que coexistem: falta de adequada identificação da planta, seleção da parte errada da planta medicinal, armazenamento inadequado modificando o produto nativo, adulteração durante o processamento e rotulagem incorreta do produto. 

Outro desafio é a falta de clareza na real composição de preparações à base de plantas, em especial, de multicompostos. Ressalta-se ainda que um produto fitoterápico pode ser contaminado por compostos tóxicos que levam à hepatotoxicidade, como contaminação por metais pesados, pesticidas, herbicidas ou até mesmo microoganismos. 

Destacam-se alguns fitoterápicos que possuem nível de evidência de hepatotoxicidade:

  • Plantas que contém alcaloides pirrolizidínicos (espécies Heliotropium, Senecia, Crotalaria, Symphytum e Gynura)
  • Germander (“cavalinha”)
  • Kava-kava (Piper methysticum)
  • Chá verde (Camellia sinensis)
  • Sena (Cassia angustifolia)
  • Sacaca (Croton cajucara benth)
  • Chaparral (Larrea tridentata)
  • Poejo (Mentha pulegium)
  • Cáscara sagrada (Rhamnus purshiana)
  • Erva de São Cristóvão (Cimicifuga racemosa)
  • Noni (Morinda citrifolia), entre outras

Dentre os suplementos alimentares, destacam-se:

  • Contém ácido úsnico (LipoKinetix, UCP-1, OxyElite)
  • Hydroxycut
  • Ácido linenoléico
  • Plethoryl (vitamina A e hormônios tireoidianos)
  • Esteróides anabolizantes androgênicos

Recomendação

Suplementos alimentares e fitoterápicos podem ser considerados como potenciais agentes causadores de lesão hepática. Grau C (EASL, 2019).

Causalidade – Escores

Alguns escores podem ser utilizados na avaliação de causalidade para DILI, de forma que os critérios de cronologia (início e suspensão da droga), curso da reação, fatores de risco, exclusão de outras causas, manifestações extra-hepáticas, reexposição, entre outros aspectos, são pontuados e classificados em exclusão ou diagnóstico possível, provável ou definitivo para DILI:

  • Council for International Organizations of Medical Sciences Scale/Roussel-Uclaf-Causality-Assessment-Method (CIOMS/RUCAM);
  • Clinical Diagnostic Scale/Maria and Victorino Scale (CDS/M&V scale);
  • Digestive Disease Week-Japan (DDW-J);
  • DILIN Expert Opinion.

Deve-se ter em mente, entretanto, que os escores não substituem os julgamento clínico, sendo, na realidade, uma tradução, em pontuação quantitativa, da suspeita clínica de DILI.

Avaliação Laboratorial para Exclusão de Causas Alternativas

O diagnóstico de DILI baseia-se na exclusão de causas alternativas de agressão hepática. O padrão de lesão hepática pode auxiliar na investigação inicial para descartar as principais causas de hepatite e colestase (Figura 1). 

Em adição, idade e comorbidades, hábitos individuais dos pacientes e características regionais de doenças infecciosas que podem afetar o fígado podem guiar na avaliação (Tabela 2).

A exclusão de doença de Wilson com dosagem de ceruloplasmina deve ser realizada, em especial, em pacientes com menos de 40 anos.

Tabela 2. Diagnóstico de exclusão na investigação de DILI

Recomendação

A ultrassonografia de abdome deve ser realizada em todos os pacientes com suspeita de DILI. Exame de imagem adicional poderá ser indicado de acordo com o contexto clínico-laboratorial. Grau B (EASL, 2019).

Recomendação

A biópsia hepática pode ser considerada em pacientes selecionados suspeitos para DILI, de forma que a histologia hepática possa fornecer informações que embasem o diagnóstico de DILI ou uma alternativa (Grau D) ou quando os exames levantarem a possibilidade de HAI (Grau C); EASL, 2019.

Conclusão

Em resumo, o principal passo no manejo dos casos de DILI é a suspensão de todas as drogas não-essenciais, incluindo formulações, suplementos, ervas e chás. Desta forma, a maioria dos pacientes cursará com recuperação espontânea clínica e/ou laboratorial, sem a necessidade de medidas adicionais.

Pacientes com evidência clínica ou laboratorial de IHF, como encefalopatia hepática ou coagulopatia, devem ser hospitalizados. 

No geral, terapia medicamentosa fica reservada para situações específicas, como n-acetilcisteína na intoxicação por paracetamol ou DILI idiossincrásica com IHF ou corticóides, se houver a possibilidade de hepatite autoimune ou na presença de componentes de hipersensibilidade.

A reexposição à droga (“rechallenge”) é a dado mais definitivo para o diagnóstico de DILI (ALT>3xLSN), mas deve ser avaliada caso a caso, conforme a gravidade do episódio de DILI e necessidade da terapia medicamentosa (exemplo: agentes quimioterápicos ou tuberculostáticos), sob supervisão especializada e rigorosa.

Referências

  1. European Association for the Study of the Liver. Electronic address: easloffice@easloffice.eu, Clinical Practice Guideline Panel: Chair:, Panel members, et al. EASL clinical practice guidelines: drug-induced liver injury. J Hepatol 2019;70:1222– 61.
  2. Brennan PN, Cartlidge P, Manship T, Dillon JF. Guideline review: EASL clinical practice guidelines: drug-induced liver injury (DILI). Frontline Gastroenterol. 2021 Jul 29;13(4):332-336. doi: 10.1136/flgastro-2021-101886. PMID: 35722609; PMCID: PMC9186030. 
  3. Chalasani NP, Maddur H, Russo MW, Wong RJ, Reddy KR; Practice Parameters Committee of the American College of Gastroenterology. ACG Clinical Guideline: Diagnosis and Management of Idiosyncratic Drug-Induced Liver Injury. Am J Gastroenterol. 2021 May 1;116(5):878-898. doi: 10.14309/ajg.0000000000001259. PMID: 33929376.
  4. García-Cortés M, Stephens C, Lucena MI, Fernández-Castañer A, Andrade RJ. Causality assessment methods in drug induced liver injury: strengths and weaknesses. J Hepatol. 2011 Sep;55(3):683-691. doi: 10.1016/j.jhep.2011.02.007. Epub 2011 Feb 22. PMID: 21349301.
  5. Bessone F, García-Cortés M, Medina-Caliz I, Hernandez N, Parana R, Mendizabal M, Schinoni MI, Ridruejo E, Nunes V, Peralta M, Santos G, Anders M, Chiodi D, Tagle M, Montes P, Carrera E, Arrese M, Lizarzabal MI, Alvarez-Alvarez I, Caballano-Infantes E, Niu H, Pinazo J, Cabello MR, Lucena MI, Andrade RJ. Herbal and Dietary Supplements-Induced Liver Injury in Latin America: Experience From the LATINDILI Network. Clin Gastroenterol Hepatol. 2022 Mar;20(3):e548-e563. doi: 10.1016/j.cgh.2021.01.011. Epub 2021 Jan 9. PMID: 33434654.

Como citar este artigo

Oti, KST. Investigação de Drug-Induced Liver Injury (DILI): principais conceitos e linha de raciocínio. Gastropedia 2023, vol. 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/figado/investigacao-de-hepatite-medicamentosa

Karla Sawada Toda Oti

Gastroenterologia Clínica pelo Hospital das Clínicas da FMRP-USP. Hepatologia pelo Hospital das Clínicas da USP HCFMUSP. Doutorado em Ciências em Gastroenterologia HCFMUSP. Aperfeiçoamento de Elastografia Hepática Transitória HCFMUSP. Médica colaboradora do Ambulatório de NASH HCFMUSP. Membro FBG e SBH


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