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Efeitos adversos associados ao uso prolongado de inibidores de bomba de prótons (IBP)

por Rafael Bandeira Lages
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Desde a introdução do omeprazol em 1989, os inibidores de bomba de prótons (IBPs), também conhecidos como “prazóis”, revolucionaram o tratamento das doenças acido-pépticas. A grande eficiência dessa classe em bloquear a produção de ácido fez com que rapidamente ela caísse no gosto popular e se tornasse um dos medicamentos mais comercializados no mundo.

Com o seu uso crescente, surgiram na última década uma série de preocupações sobre possíveis efeitos colaterais a longo prazo. Contudo, há divulgação em massa de vários estudos sem adequada interpretação, contribuindo para a insegurança dos médicos prescritores e a ansiedade dos pacientes. 

Qual é a verdade afinal? Os “prazóis” causam câncer e demência?

Qual a qualidade da evidência?

A grande maioria das publicações que abordam os efeitos adversos associados ao uso prolongado de IBP é composta por estudos observacionais retrospectivos, baseados em grandes bancos de dados coletados inicialmente por propósitos administrativos.

Esse tipo de estudo torna muito difícil estabelecer relação de causalidade. Afinal, a exposição (usar ou não usar IBP) não é definida aleatoriamente e, por isso, fatores não aleatórios que levaram ao uso ou não de IBP podem impactar a probabilidade de desenvolver um desfecho. Em muitos casos, o motivo pelo qual o paciente está usando o IBP já constitui um fator de risco para o efeito adverso em estudo. Mesmo com as ferramentas estatísticas de regressão multivariada, ainda sobrarão efeitos de confusão residuais devido à presença de diferenças imensuráveis entre os grupos.

Em 1965, Sir Austin Bradford Hill propôs uma lista de 9 critérios para inferir causalidade (Tabela 1). Isso é importante porque a maioria dos estudos epidemiológicos sugere apenas associações e, como tal, é propensa a vários vieses, levando a extrapolações errôneas para a causalidade. 

Tabela 1: Critérios de Bradford Hill para estabelecer causalidade

Por que o IBP causaria efeitos adversos a longo prazo?

Em teoria, a maior parte dos efeitos adversos a longo prazo do IBP estariam associados à hipocloridria.

Apesar de importante para tratamento de doenças pépticas, como as úlceras e o refluxo gastroesofágico, a redução prolongada de ácido gástrico também poderia ocasionar aumento da produção de gastrina, alteração da microbiota intestinal e redução da absorção de alguns nutrientes.

Figura 1: Mecanismos teóricos pelos quais o IBP poderia causar efeitos adversos a longo prazo

ECL = Células enterocromafim-like; GECA = gastroenterocolite aguda; SIBO = Supercrescimento bacteriano do intestino delgado (Small intestinal bacterial overgrowth); PBE = Peritonite bacteriana espontânea; BCP = broncopneumonia; Ca = cálcio; Fe = ferro; Mg = Magnésio

Apesar destes efeitos teóricos, a maior parte destas associações não foi comprovada em estudos.

Quais os riscos de fato?

A maior parte da evidência consiste de estudos observacionais que identificaram associações fracas com risco relativo e odds ratio menor que 2. Além disso, não há consistência, pois existem inúmeros estudos com conclusões opostas.

As evidências mais consistentes são do aumento do risco de pólipos de glândulas fúndicas (que são pólipos benignos que não malignizam), de infecções entéricas e de nefrite intersticial aguda (raro, por efeito idiossincrático).

Uma das maiores preocupações dos médicos e pacientes é, sem dúvidas, um possível risco aumentado de malignidade gástrica. Os estudos disponíveis, contudo, são conflitantes e têm vieses importantes e variáveis ​​de confusão. Um estudo chinês de 2017 foi certamente um dos que mais despertou curiosidade sobre o assunto nos noticiários. Ele foi um estudo observacional baseado em banco de dados para auditoria, que identificou um hazard ratio de 2.44 (intervalo 1.42 a 4.20). Mesmo que desconsiderássemos todos os vieses desse estudo e julgássemos que ele fosse uma verdade absoluta (o que com certeza não é, uma vez que não foi observado se houve cura de H. pylori nos pacientes e o grupo usuário de IBP tinha características com maior risco de câncer – maior idade, mais comorbidades, maior histórico de úlceras, maior tabagismo e maior polifarmácia), ainda sim o aumento absoluto de risco para câncer gástrico em usuários de IBP seria de 4 em 10.000 pessoas-ano (ou seja, aumento absoluto de risco de 0,04% por paciente ao ano).

A Tabela 2 traz um compilado publicado pelo American College of Gastroenterology no guideline de DRGE (2022) quanto aos riscos dos principais efeitos que costumam ser citados como possivelmente associados ao IBP, baseado em estudo randomizado recente. 

Tabela 2: Efeitos adversos associados ao uso prologando de IBP, baseado em estudo randomizado recente. Adaptado de Katz P et al, 2022.

Conclusão

  • Os estudos que identificaram efeitos adversos associados ao uso prolongado de IBPs apresentam falhas, não são considerados definitivos e não estabelecem uma relação de causa e efeito entre os IBPs e as condições adversas. 
  • Apesar de não podermos excluir a possibilidade de que os IBPs possam conferir um pequeno aumento no risco de desenvolver essas condições adversas, isso não justifica a sua suspensão quando bem indicado, uma vez que os benefícios nestes casos superam em muito seus riscos teóricos. 
  • Devemos ser críticos apenas para questionar se a prescrição do IBP está ou não indicada, uma vez que o uso inapropriado gera aumento de custos e exposições desnecessárias. Sempre que possível, outra estratégia adequada é reduzir a prescrição de IBP para a menor dose necessária.

Referências

  1. Cheung KS, Chan EW, Wong AYS, Chen L, Wong ICK, Leung WK. Long-term proton pump inhibitors and risk of gastric cancer development after treatment for Helicobacter pylori : a population-based study. Gut 2017:gutjnl-2017-314605. doi:10.1136/gutjnl-2017-314605.
  2. Chinzon D, Domingues G, Tosetto N, Perrotti M. Safety of long-term proton pump inhibitors: facts and myths. Arq Gastroenterol 2022;59:219–25. doi:10.1590/S0004-2803.202202000-40.
  3. Katz PO, Dunbar KB, Schnoll-Sussman FH, Greer KB, Yadlapati R, Spechler SJ. ACG Clinical Guideline for the Diagnosis and Management of Gastroesophageal Reflux Disease. Am J Gastroenterol 2022;117:27–56. doi:10.14309/ajg.0000000000001538.
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  5. Moayyedi P, Eikelboom JW, Bosch J, Connolly SJ, Dyal L, Shestakovska O, et al. Safety of Proton Pump Inhibitors Based on a Large, Multi-Year, Randomized Trial of Patients Receiving Rivaroxaban or Aspirin. Gastroenterology 2019;157:682-691.e2. doi:10.1053/j.gastro.2019.05.056.
  6. Nehra AK, Alexander JA, Loftus CG, Nehra V. Proton Pump Inhibitors: Review of Emerging Concerns. Mayo Clin Proc 2018;93:240–6. doi:10.1016/j.mayocp.2017.10.022.
  7. Vaezi MF, Yang YX, Howden CW. Complications of Proton Pump Inhibitor Therapy. Gastroenterology 2017;153:35–48. doi:10.1053/j.gastro.2017.04.047.

Como citar este artigo

Lages RB., EFEITOS ADVERSOS ASSOCIADOS AO USO PROLONGADO DE INIBIDORES DE BOMBA DE PRÓTONS (IBPs). Gastropedia, 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/estomago/efeitos-adversos-associados-ao-uso-prolongado-de-inibidores-de-bomba-de-protons-ibp/

Médico do Departamento de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas de São Paulo

Residência de Gastroenterologia e Endoscopia Digestiva pelo Hospital das Clínicas-FMUSP


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