Recentemente, foram divulgados os resultados de dois grandes estudos com potencial para transformar o paradigma do tratamento dos adenocarcinomas da transição esofagogástrica (TEG) e do estômago. Nesta postagem, discutimos os principais achados dos estudos ESOPEC e MATTERHORN e suas implicações futuras.
Nota: se quiser saber sobre o panorama do tratamento quimioterápico dos tumores esofagogástricos e um resumo dos principais estudos que moldaram essa evolução, confira esse artigo: Tratamento Quimioterápico dos Tumores Esofagogástricos: do ECF ao FLOT e à Imunoterapia
1. ESOPEC
O ESOPEC foi desenhado para comparar duas estratégias consagradas no tratamento dos tumores da TEG e do esôfago distal:
- CROSS trial: demonstrou benefício da quimiorradioterapia neoadjuvante (carboplatina, paclitaxel e radioterapia 41,4 Gy) seguida de cirurgia, com foco em controle loco-regional. (1)
- FLOT4 trial: mostrou que o esquema de quimioterapia perioperatória FLOT era superior ao ECF (Epirrubicina, cisplatina, 5-FU), especialmente em adenocarcinomas gástricos e da TEG, visando o controle sistêmico de micrometástases. (2)
Nota: ECF Foi o esquema usado no MAGIC trial (NEJM, 2006), que demonstrou benefício da quimioterapia perioperatória com ECF em comparação à cirurgia isolada para câncer gástrico e da junção esofagogástrica.
Nota: FLOT: 4 ciclos antes e 4 ciclos após a cirurgia. 5-Fluorouracil (5-FU), Leucovorin, Oxaliplatina, Docetaxel. Ciclo a cada 2 semanas (14 dias).
Com os bons resultados demonstrados no estudo FLOT que foi publicado posteriormente ao CROSS, surgiu a dúvida: ainda é necessário adicionar radioterapia à quimioterapia moderna? Essa questão é ainda mais relevante em tumores Siewert II e III, tratados frequentemente com gastrectomia total, onde a realização da anastomose em campo previamente irradiado pode gerar receios técnicos aos cirurgiões.(3)
1.1 Desenho e resultados do ESOPEC
Estudo de fase III, multicêntrico, com 438 pacientes com adenocarcinoma localmente avançado da TEG (Siewert I–III) ou esôfago distal, randomizados para:
- Grupo A (FLOT): 4 ciclos de quimioterapia antes e após a cirurgia.
- Grupo B (CROSS): quimiorradioterapia neoadjuvante seguida de cirurgia.
Os resultados foram publicados em janeiro de 2025 no New England Journal of Medicine.(4)
Com mediana de seguimento de 55 meses, a sobrevida global em 3 anos foi de 57,4% no grupo FLOT vs. 50,7% no grupo CROSS (HR = 0,70; IC95%: 0,53–0,92; p= 0,01), favorecendo o FLOT.
1.2 Reflexões após o ESOPEC
- O CROSS utiliza doses menos intensas de quimioterapia e, em geral, é mais bem tolerado, podendo ser preferível em pacientes idosos ou frágeis. A tolerância ao FLOT na prática clínica, em pacientes que não são tão bem selecionados quanto os de um estudo clínico, ainda é um desafio.
- O CROSS mostrou melhor controle loco-regional, o que pode ser relevante em tumores volumosos — realidade frequente em países como o Brasil.
- O estudo TOPGEAR (FLOT/ECF com ou sem radioterapia) não demonstrou ganho significativo de sobrevida com a radioterapia, mas evidenciou aumento na resposta patológica completa e melhor controle local — sugerindo benefício em subgrupos específicos.(5)
- O ESOPEC não avaliou o uso de imunoterapia adjuvante (como nivolumabe, aprovado no pós-operatório após CROSS no estudo CheckMate -577). Isso levanta a hipótese: CROSS + imunoterapia poderia superar o FLOT?(6)
Essa dúvida começou a ser respondida com os resultados do MATTERHORN.
2. MATTERHORN
O caminho da imunoterapia no câncer gástrico seguiu a progressão clássica: da doença metastática para cenários adjuvantes e, finalmente, perioperatórios.
Vale destacar que o primeiro grande estudo a avaliar o uso de imunoterapia no cenário perioperatório foi o KEYNOTE-585, que investigou o uso de pembrolizumabe associado à quimioterapia baseada em cisplatina (e não ao esquema FLOT) em pacientes com câncer gástrico ou da junção esofagogástrica ressecável. Esse estudo demonstrou melhor taxa de resposta patológica completa com a adição de pembrolizumabe em comparação ao placebo. No entanto, não houve benefício significativo em sobrevida livre de eventos, o que limitou sua adoção imediata.(7)
2.1 Desenho e resultados do MATTERHORN
O MATTERHORN, estudo de fase III, multinacional e randomizado, testou a adição de durvalumabe ao esquema FLOT no cenário perioperatório e teve seus resultados publicados em maio de 2025 no New England Journal of Medicine.(8)
Desenho do estudo:
- Pacientes com adenocarcinoma ressecável de estômago ou TEG.
- Randomização 1:1 para:
- FLOT + durvalumabe
- FLOT + placebo
Resultados:
- Resposta patológica completa: 19,2% no grupo durvalumabe vs. 7,2% no grupo placebo (RR = 2,69; IC95%: 1,86–3,90).
- Sobrevida livre de eventos em 2 anos: 67,4% com durvalumabe vs. 58,5% com placebo (HR = 0,71; IC95%: 0,58–0,86; p<0,001).
- A taxa de eventos adversos de grau 3–4 foi semelhante entre os grupos. Eventos imuno-mediados foram mais frequentes com durvalumabe, mas sem impacto na realização da cirurgia ou tratamento adjuvante.
Um dos pontos fortes do MATTERHORN foi sua abrangência global, incluindo centros na Europa, Américas e Ásia. No Brasil, 8 centros participaram do estudo, o que fortalece sua aplicabilidade na nossa realidade.
Considerações finais
A incorporação da imunoterapia com durvalumabe no cenário perioperatório representa um avanço relevante.
Os resultados do MATTERHORN consolidam a tendência de integração entre quimioterapia e imunoterapia, buscando melhores desfechos oncológicos.
Entretanto, o custo ainda representa um desafio à incorporação dessa estratégia no Brasil.
Referências
- van Hagen P, Hulshof MC, van Lanschot JJ, Steyerberg EW, van Berge Henegouwen MI, Wijnhoven BP, et al. Preoperative chemoradiotherapy for esophageal or junctional cancer. N Engl J Med. 2012;366(22):2074-84.
- Al-Batran SE, Homann N, Pauligk C, Goetze TO, Meiler J, Kasper S, et al. Perioperative chemotherapy with fluorouracil plus leucovorin, oxaliplatin, and docetaxel versus fluorouracil or capecitabine plus cisplatin and epirubicin for locally advanced, resectable gastric or gastro-oesophageal junction adenocarcinoma (FLOT4): a randomised, phase 2/3 trial. Lancet. 2019;393(10184):1948-57.
- Barchi LC, Ramos MFKP, Pereira MA, Dias AR, Ribeiro-Júnior U, Zilberstein B, et al.
Esophagojejunal anastomotic fistula: a major issue after radical total gastrectomy. Updates Surg. 2019;71(3):429-38. - Hoeppner J, Brunner T, Schmoor C, Bronsert P, Kulemann B, Claus R, et al. Perioperative Chemotherapy or Preoperative Chemoradiotherapy in Esophageal Cancer. N Engl J Med. 2025;392(4):323-35.
- Leong T, Smithers BM, Michael M, Haustermans K, Wong R, Gebski V, et al. Preoperative Chemoradiotherapy for Resectable Gastric Cancer. N Engl J Med. 2024;391(19):1810-21.
- Kelly RJ, Ajani JA, Kuzdzal J, Zander T, Van Cutsem E, Piessen G, et al. Adjuvant Nivolumab in Resected Esophageal or Gastroesophageal Junction Cancer. N Engl J Med. 2021;384(13):1191-203.
- Shitara K, Rha SY, Wyrwicz LS, Oshima T, Karaseva N, Osipov M, et al. Neoadjuvant and adjuvant pembrolizumab plus chemotherapy in locally advanced gastric or gastro-oesophageal cancer (KEYNOTE-585): an interim analysis of the multicentre, double-blind, randomised phase 3 study. Lancet Oncol. 2024;25(2):212-24.
- Janjigian YY, Al-Batran SE, Wainberg ZA, Muro K, Molena D, Van Cutsem E, et al. Perioperative Durvalumab in Gastric and Gastroesophageal Junction Cancer. N Engl J Med. 2025.
Como citar este artigo
Ramos MFKP, ESOPEC e MATTERHORN: dois estudos que devem transformar a prática clínica no tratamento dos tumores esofagogástricos Gastropedia 2025 Vol II. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/esopec-e-matterhorn-dois-estudos-que-devem-transformar-a-pratica-clinica-no-tratamento-dos-tumores-esofagogastricos/
Cirurgião do Aparelho Digestivo
Professor Livre-Docente da Faculdade de Medicina da USP

