Introdução
O termo “DRGE refratária” é frequentemente usado de forma incorreta. Muitos pacientes rotulados assim, na verdade, têm apenas sintomas persistentes ao uso de IBPs (inibidores de bombas de prótons) sem comprovação de refluxo patológico. Para não cair em armadilhas diagnósticas e terapêuticas, é fundamental conhecer os erros mais comuns no manejo dessa entidade; mas primeiro:
🔹O que significa “refratário” de fato?
De acordo com o Consenso de Lyon 2.0, DRGE refratária não é simplesmente a persistência de pirose ou regurgitação em uso de IBP.
O termo deve ser reservado a pacientes que:
- têm diagnóstico documentado de DRGE (por endoscopia ou pHmetria/ImpedanciopHmetria esofágica);
- permanecem sintomáticos apesar de uso correto de IBP em dose dobrada, administrado 30–60 minutos antes das refeições, por pelo menos 8 semanas;
- após confirmação de aderência adequada ao tratamento.
👉 Ou seja: só podemos falar em refratariedade quando existe prova objetiva de DRGE e falha terapêutica verdadeira.
🔹Dessa forma, esses são os 10 principais erros cometidos durante a propedêuticas desses pacientes:
1. Não avaliar adesão e uso correto dos IBPs
Um dos erros mais básicos. O IBP deve ser tomado em jejum, 30–60 minutos antes da refeição principal, para coincidir com a ativação máxima das bombas de prótons.
Quando o paciente toma a medicação após a refeição ou de forma irregular, a supressão ácida é muito menor.
👉 Estudos mostram que até 40% das falhas terapêuticas são explicadas apenas por má adesão ou uso incorreto dos IBPs.
2. Não otimizar a dose do IBP
Antes de concluir que o paciente é “refratário”, é necessário tentar dobrar a dose padrão (variável para cada IBP) por 8–12 semanas.
A maior parte dos guidelines recomenda esse passo em pacientes com alta probabilidade clínica de DRGE.
👉 Ignorar essa etapa pode levar a investigações desnecessárias e atrasar a melhora do paciente.
3. Ignorar fatores externos
A persistência dos sintomas pode estar ligada a fatores comportamentais e de estilo de vida, tais como:
- Obesidade central, que aumenta a pressão intra-abdominal;
- Refeições volumosas e noturnas, que favorecem refluxo;
- Álcool e tabaco, que reduzem o tônus do esfíncter;
- Uso de medicações como nitratos, antagonistas de cálcio e opioides.
👉 Sem abordar esses pontos, o tratamento farmacológico isolado raramente é suficiente.
4. Usar o termo “refratário” sem comprovar DRGE
O Consenso de Lyon 2.0 define critérios objetivos para confirmar DRGE.
- Critérios endoscópicos conclusivos (após suspender IBP por 2–4 semanas): esofagite erosiva grau B, C e D, Barrett confirmado por biópsia ou estenose péptica.
- Monitorização prolongada do refluxo:
- Evidência conclusiva: Tempo de exposição ácida (TEA) > 6%
- Evidência limítrofe: Tempo de exposição ácida (TEA) entre 4 e 6%
- Evidência adjuvante: >80 episódios de refluxo, Associação refluxo-sintoma ou Impedância basal noturna (MNBI) < 1500 Ω.
👉 Se esses critérios não estão presentes, não há como falar em refratariedade. O correto é “sintomas persistentes ao uso de IBPs”.
5. Tratar sintomas atípicos como se fossem DRGE
Tosse crônica, rouquidão, pigarro e dor torácica isolada têm baixa probabilidade de serem causados apenas por refluxo.
👉 Escalonar IBP nesses casos tende a falhar e o risco é prolongar tratamento sem benefício. Esses pacientes precisam realizar exame de endoscopia e/ou monitorização prolongada do pH para diagnóstico de certeza de DRGE antes de realizar teste terapêutico com IBPs.
6. Solicitar o exame errado, no momento errado
O erro mais comum é pedir o exame na situação clínica inadequada.
- Realizar endoscopia digestiva em vigência de IBP, não permitindo a avaliação de esofagite erosiva;
- E no caso da monitorização prolongado do pH esofágico:
- Se o paciente não tem DRGE comprovada: o correto é realizar pHmetria ou impedânciopHmetria SEM IBP, para confirmar o diagnóstico de certeza de DRGE;
- Se o paciente já tem DRGE comprovada: deve-se realizar pHmetria esofágica, ou preferencialmente impedânciopHmetria COM IBP para verificar falha de supressão ácida e presença de refluxo não ácido, além da associação de sintomas.
👉 Fazer o exame “do jeito errado” gera resultados falsamente normais e confunde a conduta.
7. Desconsiderar diagnósticos diferenciais
Nem todo paciente que não melhora com IBP tem refluxo ácido. Alguns diagnósticos frequentes são:
- Hipersensibilidade ao refluxo (Consenso de Roma IV): TEA normal, mas associação positiva sintoma-refluxo;
- Pirose funcional (Consenso de Roma IV): TEA normal e sem associação sintoma-refluxo;
- Distúrbios motores como acalásia ou espasmo difuso do esôfago;
- Esofagite eosinofílica;
- Ruminação e aerofagia.
👉 Reconhecer esses quadros permite direcionar a terapêutica específica para cada situação.
8. Escalar IBP indefinidamente
Trocar repetidamente de marcas ou manter IBP contínuo em doses altas sem revisar o diagnóstico não traz benefício.
👉 Além de atrasar o manejo adequado, aumenta o risco de efeitos adversos (hipomagnesemia, diarreia, osteopenia em longo prazo).
9. Indicar cirurgia para sintomas refratários e não DRGE refratária
A fundoplicatura só deve ser considerada quando há:
- DRGE comprovada por critérios objetivos;
- Exclusão de diagnósticos funcionais que mantenham a persistências dos sintomas
- Avaliação manométrica pré-operatória adequada.
- Ponderando, ainda, resposta aos IBPs, IMC (índice de massa corpórea do paciente), presença de hérnia hiatal, além do sintomas predominantes do paciente
👉 Operar pacientes com pirose funcional ou hipersensibilidade ao refluxo leva a alta taxa de falha e complicações, como disfagia persistente.
10. Esquecer a abordagem multidisciplinar
Muitos pacientes não precisam de “mais IBP”, mas sim de outros enfoques:
- Neuromoduladores para hipersensibilidade;
- Terapia cognitivo-comportamental;
- Fono ou fisioterapia respiratória;
- Suporte nutricional com ajuste da dieta.
👉 Uma visão multidisciplinar melhora a qualidade de vida e reduz o uso inadequado de medicação.
🔹 Mensagem final
A DRGE refratária verdadeira é menos comum do que parece. O erro está em rotular cedo demais, sem confirmar adesão, sem exames adequados e sem considerar diagnósticos diferenciais.
👉 Lembre-se:
- Refratariedade = DRGE comprovada + falha clínica com IBP otimizado.
- O pHmetria/impedanciopHmetria devem ser usado corretamente: SEM IBP quando DRGE não está comprovada, COM IBP quando já há diagnóstico de certeza e se deseja documentar persistência de refluxo ácido apesar de tratamento otimizado.
- Hipersensibilidade ao refluxo e pirose funcional são diagnósticos diferenciais frequentes e não respondem ao escalonamento de IBP.
📚 Referências
- Roman S, Savarino E, et al. Lyon Consensus 2.0: advancing the diagnosis of GERD. Gut. 2024.
- Katz PO, et al. AGA Clinical Practice Update on the personalized approach to GERD. Gastroenterology. 2022.
Como citar este artigo
Nobre K. DRGE Refratária: 10 principais erros no manejo diagnóstico e terapêutico Gastropedia 2025 Vol II. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/drge-refrataria-10-principais-erros-no-manejo-diagnostico-e-terapeutico

Gastroenterologista e endoscopia digestiva pelo HCFMUSP
Membro da Federação brasileira de gastroenterologia - FBG
Médica preceptoria da residência de gastroenterologia da universidade federal de Uberlândia - UFU

