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Ausência de contratilidade esofágica

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Introdução

A ausência de contratilidade (AC) é um distúrbio motor esofágico raro, com prevalência estimada em 3% a 4% dos pacientes submetidos à manometria esofágica de alta resolução (MAR) e em 5% a 7% entre aqueles avaliados por disfagia.

De acordo com a Classificação de Chicago versão 4.0 (relembre aqui!), a ausência de contratilidade é definida como 100% de peristalse falha na presença de relaxamento adequado da junção esofagogástrica (ver Figura 1).


Figura 1 – Manometria de Alta Resolução demonstrando ausência de contratilidade esofágica.


Apresentação clínica

Os sintomas da ausência de contratilidade são variados e, muitas vezes, inespecíficos. As principais queixas incluem:

  • Regurgitação (68%)
  • Pirose (40% a 82%)
  • Disfagia (30% a 66%)


Outras manifestações possíveis são:

  • Dor torácica não cardíaca (17% a 21%)
  • Eructações (57%)
  • Náuseas e vômitos (23% a 33%)
  • Tosse recorrente (49%)
  • Perda ponderal (24%)


Condições associadas

A ausência de contratilidade é considerada uma “descendente” do chamado “esôfago esclerodérmico”, previamente descrito pela manometria convencional. Embora não seja um achado específico, é fortemente associado a doenças do colágeno, especialmente à esclerose sistêmica.

Distúrbios motores esofágicos estão presentes em até 80%–90% dos pacientes com esclerose sistêmica, sendo que a ausência de contratilidade representa 51% a 60% desses casos, e a motilidade esofágica ineficaz (MEI), 18% a 19%. A esclerose sistêmica é uma doença autoimune sistêmica complexa, que cursa com disfunção endotelial e excesso de deposição de colágeno, comprometendo múltiplos órgãos, inclusive o trato gastrointestinal


Além das doenças reumatológicas, outras condições frequentemente associadas à ausência de contratilidade esofágica incluem:

  • Doença do refluxo gastroesofágico (DRGE): até 36% dos pacientes com AC têm história de DRGE. A prevalência de esofagite erosiva nesses casos varia entre 31% e 65%. A hipomotilidade pode ser causa ou consequência da agressão esofágica crônica.
  • Cirurgias gástricas prévias: cerca de 14,9% dos pacientes com AC já realizaram cirurgias gástricas, como fundoplicatura ou procedimentos bariátricos.
  • Doença pulmonar intersticial: é comum encontrar AC em pacientes candidatos a transplante pulmonar, tanto pela doença de base (ex: colagenose) quanto por alterações mecânicas, como a tração lateral gerada pela fibrose. Há relatos de melhora da motilidade esofágica após transplante.
  • Uso de álcool: estudos sugerem maior prevalência de consumo alcoólico em pacientes com AC comparados a controles, embora a relevância clínica dessa associação ainda demande mais evidências.


Diagnóstico

O exame de escolha é a manometria esofágica de alta resolução.

Segundo a Classificação de Chicago v4.0, o diagnóstico de ausência de contratilidade exige:

  • Relaxamento adequado do esfíncter esofagiano inferior (IRP < 15 mmHg)
  • 100% de deglutições com falha peristáltica (DCI < 100 mmHg·s·cm)

A ausência de contratilidade pode representar um estágio precoce da acalasia tipo I. Em um seguimento médio de 20,5 meses, 6,8% dos pacientes inicialmente diagnosticados com AC evoluíram para acalasia. Isso se deve, possivelmente, à progressiva degeneração neuronal, que pode comprometer o corpo esofágico antes do esfíncter esofagiano inferior. Além disso, o valor do IRP pode ser afetado por erros técnicos ou por variações fisiológicas.

Em pacientes com disfagia significativa e IRP limítrofe (10–15 mmHg), a acalasia tipo I deve ser considerada no diagnóstico diferencial. Estudos mostram que até 25% dos pacientes com ausência de contratilidade ou acalasia tipo I podem ser incorretamente classificados apenas com base no IRP. Alguns pacientes com aperistalse e IRP normal (< 15 mmHg) apresentam na verdade história clínica, aparência radiográfica e achados endoscópicos mais consistentes com acalasia. Por isso, testes adicionais são fundamentais para diferenciar essas condições – tema que será abordado em uma próxima publicação neste site.


Tratamento

O tratamento da ausência de contratilidade é desafiador, pois não há terapias farmacológicas eficazes para melhorar o vigor contrátil esofágico. O manejo deve ser individualizado, com foco nos sintomas predominantes e e no tratamento de qualquer refluxo concomitante, quando presente.

Medidas comportamentais úteis incluem:

  • Fracionar e mastigar bem os alimentos
  • Associar alimentos sólidos com líquidos
  • Comer em posição ereta
  • Evitar decúbito por algumas horas após as refeições

Terapias farmacológicas:

  • Prucaloprida: pode aumentar a amplitude das contrações primárias do esôfago em pacientes com DRGE e ajudar no controle de sintomas em casos associados com gastroparesia ou constipação, mas não é considerada opção de tratamento para hipomotilidade esofágica;
  • Buspirona: mostrou aumento da contratilidade esofágica em pacientes com esclerose sistêmica, mas não se mostrou superior ao placebo em alívio sintomático.
  • Neuromoduladores: podem ajudar quando a dor torácica é o sintoma predominante.

Tratamento da DRGE associada:

  • Deve-se realizar controle agressivo da acidez com IBPs em altas doses (ou bloqueadores ácidos competitivos de canais de potássio).
  • Fundoplicatura: tem eficácia limitada (50%–60%) e pode agravar a disfagia em até 70% dos pacientes com esclerose sistêmica. Fundoplicatura parcial pode ser discutida no caso de sintomas refratários.
  • Bypass gástrico com anastomose em Y de Roux: de modo semelhante a uma cirurgia bariátrica, mas com uma alça mais curta para evitar perda de peso pós-operatória significativa, surge como uma alternativa mais eficaz que a fundoplicatura. Essa abordagem permitiria, afinal, abrandar a DRGE refratária sem levar ao agravamento dos sintomas disfágicos.

Considerações finais

A ausência de contratilidade é um raro, porém grave distúrbio motor do esôfago associado a disfagia e sintomas refratários de doença do refluxo gastroesofágico. O seu adequado diagnóstico por meio da manometria esofágica é fundamental para evitar tratamentos inapropriados e orientar adequadamente os pacientes.

Referências

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    Spectrum of esophageal dysmotility in systemic sclerosis on high-resolution esophageal manometry as defined by Chicago classification. Dis Esophagus. 2017;30(12):1–6.
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Como citar este artigo

Fontes LH, Lages RB. Ausência de contratilidade esofágica Gastropedia 2025, Vol 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/ausencia-de-contratilidade-esofagica/

⁠Doutor em Ciências Médicas e Biológicas pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
⁠Médico assistente da Divisão de Gastroenterologia e Hepatologia Clínica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP)
⁠Chefe do Laboratório de Motilidade Digestiva do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo-SP
⁠Médico assistente do Centro de Investigação de Motilidade do Aparelho Digestivo (CIMAD) do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, São Paulo-SP

Médico do Departamento de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas de São Paulo

Residência de Gastroenterologia e Endoscopia Digestiva pelo Hospital das Clínicas-FMUSP


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