A avaliação de um paciente com cisto pancreático deve responder a duas questões principais: Qual é o tipo de cisto e, no caso de IPMNs (neoplasias mucinosas papilares intraductais) ou MCNs (neoplasias mucinosas císticas), há displasia de alto grau ou câncer presente? Estas perguntas são cruciais para determinar o risco de transformação maligna e orientar o manejo do cisto.
Classificação e Risco
Os cistos pancreáticos são classificados como benignos, pré-malignos ou malignos, sendo que o risco de malignidade varia conforme o tipo. Os cistos mucinosos, como IPMNs e MCNs, apresentam potencial para progressão maligna e requerem atenção clínica cuidadosa. IPMNs são subdivididos em ducto principal, secundário e misto, com risco crescente de malignidade nessa ordem.
Fatores de Risco para Transformação Maligna
Estigmas de alto risco incluem icterícia obstrutiva, nódulos murais maiores que 5 mm, dilatação do ducto principal acima de 10 mm e citologia positiva.
Características preocupantes, como nódulos murais menores de 5 mm, crescimento maior do que 2,5 mm no último ano, dilatação do ducto até 9 mm, pancreatite aguda, aumento do CA 19.9 sérico, diabetes de início recente, cisto maior do que 3 cm, linfadenopatia e mudança abruta do calibre do ducto pancreático principal também são relevantes.

Figura 1. Adaptado de Elham Afghani et al. Gastroenterology Clinics of North America, 2024.
- Uma revisão sistemática recente demonstrou que a razão de chances para diagnóstico de displasia de alto grau ou câncer utilizando os critérios atuais variou de 1,98 a 3,62 (IC 95%: 1,3–4,6), com sensibilidade inferior a 70% o que pode ser considerado baixo para se indicar uma cirurgia de grande porte.
- Porém, um estudo de coorte com 810 pacientes submetidos à ressecção de IPMNs identificou que três ou mais estigmas de alto risco estavam associados a 100% de risco de displasia de alto grau ou câncer, comparado a 63% e 82% para um e dois estigmas, respectivamente.
- Pacientes com mais de três características preocupantes também apresentaram 100% de risco de malignidade, em contraste com 22%, 34% e 59% para um, dois e três fatores, respectivamente. Essa progressão escalonada de risco auxilia no processo de tomada de decisão clínica.
O Que Há de Novo em Cistos Pancreáticos?
Diagnóstico: Avanços em Modalidades e Biomarcadores
O diagnóstico de cistos pancreáticos tem se beneficiado de avanços significativos nos últimos anos. Apesar do uso tradicional do antígeno carcinoembrionário (CEA) para diferenciar cistos mucinosos, sua sensibilidade de apenas 58% e especificidade de 87% limitam sua aplicação prática. A citologia também enfrenta desafios relacionados à obtenção de amostras adequadas, com sensibilidade de 63% e especificidade de 88%.
Entre as novas abordagens, o ultrassom endoscópico com contraste (EUS-CE) tem se mostrado promissor. Ele é eficaz na diferenciação de nódulos murais, que são indicativos de necessidade cirúrgica, de mucina ou debris que não apresentam relevância clínica. O uso do modo harmônico neste contexto apresenta uma sensibilidade de 97% e especificidade de 90%, superando técnicas convencionais como o Doppler.
A biópsia com pinça através da agulha é outra inovação importante, permitindo a coleta de amostras maiores de tecido para análise histológica. Embora esta técnica tenha uma sensibilidade de 80% e especificidade equivalente, a alta taxa de sucesso técnico (94%) é acompanhada por um risco significativo de eventos adversos, incluindo complicações graves.
A endomicroscopia confocal com agulha (nCLE) tem se destacado ao oferecer imagens em tempo real do epitélio cístico, permitindo a identificação de padrões específicos associados a diferentes tipos de cistos. Com sensibilidade de 98% e especificidade de 94%, a nCLE supera métodos diagnósticos tradicionais, embora sua disponibilidade seja limitada a centros especializados.
Os biomarcadores moleculares em fluido cístico também representam um avanço crucial. A glicose, por exemplo, demonstrou alta sensibilidade (93%) e especificidade moderada (76%), com baixo custo e fácil aplicabilidade. No entanto, as mutações genéticas têm ganhado destaque, oferecendo um nível mais profundo de análise diagnóstica.
As mutações em genes como KRAS e GNAS são altamente específicas para cistos mucinosos, como as neoplasias mucinosas intraductais (IPMNs). Por outro lado, alterações no gene VHL estão associadas a cistos serosos. Já mutações em TP53 e SMAD4 estão ligadas a displasia de alto grau ou progressão para adenocarcinoma invasivo, sendo importantes para identificar cistos com maior risco de malignização. Além disso, mutações no RNF43 têm sido associadas ao aumento do risco de malignidade em IPMNs.

Adaptado de Elham Afghani et al. Gastroenterology Clinics of North America, 2024. Abreviações: SCA Cistoadenoma Seroso, IPMN Neoplasia mucinosa papilar intraductal, MCN Neoplasia mucinosa cística, cPanNets Degeneração cística de tumor neuroendócrino pancreático, DPP Ducto pancreático principal.
Tratamento: Inovações no manejo dos Cistos Pancreáticos
No manejo terapêutico, a ablação de cistos tem evoluído consideravelmente. Inicialmente realizada com injeção de álcool, essa técnica agora utiliza agentes quimioterápicos como paclitaxel e gemcitabina, que apresentam maior eficácia e menor toxicidade. Estudos demonstram taxas de remissão completa em até 98% dos casos após 6 anos de acompanhamento, destacando o potencial dessa abordagem para evitar cirurgias invasivas.
Outra técnica promissora é a ablação por radiofrequência (RFA), que se mostra eficaz e minimamente invasiva, embora ainda careça de validação em estudos de maior escala.
Além disso, o uso rotineiro de antibióticos após a punção aspirativa de cistos tem sido questionado. Estudos recentes indicam que a taxa de infecção é semelhante entre pacientes que receberam ou não profilaxia antibiótica, sugerindo que esta prática pode ser restrita a casos específicos.
Mudanças nas Diretrizes de Vigilância
O seguimento a longo prazo de cistos pancreáticos também passou por mudanças importantes. Em pacientes com expectativa de vida inferior a 10 anos ou comorbidades significativas, a vigilância pode ser descontinuada, considerando que os riscos do acompanhamento superam os benefícios.
De forma semelhante, cistos que permanecem estáveis por 5 a 10 anos sem sinais de progressão podem justificar a interrupção do acompanhamento. Para cistos menores de 1,5 cm em pacientes com mais de 65 anos ou menores de 3 cm em indivíduos com mais de 75 anos, o risco de progressão para malignidade é comparável ao da população geral, reforçando a necessidade de individualizar as decisões clínicas.
Esses avanços refletem um movimento em direção a uma abordagem mais personalizada e precisa no diagnóstico e manejo dos cistos pancreáticos, equilibrando o risco de progressão para câncer com a redução de intervenções desnecessárias.

Adaptado de Takao Ohtsuka, et al. Pancreatology, 2024. Algoritmo de manejo do IPMN. Os métodos de imagem iniciais para avaliação dos cistos pancreáticos são a ressonância magnética e a tomografia. Ecoendoscopia pode ser usada para investigação adicional.
Saiba mais:
Conclusão
A abordagem aos cistos pancreáticos exige avaliação sistemática e individualizada. Os avanços nos métodos diagnósticos e nos critérios de estratificação de risco têm permitido uma melhor identificação de pacientes com maior probabilidade de malignidade, proporcionando bases mais sólidas para o manejo clínico.
Referências
- Takao Ohtsuka, Carlos Fernandez-del Castillo, Toru Furukawa, Susumu Hijioka, Jin-Young Jang, Anne Marie Lennon, Yoshihiro Miyasaka, Eizaburo Ohno, Roberto Salvia, Christopher L. Wolfgang, Laura D. Wood. International evidence-based Kyoto guidelines for the management of intraductal papillary mucinous neoplasm of the pâncreas. Pancreatology,Volume 24, Issue 2,2024.
- Elham Afghani, Anne Marie Lennon, What Is the Latest in Pancreatic Cysts? Gastroenterology Clinics of North America, 2024.
Como citar este artigo
Orso, IRB. Abordagem atual dos Cistos Pancreáticos Gastropedia; 2025 Vol 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/abordagem-atual-dos-cistos-pancreaticos/

Doutor em Ciências em Gastroenterologia pela USP
Especialista em Endoscopia Diagnóstica e Terapêutica da Gastroclínica Cascavel e do Hospital São Lucas FAG
Coordenador da Residência Médica em Cirurgia Geral e Professor de Gastroenterologia da Escola de Medicina da Faculdade Assis Gurgacz