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Adenocarcinoma de vesícula biliar: Como proceder diante do diagnóstico inesperado

por Daniel de Paiva Magalhães
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A colecistectomia é uma das cirurgias mais realizadas no mundo. Estima-se que nos Estados Unidos sejam feitas um número superior a 500.000 por ano, sendo a maioria dos procedimentos motivados por colelitíase. Outras alterações como pólipo de vesícula biliar > 1 cm e vesícula biliar em porcelana se somam a colelitíase como indicações frequentes para o procedimento. As três causas citadas são fatores de risco para adenocarcinoma de vesícula biliar – diagnóstico que, muitas vezes, se apresenta como uma surpresa desagradável no retorno do paciente ao cirurgião geral.

Dessa forma, no contexto de diagnóstico incidental, apontaremos nesse artigo quais são os detalhes importantes para a tomada de decisão no retorno e como obter o melhor desfecho oncológico dos pacientes elegíveis.

Figura 1 – Neoplasia maligna de vesícula biliar

O que observar no laudo anatomopatológico?

O principal documento para tomada de decisão será o relatório anatomopatológico. Além do estadiamento, existem outros detalhes que podem nos trazer mais informações sobre o prognóstico do paciente e opções de tratamento após a colecistectomia.

Tabela 1 – Estadiamento segundo a 8ª edição AJCC.

É importante que o laudo contenha, além da profundidade de invasão:

Margem do ducto cístico: em caso de margem comprometida a cirurgia demandará a dissecção do ducto com congelação intraoperatória. Uma margem de ducto cístico positiva envolve a possibilidade de acometimento da via biliar principal e o resgate cirúrgico pode envolver uma reconstrução biliodigestiva.

Sítio da lesão: face peritoneal ou hepática da vesícula biliar

Anteriormente descrito como fator determinante para evolução do paciente, o sítio do tumor T2 passou a fazer parte do estadiamento na sua oitava atualização. Pacientes com lesão na face hepática apresentam maior disseminação linfonodal, invasão perineural e vascular; apresentando, portanto, uma menor sobrevida em 05 anos.

A reabordagem cirúrgica para ampliação de margem hepática e linfadenectomia do ligamento hepatogástrico e duodenal possui benefício em sobrevida para pacientes com estadiamento pT1b, pT2 e pT3. Os pacientes pT1a são considerados tratados adequadamente com uma colecistectomia (taxa de cura de 85 a 100%)1,2

O acometimento secundário do linfonodo cístico (Mascagni), que frequentemente acompanha a vesícula biliar na colecistectomia comum, proporciona um pior prognóstico, mas não contraindica a reabordagem. Existem protocolos que defendem iniciar tratamento dos casos N+ com neoadjuvância, mas ainda sem resultados conclusivos.

O que faz diferença para decidir ampliar a ressecção?

Dados da cirurgia: Os melhores resultados de ampliação de margem hepática e linfadenectomia do hilo hepático se dá com cirurgiões afeitos a cirurgia hepatobiliopancreática ou em centros especializados em cirurgia oncológica. Caso o paciente seja elegível a ressecção, é importante que o cirurgião receba informações adicionais sobre a colecistectomia.

Dados como impressão de vesícula ou lesão remanescente, suspeita intra-operatória de Síndrome de Mirizzi em um contexto de colecistite aguda ou da estimativa intraoperatória do tamanho do ducto cístico remanescente podem auxiliar no planejamento da reoperação. 

Perfuração da vesícula biliar: Pacientes que apresentaram perfuração da vesícula biliar durante o primeiro procedimento possuem desfecho oncológico significativamente pior1.

Figura 2 – Resultado de colecistectomia realizada na suspeita prévia de adenocarcinoma de vesícula biliar.

Investigação adicional Recomenda-se ao menos um exame de imagem axial contrastado – tomografia ou ressonância magnética – a fim de estadiamento oncológico e planejamento operatório. Nesse exame, avalia-se suspeita de lesão residual ou metástase, variações anatômicas da vascularização arterial hepática (presente em 25% da população)3 e linfonodos suspeitos para acometimento secundário.

Figuras 3 e 4 – Aspecto tomográfico e ultrassonográfico de uma lesão suspeita para adenocarcinoma de vesícula biliar.

Tratamento operatório

A reabordagem cirúrgica pode ser indicada por videolaparoscopia ou cirurgia aberta a depender da expertise do cirurgião. Caso opte-se por cirurgia aberta, iniciar o procedimento com uma laparoscopia diagnóstica pode trazer dados complementares ao estadiamento e evitar incisões/ morbidade desnecessária.

Linfadenectomia hilar: Recomenda-se realização da linfadenectomia do ligamento hepatogástrico e hepatoduodenal. Recomenda-se a ressecção de no mínimo 06 linfonodos para estadiamento adequado2.

Ressecção hepática: Em paciente sem evidência de doença macroscópica residual, recomenda-se uma ressecção da fossa da vesícula biliar – segmentos IVb e V – com profundidade de 2 cm. Ressecções mais extensas dependerão da lesão residual, acometimento vascular ou biliar e da ultrassonografia intraoperatória1,2.

Na busca por uma ressecção R0, hepatectomias major e ressecções vasculares apresentaram grande morbidade e, até o momento, contribuição modesta para a sobrevida desses pacientes.

Ressecção de portais laparoscópicos da primeira cirurgia: A ressecção dos portais foi sugerida com intenção de evitar implantes tumorais, na intenção de corrigir uma contaminação durante a primeira cirurgia. Entretanto, a prática não é mais encorajada. Estudos demonstraram ausência de benefício em sobrevida, com risco 15% de hérnia incisional4. Pacientes com evidência de lesão tumoral nos portais demonstraram desfecho semelhante a pacientes com metástase peritoneal.

Referências

  1. Qadan, M. & Kingham, T. P. Technical Aspects of Gallbladder Cancer Surgery. Surg Clin North Am 96, 229–245 (2016).
  2. Aloia, T. A. et al. Gallbladder Cancer : expert consensus statement. HPB 17, 681–690 (2015).
  3. Castaing, D. & Veilhan, L. Anatomie du foie et des voies biliaires. Tech. Chir. – Appar. Dig. 1, 1–12 (2006).
  4. Fuks, D., Marc, J., Le, R. Y., Chiche, L. & Farges, O. Incidental Gallbladder Cancer by the AFC-GBC-2009 Study Group. World J. Surg. 35, 1887–1897 (2011).
  5. Amin, M. B., Edge, S.B., Greene, F. L., et al. AJCC Cancer Staging Manual. 8th ed. New York: Springer (2017)

Como citar este artigo

Magalhães DP. Adenocarcinoma de vesícula biliar: Como proceder diante do diagnóstico inesperado. Gastropedia, vol. 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/adenocarcinoma-de-vesicula-biliar-como-proceder-diante-do-diagnostico-inesperado/

Daniel de Paiva Magalhães

Residência médica em Cirurgia Geral e Cirurgia do Aparelho Digestivo pelo Hospital das Clínicas da FMUSP.
Cirurgião voluntário do Serviço de Pâncreas e Vias Biliares do Hospital das Clínicas - USP.
Cirurgião do Aparelho Digestivo no Hospital Israelita Albert Einstein


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