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Diverticulite aguda não complicada – dar antibiótico ou não, eis a questão?

por Mariane Gouvea Monteiro de Camargo
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Por muito tempo, acreditou-se que microperfuração e infecção são as causas da diverticulite e a antibioticoterapia era um dogma dos cirurgiões lidando com essa afecção.

O mecanismo fisiopatológico geralmente aceito foi questionado porque novas evidências sugerem que a diverticulite é principalmente um processo inflamatório primário que pode resultar em microperfuração, em vez de uma complicação da própria microperfuração.

Diverticulite não complicada é caracterizada por uma inflamação aguda do cólon limitada à parede colônica e tecidos adjacentes, sem pneumoperitôneo livre, abscesso pélvico, fístula ou obstrução. Microperfuração com pneumopetirôneo localizado, na ausência de resposta inflamatória sistêmica, é considerada diverticulite não complicada.

Atualmente, há dois ensaios clínicos randomizados de qualidade com seguimento em longo prazo, além de revisões sistemáticas (vide referências abaixo), mostrando que os antibióticos não são necessários para tratamento da diverticulite não complicada.

Um desses ensaios clínicos randomizados foi o estudo sueco AVOD (sigla em sueco para “antibióticos na diverticulite não complicada”).

  • Nesse ensaio, 623 pacientes de dez centros, internados com diverticulite não complicada de cólon esquerdo confirmada por tomografia, foram divididos aleatoriamente em dois grupos:
    • 1) reposição volêmica intravenosa somente
    • 2) reposição volêmica intravenosa e antibióticos.
  • Os autores não encontraram diferenças entre os grupos em relação a progressão para complicações, falha de tratamento, dor, recorrência em um ano, tempo de internação ou tempo de recuperação.
  • Este grupo de estudo publicou recentemente um acompanhamento de longo prazo desta coorte, com média de 11 anos de seguimento, e não foram vistas diferenças significativas entre os dois grupos em termos de recorrência (ambos ~ 31%), complicações, necessidade de cirurgia ou qualidade de vida.

O segundo ensaio clínico randomizado controlado (DIABOLO) mais recente do The Dutch Diverticular Disease Collaborative Study Group comparou a eficácia do tratamento de pacientes que apresentam seu primeiro episódio de diverticulite sigmoide com antibióticos versus observação.

  • Foram incluídos 528 pacientes com diverticulite não complicada comprovada por tomografia e aleatoriamente designados para um curso de dez dias de amoxicilina com clavulanato (48 horas de tratamento intravenoso seguido de administração oral) ou observação ambulatorial e o desfecho primário foi tempo para recuperação.
  • O tempo médio de recuperação para o grupo de tratamento com antibióticos foi de 12 dias (IQR 7–30) versus 14 dias no grupo de observação (IQR 6–35; p = 0,15).
  • Não houve diferenças significativas entre os grupos com relação a ocorrência de eventos adversos leves ou graves, mas o grupo antibiótico teve uma taxa maior de eventos adversos relacionados a antibióticos (0,4% versus 8,3%; p = 0,006).
  • Após 24 meses de acompanhamento, o grupo publicou um novo estudo mostrando que não houve diferenças significativas entre os dois grupos em relação à mortalidade, diverticulite recorrente (complicada ou não complicada), reinternação, eventos adversos ou necessidade de cirurgia.

Uma revisão Cochrane também não encontrou diferenças significativas nos resultados entre pacientes com diverticulite não complicada tratados com ou sem antibióticos. Esses estudos sugerem que uma proporção de pacientes com diverticulite não complicada pode ser tratada sem antibióticos. 

É importante enfatizar que quase todos os pacientes incluídos nesses estudos eram relativamente saudáveis e apresentavam doença diverticular em estágio inicial (Hinchey I e Ia). Portanto, o uso de antibióticos continua a ser apropriado em todos os outros estágios da doença. O uso de antibióticos continua sendo apropriado para pacientes de alto risco com comorbidades significativas, sinais de infecção sistêmica ou imunossupressão.

Embora os ensaios acima mencionados forneçam evidências de nível I para o tratamento não antibiótico da diverticulite não complicada, ainda não há um amplo consenso na prática atual. A diretriz combinada SAGES/EAES, obtida através de voto de especialistas a respeito de determinado tópico, não obteve consenso.

Conclusão

  • Baseado em estudos de qualidade, em casos diverticulite não complicada é seguro fazer o tratamento sem antibióticos.
  • Nesses pacientes, os estudos não demonstraram benefícios de curto ou longo prazo no uso de antibióticos.
  • A decisão terapêutica deverá ser feita baseado nas necessidades individuais de cada paciente.
  • O tempo necessário para que mudemos nossas condutas baseados em evidências científicas de qualidade é tópico para outra discussão…

Referências

  1. Hall J, Hardiman K, Lee S, Lightner A, Stocchi L, Paquette IM, Steele SR, Feingold DL; Prepared on behalf of the Clinical Practice Guidelines Committee of the American Society of Colon and Rectal Surgeons. The American Society of Colon and Rectal Surgeons Clinical Practice Guidelines for the Treatment of Left-Sided Colonic Diverticulitis. Dis Colon Rectum. 2020 Jun;63(6):728-747. doi: 10.1097/DCR.0000000000001679. PMID: 32384404.
  2. Chabok A, Påhlman L, Hjern F, et al. Randomized clinical trial of antibiotics in acute uncomplicated diverticulitis. Br J Surg. 2012;99(4):532-9.
  3. Daniels L, Ünlü Ç, de Korte N, et al. Randomized clinical trial of observational versus antibiotic treatment for a first episode of CT-proven uncomplicated acute diverticulitis. Br J Surg. 2017;104(1):52-61. 
  4. van Dijk ST, Daniels L, Ünlü Ç, et al. Long-Term Effects of Omitting Antibiotics in Uncomplicated Acute Diverticulitis. Am J Gastroenterol. 2018;113(7):1045-1052.

Como citar este artigo

Camargo MGM. Diverticulite aguda não complicada – dar antibiótico ou não, eis a questão? Gastropedia 2023, vol. 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/diverticulite-aguda-nao-complicada-dar-antibiotico-ou-nao-eis-a-questao

Mariane Gouvea Monteiro de Camargo

Cirurgiã Colorretal pela Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo e Coloproctologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Médica do Departamento de Coloproctologia – Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Research Fellow (2017 – 2019) do Departamento de Cirurgia Colorretal da Cleveland Clinic, Cleveland – OH


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