Pancreatite Crônica – Como tratar?

Fechando a trilogia da Pancreatite Crônica (leiam os posts anteriores sobre etiologia e diagnóstico), vamos falar de tratamento.

Os pilares para tratamento da pancreatite crônica são:

1) Analgesia

A dor abdominal (em abdome superior) é o sintoma proeminente da patologia, acomete cerca de 80% dos pacientes, e pode ser debilitante e contribuir para uma qualidade de vida ruim. O padrão de dor pode ser intermitente ou contínua, e não tem correlação clínico-radiológica (isto é, muitas vezes o paciente não têm a glândula muito comprometida na imagem, entretanto pode ter uma clínica de dor exuberante).

A fisiopatologia da dor na pancreatite crônica é complexa, e envolve a obstrução ductal por calcificações (com hipertensão ductal) e a presença de estímulos nociceptivos em nervos peri-pancreáticos, originados de insultos inflamatórios e isquêmicos. Esses estímulos (sendo contínuos ou intermitentes, porém constantes) levam à modificação permanente na medula espinhal e córtex cerebral, promovendo a sensibilização central. Essa sensibilização pode perpetuar o sintoma de dor, mesmo em pacientes que já tenham removido o mecanismo causal (pancreatectomizados totais, por exemplo).

Ao questionar o paciente sobre a dor, é interessante ter disponível a Escala Visual Analógica (EVA), para corretamente graduar a dor (sintoma subjetivo).

O tratamento da dor deve ser multifatorial, visto a diversa fisiopatologia do sintoma. A primeira medida é orientar o paciente a cessar o uso do álcool e tabaco. Ambos são agressores diretos das células pancreáticas, e frequentemente as crises de dor podem ser precipitadas pelo abuso de álcool, nas etiologias alcoólicas.

Não há um tratamento dietético específico para melhorar a dor, embora evitar dietas hipergordurosas parece ter benefício no controle da dor, em estudos observacionais.

Em relação a medicamentos, os guidelines recentes sugerem seguir a escada analgésica proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS), iniciando-se com analgésicos simples e anti-inflamatórios, posteriormente partindo para opioides fracos (como tramadol e codeína), deixando para um terceiro momento a introdução de opioides fortes e de maior duração, sempre com muita cautela (temos que lembrar que muitos desses pacientes têm problemas de dependências de substâncias, aumentando o risco de adição com opioides fortes).

Dada a fisiopatologia, a administração de moduladores de dor (antidepressivos tricíclicos, pregabalina e outros) pode ser feita já no início do tratamento. O agente mais estudado nesse contexto é a pregabalina, que demonstrou ser um potente adjuvante em ensaios clínicos placebo-controlados.

A associação de antioxidantes (metionina, vitamina A, Vitamina E, Vitamina C e Selênio) parece ter benefício para pacientes com pancreatite crônica não alcoólica, embora não seja uma recomendação formal, e mais estudos são necessários.

Para alguns pacientes parece haver benefício de intervenções endoscópicas ou cirúrgicas. Os procedimentos são diversos, como CPREs com colocação de próteses pancreáticas, com ou sem litotripsia extra-corpórea; procedimentos cirúrgicos que pode envolver a derivação do ducto pancreático dilatado (Cirurgia de Puestow), ou a combinação da derivação com a ressecção (Cirurgia de Frey, Beger ou Berne).

(Escada Analgésica da OMS – adaptada de Yang, J. et al. Journal of Pain Research, 2020)

2) Manejo da Insuficiência Exócrina (IEP)

Não é infrequente que o paciente restrinja a sua alimentação, devido à dor ou a sintomas de insuficiência exócrina (como esteatorreia ou bloating). O tratamento da IEP deve ser iniciado quando paciente apresentar sintomas (como esteatorreia) ou sinais de má-nutrição, que por vezes são subclínicos, como carências de nutrientes e vitaminas lipossolúveis, além do marcador elastase fecal abaixo do valor de referência (< 200 mcg/g fezes)

Nos pacientes com evidência de IEP, a terapia de reposição enzimática está recomendada, na dose inicial de 40.000-50.000 UI de lipase por grande refeição, e a metade da dose nos lanches e refeições menores. A adequação da dieta para uma dieta normolipídica e normo ou hiperproteica, além da redução da quantidade de fibras (que pode diminuir a eficácia das enzimas pancreáticas) é necessária. O auxílio de uma nutricionista capacitada é de suma importância na condução desses pacientes.

Além da dieta e da reposição enzimática, muitos desses pacientes necessitam reposição de oligoelementos, como vitaminas e minerais. Essa reposição deve ser sempre baseada em dosagens séricas, e não há benefício em manter níveis acima dos recomendados usualmente.

3) Manejo da Insuficiência Endócrina

Os pacientes com diabetes pancreatogênico (Diabetes tipo III-c) tem um manejo difícil, visto que a fibrose das ilhotas endócrinas cursam com diminuição na produção de insulina e também do contra-regulador (glucagon). Portanto, são pacientes que tendem a fazer picos altos de glicemia e também tendem a hipoglicemia após início do tratamento.

Os pacientes devem ser avaliados para insuficiência endócrina anualmente, e o manejo preferencialmente deverá ser feito com o auxílio de um endocrinologista.

4) Vigilância para neoplasias

Já falamos anteriormente sobre risco de neoplasia de pâncreas em pacientes com pancreatite crônica neste artigo
https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/pancreatite-cronica-principais-etiologias-e-risco-associado-de-neoplasia-pancreatica/, portanto é necessária uma vigilância com exames de imagem, embora não haja recomendação específica da periodicidade. As pancreatites hereditárias e genéticas necessitam de avaliação anual com exames de imagem.

Referências

  1. Gardner, TB et al. ACG Clinical Guideline: Chronic Pancreatitis. Am J Gastroenterol 2020;115:322–339.
  2. Singh, VK et al. Diagnosis and Management of Chronic Pancreatitis – A Review. JAMA. 2019;322(24):2422-2434
  3. Olesen, SS et al. Pregabalin Reduces Pain in Patients With Chronic Pancreatitis in a Randomized, Controlled Trial. Gastroenterology 2011;141:536–543
  4. Singh, VK & Drewes, AM. Medical Management of Pain in Chronic Pancreatitis. Dig Dis Sci (2017) 62:1721–1728
  5. Yang, J et al. The Modified WHO Analgesic Ladder: Is It Appropriate for Chronic Non-Cancer Pain? Journal of Pain Research 2020:13 411–417
  6. Cañamares-Orbís, P et al. Nutritional Support in Pancreatic Diseases. Nutrients 2022, 14, 4570.

Como citar este artigo

Marzinotto M. Pancreatite Crônica – Como tratar? Gastropedia 2024, Vol 2. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/pancreatite-cronica-como-tratar/




Pancreatite Crônica: Como fazer o diagnóstico

Já falamos aqui sobre os fatores de risco para pancreatite crônica e de seu risco associado de neoplasia pancreática (pancreatite-cronica-principais-etiologias-e-risco-de-neoplasia). Agora vamos conversar sobre como realizar o diagnóstico.

Diagnóstico

Estabelecer o diagnóstico de pancreatite crônica (PC) nem sempre é simples. A história clínica e anamnese é muito importante, na tentativa de verificar a presença de fatores de risco (álcool, tabagismo) e dos principais sintomas. Os principais sintomas são:

  • Dor abdominal (presente em 80% dos casos). Até 70% dos pacientes contam terem uma história de pancreatite aguda prévia, e até 50% podem ter pancreatite aguda de repetição. 
  • Além da dor, sintomas de má-digestão, diarreia crônica, esteatorreia e déficits nutricionais (carência de vitaminas lipossolúveis e alterações ósseas como osteopenia e osteoporose) também podem estar presentes ao diagnóstico, configurando a insuficiência exócrina do pâncreas, assim como sinais de insuficiência endócrina (diabetes mellitus). 

A presença dos sintomas e de fatores de risco não confirma o diagnóstico. A certeza diagnóstica é somente com a histologia pancreática, que frequentemente está indisponível. Dessa forma, o diagnóstico definitivo se baseia em alterações de exames de imagem e em possíveis alterações na função exócrina e endócrina.

Exames de Imagem

Dentre os exames de imagem que podem auxiliar o diagnóstico de PC, destaco 3 modalidades:

  • Tomografia de abdome (TC): pode evidenciar alterações mais grosseiras na glândula, como presença de calcificações, dilatação ductal e atrofia do parênquima pancreático. Esse exame pode ser suficiente em pacientes com alta probabilidade de PC. É o melhor exame para visualizar calcificações.
(Imagem de arquivo próprio – reprodução autorizada)

  • Ressonância Magnética com Colangio-Pancreatorressonância (CPRM): em pacientes com baixa probabilidade de PC a ressonância pode avaliar alterações menores em parênquima, que aparecem como alteração na intensidade do sinal, além de alterações em ductos, inclusive ductos secundários.
  • Ecoendoscopia (EcoEDA): o ultrassom endoscópico avalia 4 critérios parenquimatosos e 5 critérios ductais para o diagnóstico de PC. É o exame com a maior acurácia para o diagnóstico de PC (especialmente nas pancreatites crônicas precoces), entretanto apresenta uma alta discordância inter-observador, além de ser mais invasivo do que os exames axiais.

Em uma revisão sistemática e metanálise de 2017, foram comparadas as acurácias dos exames disponíveis. Os resultados não tiveram diferenças estatisticamente significantes: Sensibilidade da EcoEDA foi 81%, da CPRM 78% e TC 71%. Já as especificidades foram: EcoEDA 90%, CPRM 96% e TC 91%. Aparentemente a vantagem da EcoEDA seria para avaliação de pancreatite crônica precoce, onde as alterações morfológicas da glândula ainda são iniciais, e melhores vistas pelo Ultrassom endoscópico. 

A escolha do exame de imagem deve ser baseada na probabilidade pré teste do diagnóstico (por exemplo, um paciente etilista e tabagista, com dor epigástrica e diabetes mellitus tem uma alta probabilidade pré teste de pancreatite crônica), além de custo e disponibilidade do exame em questão.

Testes funcionais

Os testes funcionais servem para avaliar a função exócrina da glândula, que somados a alterações de imagem compatíveis, podem contribuir para o diagnóstico de PC. 

Os testes diretos são realizados com aspirados duodenais, para análise do suco pancreático, e não são solicitados de rotina pois são invasivos e demorados. 

Dentre os testes indiretos o padrão-ouro é a quantificação de gordura fecal – teste que exige do paciente um alto consumo de gordura durante 5 dias e análise das fezes dos últimos 3 dias. Caso haja uma quantidade de gordura > 7g em 24h está diagnosticada a esteatorreia (manifestação da insuficiência pancreática exócrina). Esse teste é muito oneroso ao paciente, portanto pouco utilizado. 

O esteatócrito (teste semi-quantitativo) ou teste qualitativo de gordura nas fezes com amostra única (SUDAM III) têm baixa sensibilidade para o diagnóstico de esteatorreia, portanto não ajudam se vierem negativos.

A elastase fecal é uma enzima produzida pelo pâncreas que é pouco degradada no trânsito intestinal, e recuperada de forma quase intacta nas fezes. A pesquisa é feita com amostra única de fezes e é somente importante que as fezes não estejam líquidas (pois isso diminuiria a especificidade do exame, podendo levar a um falso-positivo). Os níveis de elastase são considerados normais se estiverem acima de 200 mcg/g fezes. Abaixo desse valor, é sugerida uma insuficiência pancreática leve, e níveis abaixo de 100 mcg/g fezes sugerem insuficiência pancreática grave. O exame tem sensibilidade em torno de 77% (maior para insuficiências moderadas e graves) e especificidade de 88% (diminuída em fezes líquidas ou presença de algumas condições associadas, como supercrescimento bacteriano – SIBO)

Além dos testes funcionais para avaliação exócrina, é sempre prudente a pesquisa de insuficiência endócrina, com dosagem de glicose e hemoglobina glicada.

Em resumo, o diagnóstico de pancreatite crônica envolve suspeição por parte do gastroenterologista (especialmente nos casos em que há fatores de risco presentes e quadro clínico compatível), mas também exige alteração em exame de imagem. A escolha do exame de imagem deve ser baseada na experiência de cada profissional, assim como custos dos exames e disponibilidade em cada local. É imprescindível também a pesquisa de insuficiência pancreática exócrina (que pode estar presente nas PC) e pesquisa e monitorização da função endócrina.

Leia também: insuficiência exócrina do pâncreas: um olhar além do óbvio

Referências

  1. Vege, SS, Chari, ST. Chronic Pancreatitis. N Engl J Med 2022;386:869-78.
  2. Issa Y, Kempeneers MA, van Santvoort HC, et al. Diagnostic performance of imaging modalities in chronic pancreatitis: a systematic review and meta-analysis. Eur Radiol 2017;27:3820–44.
  3. Beyer, G et al. Chronic Pancreatitis. Lancet 2020; 396: 499–512
  4. Singh, VK et al. Diagnosis and Management of Chronic Pancreatitis – A Review. JAMA. 2019;322(24):2422-2434.

Como citar este artigo

Marzinotto M. Pancreatite Crônica: Como fazer o diagnóstico Gastropedia 2024, vol 2. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/pancreatite-cronica-como-fazer-o-diagnostico/




Guideline de Kyoto – atualizações na abordagem dos IPMNs – Parte II

No artigo anterior discorremos sobre as mudanças na classificação histopatológica, definição dos estigmas de alto risco e dos marcadores para diagnóstico dos IPMNs.

Vamos continuar a análise do Guideline de Kyoto, em relação às lesões císticas pancreáticas.

6) Indicação cirúrgica: Neste aspecto, o guideline não difere muito da atualização do consenso de Fukuoka em 2017. A cirurgia proposta é a pancreatectomia parcial com realização de linfadenectomia radical se houver suspeita de carcinoma invasivo, e a cirurgia com preservação de baço ou piloro se não houver suspeita de carcinoma invasivo. É sempre interessante realizar a congelação intra-operatória, especialmente para avaliar comprometimento de ducto principal. Ainda há dúvidas quanto a ressecção ampliada caso haja displasia de alto grau na margem cirúrgica, mas há consenso que displasia de baixo grau na margem cirúrgica não deve indicar ampliação da ressecção.

A pancreatectomia total profilática não é indicada, e o pâncreas residual deverá permanecer em vigilância.

7) Vigilância de IPMNs não operados: no Guideline de Kyoto, houve uma mudança no seguimento dos IPMNs não operados, de acordo com o risco de malignização. (Se quiser conferir as recomendações dos critérios de Fukuoka clique nesse link: IPMN.)

Tamanho do IPMN Vigilância
< 20mm Primeiro exame em 6 meses, após a cada 18 meses, se estável
20 mm < IPMN < 30 mm 6/6meses por 1 ano, e após 1 exame a cada 12 meses, se estável
> 30mm A cada 6 meses

8) Quando suspender a vigilância: esse tópico é, talvez, a maior fonte de debates entre pancreatologistas. Há muita dúvida quanto à segurança de se parar a vigilâncias dos IPMNs de ductos secundários. Desde 2015, no Guideline da American Gastroenterological Association (AGA), quando foi proposto que lesões estáveis em tamanho e mantendo-se sem estigmas de alto risco por mais de 5 anos, poderiam não ser mais vigiadas. Esta recomendação foi alvo de críticas de muitos autores, pois não havia discriminação quanto ao tamanho ou características da lesão.

Em 2023, houve um estudo retrospectivo italiano (publicado na Gastroenterology), que concluiu que cistos < 30mm em pacientes com mais de 75 anos que permanecessem estáveis, e cistos < 15 mm (estáveis) em pacientes com 65 anos ou mais poderiam não ser vigiados com segurança.

No nosso Guideline de Kyoto a recomendação de parar a vigilância é um pouco genérica, colocada como cistos < 20 mm, sem nenhum sinal de alto risco ou nenhum sinal preocupante, que permaneceu em vigilância por pelo menos 5 anos. Também é recomendado que a vigilância cesse se o paciente não for elegível para um procedimento cirúrgico ou se tiver expectativa de vida < 10 anos.

9) PDAC (adenocarcinoma ductal pancreático) concomitante: além da própria progressão do IPMN para displasias de alto grau e carcinoma invasivo, há o risco de adenocarcinoma ductal concomitante em pacientes com IPMN. O risco de PDAC parece ser 3-5x maior em pacientes com IPMN do que em pacientes controle (estudos em pacientes japoneses, não ainda replicados em países ocidentais). Curiosamente, o risco parece ser maior em pacientes com IPMNs pequenos, e esse risco permanece mesmo após os 5 anos de vigilância. Esse pode ser um dos argumentos para que não se suspenda a vigilância nos IPMNs.

10) Vigilância de IPMNs não ressecados: a prevalência de IPMNs multifocais giram em torno de 20-40% dos casos. A presença de múltiplos IPMNs não aumenta o risco de displasia de alto grau ou carcinoma in situ. A vigilância se baseia no IPMN de maior risco, e a ressecção (se indicada) deve ser apenas da lesão considerada de alto risco.

11) Vigilância do pâncreas remanescente após ressecção por IPMN: o pâncreas remanescente deverá permanecer em vigilância após a pancreatectomia parcial por IPMN. O risco cumulativo de novas lesões significativas em 5 anos é de 10%. O risco de lesões invasivas é de 4%, e os fatores de risco para tais lesões são displasia de alto grau na peça ressecada e histórico familiar de PDAC. Mesmo os IPMNs de baixo grau devem ser vigiados pelo risco de progressão das lesões císticas.

Com isso encerramos os principais tópicos do Guideline de Kyoto, que em alguns aspectos difere dos guidelines anteriores. A verdade é que quando o assunto é IPMN (principalmente dos de ducto secundário) ainda há muita dúvida no entendimento e condução dos casos. Seguimos estudando.

Referências

  1. Ohtsuka, T et al. International evidence-based Kyoto guidelines for the management of intraductal papillary mucinous neoplasm of the pancreas. Pancreatology, 2023. https://doi.org/10.1016/j.pan.2023.12.009
  2. Tanaka, M et al. Revisions of international consensus Fukuoka guidelines for the management of IPMN of the pâncreas. Pancreatology, 2017. http://dx.doi.org/10.1016/j.pan.2017.07.007
  3. Vege, SS et al. American Gastroenterological Association Institute Guideline on the Diagnosis and Management of Asymptomatic Neoplastic Pancreatic Cysts. Gastroenterology 2015;148:819–822.
  4. Marchegiani, G et al. Surveillance for Presumed BD-IPMN of the Pancreas: Stability, Size, and Age Identify Targets for Discontinuation. Gastroenterology 2023;165:1016–1024

Como citar este artigo

Marzinotto M. Guideline de Kyoto – atualizações na abordagem dos IPMNs – Parte II Gastropedia 2024, vol 2. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/sem-categoria/guideline-de-kyoto-atualizacoes-na-abordagem-dos-ipmns-parte-ii




Guideline de Kyoto – atualizações na abordagem dos IPMNs – Parte I

Os cistos pancreáticos são frequentemente achados de imagem em pacientes assintomáticos ou com sintomas inespecíficos. Está cada dia maior a procura aos consultórios de cirurgiões e gastroenterologistas para definir conduta.

Para nos guiar nesse assunto recorremos aos guidelines de grupos internacionais, que auxiliam no manejo dos cistos pancreáticos. O primeiro guideline de 2006 (estabelecido pelo grupo internacional em Sendai, no Japão) direcionava as atenções aos cistos mucinosos – cistoadenoma mucinoso e IPMNs – que classicamente exibem algum risco de malignização.

Da mesma forma, em 2012, na cidade de Fukuoka no Japão, estabeleceram-se novas atualizações para seguimento e abordagem dos cistos mucinosos. Os critérios de Fukuoka, que foram atualizados em 2017, são até hoje considerados como tendo um alto valor preditivo negativo (ou seja, os cistos que não preenchem os critérios de Fukuoka de estigmas de alto risco ou ¨sinais preocupantes¨ têm praticamente 100% de chance de não serem malignos).

Existem ainda os guidelines europeu e da ACG (publicados em 2018) que também se referem a outros tipos de cistos (como os cistoadenomas serosos), que exibem pequenas diferenças no seguimento em relação ao consenso de Fukuoka.

Em dezembro de 2023 foi publicado na Pancreatology um novo guideline sobre o manejo dos IPMNs, realizado em Kyoto. Algumas mudanças em relação a guidelines anteriores foram bem evidentes. Vamos aqui ressaltar os principais pontos desse novo consenso:

  1. Aspectos patológicos: em relação aos graus de displasia, as lesões podem ser classificadas como displasia de baixo grau, displasia de alto grau (carcinoma in situ) e carcinoma invasivo (as duas últimas se apresentam com indicação cirúrgica). Os subtipos morfológicos atualmente são apenas 3: gástrico, intestinal e pancreatobiliar (o subtipo oncocítico previamente descrito foi separado dos IPMNs, e atualmente é descrito como neoplasia papilar intraductal oncocítica).

  1. Aspectos moleculares: os marcadores moleculares conhecidos ainda não tem impacto prognóstico nos IPMNs, apenas para diagnóstico diferencial com outras lesões císticas. Os IPMNs tem mutações no KRAS (60-70%) e mutações no GNAS (50-70%). As mutações no GNAS não são encontradas nos cistoadenomas mucinosos.

  1. Avaliação de riscos: os termos Estigmas de Alto Risco (High Risk Stigmata) e Sinais Preocupantes (Worrisome features) continuam a ser utilizados. O primeiro termo se refere a sinais preditores de displasia de alto grau ou carcinoma invasivo. São considerados:

    1. High Risk Stigmata: (i) icterícia obstrutiva em pacientes com lesão na porção cefálica do pâncreas; (ii) nódulo mural com realce > 5 mm ou componente sólido; (iii) ducto pancreático principal > 10 mm; (iv) citologia + ou suspeita para displasia de alto grau ou carcinoma invasivo.
    2. Worrisome features: (i) pancreatite aguda; (ii) elevação do marcador ca19/9; (iii) diabetes de início recente ou piora abrupta de DM anterior; (iv) nódulo mural com realce < 5 mm; (v) cisto > 30 mm; (vi) parede do cisto espessada ou realçada; (vii) ducto pancreático principal entre 5-9 mm; (viii) mudança abrupta no calibre do ducto principal e atrofia do parênquima à montante; (ix) linfoadenopatia; (x) crescimento do cisto pancreático ≥ 2,5 mm/ano.

  1. Marcadores séricos: o Ca 19-9 (leia mais nesse artigo) ainda foi considerado como o único marcador sérico que pode ter relação com o aparecimento de displasia de alto grau ou carcinoma invasivo. Os marcadores moleculares (como KRAS e GNAS) em biópsia líquida ainda estão sendo estudados, sem orientação para serem utilizados de rotina, por enquanto.

  1. Marcadores intra-císticos: a análise bioquímica do fluido do cisto ainda é interessante na diferenciação de cistos mucinosos de não mucinosos. Os valores de CEA (>192 ng/ml) e de glicose (<50 ng/dL) tem alta especificidade para diagnóstico de cisto mucinoso. A dosagem da glicose foi incorporada somente nesse guideline como sendo marcador de alta acurácia para lesões mucinosas. Na análise molecular, a presença de mutações no KRAS e GNAS também têm alta especificidade para diagnóstico de IPMNs. Para avaliar lesões com displasia de alto grau ou já com carcinoma os marcadores genéticos ainda possuem baixa sensibilidade (mutações no SMAD4, TP53, CDKN2A e PIK3CA possuem sensibilidade de 9-39% apenas), embora tenham alta especificidade.

Nessa primeira parte do guideline de Kyoto, analisamos as mudanças na classificação histopatológica, uma definição mais clara dos estigmas de alto risco e dos sinais preocupantes, além de marcadores para diagnóstico dos IPMNs. Marcadores séricos e intracísticos que avaliam degeneração dos IPMNs ainda têm baixa sensibilidade, com pouca recomendação de uso.

Na segunda parte vamos comentar sobre conduta e vigilância dessas lesões: Guideline de Kyoto – atualizações na abordagem dos IPMNs – Parte II

Referências:

  1. Ohtsuka, T et al. International evidence-based Kyoto guidelines for the management of intraductal papillary mucinous neoplasm of the pancreas. Pancreatology, 2023. https://doi.org/10.1016/j.pan.2023.12.009
  2. Tanaka, M et al. Revisions of international consensus Fukuoka guidelines for the management of IPMN of the pâncreas. Pancreatology, 2017. http://dx.doi.org/10.1016/j.pan.2017.07.007
  3. Elta, GH et al. ACG Clinical Guideline: Diagnosis and Management of Pancreatic Cysts. Am J Gastroenterol 2018. doi: 10.1038/ajg.2018.14

Como citar este artigo

Marzinotto M. Guideline de Kyoto – atualizações na abordagem dos IPMNs – Parte I Gastropedia 2024, vol 1. Disponível em: gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/pancreas/guideline-de-kyoto-atualizacoes-na-abordagem-dos-ipmns-parte-i/




Pancreatite Aguda por Hipertrigliceridemia

A relação dos triglicérides com o dano pancreático tem sido estudada ao longo dos anos. Sabe-se hoje que a Hipertrigliceridemia (HTG) é a 3a maior causa de pancreatite aguda (menos prevalente apenas que as causas biliares e alcoólica). Entretanto, a presença de HTG é frequente em todas as etiologias das pancreatites agudas.

Como saber se os triglicérides (TG) são a causa ou apenas um epifenômeno presente em uma pancreatite aguda de outra etiologia?

Conceito

A hipertrigliceridemia é definida como aumento de níveis séricos de triglicérides acima de 150 mg/dL. Esse aumento pode ser categorizado em:

  • HTG leve: 150-199 mg/dL
  • HTG moderada: 200-999 mg/dL
  • HTG severa: 1000-1999 mg/dL
  • HTG muito severa: > 2000 mg/dL

As HTG são classificadas em:

  • Primárias – pacientes portadores de alterações genéticas que não permitem o correto metabolismo dos triglicérides. Essas causas foram catalogadas por Friderickson em tipos I a V. Os tipos mais associados com pancreatite aguda são: tipos I, IV e V.
  • Secundárias: alguns pacientes elevam os TG devido a: obesidade, diabetes mal controlado, dieta hipercalórica e hiperlipídica, gestação e uso de álcool. Além disso, algumas medicações são sabidamente causa de HTG e devem ser pesquisadas nesse contexto (ex: retinóides, inibidores de proteases, anti-psicóticos, inibidores de calcineurina, diuréticos e estrógenos)

O risco de pancreatite aguda (PA) ocorrer em indivíduos com HTG é considerado quando os TG se elevam > 1000 mg/dL (em torno de 5%) e aumenta muito quando TG > 2000 mg/dL (risco passa a ser 10-20%). Ao analisar a população com hipertrigliceridemia severa, cerca de 20% relataram histórico prévio de pancreatite aguda, valor muito acima da prevalência encontrada na população.

Fisiopatologia

A fisiopatologia da pancreatite por HTG é complexa, e até hoje não completamente compreendida. Sabe-se que os TG na microcirculação induzem a liberação da lipase pancreática, que clivam as moléculas em ácidos graxos livres (que são lipotóxicos para as células pancreáticas). Esses, por sua vez, levam a lesão do endotélio cursando com extravasamento capilar. Os TG também ativam substâncias como o tramboxano, fosfolipase A e prostaglandinas que levam a vasoconstrição e isquemia pancreática.

Os triglicérides e os ácidos graxos livres também tendem a se agrupar sob a forma de micelas, o que aumenta a viscosidade plasmática e leva a isquemia da glândula.

Somado a isso temos também o desbalanço no cálcio intracelular, o estresse oxidativo em organelas, que também precipitam a ativação precoce da tripsina, ainda dentro do pâncreas.

Diagnóstico

O diagnóstico de PA por HTG é dado da mesma forma que outras etiologias, com os critérios de Atlanta, quando presentes 2 dos 3 critérios (dor em abdome superior, elevação de enzimas pancreáticas > 3 o limite do método e exame de imagem compatível) associados a elevação de TG > 1.000 mg/dL.

Aqui é importante lembrar que as PAs originadas de outras causas (biliares, alcoólicas e medicamentosas) podem elevar os TG na fase aguda, porém raramente em níveis > 1000 mg/dL. Essa elevação é vista como um epifenômeno.

Quanto à gravidade, em estudos realizados, observou-se que a PA por HTG tende a ser mais grave comparada a outras etiologias. Em metanálises e revisões sistemáticas observou-se que esses pacientes evoluíram com maiores escores de gravidade, maiores taxas de recorrências, mais admissão em UTIs, e maior mortalidade.

Tratamento

O tratamento inicial é baseado em suporte, como em qualquer pancreatite: hidratação, analgesia e suporte nutricional (especialmente para as PAs graves).

Dentre as abordagens específicas, destacam-se:

  • Bomba de heparina: a heparina pode ser usada em monoterapia ou associada a outras modalidades (como à bomba de insulina). O anticoagulante aumenta inicialmente a degradação dos TG em ácidos graxos livres. Esse efeito, porém, é temporário e o consumo hepático da lipoproteína lipase plasmática causa um aumento rebote dos TG após a suspensão da infusão. Além disso, a infusão de heparina aumenta os eventos hemorrágicos, principalmente nas PAs graves com complicações locais.
  • Bomba de insulina: a infusão contínua de insulina também aumenta a ativação da lipoproteína lipase e diminui a liberação de ácidos graxos livres pelos adipócitos e promove o metabolismo desses ácidos graxos por células sensíveis ao hormônio. Ela pode ser usada em conjunto com a terapia da heparina, porém os estudos que avaliaram os resultados são pequenos. Essa modalidade tem o potencial de reduzir os níveis de TG em 50-75% em 3 dias.
  • Plasmaférese: essa terapia remove mecanicamente o excesso de quilomícrons da corrente sanguínea. Da mesma forma, parece reduzir os níveis de citocinas pró-inflamatórias, que são determinantes para a gravidade na fase inicial da PA. No entanto, os resultados quanto a desfechos relevantes (disfunção de múltiplos órgãos, mortalidade) não favoreceram a plasmaférese em relação a terapia de suporte. Além disso, esses pacientes tiveram maiores taxas de admissão em UTI (visto que é um procedimento realizado em unidade de terapia intensiva), necessitam sempre passagem de cateter central e podem apresentar reação infusional ao plasma. É uma terapia segura para ser realizada em gestantes.
  • Hemofiltração: essa é outra terapia controversa, que tende a remover os lipídios e as citocinas do plasma. Embora remova TG de forma rápida e efetiva, não houve diferença nos desfechos clínicos relevantes, além de ter um custo elevado.

Seguimento

Os pacientes que já tiveram PA por HTG necessitam seguimento após a alta para reduzir os riscos de recorrência. O uso de agentes hipolipemiantes (como os fibratos) é recomendado assim que o paciente já estiver apto a retomar a dieta via oral, ainda no hospital. O objetivo no tratamento ambulatorial é manter os níveis de TG < 500 mg/dL.

Os pacientes com HTG primárias devem ser seguidos por especialistas na área de lípides.

Em resumo, a HTG é causa relevante de PA, especialmente nos pacientes com as hipertrigliceridemias primárias. A dosagem de triglicérides deve ser feita nas primeiras horas, pois os níveis tendem a cair significativamente com o jejum. A abordagem terapêutica é semelhante a de outras pancreatites, e pode-se associar terapias específicas para a redução de TG a curto prazo. Os pacientes devem ser sempre encaminhados para seguimento pós alta, para reduzir o risco de novo evento.

Referências

  1. Yang, AL & McNabb-Blatar, J. Hypertriglyceridemia and acute pancreatitis. Pancreatology 20 (2020) 795-800
  2. Qiu, M et al. Comprehensive review on the pathogenesis of hypertriglyceridaemia associated acute pancreatitis. Annals of Medicine 2023, VOL. 55, No. 2, 2265939
  3. de Pretis, N et al. Hypertriglyceridemic pancreatitis: Epidemiology, pathophysiology and clinical management. United European Gastroenterology Journal 2018, Vol. 6(5) 649–655
  4. Bálint, ER et al. Assessment of the course of acute pancreatitis in the light of aetiology: a systematic review and meta‑analysis. Sci Rep 2020 Oct 21;10(1):17936.

Como citar este artigo

Marzinotto M. Pancreatite Aguda por Hipertrigliceridemia Gastropedia 2024, vol 1. Disponível em: gastropedia.com.br/gastroenterologia/pancreas/pancreatite-aguda-por-hipertrigliceridemia/




Pancreatite Crônica – principais etiologias e risco associado de Neoplasia Pancreática

O termo pancreatite crônica (PC) é usado para definir uma doença fibro inflamatória do pâncreas, de caráter progressivo e irreversível, e que pode cursar com dor abdominal como sintoma e perda das funções exócrina e endócrina da glândula.

Causas de pancreatite crônica

O que se discute atualmente na literatura são as possíveis causas para essa patologia. O álcool já está bem estabelecido como o principal fator de risco ambiental para o surgimento da PC (42-77% dos casos). Os pacientes considerados etilistas moderados ou severos (35-48 drinks por semana) têm um risco relativo de 2,7 a 3,3 para o desenvolvimento da doença em um estudo observacional dinamarquês.

Outro fator de risco ambiental é o tabagismo, que é muito prevalente nos pacientes com PC, e atualmente considerado um fator de risco independente para o surgimento da patologia. É um fator de risco potente, inclusive, para quadros de pancreatite aguda de repetição, que por vezes culminam no aparecimento de PC. No caso do tabagismo, o risco relativo é de 1,93 para fumantes atuais comparado com pessoas que nunca fumaram.

Outras causas de PC incluem as etiologias autoimunes (tanto a pancreatite autoimune tipo I – doença relacionada a IgG4 – quanto a pancreatite auto-imune tipo II são consideradas etiologias de pancreatite crônica), as etiologias obstrutivas (como nos casos de neoplasias, cistos, estenoses cicatriciais do ducto pancreático principal, disfunções do esfíncter de oddi e pancreas divisum), as Pancreatites Agudas de Repetição (PAR) e as etiologias genéticas.

Mesmo após estudo genético, cerca de 10-15% das PC ainda permanecem como idiopáticas, sugerindo que há muito desconhecimento nesse campo.

Genética pancreática e risco de neoplasia

A genética das patologias pancreáticas é extremamente complexa, podendo vários genes estarem envolvidos nos fenótipos apresentados. Muitas mutações podem levar a um quadro de PAR, que culmine com fibrose da glândula, e outras mutações ou polimorfismos que levam diretamente ao aparecimento da PC.

Os principais genes envolvidos na patogênese da PC estão listados a seguir:

  • PRRS-1: gene do tripsinogênio catiônico – mutação de herança autossômica dominante, responsável pela Pancreatite Crônica Hereditária.
  • SPINK-1: gene que, na ausência de mutações patogênicas, previne a ativação do tripsinogênio.
  • CFTR: gene que codifica os canais de cloro na membrana das células ductais – são as mutações nesse gene que podem incorrer nos fenótipos da Fibrose Cística
  • CTRC: gene que promove a degradação do tripsinogênio e que mutado perde esse mecanismo de proteção

Existem diversos outros genes elencados como coadjuvantes nos processos patológicos do pâncreas, e provavelmente outros que ainda não temos conhecimento. O fato é que, nas pancreatites associadas a uma ou mais mutações genéticas, o risco de Adenocarcinoma Ductal do Pâncreas é superior ao de outras pancreatites e muito superior ao risco populacional. Os pacientes com mutações do PRRS-1 e SPINK-1 têm risco cumulativo de 53% de neoplasia pancreática aos 75 anos de idade, ao passo que as PC alcoólicas tem esse mesmo risco calculado de 4%.

Entretanto, observou-se que esse risco pode ser ainda maior nos pacientes tabagistas. O cigarro é o principal fator de risco para neoplasia pancreática não associada com PC, e quando somados os riscos dos genes mutados com o tabagismo

Outras mutações (como a do CFTR e CTRC) não parecem contribuir para um aumento expressivo na incidência de câncer de pâncreas. Assim como as outras causas de PC, como pancreatite auto-imune ou causas mais raras, também não conferem risco adicional expressivo de neoplasia.

Etiologia
Risco estimado de Neoplasia Pancreática
PC alcoólica Incidência de 2 e 4% após 5 e 20 anos de evolução, respectivamente
Pancreatite Hereditária (mutação do PRSS-1) Incidência de 10, 19 e 53,5% aos 50, 60 e 75 anos, respectivamente
Mutações SPINK-1 Incidência de 2, 28 e 52% aos 60, 70 e 80 anos, respectivamente
Mutações CFTR Aumento do risco relativo em 1,41 comparados com grupo controle
Mutações CTRC, CARS, CLDN2, CPA1 e outras Sem dados disponíveis devido a frequência baixa dessas mutações
Adaptado de Le Cosquer, G et al. Cancers 2023

Embora haja essa maior incidência de adenocarcinoma ductal de pâncreas na população com PC, não existem estudos que sugiram uma estratégia eficiente de screening para todos os pacientes. Para os pacientes com mutações no PRSS-1 (ou com a suspeita da mutação, nos casos mais de dois familiares acometidos por PC) está recomendado pelo grupo internacional o screening anual com exame de imagem (tomografia computadorizada ou ressonância magnética). A utilização da ecoendoscopia não foi recomendada, pois pode ser falseada por inflamação, fibrose ou calcificações. Ainda mais estudos são necessários para recomendações em relação a outras mutações e outras etiologias.

Apesar dos recentes avanços, há ainda um vasto campo desconhecido quanto a etiologia e fatores de risco para PC, e mais estudos são necessários para que possamos desvendar todos os mistérios acerca desse tema.

Referências

  1. Singh, VK et al. Diagnosis and Management of Chronic Pancreatitis A Review. JAMA. 2019;322(24):2422-2434.
  2. Hart, PA et al. Chronic Pancreatitis: Managing a Difficult Disease. Am J Gastroenterol. 2020 January ; 115(1): 49–55.
  3. Aune, D et al. Tobacco smoking and the risk of pancreatitis: a systematic review and meta-analysis of prospective studies. Pancreatology, 2019 Dec;19(8):1009-1022.
  4. Gardner, TB et al. ACG Clinical Guideline: Chronic Pancreatitis. Am J Gastroenterol 2020;115:322–339.
  5. Le Cosquer, G et al. Pancreatic Cancer in Chronic Pancreatitis: Pathogenesis and Diagnostic Approach. Cancers 2023, 15, 761.
  6. Greenhalf, G et al. International consensus guidelines on surveillance for pancreatic cancer in chronic pancreatitis. Recommendations from the working group for the international consensus guidelines for chronic pancreatitis in collaboration with the International Association of Pancreatology, the American Pancreatic Association, the Japan Pancreas Society, and European Pancreatic Club. Pancreatology 2020, 20, 910-918

Como citar este artigo

Marzinotto M. Pancreatite Crônica – principais etiologias e risco associado de Neoplasia Pancreática Gastropedia 2023, vol 2. Disponível em: gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/pancreatite-cronica-principais-etiologias-e-risco-associado-de-neoplasia-pancreatica/




Resumo da Live: Desvendando as Lesões Císticas do Pâncreas

Caros,

Segue abaixo os slides com as principais mensagens passadas durante nossa live de Lesões Císticas do Pâncreas. 

Se você perdeu a live ou se quiser rever alguns trechos clique nesse link: Desvendando as Lesões Císticas do Pâncreas

Bons estudos!

Neoplasias papililferas intraductais produtoras de mucina




Elevação do marcador CA 19-9

O ca 19-9 é conhecido por ser um marcador tumoral de neoplasias bilio-pancreáticas e, dentre os marcadores, apresenta uma acurácia aceitável. Em estudos prévios, a sensibilidade para essas neoplasias variou entre 79-95% e a especificidade entre 82-91%. Entretanto, ele é considerado como ferramenta diagnóstica apenas em pacientes que apresentem quadro clínico de dor abdominal, perda de peso ou icterícia. Em pessoas assintomáticas, o valor preditivo positivo da solicitação do marcador como screening para neoplasia bilio-pancreáticas é de apenas 0,9%, mostrando que é não é um teste válido para screening populacional. 

É importante ressaltar que essa glicoproteína é produzida pelas células ductais do pâncreas e vias biliares, e células epiteliais do estômago, cólon, endométrio e glândulas salivares. Por esse motivo, o aumento nos níveis séricos deve ser observado com cautela, pois não necessariamente significa malignidade. 

Além disso, cerca de 6% da população caucasiana (e cerca de 22% entre não caucasianos) não é capaz de produzir o Ca 19-9, e isso está relacionado a variações no tipo sanguíneo do Sistema Lewis (pessoas com genótipo negativo para os antígenos de Lewis não produzem essa glicoproteína).

Se quiser ler sobre aumento de amilase e lipase no sangue clique nesse link

Aumento de enzimas pancreáticas no sangue – como investigar ou conduzir?

Quais as causas para aumento do ca 19-9?

Além da neoplasia pancreática e neoplasia de vias biliares, existem outras doenças neoplásicas que podem cursar com aumento de ca 19-9, como listados na Tabela 1.

Tabela 1 – Neoplasias extra-pancreáticas que podem elevar ca19-9

Além de doenças neoplásicas, existem condições benignas que evoluem com aumento do marcador, e estão listadas na Tabela 2. Destaco, dentre elas, quaisquer processos inflamatórios ou infecciosos do pâncreas e vias biliares.

Tabela 2 – Doenças não neoplásicas que podem cursar com aumento de ca19-9

Também devemos aconselhar o paciente que irá coletar o exame a suspender o uso de biotina (normalmente presente em suplementos para fortalecer cabelos e unhas) alguns dias antes da coleta, pois o uso da vitamina pode elevar os níveis do marcador.

Para quem pedir o marcador Ca 19-9?

No geral, o marcador deve ser solicitado:

  • Em casos suspeitos para neoplasia bilio-pancreática (paciente com quadro clínico sugestivo, como dor abdominal, icterícia e perda de peso inexplicada) – sempre associados ao exame de imagem indicado para o diagnóstico;
  • No momento do diagnóstico da neoplasia pancreática – o valor inicial do ca 19-9 se correlaciona com o prognóstico da neoplasia e com as estratégias de tratamento para cada caso;
  • No seguimento das neoplasias biliopancreáticas, submetidas a algum tipo de tratamento (neoadjuvante, cirúrgico ou adjuvante)
  • No seguimento das neoplasias císticas mucinosas (cistoadenoma mucinoso e IPMN) – alguns estudos tem reportado o aumento do ca 19-9 sérico com risco de progressão dos cistos mucinosos. 

Fora desses contextos, a solicitação do marcador pode trazer mais dúvidas do que esclarecimentos.

Referências

  1. Meira-Júnior, JD et al. ELEVATED CA 19-9 IN AN ASYMPTOMATIC PATIENT: WHAT DOES IT MEAN? ABCD Arq Bras Cir Dig 2022;35:e1687 https://doi.org/10.1590/0102-672020220002e1687
  2. Pavai, S et al. The Clinical Significance of Elevated Levels of Serum CA 19·9. Med J Malaysia Vol 58 No 5 December 2003
  3. Kim, S et al. Carbohydrate antigen 19-9 elevation without evidence of malignant or pancreatobiliary diseases. Scientific Reports, 2020, 10:8820  https://doi.org/10.1038/s41598-020-65720-8
  4. Scarà, S et al. CA 19-9: Biochemical and Clinical Aspects. Advances in Cancer Biomarkers, Advances in Experimental Medicine and Biology 867, DOI 10.1007/978-94-017-7215-0_15.

Como citar este artigo

Marzinotto M. Elevação do marcador CA 19-9 Gastropedia 2023, vol 2. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/pancreas/elevacao-do-marcador-ca-19-9




Aumento de enzimas pancreáticas no sangue – como investigar ou conduzir?

7 minutos

Por vezes nos deparamos com pacientes que, mesmo sem um motivo aparente, apresentam aumento de enzimas pancreáticas (lipase ou amilase) no sangue. Quando valorizar esse achado? A dosagem das enzimas fora do contexto de dor abdominal é indicada?

Chamamos de hiperenzinemia pancreática o aumento das enzimas no sangue. São várias as possíveis causas para esse aumento, que geralmente envolvem um desbalanço entre a liberação de enzimas na corrente sanguínea e o clearance delas, que pode se apresentar diminuído. 

A primeira questão a ser lembrada é que a amilase é uma enzima produzida por diversos tecidos, sendo os de maior destaque as glândulas salivares e o pâncreas. A lipase é bem mais específica do pâncreas, embora alguns sítios possam produzir lipase também, como o estômago, duodeno, cólon e fígado. 

Essas enzimas são parcialmente eliminadas pelos rins e pelo sistema retículo-endotelial (especialmente pelo fígado). É dessa forma que as enzimas são retiradas do sangue em situações fisiológicas.

Causas de Hiperenzinemia Pancreática

Sem dúvida a principal causa de elevação de enzimas pancreáticas é a pancreatite aguda (PA). Esse é um dos critérios para o diagnóstico da PA definidos pelo Consenso de Atlanta Modificado em 2012, conforme tabela 1.

Tabela 1.- critérios diagnósticos para Pancreatite Aguda

Faz sentido, portanto, a dosagem das enzimas no contexto de dor epigástrica (que pode irradiar para hipocôndrios e dorso), acompanhada de náuseas e vômitos. Neste caso, o aumento superior a 3x o limite superior da normalidade concluiria o diagnóstico de PA, sem a necessidade do exame de imagem. 

A dosagem das enzimas fora do contexto de dor ainda podem representar algum problema pancreático. Qualquer processo patológico na glândula pode se manifestar com aumento de enzimas. Alguns exemplos são:

  • Neoplasias pancreáticas
  • Neoplasias peri-ampulares
  • Dilatações ductais, como as encontradas nos IPMNs
  • Pancreatite crônica
  • Disfunção do esfíncter de Oddi
  • Anormalidades anatômicas, como Santorinocele ou Pancreas divisum
  • Coledococele
  • Manipulação da papila, como nas CPREs

Sabendo disso, faz-se necessária uma boa imagem pancreática para exclusão dessas etiologias, especialmente as neoplasias. 

Existem causas extra-pancreáticas de aumento de liberação de enzimas, tais como: infecções por vírus pancreatotrópicos (Hepatite B, Hepatite C, HIV), cistos ovarianos rotos, gravidez ectópica e distúrbios alimentares. Quadros vasculares podem levar a isquemia das células acinares e elevação das enzimas no sangue (mesmo sem pancreatite aguda). Mesmo diante dessas situações, é sempre necessária a visualização da glândula pancreática. 

Como já foi dito, o clearance das enzimas é parcialmente realizado pelos rins, fígado e baço. Portanto, qualquer prejuízo na função desses órgãos pode acarretar a hiperenzinemia, como nos casos da doença renal crônica, insuficiência hepática e pacientes esplenectomizados. 

Pacientes submetidos a cirurgia pancreática, e até outras cirurgias (como pulmonar e cardíaca) também podem ter elevação das enzimas de forma temporária.

Medicamentos

Assim como alguns medicamentos podem causar pancreatite aguda, existem também medicamentos que levam a hiperenzinemia sem a presença dos critérios de PA. Dentre as principais associações estão: azatioprina, didanosina, ciclosporina, paracetamol, efedrina, pentamidina, dentre outros. Mais recentemente, os agonistas de receptor de GLP-1 (medicações utilizadas para tratamento de diabetes e obesidade) foram relacionados com aumento sérico de enzimas pancreáticas. 

Diferentemente do que ocorre com os casos de pancreatite aguda, os medicamentos causadores de hiperenzinemia (sem PA) não requerem a suspensão do uso.

Macroamilasemia

Uma condição já reconhecida há algum tempo é a macroamilasemia. Nesses casos, a amilase produzida pelo indivíduo se liga a outras proteínas séricas ou sofrem um processo de polimerização que tornam maior a molécula de amilase (que normalmente tem em torno de 50 kDa), assim chamada de macroamilase (que pode variar de tamanho entre 150 kDa até 2.000 kDa). 

Nesses casos, a macromolécula acaba não sendo filtrada corretamente pelos túbulos renais, e permanece circulando na corrente sanguínea, causando um aumento sérico nos níveis de amilase. 

O diagnóstico de macroamilasemia é feito com o cálculo do clearance de amilase na urina, ou com a dosagem da macroamilase na corrente sanguínea. Essa condição não é patológica e não traz nenhum prejuízo para o indivíduo, embora seja associada com algumas patologias, como a  Doença Celíaca, por exemplo. 

Nesses casos a dosagem de lipase é normal. É descrita a macrolipasemia, embora seja muito mais rara do que a macroamilasemia.

Como investigar?

Aqui apresentamos um algoritmo de como investigar os casos de hiperenzinemia pancreática.

Adaptado de Frullonni, L et al. 2005

Por fim, se o paciente tiver alteração de enzimas pancreáticas, com exame de imagem normal, e sem exposição relevante a álcool e medicamentos e excluída a hipótese de macroamilasemia, e se essas alterações se sustentarem por um período maior que 2 anos, pode-se firmar o diagnóstico de Hiperenzinemia Pancreática Benigna ou Síndrome de Gullo

Mensagens para Casa:

  • A Hiperenzinemia Pancreática pode ter relação com patologias pancreáticas (pancreatite aguda, pancreatite crônica ou neoplasias pancreáticas) e também com problemas extra-pancreáticos (disfunção renal, insuficiência hepática dentre outros).
  • Frente a alteração de enzimas pancreáticas devemos sempre ter um bom exame de imagem da glândula.
  • Faz-se necessário descartar macroamilasemia nos casos de aumento isolado de amilase.
  • Na anamnese, sempre avaliar uso de medicações, que podem causar o aumento de enzimas – na ausência de pancreatite aguda, não é necessária a suspensão das medicações.
  • Frente ao diagnóstico de Hiperenzinemia Pancreática Benigna – ou Síndrome de Gullo – tranquilizar o paciente, pois essa condição não predispõe a alterações pancreáticas futuras.
Leia também sobre aumento de CA19-9

Elevação do marcador CA 19-9

Referências:

  1. Banks PA. et al. Classification of acute pancreatitis— 2012: revision of the Atlanta classification and definitions by international consensus. Gut. 2013, pp. 102-111.
  2. Frullonni, L et al. Pancreatic Hyperenzymemia: Clinical Significance and Diagnostic Approach. JOP. J Pancreas (Online) 2005; 6(6):536-551.
  3. Chen, Y et al. Risk factors associated with elevated serum pancreatic amylase levels during hemodialysis. Hemodialysis International 2011; 15:79–86
  4. Lando HM, Alattar M, Dua AP .Elevated amylase and lipase levels in patients using glucagon like peptide-1 receptor agonists or dipeptidyl-Peptidase-4 inhibitors in the outpatient setting. Endocr Pract (2012)18(4):472
  5. Gossum, AV. Macroamylasemia: a Biochemical or Clinical Problem? Dig Dis 1989; 7:19-27.
  6. Gullo, L et al. Benign pancreatic hyperenzymemia or Gullo’s syndrome. Advances in Medical Sciences · Vol. 53(1) · 2008 · pp 1-5

Como citar este artigo

Marzinotto M. Aumento de enzimas pancreáticas no sangue – como investigar ou conduzir? Gastropedia 2023, vol 2. Disponivel em: gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/pancreas/aumento-de-enzimas-pancreaticas-no-sangue-como-investigar-ou-conduzir/




Insuficiência Pancreática Exócrina: um olhar além do óbvio

Quando pensamos em Insuficiência Pancreática Exócrina – IEP (diminuição na atividade das enzimas pancreáticas na luz intestinal, abaixo dos valores para uma digestão normal) automaticamente relacionamos com problemas primários do pâncreas, como pancreatite crônica ou neoplasia pancreática. E isso é correto, essas patologias são sim causa de IEP. Entretanto temos diversas outras causas que devem ser lembradas pelo gastroenterologista.

Para entendermos corretamente, vamos recorrer a fisiologia pancreática. A produção de enzimas digestivas pelo pâncreas não é dependente apenas da morfologia da glândula. Inicialmente o pâncreas é estimulado por vias neurais derivadas do nervo vago, e posteriormente tem sua principal via de estimulação através da passagem do quimo pelo duodeno. Nesta fase, a liberação de secretina e colecistoquinina (CCK) é responsável por cerca de 70% de toda a produção de suco pancreático daquela refeição. Portanto, é correto afirmar que qualquer falha nesse circuito pode ser a causa de IEP.

Hoje classificamos as etiologias da IEP como de causas pancreáticas e extra-pancreáticas:

Dentre as causas pancreáticas, temos:

  • Pancreatite crônica
  • Neoplasias pancreáticas
  • Fibrose Cística
  • Ressecções Pancreáticas
  • Hemocromatose
  • Pancreatite aguda grave, cursando com necrose extensa do parênquima glandular

E dentre as causas extra-pancreáticas, podemos listar:

  • Doença Celíaca
  • Doença de Crohn de acometimento de intestino delgado alto
  • Diabetes tipo I e II
  • Envelhecimento pancreático
  • Cirurgias gastroduodenais

As causas pancreáticas são mais conhecidas, e são causadas por doenças que levam a fibrose progressiva do pâncreas, como a pancreatite crônica; à atrofia pancreática somada a obstrução do ducto pancreático principal (como as neoplasias, especialmente da região cefálica) e a perda de parênquima pancreático, secundária a pancreatite aguda ou ressecções pancreáticas. Além delas, a fibrose cística é a principal doença de causa genética e causa a lipossubstituição do parênquima pancreático, além de alteração no transporte do suco pancreático através dos ductos.

As causas não pancreáticas mais bem estabelecidas são: a doença celíaca (devido a atrofia duodenal e a perda da estimulação pelos hormônios duodenais – secretina e CCK), o diabetes mellitus e as cirurgias derivativas.

Nos estudos mais recentes, o diabetes tem sido apontado como causa de IEP, tanto o DM-1 quanto o DM-2. As razões para isso são diversas e envolvem:

  • Atrofia do parênquima exócrino devido a falta da insulina: o hormônio produzido pelas células endócrinas pancreáticas exerce uma ação trófica parácrina nas células acinares. A diminuição da insulina ocasiona diminuição no trofismo do parênquima exócrino.
  • O diabetes pode levar a neuropatia autonômica, prejudicando as vias vagais e a estimulação da acetilcolina sobre as células pancreáticas.
  • A microangiopatia que leva a um curso de isquemia crônica na glândula, diminuindo a produção enzimática.
  • A infiltração de adipócitos no pâncreas, além de linfócitos, aumenta a ação de fibroblastos e ocasiona uma maior deposição de colágeno no órgão.

A frequência de IEP nos diabéticos ainda é incerta, e ao que parece é maior nos pacientes com DM-1 (30-56%) e menor nos pacientes com DM-2 (30-40%). Apesar da heterogeneidade dos estudos, a prevalência de IEP nos pacientes diabéticos não deve ser menosprezada.

Em relação aos  procedimentos cirúrgicos de abdome superior, observamos uma frequência cada vez maior de IEP em gastrectomias, duodenopancreatectomias e cirurgias derivativas, como o bypass gastrojejunal.

  • Nas gastrectomias parciais ou totais temos estudos mostrando 30-73% de IEP após 3 meses da cirurgia.
  • Já após as duodenopancreatectomias esse percentual pode chegar a 100%, entretanto a média pós-procedimento indicado por neoplasia pancreática ou periampular foi de 74%.
  • Esse percentual é maior do que o encontrado em duodenopancreatectomias por doenças benignas (53%).
  • Há um trabalho que evidencia 16% de IEP pós esofagectomia, embora tenha um N pequeno.

Por fim, a frequência de IEP pós bypass gastrojejunal tem se mostrado uma preocupação no seguimento desses pacientes. Especialmente após alguns anos de cirurgia, uma porcentagem desses pacientes pode apresentar IEP. Em uma coorte retrospectiva, 20,6% dos pacientes tinham esteatorreia, mas apenas 10,3% deles foram diagnosticados com IEP pós bypass com reconstrução em Y-Roux. Entretanto, apesar da frequência não ser alta, o tratamento dos pacientes com IEP diagnosticada é crucial para uma evolução nutricional satisfatória.

Como pudemos observar, as causas de Insuficiência Exócrina Pancreática vão além de problemas estruturais na glândula. É imperativo que o gastroenterologista lembre da IEP nos contextos apresentados acima, e que não deixe passar a oportunidade do tratamento correto desses pacientes.

Referências

  1. Vikesh K Singh, Mark E Haupt, David E Geller, Jerry A Hall, Pedro M Quintana Diez. Less common etiologies of exocrine pancreatic insufficiency. World J Gastroenterol 2017 October 21; 23(39): 7059-7076
  2. Martha Campbell-Thompson, Teresa Rodriguez-Calvo, and Manuela Battaglia. Abnormalities of the Exocrine Pancreas in Type 1 Diabetes. Curr Diab Rep. 2015 October ; 15(10): 79.
  3. J. R. Huddy, F. M. S. Macharg, A. M. Lawn, S. R. Preston. Exocrine pancreatic insufficiency following esophagectomy. Diseases of the Esophagus (2013) 26, 594–597
  4. Miroslav Vujasinovic, Roberto Valente, Anders Thorell, Wiktor Rutkowski, Stephan L. Haas, Urban Arnelo,  Lena Martin and J.-Matthias Löhr. Pancreatic Exocrine Insufficiency after Bariatric Surgery. Nutrients 2017, 9, 1241;
  5. Joshua Y Kwon , Alfred Nelson , Ahmed Salih , Jose Valery,  Dana M Harris, Fernando Stancampiano , Yan Bi. Exocrine pancreatic insufficiency after bariatric surgery. Pancreatology, 2022 Nov;22(7):1041-1045.

Como citar este artigo

Marzinotto M. Insuficiência Pancreática Exócrina: um olhar além do óbvio. Gastropedia 2023, vol 1. Disponivel em: https://gastropedia.pub/pt/sem-categoria/insuficiencia-pancreatica-exocrina-um-olhar-alem-do-obvio