Pancreatite Aguda – Controvérsias parte III: Mas e o antibiótico?
Voltamos com mais uma controvérsia em pancreatite aguda (vocês podem ler sobre outras controvérsias em Pancreatite Aguda – Controvérsias Parte I: Qual a melhor maneira de predizer a gravidade? e Pancreatite Aguda – Controvérsias Parte II: Como realizar a hidratação), e essa talvez seja uma das mais discutidas.
Durante muitos anos, recomendou-se o uso profilático de antibióticos em casos de pancreatite aguda, especialmente nas formas graves, com o objetivo de prevenir a infecção do tecido necrótico. Essa prática foi inicialmente sustentada por estudos clínicos e metanálises que sugeriam redução na taxa de infecção e, em alguns casos, também na mortalidade. Entretanto novos estudos foram realizados, e essa determinação foi revista.
Para entender as recomendações, é necessário entender a fisiopatologia da pancreatite aguda. A doença tem duas fases distintas, que podem se sobrepor.
- A primeira fase é a chamada fase inflamatória, que leva de 7-10 dias, em que as alterações inflamatórias são decorrentes da cascata de citocinas. O quadro clínico é o da Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS), e na presença de SIRS é onde está o risco de disfunção orgânica. Nesta fase a formação de complicações locais (como necrose pancreática ou coleções fluidas) não é determinante para o prognóstico.
- A segunda fase (ou fase tardia) ocorre após 10-14 dias, e é nesta fase que as complicações locais (como necrose ou coleções) evoluem e aumentam o risco de infecção. Além disso, devido a alteração de permeabilidade intestinal, aumenta também o risco de infecções extra-pancreáticas. A presença de sinais inflamatórios alterados ou SIRS nessa fase tardia sugerem possível foco infeccioso.

Assim, é improvável que o paciente tenha infecção relacionada ao pâncreas na primeira fase, sendo contra-indicado o uso de antibióticos neste momento (se houver suspeita de infecção extra pancreática, essa condição deve ser pesquisada e tratada quando presente).
Após 10-14 dias, no caso das pancreatites moderadamente graves e graves, pode haver formação de tecido necrótico. Neste momento podem surgir sinais e sintomas que indiquem infecção desse tecido. O uso de terapia com antibióticos deve ser considerado na suspeita ou confirmação de infecção de tecido necrótico. A confirmação pode ser feita através de imagem (presença de gás em topografia da necrose é um sinal inequívoco de infecção) ou através de exames laboratoriais e piora clínica (febre, aumento de PCR, leucocitose, ou cultura de material com presença de microrganismos).
Não é necessária confirmação microbiológica (embora seja recomendável) para instituir antibioticoterapia, na suspeita de infecção de tecido necrótico.
Profilaxia antibiótica
As diretrizes e guidelines atuais não recomendam a administração de antibióticos para profilaxia de infecção de tecido necrótico. A recomendação foi estabelecida após a realização de estudos prospectivos, randomizados e placebo-controlados que não evidenciaram diferenças entre mortalidade, infecção de tecido necrótico, complicações sistêmicas ou necessidade de intervenção cirúrgica. Também é contraindicada a administração profilática de anti-fúngicos.
Recentemente, em um estudo observacional prospectivo indiano, os pacientes com suspeita de infecção de tecido necrótico que receberam antibióticos na primeira semana de doença, tiveram maiores taxas de infecções com microrganismos resistentes e infecções fúngicas.
A profilaxia antibiótica não é recomendada nos casos de pancreatite aguda moderadamente grave ou grave.
Tratamento antibiótico

O tratamento com antibióticos de amplo espectro e com boa penetrância em loja pancreática deverá ser iniciado na suspeita ou confirmação de infecção de sítio necrótico. A escolha é por carbapenêmicos, quinolonas ou cefalosporinas de terceira geração (que têm cobertura para germes gram negativos), embora essa cobertura possa se estender para germes gram positivos e fungos, se não houver resposta clínica.
No caso da resposta clínica não ser adequada, se possível, a cultura do material necrótico pode auxiliar no diagnóstico, e guiar a cobertura antibiótica.
E, por fim, caso haja piora clínica, mesmo com a terapia antibiótica instituída, o paciente deverá ser considerado para tratamento intervencionista do tecido necrótico, mas este assunto será abordado em novo post.
Referências
- Ukai T, Shikata S, Inoue M, Noguchi Y, Igarashi H, Isaji S, Mayumi T, Yoshida M, Takemura YC. Early prophylactic antibiotics administration for acute necrotizing pancreatitis: a meta-analysis of randomized controlled trials. J Hepatobiliary Pancreat Sci. 2015 Apr;22(4):316-21. doi: 10.1002/jhbp.221. Epub 2015 Feb 9. PMID: 25678060.
- Yao L, Huang X, Li Y, et al. Prophylactic antibiotics reduce pancreatic necrosis in acute necrotizing pancreatitis: a meta-analysis of randomized trials. Dig Surg. 2010;27(6):442–449
- Banks PA, Bollen TL, Dervenis C, et al. Classification of acute pancreatitis-2012: revision of the Atlanta classification and definitions by international consensus. Gut. 2013;62(1):102–111
- Baron TH, DiMaio CJ, Wang AY, Morgan KA. American Gastroenterological Association Clinical Practice Update: Management of Pancreatic Necrosis. Gastroenterology 2020;158:67–75
- Loganathan P, Muktesh G, Kochhar R, et al. (October 19, 2024) Natural History and Microbiological Profiles of Patients With Acute Pancreatitis With Suspected Infected Pancreatic Necrosis. Cureus 16(10): e71853.
Como citar este artigo
Marzinotto M. Pancreatite Aguda – Controvérsias parte III Mas e o antibiótico? Gastropedia 2025, Vol II. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/pancreatite-aguda-controversias-parte-iii-mas-e-o-antibiotico/