Como tratar o Helicobacter pylori? Entendendo como escolher o esquema de primeira linha

O Helicobacter pylori (H. pylori) é a infecção bacteriana crônica mais prevalente do mundo, acometendo mais de metade da população. Associa-se com gastrite crônica, que pode progredir para complicações graves, como úlcera péptica, adenocarcinoma e linfoma MALT. 

Pelas evidências atuais, a sua erradicação tem sido recomendada de forma mais ampla, mesmo na ausência de sintomas em muitas situações. As principais referências que norteiam a conduta do H. pylori em nosso país são:

  • IV Consenso Brasileiro (2018)
  • Consenso Maastricht VI / Florence (2022)

Uma das mais importantes causas de falha à erradicação do H. pylori é o aumento da resistência à claritromicina e levofloxacino. A resistência aos nitroimidazóicos também é comum. Por outro lado, a resistência à amoxicilina e à tetraciclina é baixa e estável. Esses conceitos são importantes tanto quando pensamos em esquemas de primeira linha como em esquema de retratamento.

A escolha do esquema inicial de tratamento para o H pylori considera dois principais aspectos:

  • Taxa local de resistência à claritromicina
  • Histórico de alergia medicamentosa

Seria interessante a realização de teste de susceptibilidade (molecular ou cultura) antes da prescrição de antibióticos, mas sabemos que estes métodos ainda são extremamente escassos (ou mesmo quase inexistentes) na nossa prática diária brasileira.

Em áreas em que há baixa resistência à claritromicina (< 15%), o tratamento empírico de primeira linha deve ser a terapia tripla com claritromicina ou a quádrupla com bismuto. Alguns poucos estudos avaliaram o perfil de resistência do H. pylori no Brasil, identificando resistência de 2.5 a 16.9% à claritromicina, 5 a 23% às fluoroquinolonas, aproximadamente 50% ao metronidazol e duplas resistência à claritromicina e metronidazol de 7.5 a 10%. Diante disso, a tendência do Consenso Brasileiro ainda é considerar o Brasil como uma área de baixa resistência à claritromicina.

Desde o Maastricht V (2017) e o IV Consenso Brasileiro (2018), uma importante mudança nas recomendações de tratamento para o H. pylori foi o aumento da duração de 7 para 14 dias na tentativa de aumentar a taxa de erradicação diante da crescente elevação de resistência bacteriana.

Os esquemas de primeira linha propostos em nosso país, portanto, são os seguintes:

  • Esquema recomendado: OAC – Terapia tripla padrão com claritromicina

  • Esquema alternativo: BOTM – Terapia quádrupla com bismuto

  • Outro esquema alternativo: OACM – Terapia quádrupla concomitante sem bismuto. É uma opção em áreas de maior resistência comprovada à claritromicina quando o bismuto não for disponível.

Por falar em disponibilidade de subcitrato de bismuto coloidal, essa medicação tem sido bem pouco disponível em nosso país. Atualmente, é possível conseguir apenas por meio de manipulação (e mesmo assim com certa dificuldade). Isso nos faz lembrar da furazolidona, que já foi muito utilizada em esquemas para tratamento de H. pylori, mas que não é comercializada há anos em nosso país.

Alergia à penicilina

A erradicação do H. pylori em pacientes com alergia à penicilina (relatada em até 3 a 10% das pessoas) é um desafio. O ideal seria realmente comprovar que essa alergia é verdadeira para ter à disposição os esquemas com amoxicilina.

Pelo Consenso Brasileiro, são dois os esquemas principais:

  • Terapia tripla com levofloxacino em substituição à amoxicilina (OCL)

  • Terapia quádrupla com bismuto (BOTM), conforme já citada previamente

Efeitos adversos

Infelizmente, até 50% dos pacientes apresentam efeitos colaterais com o tratamento do H. pylori. Em menos de 10%, esses efeitos são limitantes e levam à interrupção da terapia. É importante, portanto, sempre orientar bem os pacientes dos efeitos adversos mais comuns para aumentar a adesão:

  • Amoxicilina: Diarreia, rash cutâneo
  • Claritromicina: náuseas, vômitos, dor abdominal, gosto metálico, raramente prolongamento QT

Usar probióticos ajuda?

Os probióticos (como Lactobacilli e Saccharomyces boulardii) reduzem os efeitos adversos associados à terapia de erradicação e, com isso, podem aumentar a adesão. Há estudos sobre efeitos diretos sobre o H. pylori, mas ainda são necessários mais dados.

Preciso fazer controle de cura? Quando?

Sim. Deve ser realizado pelo menos 4 semanas após o tratamento. O ideal é preferir método não invasivos, reservando-se a endoscopia apenas se indicada por outra razão (ex: controle de cura de úlcera gástrica).

Conclusão

O H. pylori é extremamente comum e sua erradicação pode ser muitas vezes um desafio. A terapia tripla padrão (OAC) no Brasil fornece taxas de cura acima de 80% e ainda é a mais utilizada. Devemos, contudo, estar atentos aos crescentes níveis de resistência bacteriana para atualizarmos constantemente nossas recomendações.

Como citar este artigo

Lages RB. Como tratar o Helicobacter pylori? Entendendo como escolher o esquema de primeira linha. Gastropedia 2022. Disponível em https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/estomago/como-tratar-helicobacter-pylori

Referências

[1] Malfertheiner P, Megraud F, Rokkas T, Gisbert JP, Liou JM, Schulz C, et al. Management of Helicobacter pylori infection: the Maastricht VI/Florence consensus report. Gut 2022;71:1724–62. doi:10.1136/gutjnl-2022-327745.
[2] Coelho LGV, Marinho JR, Genta R, Ribeiro LT, Passos M CF, Zaterka S, et al. IVth Brazilian Consensus Conference on Helicobacter pylori infection. Arq Gastroenterol 2018;55:97–121. doi:10.1590/s0004-2803.201800000-20.




Insulinoma: Estratégias diagnósticas e detalhes para o tratamento

O insulinoma é o tumor neuroendócrino pancreático funcionante mais frequente (55%), tem seu pico de ocorrência em pacientes na quinta década de vida (entre 40 e 50 anos) e uma discreta predominância entre as mulheres (1,4:1)1.

Os sintomas associados ao tumor se dividem entre adrenérgicos – ansiedade, tremores e agitação – e neuroglicopênicos como desorientação, alterações visuais e convulsões2. Devido a frequente ingestão alimentar para evitar a hipoglicemia acentuada durante o jejum, é frequente que os pacientes se apresentem com obesidade/sobrepeso ao diagnóstico. 

Em 1938 foi descrita a tríade de Whipple: hipoglicemia documentada (<50mg/dL), sintomática e aliviada após ingesta calórica. Atualmente, a confirmação diagnóstica se dá com um teste clínico de jejum de 48 a 72 horas em que se coletam exames laboratoriais periodicamente. O perfil laboratorial demonstrará uma glicemia baixa em oposição a elevados níveis de insulina, pro-insulina e peptídeo C3. É fundamental para o diagnóstico se certificar que o paciente não faz uso de antidiabéticos orais como sulfonilureias ou insulina injetável.

A relação do insulinoma em síndromes endócrinas (NEM-1 e esclerose tuberosa) é conhecida e traz particularidades propedêuticas devido a um maior risco de tumores neuroendócrinos múltiplos ou insulinomas malignos4.

Figura 1 – Pancreatectomia caudal em paciente com NEM-1, as setas apontam a ressecção de dois tumores neuroendócrinos.

O tratamento recomendado é a excisão cirúrgica do tumor. A enucleação, bem como as pancreatectomias segmentares, são tratamentos reconhecidos uma vez que a grande maioria dos tumores são benignos. Dessa forma, a linfadenectomia se torna menos relevante que a preservação de parênquima pancreático a fim de evitar insuficiência exócrina ou endócrina1

Dessa forma, este artigo pretende trazer uma análise dos diferentes exames diagnósticos utilizados nos casos do insulinoma e suas aplicações, além de uma lista de cuidados perioperatórios específicos para esses pacientes.

Métodos diagnósticos por imagem

Os métodos axiais com contraste são os mais utilizados para o estudo anatômico do pâncreas e suas relações vasculares. Dentre eles, a ressonância magnética, quando disponível, se provou mais sensível para localizar os insulinomas que se apresentam como nódulos hipervasculares na fase arterial, com hiperintensidade em T2 e hipointensidade em T1 em relação ao parênquima pancreático. Lesões menores podem ser localizadas mais facilmente nas fases de difusão5.

Figura 2 – Ressonância magnética com achado de lesão hipervascular na cauda do pâncreas, em proximidade com o baço
Figura 3 – Tomografia de abdome com contraste na fase arterial com achado de lesão hipervascular no corpo do pâncreas próxima a veia mesentérica superior.

Um exame específico para tumores neuroendócrinos que se vale de seus receptores de somatostatina, o PET Galio 68 pode auxiliar em casos de suspeita clínica sem diagnóstico pelos métodos acima. É um exame adequado para a localização de insulinomas ectópicos que não foram visualizados no abdome superior5.

Métodos diagnósticos invasivos

Ecoendoscopia: Exame para avaliação do parênquima pancreático em busca de lesões subcentimétricas, usado por alguns autores como o primeiro exame para se localizar o insulinoma. Oferece sensibilidade ainda maior nas lesões da cabeça do pâncreas e processo uncinado. 

No laudo de uma suspeita de insulinoma é importante constar, se possível, a mensuração do tumor, sua localização e a distância de estruturas vasculares relevantes (junção espleno-mesentérica), e da proximidade do ducto pancreático principal (auxiliar a decisão operatória de enuclear a lesão).1

Figura 4 – Mensuração de tumor neuroendócrino por meio de ecoendoscopia

A punção por agulha é dispensável na grande maioria dos casos. O paciente sintomático com lesão esporádica não precisa de confirmação anatomopatológica para o tratamento. Nas síndromes endócrinas, tanto  os tumores neuroendócrinos funcionantes quanto os não funcionantes podem expressar marcadores imuno-histoquímicos para insulina. Dessa forma, esse exame não é adequado para diferenciá-los. 6

Em lesões não periféricas ou intrapancreáticas de difícil localização, o cirurgião pode solicitar uma tatuagem com azul de metileno para facilitar a localização intraoperatória.

Cateterismo arterial pancreático seletivo (SACS) 

O exame consiste no posicionamento de um cateter coletor na veia hepática direita para coleta do nível sanguíneo de insulina após os estímulos arteriais.

Em seguida, após cateterização arterial seletiva, injeta-se gluconato de cálcio nas artérias peripancreáticas com poder de topografar a lesão caso a insulinemia dobre dentro de 3 minutos após a injeção.

  • Tumor na corpo/cauda do pâncreas: Positivo após injeção na artéria esplênica
  • Tumor na cabeça pancreática ou processo uncinado: Positivo após injeção na artéria gastroduodenal ou mesentérica superior
  • Metástase hepática oculta: Positivo após injeção na artéria hepática própria
Figura 5 – Vascularização arterial peripancreática. Na imagem destaca-se a artéria gastroduodenal que irriga a cabeça e processo uncinado do pâncreas. Ilustração de Gray, Henry. Anatomy of the Human Body. Philadelphia: Lea & Febiger. Modificado de: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Gray533.png

O exame é usado sobretudo em casos de síndromes endócrinas e de tumores neuroendócrinos múltiplos em que se deseja identificar qual a lesão metabolicamente ativa.1

Tratamento operatório

A definição de via operatória depende da expertise do cirurgião. É importante destacar que para o acesso laparoscópico, sobretudo de nodulectomias e pancreatectomias distais, é necessário um planejamento detalhado do local da secção pancreática. A conversão para cirurgia aberta está justificada nos casos de imprecisão.7

Figura 6 – Aspecto final e grampeamento de uma pancreatectomia corpo-caudal + esplenectomia por insulinoma.

A ultrassonografia intra-operatória é uma aliada do cirurgião de fígado e pâncreas e que, nesse contexto, certifica a localização tumoral e a proximidade com ducto pancreáticos nos casos em que se aventa enucleação. Dessa forma, o exame proporciona maior segurança ao procedimento, reduzindo risco de fístula pancreática e permitindo preservação de parênquima pancreático quando possível.

Figura 7 – Ultrassonografia intraoperatória mostrando um nódulo hipoecóico  no parênquima pancreático passível de enucleação. Foi mensurada uma distância segura de 2,7 mm para o ducto pancreático principal.

Na cirurgia convencional a inspeção e palpação do órgão pode identificar o tumor que tem uma textura e consistência fibroelástica em um parênquima pancreático mais macio. Para os casos em que se planeja a enucleação, a cápsula do tumor pode ser um parâmetro para o plano de dissecção, e o uso de clipes ou ligaduras é encorajado para que se evite lesão térmica do ducto. 1

Cuidados perioperatórios com a glicemia

Devido ao jejum pré-operatório e a possibilidade de motivar sintomas,  encorajamos o uso de soro de manutenção calórica para reduzir eventos de hipoglicemia.

Durante o procedimento, um aumento em 30 mg/dL do platô glicêmico ocorre em até 30 minutos após a ressecção do tumor metabolicamente ativo. A alteração glicêmica somada a análise macroscópica da peça durante o intraoperatório pode confirmar o sucesso do procedimento.

Espera-se um aumento da glicemia nas primeiras 24 horas do procedimento, período em que costumeiramente mantêm-se o soro de manutenção calórica. O monitoramento da glicemia é importante durante a hospitalização e nos primeiros dias após a alta médica. Durante as semanas que sucedem a cirurgia, pode acontecer um aumento da glicemia que demande, inclusive, uso temporário de insulina. 1

Alternativas para tratamento

Em pacientes não candidatos a cirurgia, podemos realizar tratamento clínico com diazoxida (dose inicial de 50 – 300 mg/dia) e análogos da somatostatina (octreotide). Devido a efeitos colaterais dessas medicações, a sua prescrição deve ser feita por profissionais com experiência como endocrinologistas ou oncologistas. As mesmas medicações podem ser utilizadas como tratamento sintomático antes do procedimento ou paliativo no contexto de insulinomas malignos irressecáveis ou metastáticos.2

Tratamento radioablativos endoscópicos ou percutâneos tem emergido como possíveis alternativas em caso de pacientes não candidatos a cirurgia devido a condições clínicas, desde que se preserve uma distância mínima de 3 mm em relação ao ducto principal.

Como citar este artigo

Magalhães, DP. Insulinoma: Estratégias diagnósticas e detalhes para o tratamento. Gastropedia 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/insulinoma-estrategias-diagnosticas-e-detalhes-para-o-tratamento

Quer saber mais sobre TNE do pancreas? Confira esse artigo: Tumores neuroendócrinos do pancreas

Referências

  1. Mehrabi, A. et al. R EVIEW A Systematic Review of Localization , Surgical Treatment Options , and Outcome of Insulinoma. Pancreas 43, 675–686 (2014).
  2. Giannis, D. et al. Insulinomas : from diagnosis to treatment . A review of the literature. JBUON 25, 1302–1314 (2020).
  3. Okabayashi, T. et al. Diagnosis and management of insulinoma. World J. Gastroenterol. 19, 829–837 (2013).
  4. Habermann, E. B. Malignant Insulinoma : A Rare Form of Neuroendocrine Tumor. World J. Surg. 44, 2288–2294 (2021).
  5. Prasad, S. R., Kondapaneni, S., Tammisetti, V. S., Nazarullah, A. & Katabathina, V. S. Pancreatic Neuroendocrine Neo- plasms : 2020 Update on Patho- logic and Imaging Findings and Classification. Radiographics 40, 1240–1262 (2020).
  6. Halfdanarson, T. R. et al. The North American Neuroendocrine Tumor Society Consensus Guidelines for Surveillance and Medical Management of Pancreatic Neuroendocrine Tumors. 49, 863–881 (2020).
  7. Heidsma, C. M. et al. Indications and outcomes of enucleation versus formal pancreatectomy for pancreatic neuroendocrine tumors. Int. Hepato-Pancreato-Biliary Assoc. 23, 413–421 (2021).



Nódulo hepático detectado pela ultrassonografia: passo a passo de quando e como investigar

Ao nos depararmos com uma ultrassonografia (USG) descrevendo uma lesão focal hepática, devemos organizar o raciocínio de quando e como investigar a lesão descrita: trata-se de lesão focal cística, com paredes regulares, conteúdo anecoico e sem sinais de complexidade (septos, calcificações, margens irregulares)?

Se sim e o exame feito por radiologista experiente, não é necessária investigação adicional. Entretanto, se houver lesão focal cística complexa ou lesão focal sólida, estas possuem indicação de investigação com exame de imagem contrastado (tomografia computadorizada ou ressonância magnética de abdome superior).

Figura 1. Ultrassonografia de abdome evidenciando nódulo sólido, hiperecogênico, medindo aproximadamente 1,0 cm, circunscrito, localizado no lobo direito, segmento hepático VII. Fonte: arquivo pessoal.

É fundamental pedir o exame corretamente, isto é, descrever no pedido do exame que é direcionado à investigação de lesão focal hepática. Isso será fundamental para se alinhar o protocolo correto no dia do exame, em especial, de tomografia de abdome com contraste endovenoso (iodo) com protocolo trifásico – além da fase pré-contraste, haverá as fases arterial, portal e equilíbrio.

O exame de ressonância de abdome com contraste endovenoso (gadolíneo) realiza as fases contrastadas (arterial, portal, equilíbrio) habitualmente, além de possuir sequências adicionais que auxiliam na avaliação da lesão focal (sequências T1 pré-contraste; in-phase e out-of-phase para avaliação de gordura; T2 e difusão).

Recomenda-se fortemente que se mencione no pedido do exame os dados clínicos mais significativos do paciente, como idade, sintomas, ausência/presença de doença hepática crônica e/ou cirrose hepática, uso de anabolizantes ou anticoncepcionais e doença oncológica prévia ou atual.

Nota 1: A presença de cirrose hepática é o dado clínico mais relevante e o fator de risco mais significativo para o desenvolvimento de carcinoma hepatocelular (CHC), de forma que a cirrose está presente em aproximadamente 90% dos pacientes com CHC. Logo, um nódulo hepático em fígado cirrótico, a principal suspeita será de CHC; já um nódulo hepático em fígado não-cirrótico, haverá maior chance de lesão focal benigna.

Dentre as lesões focais hepáticas benignas, destacam-se: hemangioma, hiperplasia nodular focal e adenoma. Tais lesões apresentam diferentes padrões de ecogenicidade a USG, podendo ser hiperecogênicos, isoecogênicos ou hipoecogênicos e suas particularidades serão temas de próximos posts

Um diagnóstico diferencial a ser lembrado é a possibilidade de área poupada de esteatose, quando o fígado como um todo se torna hiperecogênico pela deposição de gordura e uma área específica é poupada desta, gerando a falsa impressão de lesão focal nodular hipoecogênica. Há ainda casos de esteatose focal, quando o depósito de gordura ocorre de forma localizada, simulando um nódulo hiperecogênico.

Nota 2: Excetuando-se os cistos hepáticos simples, as lesões focais hepáticas sólidas merecem investigação dinâmica com exame contrastado endovenoso para a avaliação do seu comportamento nas diferentes fases de enchimento e esvaziamento vascular, mesmo que sejam sugestivos de lesão benigna à ultrassonografia de abdome.

            Na maioria das vezes, a identificação de lesão focal hepática benigna será incidental, em exames de rotina, sem repercussão clínica (sintomas ou complicações) e sem alterações laboratoriais. Após o exame contrastado inicial (TC/RM), casos selecionados serão candidatos à ressonância de abdome com contraste hepatoespecífico (ácido gadoxético – Primovist), biópsia do nódulo hepático ou até encaminhados para abordagem cirúrgica.

Desta forma, os médicos de diferentes especialidades devem ter o discernimento de investigar de forma adequada o achado de nódulo hepático em exame de rotina ou optar por encaminhar o paciente para avaliação especializada com gastro-hepatologista.

Saiba mais sobre avaliação das lesões hepáticas nesse outro artigo

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Como citar esse artigo

Oti, KST. Nódulo hepático detectado pela ultrassonografia: passo a passo de quando e como investigar. Gastropedia 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/figado/nodulo-hepatico-detectado-pela-ultrassonografia-passo-a-passo-de-quando-e-como-investigar/

Referências

  1. Haring MPD, Cuperus FJC, Duiker EW, de Haas RJ, de Meijer VE. Scoping review of clinical practice guidelines on the management of benign liver tumours. BMJ Open Gastroenterol. 2021 Aug;8(1):e000592. doi: 10.1136/bmjgast-2020-000592. PMID: 34362758; PMCID: PMC8351490.
  2. Strauss E, Ferreira AdeSP, França AVC, et al. Diagnosis and treatment of benign liver nodules: Brazilian Society of hepatology (SBH) recommendations. Arq Gastroenterol 2015;52:47–54.
  3. Marrero JA, Ahn J, Rajender Reddy K, Reddy RK, et al. Acg clinical guideline: the diagnosis and management of focal liver lesions. Am J Gastroenterol 2014;109:1328–47.
  4. European Association for the Study of the Liver (EASL). EASL clinical practice guidelines on the management of benign liver tumours. J Hepatol 2016;65:386–98.



Neoplasias Papilíferas Intraductais Produtoras de Mucina (IPMN)

Os IPMN são as neoplasias císticas pancreáticas mais frequentes, e em algumas casuísticas a prevalência pode chegar a 25%, com maior incidência nos pacientes de faixas etárias mais avançadas. Na maior parte dos casos o diagnóstico é feito acidentalmente, muitas vezes é um achado de imagem, o paciente é assintomático.
A origem do cisto é o próprio ducto pancreático, embora a patogênese não seja clara até hoje. A principal característica é a produção de mucina, uma proteína densa que se acumula nos ductos, causando ectasia e dilatação dos mesmos.

Saiba mais sobre lesões císticas do pâncreas

Cisto adenoma seroso do pâncreas
Cisto adenoma mucinoso do pâncreas
Resumo da Live: lesões císticas do pâncreas

Classificação

Os IPMNs podem ser classificados como:

  • IPMNs de ducto principal: quando a dilatação e ectasia é do próprio ducto de
    Wirsung, podendo acometer o ducto todo ou apenas um segmento;
  • IPMNs de ductos secundários: quando as dilatações acometem os ductos menores
    do pâncreas, podendo ser multifocais em até 67% dos casos;
  • IPMNs mistos: acometem tanto ducto principal quanto os ductos secundários, e se
    comportam como os IPMNs de ducto principal.

Quadro Clínico

A ampla maioria dos pacientes são assintomáticos, especialmente os que têm apenas dilatações de ductos secundários. Os sintomas que podem aparecer são: desconforto abdominal, icterícia e perda de peso. O aparecimento de sintomas,
especialmente icterícia, é considerado um sinal de alarme, muito sugestivo de malignização. Os pacientes sintomáticos deverão ser reavaliados com exame de imagem.

Diagnóstico

O diagnóstico é baseado em alteração de exames de imagem. Como foi dito anteriormente, muitas vezes o diagnóstico é incidental. Apesar disso, ao encontrarmos uma lesão suspeita de IPMN, é necessário o seguimento deste paciente.
Os exames de imagem que auxiliam no diagnóstico e seguimento são:

  • Tomografia computadorizada: a tomografia não é o melhor exame para avaliação de lesões císticas pancreáticas, porém pode ser utilizada para pacientes com contraindicação à Ressonância Magnética. O exame deve ser realizado com administração de contraste endovenoso em protocolo com 2 fases: arterial e venosa. Auxilia no diagnóstico diferencial das dilatações ductais, como no caso de calcificações e tumores pancreáticos.

  • Ressonância Magnética com Colangio Pancreato-ressonância: talvez seja o melhor
    exame para avaliação de IPMNs, pois permite ver a comunicação ductal, determina
    o exato segmento que a lesão se encontra e consegue avaliar sinais de
    preocupação, como componente sólido intracístico, realce na parede da lesão e
    acometimento de ducto principal. A MRCP é o exame de escolha para a avaliação
    do cisto e avaliação de sinais preocupantes ou sinais de alarme.
  • Ecoendoscopia ou Ultrassom endoscópico: é um exame utilizado quando há dúvidas
    diagnósticas (diferenciação entre lesão mucinosa e não mucinosa, por exemplo) ou
    quando há suspeita de transformação maligna, visto que permite a punção do cisto
    com análise bioquímica (dosagem de amilase, CEA e glicose) além de citologia. As
    lesões menores de 1 cm não devem ser puncionadas, pois o risco de já serem
    malignas é muito baixo, além de não conseguir material suficiente para análise
    bioquímica. Para a análise citológica que é realizada em bloco, há uma tendência a
    utilização de agulhas de biópsia (FNB) ao invés de agulhas finas (FNA), o que
    parece melhorar a acurácia dos diagnósticos de displasias.

O exame de ultrassom convencional tem baixa acurácia para diagnóstico de lesões císticas pancreáticas, embora possa ser usado para seguimento das lesões já bem estabelecidas.

Critérios de gravidade

O consenso de Fukuoka, datado de 2012, sugere fatores de alto risco para evolução dos IPMNs.

Os critérios de alarme são:

  • Envolvimento de ducto principal com dilatação > 10 mm
  • Nódulo mural > 5 mm com captação de contraste
  • Icterícia obstrutiva

Os chamados sinais ¨preocupantes¨ são:

  • Pancreatite aguda
  • Cisto > 3cm
  • Espessamento e hipercaptação na parede do cisto
  • Envolvimento do ducto pancreático principal entre 5-9mm
  • Nódulo mural sem realce pelo contraste
  • Transição abrupta de calibre do ducto principal, com atrofia do parênquima distal
  • Crescimento do cisto > 5 mm em 2 anos

Nota: em 2023 houve a publicação do Guideline de Kyoto com atualizações nesses conceitos. Para saber mais confira esses artigos: Guideline de Kyoto – atualizações na abordagem dos IPMNs – Parte I; Guideline de Kyoto – atualizações na abordagem dos IPMNs – Parte I

Condução

Os pacientes com critérios de alarme deverão ser considerados para a cirurgia, caso tenham condições para tal procedimento.
Os pacientes com ¨sinais preocupantes¨devem ser seguidos, e possivelmente puncionados por Ecoendoscopia. Deverão ser seguidos conforme o algoritmo de manejo de pacientes com IPMN (figura 1).
Os consensos para manejo dos IPMNs estão em constante mudança, estabelecendo novos critérios para indicação de ressecção cirúrgica.

Algoritmo para o gerenciamento de suspeita de BD-IPMN. *A pancreatite pode ser uma indicação cirúrgica para alívio dos sintomas. &. O diagnóstico diferencial inclui mucina. A mucina pode se mover com a mudança na posição do paciente, pode ser deslocada com a lavagem do cisto e não tem fluxo Doppler. As características do nódulo tumoral verdadeiro incluem falta de mobilidade, presença de fluxo Doppler e PAAF do nódulo mostrando tecido tumoral. @. A presença de paredes espessadas, mucina intraductal ou nódulos murais é sugestiva de envolvimento do ducto principal. Na sua ausência, o envolvimento do ducto principal é inconclusivo. Abreviaturas: BD-IPMN, neoplasia mucinosa papilar intraductal do ducto secundário; PAAF, aspiração por agulha fina.

Como citar esse artigo

Marzinotto M. Neoplasias Papilíferas Intraductais Produtoras de Mucina. Gastropedia, 2022. Dísponivel em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/pancreas/neoplasias-papiliferas-intraductais-produtoras-de-mucina-ipmn/

Bibliografia

  1. Tanaka, M. et al. International consensus guidelines 2012 for the management of IPMN and MCN of the pancreas Pancreatology 12 (2012) 183e197
  2. van Huijgevoort, NCM et al. Diagnosis and management of pancreatic cystic neoplasms: current evidence and guidelines. Nature Reviews | Gastroenterology & Hepatology, 2019.
  3. Sakorafas, GH et al. Primary pancreatic cystic neoplasms revisited. Part III. Intraductal papillary mucinous neoplasms. Surgical Oncology 20 (2011) e109ee118
  4. Elta, GH et al. ACG Clinical Guideline: Diagnosis and Management of Pancreatic Cysts. Am J Gastroenterol 2018; 113:464–479



O que devemos saber sobre a elastografia hepática transitória e sua aplicação na Doença hepática gordurosa não-alcoólica?

A esteatohepatite não-alcoólica (EHNA) corresponde ao grupo de pacientes com doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) que cursam, além da esteatose predominantemente macrogoticular, com balonização hepatocitária, inflamação lobular, fibrose hepática, cirrose e risco de evolução para carcinoma hepatocelular (CHC). Saiba mais nesse outro artigo.

Cerca de 30-40% dos adultos possuem DHGNA e destes, 3-12% evoluem com EHNA, com prevalência em progressão nos últimos anos, em especial, pela forte associação com fatores metabólicos como a obesidade. Desta forma, a EHNA tornou-se nos últimos anos a principal causa de transplante hepático no mundo

Na avaliação dos pacientes com DHGNA, é fundamental avaliar quais testes não-invasivos (TNI) podem contribuir na investigação. Apesar da ultrassonografia de abdome ser o exame de primeira linha na avaliação inicial dos pacientes com DHGNA, é operador-dependente e apresenta baixa sensibilidade para esteatose hepática leve: tipicamente, a esteatose precisa acometer mais de 30% dos hepatócitos para ser detectável por este método. 

Dentre os TNI disponíveis em nosso meio, a elastografia hepática transitória (FibroScan®, Echosens, Paris, França; TE) é a mais comumente utilizada pelos hepatologistas. A tecnologia foi aprovada em 2013 pela Food and Drug Administration nos Estados Unidos e rapidamente incorporada na avaliação dos pacientes com hepatopatia por diferentes etiologias, incluindo, os portadores de DHGNA.

Vantagens do método

Através da seleção apropriada de uma das sondas (Small, Medium e XL) pela idade, tipo físico e distância pele-fígado, o exame é realizado de forma não invasiva e rápida, permitindo a quantificação da gordura hepática pelo CAP (controlled attenuation parameter) e da fibrose hepática pela avaliação da rigidez hepática (liver stiffness measurement; LSM).

O ponto de referência é guiado pelos marcadores anatômicos (encontro da linha axilar média com linha transversa e paralela aos rebordos costais, ao nível do apêndice xifóide). 

LSM

Através de vibrações de leve amplitude e baixa frequência (50Hz) emitidas pela sonda no ponto de referência, uma onda de cisalhamento se propaga pelo tecido hepático sob uma determinada velocidade (m/s): quanto mais rígido é o tecido, mais veloz será a propagação da onda. A LSM varia de 1,5 a 75 kilopascal (kPa) e avalia a rigidez hepática em volume 100 vezes maior do que uma biópsia hepática.

Os valores de LSM variam de acordo com a etiologia da hepatopatia, sendo reportados na DHGNA, os valores de AUROC para F1, F2, F3 e F4 de 0,82, 0,85, 0,94 e 0,96, respectivamente. Para fibrose avançada (F3-F4), os cut-offs variam de 8-12kPa, com sensibilidade de 84-100% e especificidade de 83-97%.

Nota 1: Alguns estudos transversais e comparação head-to-head indicaram melhor acurácia da elastografia por RM na avaliação da fibrose hepática em relação a TE, na identificação de fibrose (F1-F4) com especificidade (F4, 94,5% vs 75,9%), entretanto, os fatores custo, disponibilidade e tempo de exame (duração) são limitantes da elastoRM na prática clínica.

CAP

É reportada AUROC de 81-84% ≥E1 (esteatose em pelo menos 5-10% dos hepatócitos); 85-88% para ≥E2 (33%) e 86-91% para E3 (66%), com sensibilidade para ≥E1, ≥E2 e E3 de 60-75%, 69-84% e 77-96%, respectivamente. Os cut-offs para CAP é de 248 dB/m para E1, 268 dB/m para E2 e 280 dB/m para E3.

Nota 2: Apesar da ressonância de abdome com fração de gordura por densidade de prótons (RM-PDFF) ter melhor sensibilidade e especificidade para a quantificação da fração de gordura hepática em relação ao CAP, os fatores custo e disponibilidade são os maiores limitantes na prática clínica.

Critérios de confiabilidade

De acordo com as recomendações do fabricante, durante a TE, devem ser obtidas 10 medidas válidas, com taxa de sucesso >60% e um intervalo interquartil (IQR) ≤30%.
Alguns estudos demonstraram que IQR > 40 dB/m do CAP com sonda M associou-se com menor confiabilidade para o diagnóstico de esteatose hepática, porém estudos adicionais são necessários para validação como critério.

Limitações e considerações do método

Um dos maiores desafios da TE é a menor taxa de sucesso em pacientes obesos. Enquanto a sonda M é indicada para adultos com peso normal (IMC <25kg/m2) e a sonda S para crianças e adolescentes, a sonda XL está indicada para pacientes obesos ou naqueles com distância pele-fígado maior que 3,5cm, haja vista que esta sonda permite maior profundidade na avaliação da rigidez hepática (35-75 vs 25-65mm) e do CAP.

Estudos prospectivos indicam que a sonda XL estima maior valor de rigidez hepática do que a sonda M quando aplicada no mesmo paciente, entretanto, o IMC elevado tende a superestimar a LSM, assim, os efeitos da obesidade e da sonda XL tendem a se anular.

Outros fatores que prejudicam a LSM são: congestão hepática, obstrução biliar, amiloidose, lesões focais hepáticas, aumento de transaminases (1-5xLSN) e ascite.

É fundamental orientar o jejum de 3-4 horas antes do exame, pois o aumento do fluxo portal pode aumentar a LSM em 1-5kPa (pico em 20-40 minutos, com duração de até 180 minutos, em média).

Aplicação clínica

Além da avaliação de rigidez hepática e quantificação da esteatose, a TE possui um importante papel em predizer complicações da doença hepática crônica avançada compensada (DHCAc), como varizes de esôfago (VE), CHC e morte relacionada ao fígado.

De acordo com Baveno VII, no geral:

  1. LSM ≤15kPa e plaquetas ≥ 150.000 exclui hipertensão portal clinicamente significativa (HPCS, sensibilidade e valor preditivo negativo >90%) em paciente com DHCAc;
  2. LSM <20kPa e plaquetas > 150.000 permite evitar a realização de EDA rastreamento de VE;
  3. Em pacientes de etiologia viral, alcoólica e EHNA não obesos (IMC <30kgm/2), LSM ≥ 25 é suficiente para excluir HPCS (sensibilidade e valor preditivo positivo >90%).
  4. Nos pacientes com DHCAc por EHNA, o modelo ANTECIPATE pode ser usado para predizer o risco de HPCS, mas validação adicional é necessária.

Recomendações de Guidelines

A TE é um TNI validada e recomendado pelos guidelines da AASLD e EASL e, conforme a sua disponibilidade, deve ser incorporado como ferramenta na avaliação dos pacientes com DHGNA na prática clínica.

Referências

  1. Zhang X, Wong GL, Wong VW. Application of transient elastography in nonalcoholic fatty liver disease. Clin Mol Hepatol. 2020 Apr;26(2):128-141. doi: 10.3350/cmh.2019.0001n. Epub 2019 Nov 8. PMID: 31696690; PMCID: PMC7160347.
  2. Younossi ZM, Loomba R, Anstee QM, Rinella ME, Bugianesi E, Marchesini G, Neuschwander-Tetri BA, Serfaty L, Negro F, Caldwell SH, Ratziu V, Corey KE, Friedman SL, Abdelmalek MF, Harrison SA, Sanyal AJ, Lavine JE, Mathurin P, Charlton MR, Goodman ZD, Chalasani NP, Kowdley KV, George J, Lindor K. Diagnostic modalities for nonalcoholic fatty liver disease, nonalcoholic steatohepatitis, and associated fibrosis. Hepatology. 2018 Jul;68(1):349-360. doi: 10.1002/hep.29721. PMID: 29222917; PMCID: PMC6511364.
  3. Park CC, Nguyen P, Hernandez C, Bettencourt R, Ramirez K, Fortney L, Hooker J, Sy E, Savides MT, Alquiraish MH, Valasek MA, Rizo E, Richards L, Brenner D, Sirlin CB, Loomba R. Magnetic Resonance Elastography vs Transient Elastography in Detection of Fibrosis and Noninvasive Measurement of Steatosis in Patients With Biopsy-Proven Nonalcoholic Fatty Liver Disease. Gastroenterology. 2017 Feb;152(3):598-607.e2. doi: 10.1053/j.gastro.2016.10.026. Epub 2016 Oct 27. PMID: 27911262; PMCID: PMC5285304.
  4. de Franchis R, Bosch J, Garcia-Tsao G, Reiberger T, Ripoll C; Baveno VII Faculty. Baveno VII – Renewing consensus in portal hypertension. J Hepatol. 2022 Apr;76(4):959-974. doi: 10.1016/j.jhep.2021.12.022. Epub 2021 Dec 30. Erratum in: J Hepatol. 2022 Apr 14;: PMID: 35120736.

Como citar este arquivo

Oti KST., O que devemos saber sobre a elastografia hepática transitória e sua aplicação na Doença hepática gordurosa não-alcoólica?. Gastropedia, 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/figado/o-que-devemos-saber-sobre-a-elastografia-hepatica-transitoria-e-sua-aplicacao-na-doenca-hepatica-gordurosa-nao-alcoolica/




Efeitos adversos associados ao uso prolongado de inibidores de bomba de prótons (IBP)

Desde a introdução do omeprazol em 1989, os inibidores de bomba de prótons (IBPs), também conhecidos como “prazóis”, revolucionaram o tratamento das doenças acido-pépticas. A grande eficiência dessa classe em bloquear a produção de ácido fez com que rapidamente ela caísse no gosto popular e se tornasse um dos medicamentos mais comercializados no mundo.

Com o seu uso crescente, surgiram na última década uma série de preocupações sobre possíveis efeitos colaterais a longo prazo. Contudo, há divulgação em massa de vários estudos sem adequada interpretação, contribuindo para a insegurança dos médicos prescritores e a ansiedade dos pacientes. 

Qual é a verdade afinal? Os “prazóis” causam câncer e demência?

Qual a qualidade da evidência?

A grande maioria das publicações que abordam os efeitos adversos associados ao uso prolongado de IBP é composta por estudos observacionais retrospectivos, baseados em grandes bancos de dados coletados inicialmente por propósitos administrativos.

Esse tipo de estudo torna muito difícil estabelecer relação de causalidade. Afinal, a exposição (usar ou não usar IBP) não é definida aleatoriamente e, por isso, fatores não aleatórios que levaram ao uso ou não de IBP podem impactar a probabilidade de desenvolver um desfecho. Em muitos casos, o motivo pelo qual o paciente está usando o IBP já constitui um fator de risco para o efeito adverso em estudo. Mesmo com as ferramentas estatísticas de regressão multivariada, ainda sobrarão efeitos de confusão residuais devido à presença de diferenças imensuráveis entre os grupos.

Em 1965, Sir Austin Bradford Hill propôs uma lista de 9 critérios para inferir causalidade (Tabela 1). Isso é importante porque a maioria dos estudos epidemiológicos sugere apenas associações e, como tal, é propensa a vários vieses, levando a extrapolações errôneas para a causalidade. 

Tabela 1: Critérios de Bradford Hill para estabelecer causalidade

Por que o IBP causaria efeitos adversos a longo prazo?

Em teoria, a maior parte dos efeitos adversos a longo prazo do IBP estariam associados à hipocloridria.

Apesar de importante para tratamento de doenças pépticas, como as úlceras e o refluxo gastroesofágico, a redução prolongada de ácido gástrico também poderia ocasionar aumento da produção de gastrina, alteração da microbiota intestinal e redução da absorção de alguns nutrientes.

Figura 1: Mecanismos teóricos pelos quais o IBP poderia causar efeitos adversos a longo prazo

ECL = Células enterocromafim-like; GECA = gastroenterocolite aguda; SIBO = Supercrescimento bacteriano do intestino delgado (Small intestinal bacterial overgrowth); PBE = Peritonite bacteriana espontânea; BCP = broncopneumonia; Ca = cálcio; Fe = ferro; Mg = Magnésio

Apesar destes efeitos teóricos, a maior parte destas associações não foi comprovada em estudos.

Quais os riscos de fato?

A maior parte da evidência consiste de estudos observacionais que identificaram associações fracas com risco relativo e odds ratio menor que 2. Além disso, não há consistência, pois existem inúmeros estudos com conclusões opostas.

As evidências mais consistentes são do aumento do risco de pólipos de glândulas fúndicas (que são pólipos benignos que não malignizam), de infecções entéricas e de nefrite intersticial aguda (raro, por efeito idiossincrático).

Uma das maiores preocupações dos médicos e pacientes é, sem dúvidas, um possível risco aumentado de malignidade gástrica. Os estudos disponíveis, contudo, são conflitantes e têm vieses importantes e variáveis ​​de confusão. Um estudo chinês de 2017 foi certamente um dos que mais despertou curiosidade sobre o assunto nos noticiários. Ele foi um estudo observacional baseado em banco de dados para auditoria, que identificou um hazard ratio de 2.44 (intervalo 1.42 a 4.20). Mesmo que desconsiderássemos todos os vieses desse estudo e julgássemos que ele fosse uma verdade absoluta (o que com certeza não é, uma vez que não foi observado se houve cura de H. pylori nos pacientes e o grupo usuário de IBP tinha características com maior risco de câncer – maior idade, mais comorbidades, maior histórico de úlceras, maior tabagismo e maior polifarmácia), ainda sim o aumento absoluto de risco para câncer gástrico em usuários de IBP seria de 4 em 10.000 pessoas-ano (ou seja, aumento absoluto de risco de 0,04% por paciente ao ano).

A Tabela 2 traz um compilado publicado pelo American College of Gastroenterology no guideline de DRGE (2022) quanto aos riscos dos principais efeitos que costumam ser citados como possivelmente associados ao IBP, baseado em estudo randomizado recente. 

Tabela 2: Efeitos adversos associados ao uso prologando de IBP, baseado em estudo randomizado recente. Adaptado de Katz P et al, 2022.

Conclusão

  • Os estudos que identificaram efeitos adversos associados ao uso prolongado de IBPs apresentam falhas, não são considerados definitivos e não estabelecem uma relação de causa e efeito entre os IBPs e as condições adversas. 
  • Apesar de não podermos excluir a possibilidade de que os IBPs possam conferir um pequeno aumento no risco de desenvolver essas condições adversas, isso não justifica a sua suspensão quando bem indicado, uma vez que os benefícios nestes casos superam em muito seus riscos teóricos. 
  • Devemos ser críticos apenas para questionar se a prescrição do IBP está ou não indicada, uma vez que o uso inapropriado gera aumento de custos e exposições desnecessárias. Sempre que possível, outra estratégia adequada é reduzir a prescrição de IBP para a menor dose necessária.

Referências

  1. Cheung KS, Chan EW, Wong AYS, Chen L, Wong ICK, Leung WK. Long-term proton pump inhibitors and risk of gastric cancer development after treatment for Helicobacter pylori : a population-based study. Gut 2017:gutjnl-2017-314605. doi:10.1136/gutjnl-2017-314605.
  2. Chinzon D, Domingues G, Tosetto N, Perrotti M. Safety of long-term proton pump inhibitors: facts and myths. Arq Gastroenterol 2022;59:219–25. doi:10.1590/S0004-2803.202202000-40.
  3. Katz PO, Dunbar KB, Schnoll-Sussman FH, Greer KB, Yadlapati R, Spechler SJ. ACG Clinical Guideline for the Diagnosis and Management of Gastroesophageal Reflux Disease. Am J Gastroenterol 2022;117:27–56. doi:10.14309/ajg.0000000000001538.
  4. Malfertheiner P, Kandulski A, Venerito M. Proton-pump inhibitors: Understanding the complications and risks. Nat Rev Gastroenterol Hepatol 2017;14:697–710. doi:10.1038/nrgastro.2017.117.
  5. Moayyedi P, Eikelboom JW, Bosch J, Connolly SJ, Dyal L, Shestakovska O, et al. Safety of Proton Pump Inhibitors Based on a Large, Multi-Year, Randomized Trial of Patients Receiving Rivaroxaban or Aspirin. Gastroenterology 2019;157:682-691.e2. doi:10.1053/j.gastro.2019.05.056.
  6. Nehra AK, Alexander JA, Loftus CG, Nehra V. Proton Pump Inhibitors: Review of Emerging Concerns. Mayo Clin Proc 2018;93:240–6. doi:10.1016/j.mayocp.2017.10.022.
  7. Vaezi MF, Yang YX, Howden CW. Complications of Proton Pump Inhibitor Therapy. Gastroenterology 2017;153:35–48. doi:10.1053/j.gastro.2017.04.047.

Como citar este artigo

Lages RB., EFEITOS ADVERSOS ASSOCIADOS AO USO PROLONGADO DE INIBIDORES DE BOMBA DE PRÓTONS (IBPs). Gastropedia, 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/estomago/efeitos-adversos-associados-ao-uso-prolongado-de-inibidores-de-bomba-de-protons-ibp/




Cistoadenoma Mucinoso (MCN)

O cistoadenoma mucinoso (MCN) é uma lesão cística, produtora de mucina, quase que exclusivamente encontrada em mulheres, em uma proporção de 20:1. O pico de incidência é na 5a década de vida. 

O cisto tem localização preferencial no corpo e cauda de pâncreas. A principal característica, além do conteúdo espesso, rico em mucina, é o estroma ovariano encontrado na lesão, com receptores para estrogênios e progestágenos. Na presença de hormônios femininos, a lesão tende a crescer em tamanho. Além disso, é uma lesão que não tem comunicação com o ducto pancreático, as diferenciando dos IPMNs. 

O epitélio do cisto é composto por células colunares, produtoras de mucina. Há um risco de transformação maligna que varia nos estudos de 0-34%, entretanto ainda não existem marcadores fiéis que predizem o risco da lesão malignizar. O que existe são características de imagem que podem sinalizar transformação maligna:

  • lesões > 3 cm
  • presença de nódulos murais
  • dilatação do ducto pancreático principal (> 6mm)
  • calcificações periféricas

Diagnóstico

O diagnóstico dos MCN pode ser dado com um bom exame de imagem, como uma tomografia ou ressonância magnética. Entretanto, caso haja dúvida diagnóstica, há a possibilidade da punção por agulha fina (PAAF) via Ecoendoscopia. Nesse caso é importante solicitar marcadores bioquímicos como: amilase (tende a ser baixa), CEA (nas lesões mucinosas o CEA é geralmente > 190 ng/ml, com uma acurácia de 79%) e a glicose (geralmente baixa em cistos mucinosos < 66 mg/dl). Quando combinados, a dosagem de CEA e glicose intracisto tem uma acurácia de 93% para diagnóstico de  lesões mucinosas. 

Na dúvida de transformação maligna, solicita-se a citologia do cisto, muito embora a sensibilidade seja baixa para avaliação de displasia (cerca de 58%), embora a especificidade seja de 96%. 

Figuras 1 e 2: cistoadenoma mucinoso de cauda pancreática. Fonte: arquivo pessoal

Tratamento

Os MCN que não tiverem estigmas de alto risco para malignização pode ser seguidos com exames de imagem (no primeiro ano, um exame a cada 6 meses, e após esse período, um exame anual), muito embora não haja como excluir a possibilidade de neoplasia sem a ressecção cirúrgica. 

Ao optar por realizar o seguimento com imagens, podemos atrasar o tratamento de  uma lesão ressecável. Portanto, essa decisão deve levar em consideração o risco do paciente evoluir com malignidade pancreática, assim como sua idade, expectativa de vida e outros fatores de risco, como obesidade e tabagismo. Além disso, um outro sinal de alarme é o diabetes de início recente. 

Como os MCN são lesões que acometem corpo e cauda de pâncreas (preferencialmente) a ressecção dessa porção pancreática tende a ser menos mórbida ao paciente. Além disso, é possível realizar a enucleação da lesão, sem obrigatoriedade  de pancreatectomia necessariamente. 

Ainda como alternativas terapêuticas temos a ablação da lesão com etanol ou paclitaxel, ou ainda a ablação por radiofrequência. Esses procedimentos, entretanto, tem muitos efeitos adversos, e são propostos para pacientes não candidatos a cirurgia. Mais estudos são necessários para indicação da ablação como procedimento de rotina.

Prognóstico

O prognóstico do paciente que teve o MCN ressecado antes da transformação maligna é muito bom, com sobrevida em torno de 100% de em 5 anos. Já os pacientes operados com MCN invasivos, têm cerca de 60% de sobrevida em 5 anos. As lesões < 4 cm sem estigmas de alto risco, tem taxas de malignização de < 0,05%

Veja também nosso artigo sobre Cistoadenoma Seroso de Pâncreas clicando nesse link

Bibliografia

  1. Lopes CV. Cyst fluid glucose: An alternative to carcinoembryonic antigen for  pancreatic mucinous cysts. World J Gastroenterol 2019 May 21; 25(19): 2271-2278
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  4. The European Study Group on Cystic Tumours of the Pancreas. European evidence-based guidelines on pancreatic cystic neoplasms. Gut 2018;67:789–804

Como citar este arquivo

Marzinotto M., CISTOADENOMA MUCINOSO (MCN). Gastropedia, 2022. Dísponivel em: https://gastropedia/gastroenterologia/pancreas/cistoadenoma-mucinoso-mcn




Câncer Gástrico Difuso Hereditário

No artigo anterior discutiu-se o câncer gástrico (CG) hereditário associado a presença de síndromes que ocasionam quadro de polipose digestiva.1 Nesse artigo será apresentado o Câncer Gástrico Difuso Hereditário (CGDH), a síndrome hereditária mais relevante sem associação com polipose do trato gastrointestinal.

1. CG Difuso Hereditário  

O Câncer Gástrico Difuso Hereditário é uma síndrome caracterizada por uma alta prevalência de câncer gástrico difuso e carcinoma lobular de mama. Inicialmente descrita em uma família Maori da Nova Zelândia em 1998, estima-se atualmente que o CGDH tenha uma incidência populacional de aproximadamente 5-10/100.000 nascimentos.

A maioria dos casos confirmados de CGDH é causada por mutações germinativas no gene supressor de tumor CDH1. O CDH1 codifica a E-caderina, uma proteína transmembrana que está localizada nas junções celulares e tem funções de adesão, detecção de tensão e transdução de sinal através da membrana celular. A mutação do CDH1 com posterior alteração da E-caderina ocasiona a perda de coesão celular ocasionando o aspecto clássico de um carcinoma com células pouco coesas ou com células em anel de sinete. Mutações em um segundo gene também relacionado com a adesão celular, a alfa-catenina (CTNNA1), também são encontradas em uma pequena parcela de casos de CGDH.

2. Critérios Diagnósticos

Os critérios de suspeita clínica tanto do indivíduo quando da família foram relaxados principalmente por meio de mudanças nas restrições de idade nas diretrizes de 2020 (Figura 1).2 A ampliação da indicação do teste genético deve equilibrar os custos relacionados à saúde, a aceitação do público e a carga psicológica imposta à população testada contra o benefício de identificar mais indivíduos assintomáticos de alto risco. O fato de o custo do teste estar diminuindo progressivamente também contribuiu para sua maior indicação.

Figura 1 – Critérios familiares e individuais para indicação do teste genético

Por outro lado, a introdução generalizada de painéis de genes de câncer, identificou variantes inesperadas de CDH1 em indivíduos que não apresentam fenótipos sugestivos de CGDH, criando um desafio para pacientes e médicos. Dessa forma, a pesquisa indiscriminada não tem indicação em casos sem suspeita clínica da síndrome. As estimativas de penetrância do para ocorrência de CG das variantes patogênicas de CDH1 são influenciados pelos critérios clínicos usados para indicar o teste genético. Usando famílias que preencheram os critérios clínicos anteriores de 2010, mais restritos para indicação do teste genético, estimou-se o risco cumulativo de CG aos 80 anos em homens e mulheres portadores de 70% e 56%, respectivamente. No entanto, outro relato evidenciou que famílias que atenderam ao critério de CGDH de 2015, menos rigorosos, a penetrância para ocorrência de CG foi 42% para homens e 33% para mulheres. Dessa forma, o risco de CGDH varia entre as famílias e, portanto, a história familiar deve ser considerada ao estimar o risco de penetrância de cada indivíduo.

Em indivíduos que atendam aos critérios clínicos para realização de teste genético, o teste costuma ser oferecido a partir da idade legal de consentimento (18 anos no Brasil). Sempre que possível, o aconselhamento genético para CGDH deve incluir avaliação de um pedigree familiar de três gerações, histórico familiar de lábio leporino ou fissura palatina e confirmação histopatológica do tipo de CG e/ou mama.

O aconselhamento deve ser realizado por profissional capacitado com discussão abrangente e multidisciplinar em torno dos benefícios e riscos da cirurgia gástrica profilática e vigilância do câncer.

Figura 2 – Fluxograma de diagnóstico após o teste genético

3. Gastrectomia Profilática

Quando indicada, a gastrectomia total profilática (GTP) é realizada no início idade adulta, geralmente entre 20 e 30 anos de idade. Dado o aumento dos riscos perioperatórios e recuperação prolongada com a idade, a GTP não é recomendada em pacientes com mais de 70 anos, a menos que haja circunstâncias atenuantes significativas. Antes da cirurgia, os pacientes devem realizar uma endoscopia para garantir que já não haja CG, o que exigiria a realização do estadiamento completo. O exame também identificar outra patologia coincidente, como o esôfago de Barrett e hérnia de hiato, que pode alterar a extensão da ressecção.

A extensão da gastrectomia deve ser total, com confirmação intraoperatória de mucosa escamosa esofágica na margem proximal e mucosa duodenal na margem distal. As metástases linfonodais perigástricas são extremamente incomuns em pacientes submetidos a GTP na ausência tumor gástrico na endoscopia inicial. Dessa forma, uma linfadenectomia D2 estendida deliberada não é necessária e geralmente é desencorajada para minimizar a morbidade pós-operatória. Para evitar o potencial de subestimar o raro evento de um paciente com um tumor gástrico T2 anteriormente não identificado, a realização da linfadenectomia D1 é suficiente.

4. Vigilância Endoscópica

A vigilância deve ser realizada em centros especializados familiarizados com CGDH.

A chance a priori de ter pelo menos uma lesão compatível com carcinoma células em anel de sinete na amostra de gastrectomia total de um portador de mutação CDH1 é de 95%. Consequentemente, a relevância clínica de alguns casos de carcinoma superficiais (estágio T1a) em biópsias endoscópicas são questionáveis, especialmente porque esses focos de carcinoma em lesões superficiais podem exibir um comportamento muito indolente.

Portanto, o objetivo principal da vigilância não é apenas detectar um foco carcinoma superficial. Em pacientes que desejam adiar a cirurgia, outros objetivos da vigilância incluem: excluir lesões infiltrativas mais profundas, detectar grandes ou numerosas lesões T1a, pois esses pacientes provavelmente têm uma chance maior de desenvolver lesões em estágio T mais avançado, e avaliar a mudança histológica e aparência endoscópica que podem sinalizar comportamento mais maligno.

Dessa forma as endoscopias de vigilância devem incluir biópsias direcionadas e aleatórias. O número de biópsias aleatórias recomendadas é 28-30 (três-cinco na cárdia, cinco no fundo, dez no corpo, cinco na zona de transição corpo-antro e cinco no antro). Recomenda-se que as linguetas de tecido gástrico no esôfago sejam registradas, inspecionadas e biopsiadas. Todos os pacientes sob vigilância devem ser totalmente informados sobre as limitações do exame.

Referências

  1. Kodama, MFKP e Simoes IBP. Câncer gástrico hereditário. Gastropedia 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/cancer-gastrico-hereditario
  2. Blair VR, McLeod M, Carneiro F, et al. Hereditary Diffuse Gastric Cancer: Updated Clinical Practice Guidelines. Lancet Oncol. 2020;21(8):e386-397.       

Como citar este arquivo

Ramos, MFKP. Câncer Gástrico Difuso Hereditário. Gastropedia 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/esofago-estomago-duodeno/cancer-gastrico-difuso-hereditario/




Para quais condições gastrintestinais o probiótico está indicado?

O uso de probióticos tem sido estudado em diversas doenças gastrintestinais. O racional é que nossa microbiota intestinal possui cerca de 40 trilhões de bactérias e estas quando em equilíbrio podem ser responsáveis por uma “up regulação” de genes anti-inflamatórios e uma “down regulação” de genes pro-inflamatórios. 

Ao analisarmos as evidências científicas atuais nos deparamos com uma grande heterogeneidade (metodologia, cepa, dose) dos estudos e com ausência de comparações diretas entre os probióticos testados.

Atualmente a indicação de probióticos com maior nível de evidência é o uso na prevenção e/ou tratamento da diarreia associada a antibióticos.

Indicações com evidência moderada são: tratamento da diarreia aguda infecciosa principalmente em crianças e casos de bolsite leve na retocolite ulcerativa (RCU).

Condições com evidência fraca são: prevenção da colite por Clostridioide difficile, erradicação do Helicobacter pylori, síndrome do intestino irritável, constipação intestinal funcional, doença inflamatória intestinal, doença hepática gordurosa não alcoólica e prevenção de câncer colorretal.


Referências bibliográficas

  1. Penumetcha SS et al.Cureus. 2021 Dec 17;13(12):e20483.
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  4. SU GL et al. Gastroenterology. 2020 Aug;159(2):697-705.

Como citar este arquivo

Carlos A., Para quais condições gastrintestinais o probiótico está indicado?. Gastropedia 2022. Disponível em: https://gastropedia/gastroenterologia/intestino/para-quais-condicoes-gastrintestinais-o-probiotico-esta-indicado




Gastrectomia Vertical e risco de Esôfago de Barrett

Paciente de 65 anos, masculino, submetido a Gastrectomia Vertical em 2017 para tratamento de Obesidade Mórbida. Perdeu seguimento durante a pandemia do COVID-19, tendo feito somente uma endoscopia de seguimento no primeiro ano de pós-operatório.

Retorna ao ambulatório com sintomas importantes de pirose e regurgitação diários, com impacto na qualidade de vida e tolerância alimentar. Solicitada EDA, com achado de projeção de mucosa colunar, de coloração rosa-salmão no terço distal do esôfago, medindo cerca de 10 mm circunferencialmente. Realizadas biopsias com confirmação de metaplasia colunar intestinal, compatível com diagnostico de Esôfago de Barett.

Apesar de incomum em nosso meio, o diagnóstico de Esôfago de Barrett após GV tem sido cada vez mais reportado na literatura. Uma meta-analise recente demonstrou prevalência de 11,4%, com taxa agrupada de Barrett em pacientes com sintomas de DRGE de 18,2% (IC 95%, 12,4% – 26%). Tal estudo mostrou também que não havia diferença significativa na probabilidade de ter Barrett baseado nos sintomas de DRGE. 

Sendo assim, para realizar o diagnostico precoce de Barrett após Gastrectomia Vertical e manter um acompanhamento clínico e endoscópico adequados, devemos seguir a recomendação da IFSO de realizar endoscopia digestiva alta anualmente em pacientes submetidos a sleeve independente dos sintomas. 

Referências

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Como citar este artigo

Dantas ACB, Gastrectomia Vertical e risco de Esôfago de Barrett. Gastropedia; 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/obesidade/gastrectomia-vertical-e-risco-de-esofago-de-barrett/