Insulinoma: Estratégias diagnósticas e detalhes para o tratamento

O insulinoma é o tumor neuroendócrino pancreático funcionante mais frequente (55%), tem seu pico de ocorrência em pacientes na quinta década de vida (entre 40 e 50 anos) e uma discreta predominância entre as mulheres (1,4:1)1.

Os sintomas associados ao tumor se dividem entre adrenérgicos – ansiedade, tremores e agitação – e neuroglicopênicos como desorientação, alterações visuais e convulsões2. Devido a frequente ingestão alimentar para evitar a hipoglicemia acentuada durante o jejum, é frequente que os pacientes se apresentem com obesidade/sobrepeso ao diagnóstico. 

Em 1938 foi descrita a tríade de Whipple: hipoglicemia documentada (<50mg/dL), sintomática e aliviada após ingesta calórica. Atualmente, a confirmação diagnóstica se dá com um teste clínico de jejum de 48 a 72 horas em que se coletam exames laboratoriais periodicamente. O perfil laboratorial demonstrará uma glicemia baixa em oposição a elevados níveis de insulina, pro-insulina e peptídeo C3. É fundamental para o diagnóstico se certificar que o paciente não faz uso de antidiabéticos orais como sulfonilureias ou insulina injetável.

A relação do insulinoma em síndromes endócrinas (NEM-1 e esclerose tuberosa) é conhecida e traz particularidades propedêuticas devido a um maior risco de tumores neuroendócrinos múltiplos ou insulinomas malignos4.

Figura 1 – Pancreatectomia caudal em paciente com NEM-1, as setas apontam a ressecção de dois tumores neuroendócrinos.

O tratamento recomendado é a excisão cirúrgica do tumor. A enucleação, bem como as pancreatectomias segmentares, são tratamentos reconhecidos uma vez que a grande maioria dos tumores são benignos. Dessa forma, a linfadenectomia se torna menos relevante que a preservação de parênquima pancreático a fim de evitar insuficiência exócrina ou endócrina1

Dessa forma, este artigo pretende trazer uma análise dos diferentes exames diagnósticos utilizados nos casos do insulinoma e suas aplicações, além de uma lista de cuidados perioperatórios específicos para esses pacientes.

Métodos diagnósticos por imagem

Os métodos axiais com contraste são os mais utilizados para o estudo anatômico do pâncreas e suas relações vasculares. Dentre eles, a ressonância magnética, quando disponível, se provou mais sensível para localizar os insulinomas que se apresentam como nódulos hipervasculares na fase arterial, com hiperintensidade em T2 e hipointensidade em T1 em relação ao parênquima pancreático. Lesões menores podem ser localizadas mais facilmente nas fases de difusão5.

Figura 2 – Ressonância magnética com achado de lesão hipervascular na cauda do pâncreas, em proximidade com o baço
Figura 3 – Tomografia de abdome com contraste na fase arterial com achado de lesão hipervascular no corpo do pâncreas próxima a veia mesentérica superior.

Um exame específico para tumores neuroendócrinos que se vale de seus receptores de somatostatina, o PET Galio 68 pode auxiliar em casos de suspeita clínica sem diagnóstico pelos métodos acima. É um exame adequado para a localização de insulinomas ectópicos que não foram visualizados no abdome superior5.

Métodos diagnósticos invasivos

Ecoendoscopia: Exame para avaliação do parênquima pancreático em busca de lesões subcentimétricas, usado por alguns autores como o primeiro exame para se localizar o insulinoma. Oferece sensibilidade ainda maior nas lesões da cabeça do pâncreas e processo uncinado. 

No laudo de uma suspeita de insulinoma é importante constar, se possível, a mensuração do tumor, sua localização e a distância de estruturas vasculares relevantes (junção espleno-mesentérica), e da proximidade do ducto pancreático principal (auxiliar a decisão operatória de enuclear a lesão).1

Figura 4 – Mensuração de tumor neuroendócrino por meio de ecoendoscopia

A punção por agulha é dispensável na grande maioria dos casos. O paciente sintomático com lesão esporádica não precisa de confirmação anatomopatológica para o tratamento. Nas síndromes endócrinas, tanto  os tumores neuroendócrinos funcionantes quanto os não funcionantes podem expressar marcadores imuno-histoquímicos para insulina. Dessa forma, esse exame não é adequado para diferenciá-los. 6

Em lesões não periféricas ou intrapancreáticas de difícil localização, o cirurgião pode solicitar uma tatuagem com azul de metileno para facilitar a localização intraoperatória.

Cateterismo arterial pancreático seletivo (SACS) 

O exame consiste no posicionamento de um cateter coletor na veia hepática direita para coleta do nível sanguíneo de insulina após os estímulos arteriais.

Em seguida, após cateterização arterial seletiva, injeta-se gluconato de cálcio nas artérias peripancreáticas com poder de topografar a lesão caso a insulinemia dobre dentro de 3 minutos após a injeção.

  • Tumor na corpo/cauda do pâncreas: Positivo após injeção na artéria esplênica
  • Tumor na cabeça pancreática ou processo uncinado: Positivo após injeção na artéria gastroduodenal ou mesentérica superior
  • Metástase hepática oculta: Positivo após injeção na artéria hepática própria
Figura 5 – Vascularização arterial peripancreática. Na imagem destaca-se a artéria gastroduodenal que irriga a cabeça e processo uncinado do pâncreas. Ilustração de Gray, Henry. Anatomy of the Human Body. Philadelphia: Lea & Febiger. Modificado de: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Gray533.png

O exame é usado sobretudo em casos de síndromes endócrinas e de tumores neuroendócrinos múltiplos em que se deseja identificar qual a lesão metabolicamente ativa.1

Tratamento operatório

A definição de via operatória depende da expertise do cirurgião. É importante destacar que para o acesso laparoscópico, sobretudo de nodulectomias e pancreatectomias distais, é necessário um planejamento detalhado do local da secção pancreática. A conversão para cirurgia aberta está justificada nos casos de imprecisão.7

Figura 6 – Aspecto final e grampeamento de uma pancreatectomia corpo-caudal + esplenectomia por insulinoma.

A ultrassonografia intra-operatória é uma aliada do cirurgião de fígado e pâncreas e que, nesse contexto, certifica a localização tumoral e a proximidade com ducto pancreáticos nos casos em que se aventa enucleação. Dessa forma, o exame proporciona maior segurança ao procedimento, reduzindo risco de fístula pancreática e permitindo preservação de parênquima pancreático quando possível.

Figura 7 – Ultrassonografia intraoperatória mostrando um nódulo hipoecóico  no parênquima pancreático passível de enucleação. Foi mensurada uma distância segura de 2,7 mm para o ducto pancreático principal.

Na cirurgia convencional a inspeção e palpação do órgão pode identificar o tumor que tem uma textura e consistência fibroelástica em um parênquima pancreático mais macio. Para os casos em que se planeja a enucleação, a cápsula do tumor pode ser um parâmetro para o plano de dissecção, e o uso de clipes ou ligaduras é encorajado para que se evite lesão térmica do ducto. 1

Cuidados perioperatórios com a glicemia

Devido ao jejum pré-operatório e a possibilidade de motivar sintomas,  encorajamos o uso de soro de manutenção calórica para reduzir eventos de hipoglicemia.

Durante o procedimento, um aumento em 30 mg/dL do platô glicêmico ocorre em até 30 minutos após a ressecção do tumor metabolicamente ativo. A alteração glicêmica somada a análise macroscópica da peça durante o intraoperatório pode confirmar o sucesso do procedimento.

Espera-se um aumento da glicemia nas primeiras 24 horas do procedimento, período em que costumeiramente mantêm-se o soro de manutenção calórica. O monitoramento da glicemia é importante durante a hospitalização e nos primeiros dias após a alta médica. Durante as semanas que sucedem a cirurgia, pode acontecer um aumento da glicemia que demande, inclusive, uso temporário de insulina. 1

Alternativas para tratamento

Em pacientes não candidatos a cirurgia, podemos realizar tratamento clínico com diazoxida (dose inicial de 50 – 300 mg/dia) e análogos da somatostatina (octreotide). Devido a efeitos colaterais dessas medicações, a sua prescrição deve ser feita por profissionais com experiência como endocrinologistas ou oncologistas. As mesmas medicações podem ser utilizadas como tratamento sintomático antes do procedimento ou paliativo no contexto de insulinomas malignos irressecáveis ou metastáticos.2

Tratamento radioablativos endoscópicos ou percutâneos tem emergido como possíveis alternativas em caso de pacientes não candidatos a cirurgia devido a condições clínicas, desde que se preserve uma distância mínima de 3 mm em relação ao ducto principal.

Como citar este artigo

Magalhães, DP. Insulinoma: Estratégias diagnósticas e detalhes para o tratamento. Gastropedia 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/insulinoma-estrategias-diagnosticas-e-detalhes-para-o-tratamento

Quer saber mais sobre TNE do pancreas? Confira esse artigo: Tumores neuroendócrinos do pancreas

Referências

  1. Mehrabi, A. et al. R EVIEW A Systematic Review of Localization , Surgical Treatment Options , and Outcome of Insulinoma. Pancreas 43, 675–686 (2014).
  2. Giannis, D. et al. Insulinomas : from diagnosis to treatment . A review of the literature. JBUON 25, 1302–1314 (2020).
  3. Okabayashi, T. et al. Diagnosis and management of insulinoma. World J. Gastroenterol. 19, 829–837 (2013).
  4. Habermann, E. B. Malignant Insulinoma : A Rare Form of Neuroendocrine Tumor. World J. Surg. 44, 2288–2294 (2021).
  5. Prasad, S. R., Kondapaneni, S., Tammisetti, V. S., Nazarullah, A. & Katabathina, V. S. Pancreatic Neuroendocrine Neo- plasms : 2020 Update on Patho- logic and Imaging Findings and Classification. Radiographics 40, 1240–1262 (2020).
  6. Halfdanarson, T. R. et al. The North American Neuroendocrine Tumor Society Consensus Guidelines for Surveillance and Medical Management of Pancreatic Neuroendocrine Tumors. 49, 863–881 (2020).
  7. Heidsma, C. M. et al. Indications and outcomes of enucleation versus formal pancreatectomy for pancreatic neuroendocrine tumors. Int. Hepato-Pancreato-Biliary Assoc. 23, 413–421 (2021).



Tumores neuroendócrinos do pancreas

Introdução

A incidência dos tumores neuroendócrinos do pâncreas está crescendo, possivelmente devido à realização com maior frequência exames de imagem e à qualidade destes exames. No entanto, sua prevalência felizmente ainda é rara. Esse post do Endoscopia Terapêutica tem a finalidade de servir como um guia de consulta quando eventualmente nos depararmos com uma dessas situações no dia a dia. Se quiser saber sobre tumores neuroendócrinos duodenais confira esse outro artigo.

Conceitos gerais importantes sobre tumores neuroendócrinos do trato gastrointestinal

Os TNE correspondem a um grupo heterogêneo de neoplasias que se originam de células neuroendócrinas (células enterocromafins-like), com características secretórias.

Todos os TNE gastroenteropancreáticos (GEP) são potencialmente malignos e o comportamento e prognóstico estão correlacionados com os tipos histológicos.

Os TNE podem ser esporádicos (90%) ou associados a síndromes hereditárias (10%), como a neoplasia endócrina múltipla tipo 1 (NEM-1), SD von Hippel-Lindau, neurofibromatose e esclerose tuberosa.

Os TNE são na sua maioria indolentes, mas podem determinar sintomas. Desta forma, podem ser divididos em funcionantes e não funcionantes:

  • Funcionantes: secreção de hormônios ou neurotransmissores ativos: serotonina, glucagon, insulina, somatostatina, gastrina, histamina, VIP ou catecolaminas. Podem causar uma variedade de sintomas
  • Não funcionantes: podem não secretar nenhum peptídeo/ hormônios ou secretar peptídeos ou neurotransmissores não ativos, de forma a não causar manifestações clínicas.

Tumores neuroendócrinos do pâncreas (TNE-P)

Os TNE funcionantes do pâncreas são: insulinoma, gastrinoma, glucagonoma, vipoma e somatostatinoma.

Maioria dos TNE-P são malignos, exceção aos insulinomas e TNE-NF menores que 2 cm.

A cirurgia é a única modalidade curativa para TNE-P esporádicos, e a ressecção do tumor primário em pacientes com doença localizada, regional e até metastática, pode melhorar a sobrevida do paciente.

De maneira geral, TNE funcionantes do pancreas devem ser ressecados para controle dos sintomas sempre que possível. TNE-NF depende do tamanho (ver abaixo).

Tumores pancreáticos múltiplos são raros e devem despertar a suspeita de NEM1.

A SEGUIR VAMOS VER AS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DE CADA SUBTIPO HISTOLÓGICO

INSULINOMAS

  • É o TNE mais frequente das ilhotas pancreáticas.
  • 90% são benignos, porém são sintomáticos mesmo quando pequenos.
  • Cerca de 10% estão associadas a NEM.
  • São lesões hipervascularizadas e solitárias, frequentemente < 2 cm.
  • Tríade de Whipple:

    • hipoglicemia (< 50)
    • sintomas neuroglicopenicos (borramento visual, fraqueza, cansaço, cefaleia, sonolência)
    • desaparecimento dos sintomas com a reposição de glicose

  • insulina sérica > 6 UI/ml
  • Peptídeo C > 0,2 mmol/l
  • Pró-insulina > 5 UI/ml
  • Teste de jejum prolongado positivo (99% dos casos)
  • Saiba mais sobre insulinoma nesse outro artigo

GASTRINOMAS

  • É mais comum no duodeno, mas 30% dos casos estão no pâncreas
  • São os TNE do pâncreas mais frequentes depois dos insulinomas.
  • Estão associados a Sd. NEM 1 em 30%, e nesses casos se apresentam como lesões pequenas e multifocais.
  • Provocam hipergastrinemia e síndrome de Zollinger-Ellison.
  • 60% são malignos.
  • Tratamento: cirúrgico nos esporádicos (DPT).
  • Na NEM 1, há controvérsia na indicação cirúrgica, visto que pode não haver o controle da hipergastrinemia mesmo com a DPT (tumores costumam ser múltiplos)

GLUCAGONOMAS

  • Raros;  maioria esporádicos.
  • Geralmente, são grandes e solitários, com tamanho entre 3-7 cm ocorrendo principalmente na cauda do pâncreas.
  • Sintomas: eritema necrolítico migratório (80%), DM, desnutrição, perda de peso, tromboflebite, glossite, queilite angular, anemia
  • Crescimento lento e sobrevida longa
  • Metástase linfonodal ou hepática ocorre em 60-75% dos casos.

VIPOMAS

  • Extremamente raros
  • Como os glucagonomas, localizados na cauda, grandes e solitários.
  • Maioria maligno e metastático
  • Em 10% dos casos pode ser extra-pancreático.
  • Quadro clínico relacionada a secreção do VIP (peptídeo vasoativo intestinal):

    • diarréia (mais de 3L litros por dia) – água de lavado de arroz
    • Distúrbios hidro-eletrolítico: hipocalemia, hipocloridria, acidose metabólica
    • Rubor

  • Excelente resposta ao tratamento com análogos da somatostatina.

SOMATOSTATINOMAS

  • É o menos comum de todos
  • Somatostatina leva a inibição da secreção endócrina e exócrina e afeta a motilidade intestinal.
  • Lesão solitária, grande, esporádico, maioria maligno e metastatico
  • Quadro clínico:

    • Diabetes (75%)
    • Colelitíase (60%)
    • Esteatorréia (60%)
    • Perda de peso

TNE NÃO FUNCIONANTES DO PÂNCREAS

  • 20% de todos os TNEs do pâncreas.
  • 50% são malignos.
  • O principal diagnóstico diferencial é com o adenocarcinoma

TNE-NF bem diferenciados menores que 2 cm: duas sociedades (ENETS e NCCN) sugerem observação se for bem diferenciado. Entretanto, a sociedade norte-americana NETS recomenda observação em tumores menores que 1 cm e conduta individualizada, entre 1-2 cm.

TNE PANCREÁTICO RELACIONADOS A SINDROMES HEREDITARIAS

  • 10% dos TNE-P são relacionados a NEM-1
  • Frequentemente multicêntricos,
  • Geralmente acometendo pessoas mais jovens.
  • Geralmente de comportamento benigno, porém apresentam potencial maligno
  • Gastrinoma 30-40%; Insulinoma 10%; TNE-NF 20-50%; outros 2%
  • Tto cirúrgico é controverso, pq as vezes não controla a gastrinemia (tumores múltiplos)

Você se recorda das neoplasias neuroendócrinas múltiplas? 

As síndromes de neoplasia endócrina múltipla (NEM) compreendem 3 doenças familiares geneticamente distintas envolvendo hiperplasia adenomatosa e tumores malignos em várias glândulas endócrinas. São doenças autossômicas dominantes.

NEM-1

  • Doença autossômica dominante
  • Predispoe a TU (3Ps): Paratireóide; Pituitária (hipófise); Pâncreas,
  • Geralmente de comportamento benigno, porém apresentam potencial maligno
  • Gastrinoma 30-40%; Insulinoma 10%; TNE-NF 20-50%; outros 2%
  • Tto cirúrgico é controverso, pq as vezes não controla a gastrinemia (tumores múltiplos)
NEM-2A:

  • Carcinoma medular da tireoide,
  • Feocromocitoma,
  • Hiperplasia ou adenomas das glândulas paratireoides (com consequente hiperparatireoidismo).
NEM-2B:

  • Carcinoma medular de tireoide,
  • Feocromocitoma
  • Neuromas mucosos e intestinais múltiplos

Referências:

  1. Pathology, classification, and grading of neuroendocrine neoplasms arising in the digestive system – UpToDate ; 2021
  2. Guidelines for the management of neuroendocrine tumours by the Brazilian gastrointestinal tumour group. ecancer 2017,11:716 DOI: 10.3332/ecancer.2017.716

Como citar esse artigo:

Martins BC, de Moura DTH. Tumores neuroendócrinos do pancreas. Gasstropedia. 2022; vol I.  Disponível em: gastropedia.pub/pt/cirurgia/tumores-neuroendocrinos-do-pancreas