Cistoadenoma Mucinoso (MCN)

O cistoadenoma mucinoso (MCN) é uma lesão cística, produtora de mucina, quase que exclusivamente encontrada em mulheres, em uma proporção de 20:1. O pico de incidência é na 5a década de vida. 

O cisto tem localização preferencial no corpo e cauda de pâncreas. A principal característica, além do conteúdo espesso, rico em mucina, é o estroma ovariano encontrado na lesão, com receptores para estrogênios e progestágenos. Na presença de hormônios femininos, a lesão tende a crescer em tamanho. Além disso, é uma lesão que não tem comunicação com o ducto pancreático, as diferenciando dos IPMNs. 

O epitélio do cisto é composto por células colunares, produtoras de mucina. Há um risco de transformação maligna que varia nos estudos de 0-34%, entretanto ainda não existem marcadores fiéis que predizem o risco da lesão malignizar. O que existe são características de imagem que podem sinalizar transformação maligna:

  • lesões > 3 cm
  • presença de nódulos murais
  • dilatação do ducto pancreático principal (> 6mm)
  • calcificações periféricas

Diagnóstico

O diagnóstico dos MCN pode ser dado com um bom exame de imagem, como uma tomografia ou ressonância magnética. Entretanto, caso haja dúvida diagnóstica, há a possibilidade da punção por agulha fina (PAAF) via Ecoendoscopia. Nesse caso é importante solicitar marcadores bioquímicos como: amilase (tende a ser baixa), CEA (nas lesões mucinosas o CEA é geralmente > 190 ng/ml, com uma acurácia de 79%) e a glicose (geralmente baixa em cistos mucinosos < 66 mg/dl). Quando combinados, a dosagem de CEA e glicose intracisto tem uma acurácia de 93% para diagnóstico de  lesões mucinosas. 

Na dúvida de transformação maligna, solicita-se a citologia do cisto, muito embora a sensibilidade seja baixa para avaliação de displasia (cerca de 58%), embora a especificidade seja de 96%. 

Figuras 1 e 2: cistoadenoma mucinoso de cauda pancreática. Fonte: arquivo pessoal

Tratamento

Os MCN que não tiverem estigmas de alto risco para malignização pode ser seguidos com exames de imagem (no primeiro ano, um exame a cada 6 meses, e após esse período, um exame anual), muito embora não haja como excluir a possibilidade de neoplasia sem a ressecção cirúrgica. 

Ao optar por realizar o seguimento com imagens, podemos atrasar o tratamento de  uma lesão ressecável. Portanto, essa decisão deve levar em consideração o risco do paciente evoluir com malignidade pancreática, assim como sua idade, expectativa de vida e outros fatores de risco, como obesidade e tabagismo. Além disso, um outro sinal de alarme é o diabetes de início recente. 

Como os MCN são lesões que acometem corpo e cauda de pâncreas (preferencialmente) a ressecção dessa porção pancreática tende a ser menos mórbida ao paciente. Além disso, é possível realizar a enucleação da lesão, sem obrigatoriedade  de pancreatectomia necessariamente. 

Ainda como alternativas terapêuticas temos a ablação da lesão com etanol ou paclitaxel, ou ainda a ablação por radiofrequência. Esses procedimentos, entretanto, tem muitos efeitos adversos, e são propostos para pacientes não candidatos a cirurgia. Mais estudos são necessários para indicação da ablação como procedimento de rotina.

Prognóstico

O prognóstico do paciente que teve o MCN ressecado antes da transformação maligna é muito bom, com sobrevida em torno de 100% de em 5 anos. Já os pacientes operados com MCN invasivos, têm cerca de 60% de sobrevida em 5 anos. As lesões < 4 cm sem estigmas de alto risco, tem taxas de malignização de < 0,05%

Veja também nosso artigo sobre Cistoadenoma Seroso de Pâncreas clicando nesse link

Bibliografia

  1. Lopes CV. Cyst fluid glucose: An alternative to carcinoembryonic antigen for  pancreatic mucinous cysts. World J Gastroenterol 2019 May 21; 25(19): 2271-2278
  2. Nilsson, LN et al. Nature and management of pancreatic mucinous cystic neoplasm (MCN): A systematic review of the literature. Pancreatology 2016. 1-9. 
  3. Elta, GH et al. ACG Clinical Guideline: Diagnosis and Management of Pancreatic Cysts. Am J Gastroenterol 2018; 113:464–4
  4. The European Study Group on Cystic Tumours of the Pancreas. European evidence-based guidelines on pancreatic cystic neoplasms. Gut 2018;67:789–804

Como citar este arquivo

Marzinotto M., CISTOADENOMA MUCINOSO (MCN). Gastropedia, 2022. Dísponivel em: https://gastropedia/gastroenterologia/pancreas/cistoadenoma-mucinoso-mcn




Para quais condições gastrintestinais o probiótico está indicado?

O uso de probióticos tem sido estudado em diversas doenças gastrintestinais. O racional é que nossa microbiota intestinal possui cerca de 40 trilhões de bactérias e estas quando em equilíbrio podem ser responsáveis por uma “up regulação” de genes anti-inflamatórios e uma “down regulação” de genes pro-inflamatórios. 

Ao analisarmos as evidências científicas atuais nos deparamos com uma grande heterogeneidade (metodologia, cepa, dose) dos estudos e com ausência de comparações diretas entre os probióticos testados.

Atualmente a indicação de probióticos com maior nível de evidência é o uso na prevenção e/ou tratamento da diarreia associada a antibióticos.

Indicações com evidência moderada são: tratamento da diarreia aguda infecciosa principalmente em crianças e casos de bolsite leve na retocolite ulcerativa (RCU).

Condições com evidência fraca são: prevenção da colite por Clostridioide difficile, erradicação do Helicobacter pylori, síndrome do intestino irritável, constipação intestinal funcional, doença inflamatória intestinal, doença hepática gordurosa não alcoólica e prevenção de câncer colorretal.


Referências bibliográficas

  1. Penumetcha SS et al.Cureus. 2021 Dec 17;13(12):e20483.
  2. Zhang T et al. Front Cell Infect Microbiol. 2022 Apr 1;12:859967.
  3. Zhang L et al. BMC Geriatr. 2022 Jul 6;22(1):562.
  4. SU GL et al. Gastroenterology. 2020 Aug;159(2):697-705.

Como citar este arquivo

Carlos A., Para quais condições gastrintestinais o probiótico está indicado?. Gastropedia 2022. Disponível em: https://gastropedia/gastroenterologia/intestino/para-quais-condicoes-gastrintestinais-o-probiotico-esta-indicado




MAFLD versus NAFLD: implicações da mudança de nomenclatura

O termo doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA; non-alcoholic fatty liver disease, NAFLD) surgiu em 1980 para caracterizar uma doença semelhante à doença hepática gordurosa alcoólica, mas em pacientes sem consumo etílico significativo. Este conceito engloba dois espectros da doença: esteatose simples e esteato-hepatite não alcoólica (EHNA; non-alcoholic steatohepatitis, NASH), sendo o último sob o risco de progressão de fibrose hepática e evolução para cirrose e carcinoma hepatocelular.

A DHGNA é a causa mais comum de doença hepática crônica afetando um quarto da população global adulta, entretanto o seu conceito não contempla quadros metabólicos e recebe críticas por ter critérios de exclusão para a sua definição: é fundamental a exclusão de etilismo significativo (>20g/ dia em mulheres e >30g/dia em homens), outras hepatopatias crônicas (virais, autoimunes, entre outras) e uso de medicações esteatogênicas.

Em 2020, um painel de especialistas propôs uma nova definição e critérios para a DHGNA como doença hepática gordurosa metabólica (DHGM; metabolic-associated fatty liver disease, MAFLD), com o intuito de simplificar o diagnóstico através de critérios positivos e de forma independente do consumo de álcool ou de outras doenças hepáticas concomitantes.

Assim, a definição MAFLD baseia-se na evidência de esteatose hepática em adição a um ou mais de três critérios: sobrepeso/obesidade, diabetes mellitus tipo 2 ou evidência de desequilíbrio metabólico (Figura1).

Figura 1. Fluxograma com critérios para doença hepática gordurosa metabólica (DHGM). Adaptado de Eslam M, Newsome PN, Anstee QM et al.

Apesar do posicionamento favorável de diferentes sociedades de Hepatologia em adotar a nova terminologia e critérios, um amplo debate cresce no meio científico sobre o prognóstico e aplicabilidade da definição MAFLD.

Seria DHGM (MAFLD) uma melhor definição para a doença?

A adoção do novo termo envolve não somente a mudança de nome, mas também da definição da doença. Como resultado, alguns pacientes que eram previamente classificados como “lean NAFLD” (índice de massa corporal normal) podem não preencher os critérios para DHGM.

Por outro lado, paciente com esteatose hepática que previamente não eram classificados como DHGNA devido o consumo etílico significativo, outras doenças hepáticas ou causas secundárias de esteatose hepática podem ser diagnosticados como DHGM.

Tais modificações tem implicações na interpretação da doença, dos pacientes e nas pesquisas científicas.

O que os estudos mostram?

Os estudos mostram que a grande maioria dos pacientes preenche os critérios para ambos DHGNA e DHGM, entretanto, cerca de 10-25% podem preencher somente os critérios de uma das condições.

Comparando-se a acurácia da definição DHGM versus DHGNA, os estudos indicam uma maior sensibilidade para DHGM na identificação de pacientes com fibrose hepática significativa (93,9% vs 73%; valor preditivo negativo 95,5% vs 86,2%) e com maior risco cardiovascular (HR 1,43 vs 1,09).

O estudo de Kim e colaboradores demonstrou que dentre 2.702 pacientes adultos com esteatose hepática identificada por ultrassonografia abdominal, 2.044 (75,6%) preencheram os critérios de ambas as definições DHGNA e DHGM, 212 (7,8%) somente para MAFLD, 394 (14,6%) somente para DHGNA e 52 (1,9%) não preencheram critérios para nenhuma das definições. Observou-se ainda uma maior taxa de mortalidade nos pacientes com DHGM (HRa 1,66; 95% IC 1,19-2,32) e maior mortalidade por câncer (HRa 1,95; 95% IC 1,05-3,62).

DHGM (MAFLD): visão crítica

Apesar de os estudos indicarem que o grupo DHGM apresenta maior risco de complicações, esta definição falha na identificação dos potenciais pacientes com risco de desfechos desfavoráveis, em especial, nos pacientes com DHGNA, sem DHGM (Figura2).

Figura 2. Definições da doença como doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) e doença hepática gordurosa metabólica (DHGM) e implicações prognósticas. Adaptado de Wong VW e Lazarus JV.

Apesar de alguns autores criticarem a aplicabilidade dos critérios para DHGM, em especial, em estudos retrospectivos, pela indisponibilidade de PCR ou HOMA-IR de todos os pacientes, recentes estudos encorajam a difundir o conceito e critérios da DHGM na avaliação dos pacientes com doença hepática gordurosa, em especial, nos pacientes que preenchem critérios para DHGM, mas não preenchem para DHGNA. Existe, assim, um grande esforço científico na proposta de modificação da terminologia e critérios da doença, no sentido de se alcançar uma melhor definição que otimize a identificação dos pacientes com esteatose hepática entre especialistas e não-especialistas na prática clínica e permita uma uniformização de terminologia nos estudos.

Saiba mais

Como citar esse artigo

Oti, KST. MAFLD versus NAFLD: implicações da mudança de nomenclatura. Gastropedia 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/figado/mafld-versus-nafld-implicacoes-da-mudanca-de-nomenclatura/

Referências

  1. Eslam M, Newsome PN, Sarin SK, Anstee QM, Targher G, Romero-Gomez M, Zelber-Sagi S, Wai-Sun Wong V, Dufour JF, Schattenberg JM, Kawaguchi T, Arrese M, Valenti L, Shiha G, Tiribelli C, Yki-Järvinen H, Fan JG, Grønbæk H, Yilmaz Y, Cortez-Pinto H, Oliveira CP, Bedossa P, Adams LA, Zheng MH, Fouad Y, Chan WK, Mendez-Sanchez N, Ahn SH, Castera L, Bugianesi E, Ratziu V, George J. A new definition for metabolic dysfunction-associated fatty liver disease: An international expert consensus statement. J Hepatol. 2020 Jul;73(1):202-209. doi: 10.1016/j.jhep.2020.03.039. Epub 2020 Apr 8. PMID: 32278004.
  2. Yamamura S, Eslam M, Kawaguchi T, Tsutsumi T, Nakano D, Yoshinaga S, Takahashi H, Anzai K, George J, Torimura T. MAFLD identifies patients with significant hepatic fibrosis better than NAFLD. Liver Int. 2020 Dec;40(12):3018-3030. doi: 10.1111/liv.14675. PMID: 32997882.
  3. Lee H, Lee YH, Kim SU, Kim HC. Metabolic Dysfunction-Associated Fatty Liver Disease and Incident Cardiovascular Disease Risk: A Nationwide Cohort Study. Clin Gastroenterol Hepatol. 2021 Oct;19(10):2138-2147.e10. doi: 10.1016/j.cgh.2020.12.022. Epub 2020 Dec 22. PMID: 33348045.
  4. Kim D, Konyn P, Sandhu KK, Dennis BB, Cheung AC, Ahmed A. Metabolic dysfunction-associated fatty liver disease is associated with increased all-cause mortality in the United States. J Hepatol. 2021 Dec;75(6):1284-1291. doi: 10.1016/j.jhep.2021.07.035. Epub 2021 Aug 8. PMID: 34380057.
  5. Wong VW, Lazarus JV. Prognosis of MAFLD vs. NAFLD and implications for a nomenclature change. J Hepatol. 2021 Dec;75(6):1267-1270. doi: 10.1016/j.jhep.2021.08.020. Epub 2021 Aug 28. PMID: 34464658.
  6. van Kleef LA, Ayada I, Alferink LJM, Pan Q, de Knegt RJ. Metabolic dysfunction–associated fatty liver disease improves detection of high liver stiffness: The Rotterdam Study. Hepatology. 2022;75:419–429. https://doi.org/10.1002/hep.32131



Doença do refluxo gastroesofágico no paciente com obesidade

A Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) é bastante comum na população geral, com prevalência de 10 a 20%. Nos pacientes com obesidade essa prevalência chega a ser o dobro.

Os mecanismos envolvidos no aumento do risco de DRGE na obesidade são devidos ao aumento da pressão abdominal, levando a:

  • Aumento do relaxamento transitório do esfíncter inferior do esôfago
  • Hérnia de hiato
  • Diminuição do clearence esofágico

A prevalência da DRGE está diretamente relacionada à gravidade da obesidade e ao IMC (Índice de Massa Corpórea). Pacientes com obesidade (IMC > 30) têm mais episódios de refluxo e pior escore de DeMeester do que aqueles com sobrepeso (IMC > 25). Em candidatos à cirurgia bariátrica, aqueles com IMC > 50 têm esofagite erosiva com maior prevalência aos com IMC > 40 e assim sucessivamente. Apesar disso, é incomum o achado de esofagite grave (C/D) ou até mesmo o diagnóstico de Esôfago de Barrett.

Como deve ser a investigação da DRGE no pré-operatório da cirurgia bariátrica?

Apesar de ser rotina na maioria dos serviços de bariátrica no Brasil, até recente havia grande controvérsia na literatura internacional em relação à Endoscopia Digestiva Alta (EDA) no preparo para a cirurgia bariátrica.

A recomendação atual conforme consenso de sociedade internacional é o seguinte:

  • EDA deve ser considerada para todos os pacientes com sintomas gastrointestinais que planejam realizar cirurgia bariátrica devido à frequência de achados que podem mudar conduta
  • EDA deve ser considerada também para aqueles sem sintomas devido à chance de 25% de achados endoscópicos incidentais que podem mudar conduta ou até contraindicar a cirurgia bariátrica

Como a presença de DRGE influencia na escolha técnica da bariátrica?

Atualmente a Gastrectomia Vertical (GV) é a cirurgia bariátrica mais realizada no mundo. Entretanto, com seguimento a longo prazo, temos visto com maior frequência casos com DRGE no pós-operatório. Em algumas situações, muito sintomático e refratário à tratamento clínico, com necessidade de cirurgia revisional para conversão ao Bypass Gástrico em Y-de-Roux (BGYR).

Não há conduto, evidências fortes em relação a fatores de risco no pré-operatório que possam prever quais pacientes vão evoluir com refluxo de novo. Sabemos somente que aqueles com DRGE patológica, conforme critérios de Lyon, tendem a piorar após a GV.

Por tudo isso, a presença de DRGE deve ser ponderada na decisão conjunta com o paciente entre GV ou Bypass. De modo geral, mas não obrigatoriamente, devemos favorecer Bypass Gástrico em caso de:

  • Esofagite Erosiva graus C ou D de Los Angeles
  • Esôfago de Barrett
  • Hérnia de hiato
  • Alterações motoras do esôfago

Como citar este artigo

Dantas, A. Doença do refluxo gastroesofágico no paciente com obesidade. Gastropedia; 2022 Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/obesidade/doenca-do-refluxo-gastroesofagico-no-paciente-com-obesidade/

Referencias:

  1. Ayazi S, Hagen JA, Chan LS, DeMeester SR, Lin MW, Ayazi A, Leers JM, Oezcelik A, Banki F, Lipham JC, DeMeester TR, Crookes PF. Obesity and gastroesophageal reflux: quantifying the association between body mass index, esophageal acid exposure, and lower esophageal sphincter status in a large series of patients with reflux symptoms. J Gastrointest Surg. 2009 Aug;13(8):1440-7.
  2. Derakhshan MH, Robertson EV, Fletcher J, Jones GR, Lee YY, Wirz AA, McColl KE. Mechanism of association between BMI and dysfunction of the gastro-oesophageal barrier in patients with normal endoscopy. Gut. 2012 Mar;61(3):337-43.
  3. Brown WA, Johari Halim Shah Y, Balalis G, Bashir A, Ramos A, Kow L, Herrera M, Shikora S, Campos GM, Himpens J, Higa K. IFSO Position Statement on the Role of Esophago-Gastro-Duodenal Endoscopy Prior to and after Bariatric and Metabolic Surgery Procedures. Obes Surg. 2020 Aug;30(8):3135-3153. doi: 10.1007/s11695-020-04720-z. PMID: 32472360.
  4. Bolckmans, R., Roriz-Silva, R., Mazzini, G.S. et al. Long-Term Implications of GERD After Sleeve Gastrectomy. Curr Surg Rep 9, 7 (2021).
  5. Sebastianelli L, Benois M, Vanbiervliet G, Bailly L, Robert M, Turrin N, Gizard E, Foletto M, Bisello M, Albanese A, Santonicola A, Iovino P, Piche T, Angrisani L, Turchi L, Schiavo L, Iannelli A. Systematic Endoscopy 5 Years After Sleeve Gastrectomy Results in a High Rate of Barrett’s Esophagus: Results of a Multicenter Study. Obes Surg. 2019 May;29(5):1462-1469.



Highlights sobre diagnóstico de doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) – novo guideline do American College of Gastroenterology (ACG) 2022

A lot has changed, much remains the same”. Com essa premissa, o American College of Gastroenterology (ACG) publicou o seu mais novo Guideline para diagnóstico e conduta em Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) no início de 2022, atualizando as suas recomendações gerais neste tema após quase 10 anos.

Sabemos que o diagnóstico de certeza de DRGE pode ser desafiador. Não há um padrão-ouro e, portanto, por vezes é necessário que montemos um quebra-cabeça com manifestações clínicas, resposta à terapia, achados endoscópicos e monitorização prolongada do refluxo. A Tabela 1 resume as principais recomendações dessa diretriz, ao passo que o Fluxograma 1 sugere a abordagem sugerida para diagnóstico de DRGE.

Tabela 1: Recomendações diagnosticas

Abordagem diagnóstica Comentários Recomendação ACG 2022
Diagnóstico clínico (sintomas + terapia empírica) – Pirose e regurgitação são os principais sintomas típicos- Manifestações extra-esofágicas incluem rouquidão, pigarro, tosse crônica, globus, laringite, faringite, fibrose pulmonar e exacerbação de asma. A avaliação deles é desafiadora: mesmo em pacientes com diagnóstico estabelecido de DRGE, pode ser difícil estabelecer que a DRGE é realmente a causa desses problemas – Para pacientes com sintomas típicos sem sinais de alarme*: prescrever terapia empírica com IBP 1x/dia (em jejum) por 8 semanas
– Em pacientes com dor torácica não cardíaca sem pirose: recomendado teste objetivo para DRGE** ao invés de terapia empírica
– Sintomas extraesofágicos isolados não são suficientes para diagnóstico de DRGE: é necessário realizar teste objetivo**
Esofagograma (EED) – Em um estudo prospectivo, apenas metade dos pacientes com refluxo anormal no exame baritado apresentavam alteração na pHmetria. – Não recomendado como teste diagnóstico em DRGE
Endoscopia digestiva alta (EDA) – Esofagite erosiva (EE) grau A de Los Angeles não é suficiente para diagnóstico
– EE grau B pode ser diagnóstica se presença de sintomas típicos e resposta ao IBP
– EE graus C e D ou Barrett longo (> 3 cm) confirmam o diagnóstico de DRGE
– Primeiro exame a ser realizado se presença de sinais de alarme* ou em pacientes com múltiplos fatores de risco para Esôfago de Barrett
– Realizar se ausência de resposta ao IBP empírico por 8 semanas
– Realizar se recidiva dos sintomas após suspensão do IBP 
– Exame diagnóstico deve ser realizado idealmente 2-4 semanas após suspensão de IBP
– Em pacientes com EE graus C e D, deve-se repetir a EDA após terapia para assegurar que houve cicatrização e para avaliar a presença de possível Esôfago de Barrett (que pode ser difícil de detectar em casos de esofagite grave)
Manometria esofágica – Pode avaliar alterações de motilidade associadas à DRGE (hipotonia da junção esofagogástrica e motilidade esofágica ineficaz), mas não são achados específicos – Não recomendada como teste diagnóstico em DRGE
– Necessária antes de exames de monitorização de refluxo para definir a posição da sonda
– Necessária antes de indicar procedimentos antirrefluxo, principalmente para descartar acalásia
Monitorização prolongada de refluxo (pHmetria e impedâncio-pHmetria) – A variável mais importante é o tempo total de exposição ácida
– O uso de sondas de pHmetria com dois canais para documentar o refluxo em esôfago proximal é questionável (resultados muito variáveis)
– Realizar SEM IBP por pelo menos 7 dias se endoscopia sem evidência objetiva de DRGE***
– Realizar EM USO DE IBP se já há evidência objetiva de DRGE*** para avaliar sintomas refratários (preferencialmente a impedâncio-pHmetria, pois permite a avaliação de refluxo não ácido)
*Sinais de alarme: Disfagia, perda de peso, sangramento, vômitos, anemia
**Teste objetivo para DRGE: EDA ou monitorização prolongada de refluxo
***Evidência objetiva de DRGE em endoscopia: Esofagite erosiva Los Angeles C ou D, Barrett longo (> 3 cm)

Fluxograma 1: Abordagem diagnóstica para Doença do Refluxo Gastroesofágico (American College of Gastroenterology, 2022)

Diagrama

Descrição gerada automaticamente

Sugestão de leitura: atualização do consenso de Lyon em 2023 sobre diagnóstico de DRGE

Referência

[1] Katz PO, Dunbar KB, Schnoll-Sussman FH, Greer KB, Yadlapati R, Spechler SJ. ACG Clinical Guideline for the Diagnosis and Management of Gastroesophageal Reflux Disease. Am J Gastroenterol 2022;117:27–56. doi:10.14309/ajg.0000000000001538.

Como citar este artigo

Lages, RB. Highlights Sobre Diagnóstico De Doença Do Refluxo Gastroesofágico (Drge) – Novo Guideline Do American College Of Gastroenterology (Acg)  2022. Gastropedia 2022, vol II. Disponível em: https://gastropedia/gastroenterologia/esofago/highlights-sobre-diagnostico-de-doenca-do-refluxo-gastroesofagico-drge-novo-guideline-do-american-college-of-gastroenterology-acg-2022




Cistoadenoma Seroso de Pâncreas

Os cistos pancreáticos são, na maioria dos casos, achados incidentais de exames de imagem.

Estima-se que cerca de 3-14% das pessoas submetidas a exames abdominais tenham como achado alguma lesão cística pancreática. Em estudos de necropsia, esse achado pode chegar a 24%. Observa-se um claro aumento de prevalência em faixas etárias maiores. 

As lesões císticas podem ser divididas em:

  • cistos benignos: pseudocistos, cistos simples, cistoadenomas serosos
  • cistos malignos: cistoadenocarcinomas, tumores neuroendócrinos císticos, neoplasia sólido-cística pseudopapilar
  • cistos com potencial de malignização: IPMNs e cistoadenomas mucinosos

Nesse artigo falaremos um pouco sobre o cistoadenoma seroso.

CISTOADENOMA SEROSO (SCA)

O cistoadenoma seroso é uma lesão que acomete mais mulheres do que homens (2:1), na 6ª ou 7ª década de vida.

É uma lesão que não tem preferência por nenhuma região pancreática, podendo acometer cabeça, corpo ou cauda da glândula.

Aspecto radiológico

A característica mais marcante do cistoadenoma seroso é o achado de uma lesão policística, com septos fibrosos entre eles, formando um aspecto microcístico (70% dos SCA). Em cerca de 20-30% dos casos, os septos convergem para o centro da lesão, formando uma cicatriz central fibrosa (sinal mais típico do SCA). Em 20% dos casos observamos um aspecto de favo de mel, com múltiplos microcistos e septos finos entre eles.

Figura 1: Cistoadenoma Seroso de cabeça de pâncreas – lesão lobular com septos convergindo para localização central da lesão. (arquivo pessoal)

Figura 1: Cistoadenoma Seroso de cabeça de pâncreas – lesão lobular com septos convergindo para localização central da lesão. (arquivo pessoal)

Em cerca de apenas 10% dos casos os SCA podem ser oligocísticos, tornando o diagnóstico radiológico mais desafiador. Nesses casos, muitas vezes são necessários outros exames para confirmação diagnóstica, como a Ecoendoscopia com punção e análise do fluido intracístico.

Características do fluido

A característica citológica do cistoadenoma seroso são células cuboides, com citoplasma rico em glicogênio, embora a sensibilidade para citologia com PAAF seja muito baixa.

A análise bioquímica do líquido pode ajudar nos casos de diagnóstico incerto. A característica do SCA é ter o Antígeno Carcino-Embrionário (CEA) abaixo de 192 ng/ml, o que se associa a lesões não mucinosas. Além disso, por não haver comunicação com os ductos pancreáticos, a amilase no líquido intra-cístico é baixa.

Mais recentemente, com o avanço da endoscopia confocal, é possível a visualização do padrão de vascularização (nos SCA, ela é subepitelial – acurácia 87%) e permite biópsias do epitélio do cisto. Esse procedimento é realizado ainda em poucos centros, e embora melhore a acurácia do diagnóstico, traz maiores riscos de efeitos adversos (pancreatite aguda e hemorragia intracisto).

Prognóstico

O prognóstico dos SCA é excelente, com menos de 1% de mortalidade. Poucos casos na literatura tem evolução para malignidade, e não há uma concordância sobre a periodicidade do seguimento. Para muitos autores, trata-se de uma lesão benigna.

Embora seja uma lesão com baixa chance de transformação maligna, existe a possibilidade de crescimento da lesão em até 40% dos SCAs.

A última recomendação do grupo europeu é de um novo exame de imagem em 1 ano, e posteriormente, somente se houver sintomas (dor abdominal, icterícia ou náuseas e vômitos).

Como citar este arquivo

Marzinotto M., CISTOADENOMA SEROSO DE PANCREAS. Gastropedia, 2022. Dísponivel em: https://gastropedia/gastroenterologia/pancreas/cistoadenoma-seroso-de-pancreas

Referências

  1. Sakorafas, GH et al. Primary pancreatic cystic neoplasms revisited. Part I: Serous cystic neoplasms. Surgical Oncology, 2011
  2. Tirkes, T et al. Cystic neoplasms of the pancreas; findings on magnetic resonance imaging with pathological,surgical, and clinical correlation. Abdom Imaging, 2014
  3. Larson, A et al. Natural History of Pancreatic Cysts. Dig Dis Sci, 2017



Pancreatite Autoimune

A Pancreatite Autoimune (PAI) é uma das possíveis causas de pancreatite crônica, que cursa com infiltrado inflamatório na glândula e fibrose progressiva, podendo levar à insuficiência pancreática (1).

 

A observação do quadro clínico nos permite classificar a PAI em 2 subtipos (2,3):

  • Pancreatite Autoimune tipo 1: o envolvimento pancreático é parte de uma condição sistêmica, que acomete diversos órgãos, relacionada a infiltração por células imunes ricas em IgG4 (uma sub-fração da IgG). A principal característica é o inflitrado linfo-plasmocitário no pâncreas, com mais de 10 células / CGA positivas para IgG4, a fibrose estoriforme e a ausência de lesões granulocíticas.
  • Pancreatite Autoimune tipo 2: é uma doença exclusivamente pancreática, que pode cursar com episódios de Pancreatite Aguda Recorrente, e que tem como característica o infiltrado granulocítico no pâncreas e a ausência de células positivas para IgG4. O diagnóstico de PAI tipo 2 só pode ser confirmado com a histologia pancreática. Apesar de ser uma doença restrita ao pâncreas, tem associação com outras condições autoimunes, como as Doenças Inflamatórias Intestinais (especialmente RCUI).

Quadro clínico

  • O quadro clínico típico da PAI (em qualquer um dos subtipos) é a dor abdominal, icterícia obstrutiva e elevação de enzimas pancreáticas e canaliculares no sangue. É comum também o emagrecimento associado.
  • Em alguns casos pode-se encontrar massas pancreáticas ou biliares, que necessitam diagnóstico diferencial com neoplasias.
  • Menos comum é a ocorrência de pancreatites agudas de repetição, especialmente na PAI tipo 2 (4, 5).
  • A dosagem de IgG4 > 140 mg/dl, a hipergamaglobulinemia e o FAN + podem ser marcadores secundários da doença sistêmica (PAI tipo 1).

Achados Radiológicos

Associado ao quadro clínico, os achados radiológicos podem corroborar o diagnóstico. Cerca de 85% dos pacientes com PAI têm alterações radiológicas compatíveis. O achado mais típico é o edema e o aumento pancreático (pâncreas “em salsicha”) e a perda de lobulações, frequentemente associado a um halo hipoatenuante na tomografia ou na ressonância de abdome com contraste em 15-40% dos casos (6,7).

                                                                      * Imagens de arquivo próprio

Menos frequente é o acometimento focal, com presença de nodulações na glândula, podendo mimetizar neoplasia. Essa forma é mais comum na PAI tipo 2 (35-80% de incidência) e o essencial é fazer o diagnóstico diferencial com processos mitóticos. (7) Nesse contexto, o uso de exames como o Ultrassom Endoscópico ou a Colangiopancreatografia  Retrógrada Endoscópica podem ser úteis na tentativa de afastar o diagnóstico de processos neoplásicos, já que permitem a obtenção de material para avaliação histopatológica. (8)

 

Tratamento

O tratamento inicial é com corticoterapia, e ambas as formas da doença tem boa resposta ao curso de corticoide. O tratamento está indicado nos casos que se apresentam com icterícia obstrutiva e dor abdominal, forma nodular (massas pancreáticas ou biliares) ,  quadros simulando colangite esclerosante ou doença extra-pancreática.  A dose inicial pode ser fixa de 40mg/dia de prednisona (ou em torno de 0,6 mg/kg/dia) pelo período de 4 semanas. Após esse período é recomendada uma reavaliação clínica, laboratorial e de imagem. No caso de melhora, está indicada a redução da dose de 5mg por semana até a completa suspensão da medicação. (5, 9)

No paciente que tenha contra-indicação ao uso de corticoide (especialmente os paciente com diabetes mellitus descompensado) o Rituximab (anti CD-20) também pode ser usado como agente de primeira linha para indução de remissão.  (9, 10)

Apesar de apresentar uma boa resposta ao tratamento com corticoesteróides, a taxa de recorrência  dos sintomas é de aproximadamente 30%. Os preditores para reicidiva do quadro são: altos níveis de IgG4 ao diagnóstico e acometimento de outros órgãos, especialmente árvore biliar. Nesses casos ainda não está claro se é necessário um tratamento adjuvante com imunomoduladores (Ciclosporina, Azatioprina, Rituximab) ou se é necessário um tempo maior de terapia com corticoesteróides. (1, 2, 5, 9).

  Tipo 1 Tipo 2
IgG4 Relacionada a IgG4 Não relacionada a IgG4
Idade > 60 anos > 40 anos
Sex Masc > Fem Masc = Fem
IgG4 sérica Elevada Normal
Histologia Células IgG4 + Lesões epiteliais granulocíticas
Taxa de remissão Alta Baixa
Extra-pancreático Doenças relacionadas a  IgG4 DII (30%)

Como citar este artigo

Marzinotto M. Pancreatite Autoimune. Gastropedia, 2022. Dísponivel em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/pancreas/pancreatite-autoimune/

Referências bibliográficas

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Classificação de Chicago 4.0: o que há de novo na manometria de alta resolução?

A Classificação de Chicago (CC) busca padronizar a interpretação da manometria de alta resolução (MAR) definindo um fluxograma para classificar os distúrbios motores do esôfago. A primeira versão completa foi publicada em 2009, sendo recentemente atualizada para a 4ª versão. A classificação anterior (3.0 de 2015) já havia sido discutida previamente neste site.

Mas o que muda, de fato, nessa nova atualização?

1. Mudança de protocolo para realização da MAR

A CC 4.0 preconiza a realização de deglutições tanto em posição supina como em posição vertical, bem como de manobras adicionais, como múltiplas deglutições rápidas (MDR, ou multiple rapid swallows – MRS) e desafio de bebida rápida (DBR, rapid drink challenge – RDC).

A recomendação preferencial é pelo sistema de estado sólido, mas sabemos que o seu custo é elevado e que, no Brasil, o sistema de perfusão é muito mais disponível. A classificação de CC 4.0 pode também ser utilizada com o sistema de perfusão, desde que valores normativos tenham sido determinados. Nesse caso, porém, devem-se realizar apenas as deglutições supinas e manobras que sejam possíveis nessa posição. Na prática, caso usemos o sistema de perfusão no nosso dia a dia, seguimos com 10 deglutições úmidas na posição supina, mas recomenda-se realizar pelo menos 1 sequência de MDR.

O Quadro 1 detalha o protocolo padronizado pela CC 4.0 para realização de MAR.

Quadro 1: Protocolo para manometria de alta resolução padronizado conforme CC 4.0

Protocolo MAR – CC 4.0

  • Jejum de 4 horas;
  • Assinar termo de consentimento.

Estudo inicial em posição supina

  • 60 segundos para adaptação;
  • Documentar posição com pelo menos 3 inspirações profundas;
  • 30 segundos de linha de base;
  • 10 deglutições úmidas (5 mL) supinas;
  • 1 sequência MDR (deve ser repetida até 3x se tentativa falha ou resposta anormal).

Mudar posição para vertical (apenas se sistema de estado sólido)

  • 60 segundos para adaptação;
  • Documentar posição com pelo menos 3 inspirações profundas;
  • 30 segundos de linha de base;
  • 5 deglutições úmidas (5 mL) verticais;
  • 1 DBR.

Se não encontrar nenhum distúrbio motor, considerar:

  • Se alta probabilidade de OFJEG: testes com deglutições sólidas ou provocação farmacológica, se disponível;
  • Se suspeita de ruminação: realizar, se possível, impedância pós-prandial.

Se achados ambíguos ou se existe suspeita de obstrução que não preenche critérios para acalásia, considerar outros testes complementares:

  • Esofagograma baritado cronometrado;
  • EndoFLIP.

2. Não há mais diferenciação entre distúrbios maiores e menores da peristalse

A CC 4.0 não distingue mais entre distúrbios de motilidade maiores e menores, mas simplesmente separa distúrbios de obstrução da JEG dos distúrbios de peristalse.

A Figura 1 resume a análise hierárquica da motilidade esofágica conforme CC 4.0.

Figura 1: Fluxograma para diagnóstico de distúrbios motores esofágicos segundo Classificação de Chicago 4.0. Integral da pressão de relaxamento (IRP – integrated relaxation pressure); Junção esofagogástrica (JEG); Múltiplas deglutições rápidas (MDR); Desafio de bebida rápida (DBR); Obstrução ao fluxo da JEG (OFJEG).

3. Subtipos de acalásia seguem o padrão da classificação anterior

4. Definição mais criteriosa sobre obstrução ao fluxo da junção esofagogástrica (OFJEG)

Apesar de uma proporção de OFJEG poder evoluir para acalásia ou mesmo representar uma variante de acalásia, observou-se que mais de um terço desses casos são clinicamente irrelevantes ou relacionados a etiologias benignas, como efeitos mecânicos, uso de opioide ou artefatos. Para evitar tratamentos desnecessários, a CC 4.0 foi mais criteriosa nesse tema.

O diagnóstico manométrico de OFJEG é definido pela elevação da IRP (integral da pressão de relaxamento, integrated relaxation pressure) em duas posições + 20% deglutições com pressão intrabolus elevada na posição supina, com evidência de peristalse. A suspeita inicial para o diagnóstico de OFJEG ocorre quando a IRP é alterada, mas não há critérios para acalásia, isto é, há contrações peristálticas.

Por outro lado, o diagnóstico de OFJEG clinicamente relevante requer: diagnóstico manométrico + sintomas relevantes (disfagia ou dor torácica não cardíaca) + investigações adicionais para obstrução (esofagograma ou endoFLIP). Você pode conhecer mais sobre endoFLIP neste outro artigo do Endoscopia Terapêutica.

5. De nada adianta achado manométrico sem clínica compatível

Alguns padrões manométricos podem ser incidentais, não indicando patologia clínica e não justificando uma intervenção. Portanto, uma das principais prioridades na CC 4.0 foi distinguir entre patologia e achados manométricos inespecíficos. Optou-se por manter o esquema de classificação estabelecido com base na fisiologia esofágica, mas a OFJEG, o espasmo esofágico distal e o esôfago hipercontrátil passam a ser considerados padrões com relevância clínica obscura. Um diagnóstico clinicamente relevante desses distúrbios requer achados manométricos conclusivos e sintomas relevantes (disfagia e/ou dor torácica não cardíaca).

6. Jackhammer passa a ser considerado um subtipo de esôfago hipercontrátil

A CC 4.0 manteve os critérios da CC 3.0 de ≥ 20% de deglutições hipercontráteis, mas revisou a nomenclatura para mudar o Jackhammer para um subtipo e renomear o distúrbio como esôfago hipercontrátil. Essa alteração considerou a heterogeneidade dos padrões de motilidade que atendem à definição, com a identificação de três subgrupos: Jackhammer (britadeira) com contrações prolongadas repetitivas, deglutições hipercontráteis de pico único e deglutições hipercontráteis com uma vigorosa pós-contração do esfíncter inferior do esôfago. Entre os três padrões, o Jackhammer é, normalmente, o mais sintomático e com a maior probabilidade de responder à intervenção.

7. Definição de motilidade esofágica ineficaz (MEI) passou a ser mais rigorosa

A definição da CC 4.0 de MEI é mais rigorosa, exigindo mais de 70% das contrações como ineficazes (em vez de, pelo menos, 50% em classificações anteriores) ou ≥ 50% das contrações falhas. A definição de uma contração ineficaz também passa a abranger deglutições fragmentadas, sendo que o peristaltismo fragmentado não é mais um distúrbio motor.

Como citar este artigo

Lages RB. Classificação de Chicago 4.0: o que há de novo na manometria de alta resolução?. Gastropedia 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/esofago/classificacao-de-chicago-4-0-o-que-ha-de-novo-na-manometria-de-alta-resolucao/

Referências

  1. Yadlapati R, Kahrilas PJ, Fox MR, Bredenoord AJ, Prakash Gyawali C, Roman S, et al. Esophageal motility disorders on high-resolution manometry: Chicago classification version 4.0©. Neurogastroenterol Motil 2021; 33(1):e14058. doi:10.1111/nmo.14058.
  2. Yadlapati R, Pandolfino JE, Fox MR, Bredenoord AJ, Kahrilas PJ. What is new in Chicago Classification version 4.0? Neurogastroenterol Motil 2021;33(1):1–7. doi:10.1111/nmo.14053.



Endoluminal Functional Lumen Imaging Probe (EndoflipTM): conhecendo a tecnologia e seus potenciais usos

O EndoflipTM é uma técnica inovadora que utiliza a tecnologia de planimetria por impedância para avaliar a distensibilidade de órgãos gastrointestinais.

Apesar de desenvolvido em 2009, o seu uso ainda é restrito a ambientes de pesquisa devido ao custo elevado e à necessidade de maiores evidências para melhor padronização do método.

Consiste de um cateter que apresenta em sua extremidade distal um balão distensível de 8 ou 16 cm (Figuras 1 e 2). Neste balão, estão localizados 16 pares de sensores de planimetria por impedância, que são capazes de medir a área de secção transversal de um plano do órgão (planimetria) utilizando a resistência elétrica (impedância) do fluido existente no balão.

Na extremidade distal do cateter, está localizado ainda um transdutor de pressão, que é responsável por aferir a pressão dentro do balão. Desta forma, dividindo-se a área transversal pela pressão, podemos determinar o Índice de Distensibilidade em reposta à distensão controlada por volume.

Figura 1: Representação do monitor do EndoflipTM (Su B et al, 2020).
Figura 2: Representação do cateter EndoflipTM realizando medidas em esfíncter inferior do esôfago (Hirano et al, 2017).

A grande parte dos estudos com o EndoflipTM foi realizada para avaliação esofágica. Para tal, o cateter é introduzido com o paciente sedado, geralmente após a endoscopia digestiva alta.

Com a introdução do EndoflipTM 2.0 em 2017, foi associado ainda um sistema de topografia, que permite avaliar a motilidade esofágica (se ausência de ondas, se contrações anormais retrógradas ou contrações normais anterógradas) – Figura 3.

Figura 3: Exame sem alterações, apresentando junção esofagogástrica com distensibilidade normal e contrações normais anterógradas (Dorsey YC et al, 2020).
Figura 3: Exame sem alterações, apresentando junção esofagogástrica com distensibilidade normal e contrações normais anterógradas (Dorsey YC et al, 2020).

 

As potenciais aplicações do método são:

1. Avaliação de disfagia e acalásia

  • Destaque naqueles pacientes com clínica suspeita de acalásia, mas dúvida diagnóstico devido relaxamento normal da junção esofagogástrica (JEG) em exame de manometria;
  • Utilidade em pacientes que não conseguem realizar a manometria por não tolerarem o desconforto da sonda (o EndoflipTM é realizado sedado);
  • Índice de distensibilidadeda JEG > 3 mm2/mmHg e contrações anterógradas sugerem normalidade (Figura 3);
  • Índice de distensibilidade£ 1.6 mm2/mmHg da JEG, bem como ausência de contrações (figura 4) ou contrações repetitivas retrógradas (figura 5) sugerem acalásia.
  • Nos casos de diagnóstico manométrico de obstrução ao fluxo da JEG, o Índice de Distensibilidade da JEG < 2 mm2/mmHg é associado a melhor resposta sintomática a terapias similares à da acalásia, enquanto valores > 3 mm2/mmHg são favoráveis ao seguimento conservador.
Figura 4: Junção esofagogástrica com distensibilidade reduzida e ausência de contrações, sugerindo Acalásia tipo I (Dorsey YC et al, 2020).
juncao-esofagogastrica-com-distensibilidade-reduzida-acalasia-tipo-3.jpg
Figura 5: Junção esofagogástrica com distensibilidade reduzida e contrações repetitivas retrógradas, sugerindo Acalásia tipo III (Dorsey YC et al, 2020).

2. Uso intra-operatório para guiar ajustes em miotomias e fundoplicaturas

  • Em miotomias, valores de Índice de Distensibilidade da JEG entre 4.5 e 8.5 mm2/mmHg sugerem melhores resultados (Figura 6);
  • Em fundoplicaturas, valores de Índice de Distensibilidade da JEG entre 2 e 3.5 mm2/mmHg foram associadas com menor índice de disfagia e de refluxo após procedimento.
Figura 6: Índice de distensibilidade da Junção esofagogástrica antes e após miotomia em paciente com acalásia (Su B et al, 2020)

3. Avaliação na esofagite eosinofílica

  • Identificar a distensibilidade esofágica, de modo a identificar estreitamentos fibroestenóticos que nem sempre são bem avaliados pela endoscopia.
  • Potencial benefício em pacientes que persistem com disfagia a despeito da remissão histológica, podendo guiar possíveis dilatações.

4. Outros potenciais usos

  • Avaliar distensibilidade do piloro em pacientes com suspeita de gastroparesia
  • Avaliar canal anal em pacientes com incontinência.

Como citar este artigo

Lages RB., Endoluminal Functional Lumen Imaging Probe (EndoflipTM): conhecendo a tecnologia e seus potenciais usos. Gastropedia, 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/esofago/endoluminal-functional-lumen-imaging-probe-endofliptm-conhecendo-tecnologia-e-seus-potenciais-usos/

Referências Bibliográficas

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  2. Hirano I, Pandolfino JE, Boeckxstaens GE. Functional Lumen Imaging Probe for the Management of Esophageal Disorders: Expert Review From the Clinical Practice Updates Committee of the AGA Institute. Clin Gastroenterol Hepatol 2017;15:325–34. doi:10.1016/j.cgh.2016.10.022.
  3. Su B, Novak S, Callahan ZM, Kuchta K, Carbray JA, Ujiki MB. Using impedance planimetry (EndoFLIPTM) in the operating room to assess gastroesophageal junction distensibility and predict patient outcomes following fundoplication. Surg Endosc 2020;34:1761–8. doi:10.1007/s00464-019-06925-5.
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Transplante de Microbiota Fecal

O transplante de microbiota fecal (TMF) ou transplante fecal consiste na infusão de fezes de um doador saudável no trato gastrointestinal de um paciente que possua alguma doença relacionada a alteração da flora intestinal.

Os primeiros relatos de TMF são de 1700 anos atrás em que um médico chinês administrava suspensões de fezes humanas por via oral a pacientes com intoxicação alimentar e/ou diarreia grave. Em 2013 foi publicado na New England Journal of Medicine o primeiro estudo bem desenhado sobre o sucesso do TMF em infeções por Clostridium difficile e que a partir daí tem motivado inúmeros outros trabalhos relacionados ao tema.

A indicação formal do TMF atualmente é nas infecções recorrentes por Clostridium difficile com uma taxa de cura de até 90%.

Há estudos em andamento de TMF em outras doenças gastrintestinais (doença inflamatória intestinal, síndrome do intestino irritável) assim como em doenças endócrinas (obesidade, síndrome metabólica), neurológicas (Parkinson, esclerose múltipla), hematológicas (PTI, GVHD) e psiquiátricas (autismo).

Para o bom andamento do TMF é necessário uma equipe multidisciplinar (médico assistente quer seja o clínico, gastroclínico ou geriatra, infectologista e o endoscopista) alinhada e com protocolo bem estabelecido no serviço.

ETAPAS DO PROCEDIMENTO

1. ESCOLHA DO DOADOR

O doador pode ser aparentado ou não. Este deverá passar por um screening infeccioso rigoroso e um questionário quanto a presença de outras doenças que possam inviabilizar a doação.

2. COLETA, PREPARO E ADMINISTRAÇÃO DO MATERIAL

O doador deve chegar no laboratório do dia do procedimento e o tempo ideal entre a coleta das fezes e a infusão do material é de 6 horas. O peso fecal deve ser no mínimo de 50g e o volume total da suspensão é de 100 a 200ml, que será infundido a depender da rota escolhida. Há opção também de congelar o material mas é preferível a utilização de fezes frescas (vide imagem abaixo).

3. ROTA DE ADMINISTRAÇÃO

Segundo os artigos publicados até o momento todas as 5 rotas estudadas apresentam resultados semelhantes. Desta maneira o TMF pode ser realizado por:

  • Endoscopia digestiva alta com sonda nasogástrica/nasoenteral
  • Enteroscopia anterógrada
  • Colonoscopia
  • Retosigmoidoscopia
  • Enema

O que vai determinar a escolha do método será a condição clínica do paciente e experiência do endoscopista. Na via alta é sugerido infundir no intestino delgado até 100ml lentamente através da sonda nasoenteral ou pelo próprio canal de acessório ou por um cateter spray. Na rota baixa sugere-se infundir a maior quantidade possível do material (média de 200ml) no íleo terminal e cólon direito.

4. CUIDADOS PRÉ, PERI E PÓS TMF

O preparo do exame é o jejum adequado e nos casos de a rota escolhida ser baixa pode ser realizado preparo intestinal com solução de manitol ou polietilenoglicol.

Alguns cuidados podem ser tomados, no entanto ainda nada consensual, tais como:

  • Uso de inibidores de bomba de prótons
  • Uso de procinéticos
  • Uso de antidiarreicos (loperamida)

É preconizada a infusão de cerca de 100ml do material fecal de forma lenta quando utilizada a via alta ao passo que quando o TMF é feito por via baixa utilizam volumes pouco maiores (cerca de 200ml).

5. EVENTOS ADVERSOS

Os eventos adversos podem ocorrer em até 30% dos casos sendo geralmente nas primeiras 48 horas pós procedimento e tratados conservadoramente. Os mais comuns são febre, diarreia, cólicas abdominais e eructações. Já foram descritos casos raros de óbito por regurgitação com broncoaspiração do material fecal e perfuração por megacolon tóxico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Até o momento a única indicação do TMF com evidência científica comprovada é nas infecções graves por Clostridium difficile. Por conta do aumento na incidência e morbimortalidade relacionada a infecção pelos C difficile o transplante de microbiota fecal tem sido um boa opção terapêutica nos casos selecionados. No Brasil ainda não há um regimento bem definido para o procedimento e são poucos centros que tem feito o TMF. No entanto com as descobertas recentes da influência da microbiota intestinal na resposta imune, pode ser que no futuro novas indicações surjam e o TMF seja um procedimento largamente utilizado no nosso país.

COMO CITAR ESTE ARTIGO

Carlos A. Transplante de Microbiota Fecal. Gastropedia 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/intestino/transplante-de-microbiota-fecal

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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