Para além da dieta sem glúten: como orientar seu paciente celíaco

Para os portadores da doença celíaca não há, por ora, alternativa: o tratamento é eliminar o glúten da dieta por toda vida. Mas será que somente essa orientação basta? Como o gastroenterologista pode acompanhar seu paciente com doença celíaca?

Existem seis elementos principais no cuidado com o nosso paciente celíaco que podem ser resumidos no acrônimo CELIAC:

  1. Consultar com um nutricionista qualificado;
  2. Educação sobre a doença;
  3. Adesão ao Longo da vida a uma dieta sem glúten;
  4. Identificação e tratamento de deficiências nutricionais;
  5. Acesso a um grupo de apoio;
  6. Acompanhamento Contínuo a longo prazo por uma equipe multidisciplinar.

(Adaptado de: National Institutes of Health Consensus Development Conference Statement. Celiac Disease 2004)

Na primeira parte deste artigo vamos discorrer sobre como orientar a dieta do paciente com doença celíaca e na segunda vamos discorrer sobre como monitorar a resposta ao tratamento.

1. Tratamento do paciente com doença celíaca

Sobre a dieta sem glúten

Como sabemos, a base do tratamento do paciente com doença celíaca é a dieta sem glúten. Isso serve para todos os pacientes com doença celíaca: clássica, atípica e doença celíaca assintomática.

Pacientes com doença celíaca latente (anticorpo positivo, porém com histologia duodenal normal) não são aconselhados a seguir uma dieta sem glúten, mas devem seguir monitorados. Vale a pena perguntar: será que as biópsias duodenais foram feitas de forma correta?

Leia sobre o correto diagnóstico da doença celíaca aqui: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/como-diagnosticar-corretamente-a-doenca-celiaca/

Lembrar que pacientes com doença celíaca latente devem ser rebiopsiados caso apareçam quaisquer sintomas.

É muito importante orientar o paciente a ler os rótulos dos alimentos, com atenção especial aos aditivos, como estabilizantes ou emulsificantes que podem conter glúten.

Encaminhar o paciente para um acompanhamento com nutricionista com experiência em doença celíaca é essencial. Certamente é este profissional que mais ajudará nosso paciente nesta longa jornada desafiadora.

Sobre traços

Recomenda-se que não ultrapasse 10 a 50 partes por milhão (ppm).

Um estudo que avaliou a ingesta oculta de glúten entre 76 pacientes estimou que a contaminação por glúten de até 100 ppm não resultou em lesão histológica.

Porém sabe-se que a contaminação com traços pode ser fator de confundimento com a doença celíaca não-responsiva ou refratária.

Sobre leite e derivados

Alguns pacientes podem não tolerar leite e derivados do leite, uma vez que alguns deles podem ter intolerância a lactose secundária. Lembrar que, após a recuperação da mucosa, esse quadro pode se resolver.

Sobre a ingesta de álcool

Atenção para a ingesta de álcool: destilados e vinho são isentos de glúten. As cervejas contêm glúten, porém já existem cerveja sem glúten no mercado.

Sobre o imbróglio: ingerir ou não aveia?

O consumo de aveia parece ser seguro para a maioria dos pacientes, mas pode ser imunogênica em subgrupo deles (reação imune à proteína da aveia avenina).

A heterogeneidade da tolerância à aveia pode estar relacionada à contaminação (cultivo, colheita, transporte ou processamento). O paciente precisa ter certeza que a aveia é isenta de glúten antes de consumir. Alguns pesquisadores brasileiros defendem que, no Brasil, todos os celíacos devem evitar aveia.

Caso possível, por que manter a aveia? A adição da aveia não contaminada na dieta sem glúten deixa a dieta mais palatável, com mais nutrientes (fibra solúvel, gordura poliinsaturada, vitaminas do complexo B como a tiamina e ferro), além de mais laxativa.

Sobre medicamentos

Os comprimidos contêm uma quantidade mínima de glúten e não precisam ser evitados.

Sobre os sensores de glúten nos alimentos

Não há evidência que os sensores que detectam glúten nos alimentos melhoram a adesão à dieta ou a qualidade de vida.

Sobre probióticos

Não há evidência suficientes para falar a favor ou contra o uso de probióticos na doença celíaca.

2. Monitorização da resposta

Cerca de 70% dos pacientes terão melhora clínica em 2 semanas. Como regra geral, os sintomas melhoram mais rapidamente que a histologia.

Os pacientes devem ser avaliados também com hemograma, perfil do ferro, vitaminas (B12, A, D, K, E), folato, enzimas hepáticas, cobre e zinco.

Sobre a sorologia

Dependendo das concentrações pré-tratamento, os valores dos anticorpos tendem a se normalizar dentro de 3 a 12 meses.

A sorologia deve ser realizada de 6 a 12 meses após o início da dieta sem glúten. Embora a normalização dos títulos dos anticorpos não indique necessariamente a recuperação da mucosa, se eles se mantiverem alto, significa que o paciente continua a ingerir glúten (de forma intencional ou não).

Após a normalização dos anticorpos, estes devem ser dosados anualmente.

Sobre as biópsias duodenais

Nosso objetivo é a cicatrização da mucosa.

Embora a normalização dos anticorpos aumente a probabilidade de cicatrização da mucosa, essa correlação não é suficiente, devendo-se realizar as biópsias duodenais para checarmos a cicatrização da mucosa.

O American College of Gastroenterology recomenda em seu guideline que as biópsias devem ser realizadas após 2 anos de início da dieta sem glúten. No Brasil, é comum lermos nos livros-texto o controle endoscópico com 12 meses.

Em uma parte dos pacientes, a mucosa não cicatrizará, apesar da sorologia negativa e da ausência de sintomas. A ausência de cicatrização da mucosa está associada a aumento do risco de linfoma e de doença óssea.

Atentar para doença celíaca refratária em pacientes com boa adesão à dieta e que se mantém sintomáticos.

Como os estudos que mostram os supostos benefícios de acompanhar o paciente com biópsias endoscópicas são observacionais e não há estudos randomizados prospectivos avaliando o seguimento com e sem biópsias, a sugestão é que essa decisão (seguir com biópsias) deve ser compartilhada entre o médico e o paciente.

No Brasil, como temos fácil acesso aos exames endoscópicos, é nossa rotina o acompanhamento com biópsias.

Sobre a vacinação

Adultos com doença celíaca tem risco significativamente maior de infecção pneumocócica (pneumonia e sepse). Acredita-se que esse aumento seja devido ao hipoesplenismo, frequentemente subclínico, encontrado aproximadamente em um terço dos pacientes com doença celíaca.

A vacinação contra pneumococo é segura e eficaz e deve ser considerada em pacientes com doença celíaca, em especial em pacientes de 15- 64 anos que não receberam essa vacinação na infância.

Referências

  1. Rubio-Tapia, Alberto MD1; Hill, Ivor D. MD2; Semrad, Carol MD3; Kelly, Ciarán P. MD4; Greer, Katarina B. MD, MS5; Limketkai, Berkeley N. MD, PhD, FACG6; Lebwohl, Benjamin MD, MS7. American College of Gastroenterology Guidelines Update: Diagnosis and Management of Celiac Disease. The American Journal of Gastroenterology 118(1):p 59-76, January 2023. | DOI: 10.14309/ajg.0000000000002075
  2. Ciarán P. Kelly. Diagnosis of Celiac disease in adults. In: J Thomas Lamont (Ed). Up to date. 2024
  3. National Institutes of Health Consensus Development Conference Statement. Celiac Disease 2004. Gastroenterology 2005;128:S1–S9 | DOI: https://doi.org/10.1053/j.gastro.2005.02.007
  4. Collin P, Thorell L, Kaukinen K, Mäki M SO. The safe threshold for gluten contamination in gluten-free products. Can trace amounts be accepted in the treatment of coeliac disease? Aliment Pharmacol Ther. 2004;19(12):1277 -83. DOI: 10.1111/j.1365-2036.2004.01961.x.
  5. Zaterka, S , Passos MCF, Chinzon D. Tratado de gastroenterologia: da graduação à pós-graduação – 3a edição. Rio de Janeiro: Atheneu, 2023.

Como citar este artigo

Arraes L. Para além da dieta sem glúten: como acompanhar seu paciente celíaco Gastropedia 2024, vol 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/para-alem-da-dieta-sem-gluten-como-acompanhar-seu-paciente-celiaco




Como Diagnosticar Corretamente a Doença Celíaca?

A doença celíaca (DC) é definida como uma resposta imunomediada e permanente ao glúten, proteína presente no trigo, na cevada e no centeio. Trata-se de uma doença caracterizada por inflamação na mucosa do intestino delgado, com atrofia vilositária e hiperplasia de criptas, que ocorre pela exposição da mucosa ao glúten e melhora após a retirada desta proteína da dieta (saiba mais sobre a patogênese da doença celíaca nesse post: patogenese da doenca celiaca). Apresenta um amplo espectro de manifestações clínicas e o diagnóstico é feito através de testes sorológicos e biópsias duodenais por endoscopia digestiva alta (EDA).

Quem deve ser testado?

  • O rastreamento populacional para indivíduos assintomáticos não é recomendado;
  • O rastreamento em indivíduos assintomáticos que tenham parente de primeiro grau confirmado deve ser considerado;
  • Pacientes com sintomas gastrointestinais sugestivos, quais sejam:

    • Alteração do hábito intestinal como diarreia crônica ou constipação;
    • Síndrome de má-absorção;
    • Perda de peso inexplicável;
    • Dor abdominal;
    • Distensão ou bloating;
    • Dispepsia refratária;
    • Síndrome do intestino irritável;
    • Intolerância a lactose refratária.

  • Pacientes com sintomas extra-intestinais sugestivos, quais sejam:

    • Anemia por deficiência de ferro, folato ou vitamina B12;
    • Alteração de enzimas hepáticas;
    • Dermatite herpetiforme;
    • Fadiga;
    • Cefaleia recorrente;
    • Perda fetal recorrente;
    • Filhos com baixo peso ao nascer;
    • Infertilidade;
    • Estomatite aftosa persistente;
    • Hipoplasia do esmalte dentário;
    • Doenças ósseas metabólicas e osteoporose precoce;
    • Neuropatia periférica idiopática;
    • Ataxia cerebelar não-hereditária.

Testes diagnósticos

Os testes diagnósticos devem ser realizados enquanto o paciente estiver ingerindo normalmente o glúten na dieta.

A abordagem diagnóstica é baseada no risco do paciente para doença celíaca:

  • Baixa probabilidade

    • Ausência de sinais e sintomas sugestivos de má-absorção, como diarreia crônica/ esteatorreia ou perda de peso;
    • Ausência de história familiar de DC;
    • Descendentes de chineses, japoneses ou da África subsaariana.

  • Alta probabilidade

    • Presença de sintomas altamente sugestivos de DC como diarreia crônica/esteatorreia e perda de peso;
    • Indivíduos que apresentem ambos os achados abaixo:

      • Fatores de risco que os coloquem como moderado a alto risco para DC: parente de primeiro ou segundo grau com DC, DM tipo 1, tireoidite autoimune, síndrome de Down e Turner, hemossiderose pulmonar (risco moderado);
      • Sintomas gastrointestinais ou extra-intestinais sugestivos de DC (descritos acima).

Como testar?

  • Indivíduos com baixa probabilidade: testes sorológicos. O anti-transglutaminase imunoglobulina A (anti-tTG IgA) e o anti-endomísio IgA tem sensibilidade semelhantes. Resultados negativos em qualquer destes testes em indivíduos com baixo risco para DC tem alto valor preditivo negativo e evita a necessidade de biópsias. Já pacientes com testes sorológicos positivos devem ser submetidos a EDA com biópsias duodenais.
  • Indivíduos com alta probabilidade: testes sorológicos e múltiplas biópsias duodenais devem ser realizadas. As biópsias duodenais neste grupo devem ser efetuadas independentemente do resultado dos testes sorológicos.

Sobre os testes sorológicos

  • A sorologia é um componente crucial para diagnóstico de DC;
  • Nenhum teste sorológico é 100% específico para doença celíaca;
  • Anti-tTG IgA é o anticorpo mais solicitado para o diagnóstico em adultos e deve ser realizado com IgA sérica para afastar deficiência de IgA;
  • Pacientes submetidos à EDA para investigação de quadros dispépticos e cujo duodeno foi biopsiado por achados de atrofia devem ser testados com anti-tTG IgA e IgA sérica;
  • Caso o paciente tenha alta probabilidade de DC, EDA com biópsias duodenais devem ser realizadas mesmo com sorologia negativa;
  • Em pacientes com deficiência de IgA, a sorologia com IgG deve ser realizada: comumente anti-gliadina deaminada ou anti-tTG.

Leia mais sobre os testes sorológicos para Doença Celíaca aqui: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/intestino/o-papel-dos-autoanticorpos-no-diagnostico-da-doenca-celiaca/

Sobre biópsias duodenais

  • São necessários 1 a 2 fragmentos do bulbo (posição 9 ou 12 horas) e pelo menos 4 fragmentos da segunda porção duodenal para o correto diagnóstico de DC;
  • A EDA também é importante para diagnóstico diferencial de outras síndromes de má-absorção ou enteropatias;
  • Duodenite linfocítica (> 25 linfócitos/100 células epiteliais) na ausência de atrofia vilositária não é específica para DC e outros diagnósticos devem ser considerados, como: infecção pelo H. Pylori, uso de anti-inflamatórios não hormonais ou outras medicações, supercrescimento bacteriano do intestino delgado, sensibilidade não celíaca ao glúten, outras doenças autoimunes;
  • A análise histopatológica, classificada de acordo com MARSH ou mais recentemente a classificação simplificada de Corazza, é o padrão ouro para o diagnóstico da doença.

Comparação entre as classificações de Marsh e Corazza

Marsh LIE
Marsh/Corazza
Criptas Vilosidades Corazza
Tipo 0 <40 Normal Normal
Tipo 1 >40/>25 Normal Normal Grau A
Tipo 2 >40/>25 Hiperplásica Normal Grau A
Tipo 3 a/b >40/>25 Hiperplásica Atrofia parcial ou subtotal Grau B1
Tipo 3 c >40/>25 Hiperplásica Atrofia total Grau B2
Tipo 4 <40

Normal

Atrofia total
LIE: linfócitos intraepiteliais (por 100 células epiteliais)
Adaptada de:
American College of Gastroenterology Guidelines Update 2023

Diagnóstico

O diagnóstico é feito quando há sorologia positiva com histopatológico das biópsias duodenais mostrando aumento dos linfócitos intraepiteliais com hiperplasia de criptas (Marsh 2) ou, mais comumente, com atrofia vilositária (Marsh 3). Se a sorologia for positiva e as biópsias duodenais classificadas como Marsh 0 ou 1, atentar para anticorpos falso-positivos (normalmente em baixa titulação) ou resultados falso-negativos nas biópsias, devendo-se prosseguir a investigação.

Diagnóstico sem biópsias

  • Em crianças, a combinação de altos níveis de anti-tTG (> 10x LSN) e anti-endomísio positivo (em uma segunda amostra) pode ser considerado para diagnóstico. Em adultos sintomáticos que não podem ou não querem ser submetidos à EDA, esse critério pode ser utilizado para o diagnóstico de DC provável;
  • Em pacientes com dermatite herpetiforme comprovada por biópsias, o diagnóstico de DC pode ser estabelecido somente pela sorologia.

Testes HLA DQ2/DQ8

  • Presente em quase todos os pacientes com DC, não é necessário para o diagnóstico, entretanto é útil para excluí-la pelo seu alto valor preditivo negativo (maior que 99%);
  • Em pacientes com sorologia e histologia divergentes:

    • Se HLA DQ2/DQ8 negativo, DC é descartada;
    • Se HLA DQ2/DQ8 positivo, sorologia positiva e histologia não-compatível: novas biópsias devem ser realizadas após dieta com alto teor de glúten (> 10 gramas/dia, equivalente a 4 fatias de pão/dia por 6 a 12 semanas). Após nova avaliação histológica, se Marsh 0 ou 1 com sorologia positiva, o paciente é considerado com portador de DC potencial;
    • Se HLA DQ2/DQ8 positivo, sorologia negativa, porém paciente com sinais e sintomas sugestivos de DC e histologia compatível: se afastados outros diagnósticos diferenciais e houver melhora clínica e histológica após dieta sem glúten, considerar DC soronegativa (é muito rara).

Referências

  1. Rubio-Tapia, Alberto MD1; Hill, Ivor D. MD2; Semrad, Carol MD3; Kelly, Ciarán P. MD4; Greer, Katarina B. MD, MS5; Limketkai, Berkeley N. MD, PhD, FACG6; Lebwohl, Benjamin MD, MS7. American College of Gastroenterology Guidelines Update: Diagnosis and Management of Celiac Disease. The American Journal of Gastroenterology 118(1):p 59-76, January 2023. | DOI: 10.14309/ajg.0000000000002075
  2. Husby, Steffen et al. AGA Clinical Practice Update on Diagnosis and Monitoring of Celiac Disease—Changing Utility of Serology and Histologic Measures: Expert Review. Gastroenterology, Volume 156, Issue 4, 885 – 889 | DOI: 10.1053/j.gastro.2018.12.010
  3. Ciarán P. Kelly. Diagnosis of Celiac disease in adults. In: J Thomas Lamont (Ed). Up to date. 2024

Como citar este artigo

Arraes L. Como Diagnosticar Corretamente a Doença Celíaca? Gastropedia 2024, vol 1. Disponível em:
gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/como-diagnosticar-corretamente-a-doenca-celiaca/




Check-list para iniciar terapia biológica na DII

Os pacientes com fenótipo de DII (Doença Inflamatória Intestinal) moderada a grave e/ou com fatores de risco para pior prognóstico, uma vez eleitos para terapia avançada com biológicos, devem passar por uma preparação para o início do tratamento com segurança.

Essa etapa passa pela avaliação de 3 pilares:

  • Checar se há contraindicação relativa ou absoluta ao uso de tais medicamentos;
  • Rastreio de infecções ativas ou latentes;
  • Atualização de status vacinal

No que se refere às contraindicações ou sinais de maior atenção ao uso de biológicos, temos:

  • Infecção grave em curso, inclusive abscesso perianal;
  • Tuberculose latente não tratada (deve se aguardar um período do início do tratamento para iniciar o biológico, preferencialmente um não anti-TNF);
  • ICC descompensada ou fração de ejeção de VE ≤ 35% (contraindicação absoluta a anti-TNF);
  • História de reação infusional grave prévia a biológicos;
  • Esclerose múltiplas ou outras doenças desmielinizantes; neurite óptica; linfoma prévio (nessas condições o anti-TNF tem contraindicação absoluta, os demais pesar risco x benefício);
  • Malignidade corrente;
  • Doença hepática descompensada (cirrose Child B ou C);
  • Infecção crônica não tratada pelo vírus da hepatite B;
  • Infecção pelo HIV não controlada;
  • História de melanoma (contraindicação absoluta a anti-TNF) ou displasia de colo uterino recorrente (contraindicação relativa a anti-TNF)

O próximo passo é a realização do rastreio infeccioso, que inclui:

  • Radiografia de tórax;
  • PPD e/ou IGRA (teste de liberação de interferon gama);
  • Sorologias para hepatites B, C e HIV (considerar também adicionar rastreio de sarampo, CMV, varicela zoster e Epstein-Barr – atentar que a infecção primária por EBV em paciente imunossuprimidos aumenta risco de doenças linfoproliferativas, nesse cenário deve se ter cautela ao prescrever tiopurinas associadas);
  • Na presença de diarreia, excluir presença de Clostridium difficile como agente mimetizador;
  • Na população feminina, também é recomendável colpocitologia para screening de infecção por HPV.

O rastreio de TB latente deve ser renovado anualmente enquanto o paciente estiver em uso do biológico, especialmente se for da classe anti-TNF, pois sabemos o quanto o TNF-alfa é primordial para a estabilidade do granuloma.

Em caso de pacientes com PPD ≥ 5mm, ou IGRA + ou sequelas na radiografia de tórax sugestivas, primeiro deve-se iniciar o tratamento da TB latente e somente iniciar o biológico após 30 dias do começo do tratamento.

Pacientes com HBsAg + ou com anti-HBc + isolado devem receber terapia antiviral durante o uso de biológicos ou imunossupressores orais. No primeiro caso, o tempo de tratamento será guiado pela doença hepática. No segundo caso (infecção oculta), por pelo menos 6 meses após o término do tratamento (se for o caso).

Status vacinal

Em se tratando de esquema vacinal, as vacinas inativadas são extremamente seguras e indicadas para todos os pacientes com DII, e idealmente devem ser administradas pelo menos 2 semanas antes do biológico, para não comprometer a resposta vacinal. Já as vacinas atenuadas são contraindicadas aos paciente que já estão em uso de imunossupressores ou biológicos, ou que estão planejando iniciar tais medicações nas próximas 4 a 6 semanas. Somente poderão usar vacinas atenuadas após 3 meses de suspensão de tais medicações (se for o caso).

As vacinas inativadas a serem consideradas em pacientes com DII são: Influenza, Pneumocócica, Tétano/Difteria (Dupla Adulta), Meningococo, Hepatite A, Hepatite B (inclusive podendo-se fazer 4 doses dobradas almejando anti-HBs >10), HPV, COVID-19. Recentemente, também foi lançada a vacina de herpes-zoster inativada recombinante, possibilitando o uso aos paciente em imunossupressão ou em planejamento de iniciar biológicos, diferente da vacina até então disponível que era de vírus atenuado.

Reforçando, as vacinas atenuadas que não devem ser feitas no cenário de pacientes imunossuprimidos são: tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola), varicela, febre amarela e a versão mais antiga da vacina de herpes zoster composta de vírus vivo atenuado.

Referências:

  1. T. Kucharzik et al. ECCO Guidelines on the Prevention, Diagnosis, and Management of Infections in Inflammatory Bowel Disease. Journal of Crohn’s and Colitis, 2021, 879–913
  2. Chebli JMF et al. Preparing Patients With Inflammatory Bowel Diseases For Biological Therapies In Clinical Practice. Journal of Gastroenterology and Hepatology Research 2018; 7(2): 2535-2554
  3. Beaugerie et al. Predicting, Preventing, and Managing Treatment-Related Complications in Patients With Inflammatory Bowel Diseases. Clinical Gastroenterology and Hepatology 2020;18:1324–1335
  4. S. Riestra et al. Recommendations of the Spanish Working Group on Crohn’s Disease and Ulcerative Colitis (GETECCU) on screening and treatment of tuberculosis infection in patients with inflammatory bowel disease. Gastroenterología y Hepatología 44 2021 51—66
  5. R. Ferreiro-Iglesias et al. Recommendations of the Spanish Group on Crohn’s Disease and Ulcerative Colitis on the importance, screening and vaccination in inflammatory bowel disease patients. Gastroenterología y Hepatología 45 (2022) 805—818

Como citar este artigo

Vilela PBM, Check-list para iniciar terapia biológica na DII Gastropedia 2023, Vol 2. Disponível em: gastropedia.pub/pt/sem-categoria/check-list-para-iniciar-terapia-biologica-na-dii/




Doença diverticular do cólon: epidemiologia e fisiopatologia

 

1. INTRODUÇÃO

A doença diverticular do cólon é uma patologia onde pequenos sacos são formados por uma protrusão geralmente no ponto de penetração da artéria nutriente (vasa recta) que irriga a mucosa e a submucosa. É uma doença crônica com um amplo espetro de sintomas abdominais que eventualmente podem agudizar.

A doença diverticular do colón afeta mais da metade dos indivíduos acima dos 60 anos de idade. No entanto, apenas 20% dos doentes desenvolvem sintomas desta condição.

Existe amplo espectro de apresentações clínicas dos divertículos de cólon. O detalhamento do quadro clínico será discutido em outro artigo. Neste artigo, focaremos na fisiopatologia da doença diverticular e de suas complicações. No entanto, é importante entender a diferença de nomenclaturas utilizadas para descrever cada condição. Resumidamente:

  • Diverticulose ou Doença diverticular assintomática: é a simples presença de divertículos no cólon. Pode ser assintomática ou sintomática. A maioria das pessoas com divertículos do cólon permanece assintomática. Sintomas atribuídos a diverticulose aparecem em cerca de 25-30% dos indivíduos. Alguns autores reservam o termo doença diverticular apenas para a diverticulose sintomática, embora no nosso meio esses termos sejam usados como sinônimos.
  • Doença diverticular sintomática pode variar conforme sua apresentação clínica, desde a Doença diverticular sintomática não complicada, que tipicamente manifesta-se por dor abdominal localizada, sensação de gases e alterações do habito intestinal, até a Doença diverticular complicada, como a diverticulite aguda e a hemorragia diverticular.

2. EPIDEMIOLOGIA

A doença diverticular é uma das desordens gastrointestinais mais comuns nos países ocidentais, e acredita-se que sua incidência tenda a aumentar, sendo proporcional com o envelhecimento da população. A diverticulose do cólon é o achado mais comum na colonoscopia.

A distribuição destes divertículos varia com a raça, mas não com o sexo.

No ocidente, 80-90% situam-se no cólon esquerdo. Na população asiática a diverticulose predomina no cólon direito (80%). Frequência de diverticulose a direita tem aumentado no ocidente ultimamente.

A prevalência da diverticulose é menor que 20% na população com menos de 40 anos, comparado com cerca de 60% nos indivíduos com mais de 70 anos de idade.

A diverticulose geralmente cursa sem sintomas ao longo da vida. A diverticulite aguda ocorre em menos de 5% dos doentes com diverticulose e destes, 20% terão diverticulite complicada.

Depois da recuperação do primeiro episódio, 15 a 20% podem apresentar recorrência.

3. FISIOPATOLOGIA

O mecanismo fisiopatológico envolvido na doença diverticular é complexo e não está completamente compreendido. A diverticulose parece estar ligada à formação de divertículos através de altas pressões na mucosa do cólon em locais de fraqueza onde arteríolas penetram a camada muscular circular para fornecer nutrientes à mucosa. Estas arteríolas advêm de colaterais das artérias mesentérica superior e inferior através da arcada de Riolan, da artéria marginal de Drummond e uma série de outras arcadas. As arcadas terminais por fim penetram a camada muscular pela vasa recta para formar o plexo submucoso. Assim, contrações de elevada amplitude associadas a obstipação e elevado conteúdo de gordura nas fezes no lúmen do cólon sigmóide resultam na criação destes divertículos. Os divertículos ocorrem mais frequentemente no cólon sigmoide estando relacionados a pressão e o tipo de conteúdo intraluminal.

Divertículo falso ou verdadeiro? Na população ocidental, os divertículos são causados por inversão das camadas mucosa e submucosa, mas não da camada muscular, portanto, são denominados falsos divertículos ou pseudodivertículos. Na população oriental, a inversão pode envolver todas as camadas da parede do cólon e esses divertículos são, portanto, referidos como divertículos “verdadeiros”.

Existem três fatores principais envolvidos na fisiopatologia da doença diverticular:

  • Alterações da parede do cólon
  • aumento da pressão intracólica (dismotilidade) 
  • Dieta pobre em fibras (fezes endurecidas)

3.1 Alterações na parede:

Existe um espessamento atribuído à deposição de elastina entre as células musculares na taenea, verificando-se um aumento da síntese de colégeno tipo III. Isso leva a um encurtamento das tênias colônicas com espessamento da camada muscular circular e redução do calibre do órgão, processo conhecido como myochosis coli. Verifica-se uma expressão acentuada do inibidor tecidual de metaloproteinases, que regula a deposição de proteínas na matrix extracelular, o que poderá levar ao aumento da elastina e colágeno. Estes achados parecem estar em harmonia com a incidência mais alta da diverticulose nas doenças do tecido conjuntivo.

  • diversos autores referem espessamento da camada muscular como fator que precede o divertículo, pois esta hipertrofia causaria aumento da pressão intracolônica e aumento do número de ondas motoras.

3.2 Distúrbios da motilidade do cólon:

  • Segundo Painter (TEORIA DA SEGMENTAÇÃO NÃO-PROPULSIVA) (Painter NS, et al. Gastroenterology. 1965), o cólon atua em segmentos separados em vez de funcionar como um tubo contínuo. Havendo progressão desta segmentação, as pressões altas são direcionadas à parede do cólon em vez de desenvolver ondas de propulsão para mover o conteúdo intestinal distalmente.
  • Postulou a teoria da segmentação cólica onde a contração da musculatura lisa em sintonia com as pregas semilunares da mucosa levaria ao aparecimento de múltiplas câmaras (que corresponderiam às haustrações) onde a pressão estaria aumentada favorecendo a pulsão da mucosa contra os pontos de fraqueza na parede cólica na entrada dos vasos retos levando então ao aparecimento dos divertículos.
  • A atividade mioelétrica também parece estar alterada na doença. Foi demonstrado em diversos estudos mais atuais que na doença diverticular existem menos células de Cajal e células gliais e uma variabilidade na expressão de certos neuropeptídeos
  • Alterações da motilidade cólica resultam em aumento das pressões de repouso no cólon de indivíduos com doença diverticular.
  • O cólon sigmoide por ter a maior pressão no cólon e ser o segmento mais estreito é o mais acometido.
  • A observação de pressões elevadas de repouso e induzidas no cólon direito de pacientes asiáticos com divertículos proximais também foi publicada, sugerindo que a dismotilidade proximal também exerce papel na origem de divertículos do cólon direito.

3.3 Dieta:

  • A grande variação na prevalência dessa afecção, bem como sua estreita correlação com a dieta ocidental sugerem a existência de um fator etiológico presente na dieta.
  • Painter e Burkitt (Painter NS and Burkitt DP. Brit Medical.1971) observaram em mais de 1.200 habitantes do Reino Unido e de Uganda que os primeiros, ingerindo dieta ocidental pobre em fibra e refinada (massa fecal diária de aproximadamente 110 gramas), exibiam tempo de trânsito intestinal menor do que os africanos que se alimentavam de dieta rica em fibras e tinham massa fecal avaliada em aproximadamente 450 gramas por dia. Postulou-se que tempos de trânsito intestinal prolongado com fezes pouco volumosas resultantes de dieta pobre em fibras levariam a significativo aumento das pressão intraluminal e predisporiam à formação de divertículos.
  • No entanto, quando olhamos para uma população inteiramente ocidental, tais diferenças na composição da dieta e na duração do tempo de trânsito não foram elucidativas. Tampouco estudos de intervenção estão disponíveis para comprovar a evidência epidemiológica.
A principal hipótese para a diverticulose envolve anormalidades neuromusculares, com alteração na composição do colágeno, no sistema neuronal entérico, num cenário de aumento da pressão intraluminal.
A doença diverticular sintomática não complicada pode se instalar num contexto de alteração da microbiota, levando a um processo inflamatório crônico e insidioso, com liberação de mediadores inflamatórios e hipersensibilidade visceral.

4. Fisiopatologia das complicações da doença diverticular

4.1 Fisiopatologia da Diverticulite Aguda

A causa subjacente da diverticulite é a perfuração micro ou macroscópica de um divertículo. Os mecanismos que levam a essa perfuração não são bem elucidados e provavelmente a causa é multifatorial. Anteriormente, acreditava-se que a obstrução dos divertículos (por exemplo, por fecalitos) aumentava a pressão intradiverticular e causava perfuração. No entanto, essa obstrução nem sempre está presente.

Acredita-se que o processo seja multifatorial:

  • Alteração do microbiota levando a disfunção da barreira mucosa
  • Inflamação crônica local
  • Trauma local com erosão da parede diverticular por aumento da pressão intraluminal e fecalitos
  • Seguem inflamação e necrose focal, resultando em perfuração

Recentemente, descobriu-se que também existe uma inflamação de baixo grau contínua no segmento de cólon acometido. Esta inflamação leva a hipertrofia muscular e ao remodelamentodos nervos entéricos levando a hipersensibilidade visceral e alteração da motilidade. Estas mudanças podem ser a razão da dor abdominal recorrente e distúrbios gastrointestinais posteriormente a um episódio de diverticulite.

Outro fator que também parece ter algum papel na fisiopatologia é a microbiota intestinal. Em diversos estudos, na diverticulite a diversidade de Proteobacteria foi maior em relação ao controle. Também apresenta um maior número de macrófagos e uma depleção de Clostridium cluster IV. Na diverticulose sintomática, parece estarem reduzidos o Clostridium cluster IX, Fusobacterium, e Lactobacillaceae, comparados com as pessoas com diverticulose sem sintomas.

Alterações da microbiota, perda da função de barreira, inflamação e trauma causado por fecalito são os principais mecanismos propostos para a diverticulite aguda.

Confira esse artigo: Tratamento da Diverticulite Aguda

4.2 Fisiopatologia do sangramento diverticular

Com relação à FISIOPATOLOGIA DO SANGRAMENTO DIVERTICULAR, após a herniação diverticular no ponto de fraqueza dos vasos, a vasa recta fica mais exposta ao conteúdo colônico, levando a espessamento da camada íntima e adelgaçamento da camada média, que predispõe a ruptura para o lumen.

O sangramento diverticular ocorre em locais com assimetria de vasos perfurantes que encontram-se com calibre aumentado. Obesidade, hipertensão arterial e trauma luminal são considerados fatores de risco para o sangramento diverticular

Confira esse artigo: Hemorragia Diverticular: quadro clínico e tratamento

5. Fatores de risco

Diversos fatores de risco já foram correlacionados com a doença diverticular, incluindo ingesta de carne vermelha, dieta pobre em fibras, sedentarismo, IMC > 25 Kg/m2 e tabagismo. TODOS OS GUIDELINES COLOCAM A OBESIDADE, DIETA POBRE EM FIBRAS E SEDENTARISMO COMO FATORES DE RISCO PARA DOENÇA DIVERTICULAR.

 

REFERÊNCIAS

Tursi A, Scarpignato C, Strate LL, Lanas A, Kruis W, Lahat A, Danese S. Colonic diverticular disease. Nat Rev Dis Primers. 2020 Mar 26;6(1):20. doi: 10.1038/s41572-020-0153-5. PMID: 32218442

Como citar esse artigo

Martins BC. Doença diverticular do cólon: epidemiologia e fisiopatologia. Em Gastropedia 2023, vol 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/doenca-diverticular-do-colon-epidemiologia-e-fisiopatologia




O papel dos autoanticorpos no diagnóstico da doença celíaca

Já é bastante sabido que a sorologia é uma importante arma no diagnóstico da Doença Celíaca (DC), mas a melhor forma de utilizá-la ainda é uma dúvida bastante recorrente na rotina ambulatorial.

É preciso avaliar bem cada paciente antes de definir a melhor estratégia. Nos pacientes com baixa probabilidade de DC, por exemplo, não é recomendado combinar diversos autoanticorpos. Apesar desta conduta aumentar a sensibilidade, ela diminui a especificidade para o diagnóstico e, por esta razão, não é uma boa opção neste grupo de pacientes.

Por outro lado, quando estamos diante de um paciente com alta probabilidade da doença, mesmo se os autoanticorpos forem negativos, deve-se seguir a investigação com a realização de biópsias duodenais.

Se você ainda não conhece a fisiopatologia da Doença Celíaca, vale a pena conferir esse post (clique aqui) antes de estudar os autoanticorpos relacionados.

Autoanticorpos na Doença Celíaca

Antígeno Anticorpo Sensibilidade % Especificidade %
Gliadina IgA
IgG
85 (57-100)
80 (42-100)
90 (47-94)
80 (50-94)
Endomísio IgA
IgG
95 (86-100)
80 (70-90)
99 (97-100)
97 (95-100)
Transglutaminase tecidual IgA
IgG
98 (78-100)
70 (45-95)
98 (90-100)
95 (94-100)
Gliadina Deaminada IgA
IgG
88 (74-100)
80 (70-95)
90 (80-95)
98 (95-100)
Tabela 1: sensibilidade e especificidade dos autoanticorpos para o diagnóstico de DC.

O anticorpo antigliadina foi usado por décadas no diagnóstico de DC, mas tem sua utilidade bastante limitada atualmente devido sua baixa performance quando comparada aos outros testes disponíveis.

A antitransglutaminase tecidual IgA (anti-tTG IgA) é o autoanticorpo de primeira linha por ser o de maior sensibilidade e estar amplamente disponível. Quanto maior o seu título, maior a chance de DC e maior a lesão duodenal. Títulos maiores que 5 vezes o limite superior da normalidade (LSN) têm um alto valor preditivo positivo.

Devido à possível associação da doença celíaca com a deficiência de IgA, a coleta da anti-tTG IgA deve ser realizada preferencialmente associada à dosagem de IgA total (especialmente nos pacientes com alta probabilidade da doença). Outra opção é associar a pesquisa de um autoanticorpo da classe IgG.

A antigliadina deaminada ou desaminada é um autoanticorpo contra a gliadina que entrou em contato com a enzima transglutaminase tecidual e sofreu o processo de desaminação (liberação do seu grupo amina). A associação da anti-tTG IgA à antigliadina deaminada IgG tem mostrado a melhor performance (sensibilidade e especificidade) para o diagnóstico da DC, mas a pesquisa deste autoanticorpo é mais cara e pouco disponível em nosso meio atualmente. Desta forma, uma boa opção, é a associação com a antitransglutaminase IgG, por exemplo.

O anticorpo antiendomísio IgA é o anticorpo com melhor especificidade (aproximadamente 100%) e por isso tem um importante papel de confirmação diagnóstica (especialmente nos pacientes com anti-tTG IgA com títulos menores que 2 vezes o LSN).

Performance dos testes sorológicos

A performance dos testes sorológicos na prática clínica é pior que em muitos dos grandes trials, pois geralmente os estudos são realizados em população com alta prevalência de DC. Além disso, também é importante lembrar que a performance dependem da manutenção da dieta com glúten. Cerca de 80% dos pacientes negativam os auto-anticorpos em 6 a 12 meses e mais de 90% em 5 anos. Pacientes fracamente positivos podem negativar seus autoanticorpos em poucas semanas de dieta. É pouco frequente que esses autoanticorpos não se normalizem a longo prazo com a dieta sem glúten. Se isso acontecer, é preciso descartar que o consumo de glúten não esteja acontecendo de forma inconsciente.

Na última década , estão sendo realizados muitos estudos com POCTs (point-of-care tests). São testes rápidos que podem ser usados tanto no setor de endoscopia quanto no consultório. Uma metanálise publicada em 2019, encontrou sensibilidade e especificidade de 94 e 94,4% respectivamente, levando em consideração a histologia como gold standard. Apesar desses resultados mostrando alta sensibilidade e especificidade, devido à grande variedade dos trabalhos realizados e resultados conflitantes, ainda se sugere mais estudos antes de usá-los na prática clínica. Por enquanto, o uso dos POCTs ainda deve ficar reservado para locais com acesso limitado a laboratórios.

Também estão sendo realizados estudos com pesquisa de autoanticorpos na saliva para rastreamento em crianças com suspeita de DC. Apesar dos resultados serem favoráveis, mostrando uma opção não invasiva, barata e reprodutível, as evidências até o momento ainda não são suficientes para recomendar o seu uso.

Já a detecção de autoanticorpos nas fezes não parece ser útil no rastreamento da doença, com trabalho mostrando sensibilidade de apenas 10%.

Visto que os autoanticorpos na DC são produzidos no próprio intestino delgado, estão sendo realizados trabalhos com pesquisa de autoanticorpos no sobrenadante da biópsia duodenal. Essa pesquisa parece ter sua importância principalmente no diagnóstico de pacientes em fases iniciais da doença, quando os autoanticorpos séricos ainda podem estar negativos. Mas ainda são necessários mais estudos para confirmar seu papel na prática clínica.

Conclusão

Os autoanticorpos são exames de extrema relevância para o diagnóstico da DC. Porém, não há um algoritmo único para a definição de qual autoanticorpo solicitar. Além de conhecer a sensibilidade e especificidade de cada um deles, é preciso avaliar a probabilidade pré-teste da doença em cada paciente e a acessibilidade aos diferentes exames disponíveis para, assim, definir a melhor estratégia.

Referências

  1. Green P, Stavropoulos S, Panagi SG, Goldstein S. Characteristics of adult celiac disease in the USA: results of a national survey. Am J Gastroenterol 2001;96:126– 131.
  2. Sanders DS. Changing face of adult coeliac disease: experience of a single university hospital in South Yorkshire. Postgrad Med J 2002;78(915):31–33.
  3. Al-Toma A , Volta U, Auricchio R, Castillejo G, Sanders D, Cellier C, Mulder C, Lundin K. European Society for the Study of Coeliac Disease (ESsCD) guideline for coeliac disease and other gluten-related disorders. United European Gastroenterol J . 2019;7(5):583-613.
  4. Singh P, Arora A, Strand T, Leffler D, Mäki M, Kelly C, Ahuja V, Makharia G. Diagnostic Accuracy of Point of Care Tests for Diagnosing Celiac Disease: A Systematic Review and Meta-Analysis. J Clin Gastroenterol 2019;53(7):535-542.
  5. De Leo L, Bramuzzo M, Ziberna F, Villanacci V, Martelossi S, Di Leo G, Zanchi C, Giudici F, Pandullo M, Riznik P, Di Mascio A, Ventura A, Not T. Diagnostic accuracy and applicability of intestinal auto-antibodies in the wide clinical spectrum of coeliac disease. EBioMedicine . 2020 Jan;51:102567

Como citar este artigo

Vilela E. O papel dos autoanticorpos no diagnóstico da doença celíaca. Gastropedia 2023, Vol 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/o-papel-dos-autoanticorpos-no-diagnostico-da-doenca-celiaca




Patogênese da Doença Celíaca

A doença celíaca é uma doença autoimune causada por uma resposta imunológica anormal aos peptídeos do glúten no intestino delgado superior. É importante entender sua fisiopatologia para saber interpretar os exames sorológicos que auxiliam no diagnóstico da doença celíaca.

O glúten é uma proteina encontrado no trigo, cevada e centeio. No intestino delgado, o glúten é digerido e se decompõe em gliadina.

Glúten (derivado do Latin gluten = cola) é uma proteína amorfa composta pela mistura de cadeias protéicas longas de gliadina e glutenina.

Na doença celíaca, a gliadina consegue atravessar a barreira epitelial no intestino delgado e chegar à lamina própria subjacente. A causa da permeabilidade da gliadina epitelial é incerta, mas pode ser devido a um processo patológico subjacente (por exemplo, infecção) ou alterações nas junções intercelulares (tight junctions).

A Doença Celíaca (DC) resulta da interação do gluten com fatores imunes, genéticos e ambientais.

Resposta imunológica na mucosa

Quando a gliadina entra em contato com a lamina própria, ela é desaminada pela transglutaminase tecidual (TTG). A gliadina desaminada então reage com os receptores HLA-DQ2 ou HLA-DQ8 nas células apresentadoras de antígenos que estimulam a ativação de células T e B, levando à liberação de citocinas, produção de anticorpos e infiltração de linfócitos. Com o tempo, a inflamação causa atrofia vilosa, hiperplasia de criptas nas células epiteliais e linfocitose intraepitelial.

Patogênese da doença celíaca: O glúten é digerido por enzimas luminais e da borda em escova em aminoácidos e peptídeos. Os peptídeos de gliadina induzem mudanças no epitélio por meio do sistema imunológico inato e, na lâmina própria, por meio do sistema imunológico adaptativo. No epitélio, a gliadina danifica as células epiteliais, resultando em aumento da expressão de interleucina-15, que, por sua vez, ativa os linfócitos intraepiteliais. Esses linfócitos se tornam citotóxicos e matam os enterócitos que expressam a proteína de estresse MIC-A em sua superfície. Durante infecções ou como resultado de alterações de permeabilidade, a gliadina entra na lâmina própria, onde é desaminada pela transglutaminase tecidual, permitindo a interação com HLA-DQ2 (ou HLA-DQ8) na superfície de células apresentadoras de antígenos. A gliadina é apresentada aos linfócitos T CD4+ reativos à gliadina por meio de um receptor de célula T, resultando na produção de citocinas que causam danos aos tecidos. Isso leva à atrofia vilosa e hiperplasia de criptas, bem como à ativação e expansão de células B que produzem anticorpos. Figura CCBY4.0 de Kaminarskaya YuА. Celiac disease, wheat allergy, and nonceliac sensitivity to gluten: topical issues of the pathogenesis and diagnosis of gluten-associated diseases. Clinical nutrition and metabolism. 2021;2(3):113–124.

Fatores Genéticos

A ocorrência familiar da doença celíaca sugere que existe uma influência genética na sua patogênese. A doença celíaca não se desenvolve a menos que uma pessoa tenha alelos que codificam para as proteínas HLA-DQ2 ou HLA-DQ8, produtos de dois dos genes HLA.

No entanto, muitas pessoas, a maioria das quais não tem doença celíaca, carregam esses alelos; portanto, sua presença é necessária, mas não suficiente para o desenvolvimento da doença.

Estudos em irmãos e gêmeos idênticos sugerem que a contribuição dos genes HLA para o componente genético da doença celíaca é inferior a 50%.14 Vários genes não HLA que podem influenciar a suscetibilidade à doença foram identificados, mas sua influência não foi confirmada.

Fatores ambientais

Estudos epidemiológicos sugeriram que Fatores ambientais que têm um papel importante no desenvolvimento da doença celíaca . Estes incluem um efeito protetor da amamentação e a introdução de glúten em relação ao desmame. A administração inicial de glúten antes dos 4 meses de idade está associada a um aumento do risco de desenvolvimento da doença, e a introdução de glúten após os 7 meses está associada a um risco marginal. No entanto, a sobreposição da introdução de glúten com a amamentação pode ser um fator protetor mais importante na minimização do risco de doença celíaca.

A ocorrência de certas infecções gastrointestinais, como a infecção por rotavírus, também aumenta o risco de doença celíaca na infância.

Agora entenda como a pesquisa dos autoanticorpos pode ajudar no diagnóstico da doença celíaca: O papel dos autoanticorpos no diagnóstico da doença celíaca

Referências

  1. Green PH, Cellier C. Celiac disease. N Engl J Med. 2007 Oct 25;357(17):1731-43. doi: 10.1056/NEJMra071600. PMID: 17960014.
  2. Kaminarskaya YuА. Celiac disease, wheat allergy, and nonceliac sensitivity to gluten: topical issues of the pathogenesis and diagnosis of gluten-associated diseases. Clinical nutrition and metabolism. 2021;2(3):113–124.

Como Citar esse artigo

Martins BC. Patogênese da Doença Celíaca. Gastropedia, 2023, vol I. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/intestino/patogenese-da-doenca-celiaca




Qual o tratamento atual da colite por Clostridioide difficile em adultos?

A infecção pelo Clostridioide difficile (antigo Clostridium difficile) é uma importante causa de diarreia associada ao uso de antibióticos. Praticamente qualquer antibiótico pode provocar esse distúrbio, mas a clindamicina, as penicilinas (como a ampicilina e a amoxicilina), as cefalosporinas (como a ceftriaxona) e as fluoroquinolonas (como o levofloxacino e ciprofloxacino) estão mais frequentemente envolvidas. 

O tratamento da colite pelo Clostridioide difficile ainda é um desafio na prática clínica. A primeira conduta a se adotar é a interrupção do antibiótico causador da colite.

Inicialmente alguns conceitos precisam estar bem definidos, tais como:

  • Colite grave: quando leucócitos > 15000, creatinina > 1,5 ou temperatura > 38,5°.
  • Colite fulminante: presença de hipotensão ou choque, íleo paralítico ou megacólon tóxico.

As recomendações atuais são:

Primeiro episódio não grave

– Vancomicina VO 125mg 6/6h 10 dias ou
– Fidaxomicina 200mg VO 12/12h 10 dias 
– Na indisponibilidade: Metronidazol 500mg VO 8/8h 10-14 dias

Primeira recorrência não grave

– Vancomicina desmame lento (125mg 6/6h 10-14 dias, 12/12h por 7 dias, 1 x dia por 7 dias e a cada 2-3 dias por 2-8 semanas) ou
– Fidaxomicina 200mg VO 12/12h 10 dias (caso tenha usado vanco) ou
– Vancomicina dose convencional + bezlotoxumabe (10mg/kg IV dose única se: segundo episódio de colite ocorre dentro de 6 meses do episódio inicial e >65 anos e/ou imunodeprimidos)
Segunda recorrência não grave – Transplante de microbiota fecal ou 
– Fidaxomicina pulsado (200mg 12/2h 5 dias e depois 200mg em dias alternados por 20 dias) ou 
– Vancomicina desmame lento ou 
– Fidaxomicina dose convencional ou vancomicina dose convencional + beztoloxumabe 
Primeiro episódio grave – Fidaxomicina ou vancomicina 
– Considerar associar beztoloxumabe se paciente de alto risco (segundo episódio de colite ocorre dentro de 6 meses do episódio inicial, >65 anos e/ou imunossuprimidos)

Colite fulminante

– Vancomicina 500mg VO 6/6h + Metronidazol 500mg 8/8h EV podendo associar com Vancomicina retal (500mg em 100ml de solução salina retal por 6 horas) se presença de íleo paralítico
– Considerar a tigeciclina (100mg IV ataque e 50mg 12/12h)

O que temos observado recentemente é a incorporação da fidaxomicina como primeira linha em casos leves ou graves e o papel do beztoloxumabe (anticorpo monoclonal) na prevenção de recorrência.

O transplante de microbiota fecal desempenha uma importante estratégia na segunda recorrência, mas em casos complicados ainda há dúvidas.

Atualmente ainda não dispomos da fidaxomicina nem do beztoloxumabe no Brasil.

Referência bibliográfica

  1. J Antimicrob Chemother. 2022, Dec 23;78(1):21-30
  2. Clin Microbiol Infect. 2021 Dec;27 Suppl 2:S1-S21

Como citar este artigo

Carlos A. Qual o tratamento atual da colite por Clostridioide difficile em adultos? Gastropedia vol. 1, 2023. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/sem-categoria/strongqual-o-tratamento-atual-da-colite-por-emclostridioide-difficile-em-em-adultos/




Para quais condições gastrintestinais o probiótico está indicado?

O uso de probióticos tem sido estudado em diversas doenças gastrintestinais. O racional é que nossa microbiota intestinal possui cerca de 40 trilhões de bactérias e estas quando em equilíbrio podem ser responsáveis por uma “up regulação” de genes anti-inflamatórios e uma “down regulação” de genes pro-inflamatórios. 

Ao analisarmos as evidências científicas atuais nos deparamos com uma grande heterogeneidade (metodologia, cepa, dose) dos estudos e com ausência de comparações diretas entre os probióticos testados.

Atualmente a indicação de probióticos com maior nível de evidência é o uso na prevenção e/ou tratamento da diarreia associada a antibióticos.

Indicações com evidência moderada são: tratamento da diarreia aguda infecciosa principalmente em crianças e casos de bolsite leve na retocolite ulcerativa (RCU).

Condições com evidência fraca são: prevenção da colite por Clostridioide difficile, erradicação do Helicobacter pylori, síndrome do intestino irritável, constipação intestinal funcional, doença inflamatória intestinal, doença hepática gordurosa não alcoólica e prevenção de câncer colorretal.


Referências bibliográficas

  1. Penumetcha SS et al.Cureus. 2021 Dec 17;13(12):e20483.
  2. Zhang T et al. Front Cell Infect Microbiol. 2022 Apr 1;12:859967.
  3. Zhang L et al. BMC Geriatr. 2022 Jul 6;22(1):562.
  4. SU GL et al. Gastroenterology. 2020 Aug;159(2):697-705.

Como citar este arquivo

Carlos A., Para quais condições gastrintestinais o probiótico está indicado?. Gastropedia 2022. Disponível em: https://gastropedia/gastroenterologia/intestino/para-quais-condicoes-gastrintestinais-o-probiotico-esta-indicado




Transplante de Microbiota Fecal

O transplante de microbiota fecal (TMF) ou transplante fecal consiste na infusão de fezes de um doador saudável no trato gastrointestinal de um paciente que possua alguma doença relacionada a alteração da flora intestinal.

Os primeiros relatos de TMF são de 1700 anos atrás em que um médico chinês administrava suspensões de fezes humanas por via oral a pacientes com intoxicação alimentar e/ou diarreia grave. Em 2013 foi publicado na New England Journal of Medicine o primeiro estudo bem desenhado sobre o sucesso do TMF em infeções por Clostridium difficile e que a partir daí tem motivado inúmeros outros trabalhos relacionados ao tema.

A indicação formal do TMF atualmente é nas infecções recorrentes por Clostridium difficile com uma taxa de cura de até 90%.

Há estudos em andamento de TMF em outras doenças gastrintestinais (doença inflamatória intestinal, síndrome do intestino irritável) assim como em doenças endócrinas (obesidade, síndrome metabólica), neurológicas (Parkinson, esclerose múltipla), hematológicas (PTI, GVHD) e psiquiátricas (autismo).

Para o bom andamento do TMF é necessário uma equipe multidisciplinar (médico assistente quer seja o clínico, gastroclínico ou geriatra, infectologista e o endoscopista) alinhada e com protocolo bem estabelecido no serviço.

ETAPAS DO PROCEDIMENTO

1. ESCOLHA DO DOADOR

O doador pode ser aparentado ou não. Este deverá passar por um screening infeccioso rigoroso e um questionário quanto a presença de outras doenças que possam inviabilizar a doação.

2. COLETA, PREPARO E ADMINISTRAÇÃO DO MATERIAL

O doador deve chegar no laboratório do dia do procedimento e o tempo ideal entre a coleta das fezes e a infusão do material é de 6 horas. O peso fecal deve ser no mínimo de 50g e o volume total da suspensão é de 100 a 200ml, que será infundido a depender da rota escolhida. Há opção também de congelar o material mas é preferível a utilização de fezes frescas (vide imagem abaixo).

3. ROTA DE ADMINISTRAÇÃO

Segundo os artigos publicados até o momento todas as 5 rotas estudadas apresentam resultados semelhantes. Desta maneira o TMF pode ser realizado por:

  • Endoscopia digestiva alta com sonda nasogástrica/nasoenteral
  • Enteroscopia anterógrada
  • Colonoscopia
  • Retosigmoidoscopia
  • Enema

O que vai determinar a escolha do método será a condição clínica do paciente e experiência do endoscopista. Na via alta é sugerido infundir no intestino delgado até 100ml lentamente através da sonda nasoenteral ou pelo próprio canal de acessório ou por um cateter spray. Na rota baixa sugere-se infundir a maior quantidade possível do material (média de 200ml) no íleo terminal e cólon direito.

4. CUIDADOS PRÉ, PERI E PÓS TMF

O preparo do exame é o jejum adequado e nos casos de a rota escolhida ser baixa pode ser realizado preparo intestinal com solução de manitol ou polietilenoglicol.

Alguns cuidados podem ser tomados, no entanto ainda nada consensual, tais como:

  • Uso de inibidores de bomba de prótons
  • Uso de procinéticos
  • Uso de antidiarreicos (loperamida)

É preconizada a infusão de cerca de 100ml do material fecal de forma lenta quando utilizada a via alta ao passo que quando o TMF é feito por via baixa utilizam volumes pouco maiores (cerca de 200ml).

5. EVENTOS ADVERSOS

Os eventos adversos podem ocorrer em até 30% dos casos sendo geralmente nas primeiras 48 horas pós procedimento e tratados conservadoramente. Os mais comuns são febre, diarreia, cólicas abdominais e eructações. Já foram descritos casos raros de óbito por regurgitação com broncoaspiração do material fecal e perfuração por megacolon tóxico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Até o momento a única indicação do TMF com evidência científica comprovada é nas infecções graves por Clostridium difficile. Por conta do aumento na incidência e morbimortalidade relacionada a infecção pelos C difficile o transplante de microbiota fecal tem sido um boa opção terapêutica nos casos selecionados. No Brasil ainda não há um regimento bem definido para o procedimento e são poucos centros que tem feito o TMF. No entanto com as descobertas recentes da influência da microbiota intestinal na resposta imune, pode ser que no futuro novas indicações surjam e o TMF seja um procedimento largamente utilizado no nosso país.

COMO CITAR ESTE ARTIGO

Carlos A. Transplante de Microbiota Fecal. Gastropedia 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/intestino/transplante-de-microbiota-fecal

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  2. Zhang F, et al. Am J Gastroenterol. 2012 Nov;107(11):1755
  3. Van Nood E, et al. N Engl J Med. 2013 Jan 31;368(5):407-15
  4. Cammarota G, et al. Gut 2017;66:569–580
  5. Mullish BH, et al. Gut 2018;0:1–22
  6. Choi HH, et al. Clin Endosc. 2016 May;49(3):257-65



Tumores neuroendócrinos duodenais

Os tumores neuroendócrinos duodenais envolvem uma grande variedade de lesões e podem estar associados a síndromes clínicas. Envolvem lesões que expressam enolase neurônio específica, sinaptofisina, cromogranina A, além de uma série de outros hormônios.

TNEs DUODENAIS

Correspondem a cerca de 1,8% das lesões neuroendócrinas. São subdivididas em cerca de 5 grupos de acordo com alguns autores: gastrinomas, somatostinomas, TNEs não funcionantes, paragangliomas gangliocíticos e TNEs indiferenciados de alto grau. Alguns autores destacam que tumores ampulares têm comportamentos biológicos diferentes de tumores periampulares.

Mais de 90% das lesões estão localizadas na primeira e na segunda porções duodenais e geralmente têm tamanhos inferiores a 2 cm. Diferente dos TNEs gástricos, que são geralmente múltiplos e indolentes, os TNEs duodenais são normalmente lesões únicas e em cerca de 40-60% dos casos podemos observar metástases linfonodais regionais associadas. A multiplicidade de lesões duodenais fala a favor de MEN-1.

Outro fato interessante é que cerca de 95% dos TNEs duodenais sintetizam aminas ou peptídeos mas em 90% dos casos, não há uma síndrome funcional associada.

Usualmente a sobrevida em 5 anos dos TNEs duodenais é em torno de 80-95% para doença localizada, 65-75% para doença regional e 20-40% para doença metastática. As lesões bem diferenciadas compreendem a maioria dos casos e cerca de 1-3% das lesões são indiferenciadas (carcinoma neuroendócrino pouco diferenciado).

DIAGNÓSTICO E  ESTADIAMENTO

O diagnóstico dessas lesões é, na maioria das vezes, realizado pela endoscopia digestiva alta com biópsias das lesões e da ecoendoscopia para estadiamento local das lesões.

O critério histológico mínimo para diagnóstico envolve análise convencional com hematoxilina-eosina seguida de estudo imunohistoquímico com marcadores para Cromogranina A, sinaptofisina, contagem de mitoses por 10 campos de grande aumento e índice de Ki67, úteis para classificar as lesões de acordo com a classificação da OMS. Em casos suspeitos de paraganglioma a análise do marcador S-100 na imunohistoquímica é necessária. A análise de DNA está indicada em casos suspeitos de MEN-1.

Além disso exames de imagem como TC, RNM e cintilografia com receptores da somatostatina são úteis para estadiamento loco regional e rastreio de metástases. A ecoendoscopia é útil na avaliação da profundidade das lesões, principalmente no planejamento terapêutico de lesões com tamanho superior a 1 cm.

A dosagem de Cromogranina A é útil para o diagnóstico. Dosagem de gastrina, somatostatina, cortisol, 5-HIAA só têm utilidade na suspeita de uma síndrome funcional.

TRATAMENTO

A decisão terapêutica se baseia no tamanho das lesões, na presença de metástases, no grau de diferenciação, taxas de mitoses e de ki 67. O tratamento endoscópico geralmente está reservado para lesões com tamanho inferior a 1 cm.

Paraganglioma duodenal

Ressecção e clipagem

O tratamento cirúrgico com linfadenectomia está indicado para as lesões maiores que 2 cm ou que sejam ampulares.

Sabe-se que em cerca de 10% dos casosos TNEs duodenais estão associados a síndromes funcionais hormonais. Nessas situações a terapia deve ser direcionada para a síndrome em questão (análogos de somatostatina para síndrome carcinoide, IBP para syndrome de Zollinger-Ellison, adrenalectomia ou tratamento medicamentosos para síndrome de Cushing, etc).

SEGUIMENTO

TNEs duodenais não funcionantes, seguimento com endoscopia, exames de imagem e dosagem de Cromogranina A estão recomendados aos 6, 24 e 36 meses. No caso de ressecções cirúrgicas o seguimento deve ocorrer aos 6 e 12 meses, por pelo menos 3 anos.

Em portadores de doença avançada metastática o protocolo de seguimento dependerá do esquema de tratamento adotado.

Um resumo das orientações de seguimento após a ressecção das lesões encontra-se na Figura 1.

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COMO CITAR ESTE ARTIGO

Cardoso DMM. Tumores neuroendócrinos duodenais. Gastropedia 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/intestino/atualizacao-em-tnes-gastricos-e-duodenais-tudo-o-que-voce-precisa-saber/

REFERÊNCIAS

  • Delle Fave G, Kwekkeboom DJ, van Cutsem E et al. ENETS consensus guidelines for the management ofpatientswith gastroduodenal neoplasms. Neuroendocrinology 2012; 95: 74-87
  • Singh S, Moody L, Chan DL et al. Follow-up recomendations for CompletelyResectedGastroenteropancreaticNeuroendocrineTumors. JAMA Oncol 2018. Published online July 26, 2018.
  • Plökinger U, Rindi G, Arnold R et al. Guidelines for thediagnosisandtreatmentofneuroendocrine gastrointestinal tumors. A consensus statementonbehalfoftheEuropeanNeuroendocrine Tumor Society (ENETS). Neuroendocrinology 2004; 80(6): 394-424.
  • Singh S, Moody L, Chan DL et al. Follow-up recomendations for CompletelyResectedGastroenteropancreaticNeuroendocrineTumors. JAMA Oncol 2018. Published online July 26, 2018.