ECCO 2023 – Algumas reflexões sobre o tratamento cirúrgico da Doença de Crohn

Na primeira semana de março, aconteceu o congresso da European Crohn’s and Colitis Organization, em Copenhague, na Dinamarca. 

A maior parte da programação aborda os aspectos clínicos, pesquisas de base e tratamento clínico da retocolite ulcerativa e doença de Crohn. Mas algumas sessões tiveram foco nos aspectos cirúrgicos do tratamento dessas doenças.

Nesse post, vou falar um pouco sobre a questão da ressecção do mesentério e mesorreto e a anastomose ileocólica na doença de Crohn conforme abordado no congresso. 

Ressecar o mesentério ou não?

Nos últimos 50 anos, o tratamento cirúrgico da doença de Crohn se baseava na premissa de que não era necessário fazer a ressecção do mesentério, como no câncer. Até porque o mesentério, nos pacientes com Crohn, é extremamente espesso e vascularizado, de forma que sua secção aumenta consideravelmente o sangramento intraoperatorio.

Porém, essa conduta passou a ser questionada após uma publicação de Coffey et al. em 2018. Nesse estudo retrospectivo, concluiu-se que a inclusão do mesentério na ressecção ileocólica na doença de Crohn foi associada a redução da recorrência com necessidade de reoperação (p=0,003). Esse estudo também mostrou, nas peças ressecadas, a correlação das áreas de espessamento mesenterial com fat wrapping à doença luminal (p=0,001) e de que o fat wrapping foi fator de risco independente para recorrência com necessidade cirúrgica (p=0,003). 

Mas será que essas conclusões são definitivas? Agora devemos mudar a forma de operar Crohn e não precisamos mais discutir sobre esse assunto?

Olhando mais a fundo no estudo, além da limitação de ser retrospectivo, há duas populações bem diferentes entre si. A primeira, operada de 2004 a 2010, da forma convencional, com a maior parte dos pacientes com doença não fistulizante e não estenosante. A segunda, grupo operado com ressecção do mesentério a partir de 2010, com a maior parte dos pacientes com doença fistulizante ou estenosante. Outro problema do estudo é que não foram apresentados os critérios para indicação de cirurgia para as recidivas. Além disso, na população da cirurgia conservadora, houve uma predominância de margens comprometidas microscopicamente (79% x 16%). Hoje já temos diversos estudos demonstrando que isso aumenta o risco de recorrência cirúrgica na doença de Crohn. 

Os autores atentam para a necessidade de estudos prospectivos randomizados para a confirmação dos resultados e mudança de conduta. Há, no momento, sete estudos randomizados em andamento pelo mundo, sendo dois deles já finalizados, porém ainda sem os resultados.

Há alguns outros aspectos na cirurgia de Crohn que vão contra os achados sobre a ressecção do mesentério, como, por exemplo, as estenoplastias. Nessas técnicas, não há nenhum tipo de ressecção mesenterial e os resultados nas séries publicadas não são ruins.

Outra técnica, bastante comentada recentemente, é a anastomose Kono-S, uma nova forma de fazer anastomose ileocólica que também demonstrou-se reduzir a recorrência pós-operatória. Na descrição da técnica, destaca-se a preservação do meso da área ressecada como uma forma de melhorar a vascularização local e evitar ressecções extensas. 

Mas, então, qual técnica devemos escolher fazer na hora de fazer uma ressecção ileocecal na doença de Crohn?

Numa aula brilhante do francês Prof. Yves Panis, ele conclui que o “cirurgião moderno” pode associar as duas técnicas, como descrito em uma  publicação de 2022 da Cleveland Clinic. Por ora, ainda não temos evidências que suportam a mudança de conduta para assumir alguma das técnicas, mas ambas são seguras reprodutíveis.

Quando mudamos o foco para o reto, por muitos anos se evitou fazer a excisão total do mesorreto (ETM) nos pacientes com Crohn pelo risco de deixar um oco pélvico que pudesse ser fonte de sangramento com formação de hematomas e abscessos. Mas, em 2019, um estudo de Amsterdã comparando pacientes que foram submetidos a proctectomia por Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa com ou sem ETM, mostrou que pacientes com Crohn, e não com retocolite, que tiveram o mesorreto ressecado tiveram menos complicações perineais precoces e tardias e menor tempo para cicatrização do períneo. O estudo mostrou que, apenas nos pacientes com Crohn, o tecido mesorretal, mas não o omental, continha um número aumentado de macrófagos CD14+ produtores de fator de necrose tumoral α, com menos expressão do marcador de cicatrização de feridas CD206. 

Em conclusão:

  • Mesentério e anastomose Kono-S: são necessários mais estudos randomizados para concluirmos se essas técnicas trazem menores índices de recorrência e devem se tornar padrão na cirurgia para a doença de Crohn ileocecal.

  • Mesorreto: a ETM deve ser proposta durante a ressecção abdominoperineal para Doença de Crohn, talvez com exceção de pacientes jovens do sexo feminino com desejo reprodutivo para diminuir aderências pélvicas. Os resultados do estudo de Amsterdã foram convincentes e a técnica não aumenta a morbidade pós-operatória, além de melhorar cicatrização perineal. 

Referências

  1. Coffey CJ, Kiernan MG, Sahebally SM, Jarrar A, Burke JP, Kiely PA, Shen B, Waldron D, Peirce C, Moloney M, Skelly M, Tibbitts P, Hidayat H, Faul PN, Healy V, O’Leary PD, Walsh LG, Dockery P, O’Connell RP, Martin ST, Shanahan F, Fiocchi C, Dunne CP. Inclusion of the Mesentery in Ileocolic Resection for Crohn’s Disease is Associated With Reduced Surgical Recurrence. J Crohns Colitis. 2018 Nov 9;12(10):1139-1150. doi: 10.1093/ecco-jcc/jjx187. PMID: 29309546; PMCID: PMC6225977.
  2. Zhu Y, Qian W, Huang L, Xu Y, Guo Z, Cao L, Gong J, Coffey JC, Shen B, Li Y, Zhu W. Role of Extended Mesenteric Excision in Postoperative Recurrence of Crohn’s Colitis: A Single-Center Study. Clin Transl Gastroenterol. 2021 Oct 1;12(10):e00407. doi: 10.14309/ctg.0000000000000407. PMID: 34597277; PMCID: PMC8483874.
  3. de Buck van Overstraeten A, Vermeire S, Vanbeckevoort D, Rimola J, Ferrante M, Van Assche G, Wolthuis A, D’Hoore A. Modified Side-To-Side Isoperistaltic Strictureplasty over the Ileocaecal Valve: An Alternative to Ileocaecal Resection in Extensive Terminal Ileal Crohn’s Disease. J Crohns Colitis. 2016 Apr;10(4):437-42. doi: 10.1093/ecco-jcc/jjv230. Epub 2015 Dec 16. PMID: 26674959; PMCID: PMC4946765.
  4. Luglio G, Rispo A, Imperatore N, Giglio MC, Amendola A, Tropeano FP, Peltrini R, Castiglione F, De Palma GD, Bucci L. Surgical Prevention of Anastomotic Recurrence by Excluding Mesentery in Crohn’s Disease: The SuPREMe-CD Study – A Randomized Clinical Trial. Ann Surg. 2020 Aug;272(2):210-217. doi: 10.1097/SLA.0000000000003821. PMID: 32675483.
  5. Holubar SD, Gunter RL, Click BH, Achkar JP, Lightner AL, Lipman JM, Hull TL, Regueiro M, Rieder F, Steele SR. Mesenteric Excision and Exclusion for Ileocolic Crohn’s Disease: Feasibility and Safety of an Innovative, Combined Surgical Approach With Extended Mesenteric Excision and Kono-S Anastomosis. Dis Colon Rectum. 2022 Jan 1;65(1):e5-e13. doi: 10.1097/DCR.0000000000002287. PMID: 34882636; PMCID: PMC9148419.
  6. de Groof EJ, van der Meer JHM, Tanis PJ, de Bruyn JR, van Ruler O, D’Haens GRAM, van den Brink GR, Bemelman WA, Wildenberg ME, Buskens CJ. Persistent Mesorectal Inflammatory Activity is Associated With Complications After Proctectomy in Crohn’s Disease. J Crohns Colitis. 2019 Mar 26;13(3):285-293. doi: 10.1093/ecco-jcc/jjy131. PMID: 30203027.

Como citar este artigo

Camargo MGM. ECCO 2023 – Algumas reflexões sobre o tratamento cirúrgico da Doença de Crohn. Gastropedia 2023, Vol 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/colorretal/ecco-2023-algumas-reflexoes-sobre-o-tratamento-cirurgico-da-doenca-de-crohn/




Metástase hepática colorretal sincrônica – Como programar o tratamento?

O tumor colorretal possui grande impacto na saúde da população mundial e, segundo dados do INCA, ocupou o segundo lugar em incidência em ambos os sexos em nosso país em 2020. As complicações decorrentes do tumor colorretal ocupam o segundo lugar em mortalidade por câncer no mundo6. Ao diagnóstico, cerca de 20% desses pacientes já se apresentam com metástases hepáticas.4

Com o avanço dos tratamentos oncológicos e melhor compreensão da doença, estão disponíveis um maior número de tratamentos para esses pacientes, incluindo: cirurgia, quimioterapia, imunoterapia, radioterapia e tratamentos radio intervencionistas. Embora pacientes com metástases hepáticas sejam considerados com estádio IV, seguem sendo casos passíveis de tratamento curativo. 

Diante de várias opções terapêuticas e com o aumento da sobrevida, casos complexos tornaram-se mais comuns, o que demanda de nós aprofundado conhecimento das diferentes opções terapêuticas. Reconhecendo essa dificuldade, os hospitais oncológicos organizam comitês multidisciplinares especializados que discutem as particularidades de cada paciente na intenção de obter os melhores resultados. São nessas reuniões em que traçamos o planejamento terapêutico e melhor momento para reavaliação e atuação de cada equipe.

Figura 1 – Realização de ablação por radiofrequência guiada por ultrassonografia simultânea a cirurgia hepática para tratamento multimodal de metástases de tumor colorretal

Diante da importância epidemiológica do diagnóstico que se apresenta com frequência nos consultórios e em situações de urgência – onde nem sempre temos acesso a opinião multidisciplinar em tempo hábil – esse artigo pretende mostrar os benefícios e desvantagens de cada estratégia disponível para oferecer ao paciente com tumor colorretal e metástase hepática sincrônica.

Os estudos sobre metástases hepáticas de tumores colorretais são numerosos e frequentemente há uma diferença regional de terminologia no assunto. Esse artigo se aplica a pacientes com metástase hepática já existente ou identificada logo ao estadiamento do tumor primário. 

Figura 2 – Ressonância magnética demonstrando metástase hepática (seta amarela) sincrônica a um adenocarcinoma de cólon direito (seta azul).

Pacientes com tumor colorretal assintomáticos e metástases hepáticas ressecáveis

A maior parte dos especialistas clínicos e cirúrgicos recomenda a realização de quimioterapia pré-operatória – por cerca de 02 meses – seguida de tratamento cirúrgico caso boa resposta1. A cirurgia pode envolver a ressecção do primário em associação com hepatectomia desde que os cirurgiões estejam habilitados para tal e que as duas sejam cirurgias de médio porte. Casuísticas já demonstraram maior taxa de complicações perioperatórias e mortalidade em casos de cirurgia combinada envolvendo hepatectomias maiores2.

Pode-se, também, realizar ressecção do primário seguida de quimioterapia no intervalo entre as cirurgias; com ressecção hepática prevista para após cerca de 2 a 3 meses. Durante a primeira cirurgia a avaliação de doença hepática e confirmação anatomopatológica de metástases pode ser realizada, se necessário.

Figura 3 – Ultrassonografia laparoscópica intraoperatória. Recurso válido na identificação e planejamento intraoperatório de ressecções hepáticas. 

Não houve diferença de sobrevida no período de 5 anos quando analisadas as opções; entretanto, destacamos que são dados de estudos retrospectivos em que pode ter havido viés de indicação de cirurgia do primário para pacientes com melhor performance e menor volume de doença oncológica. Por isso, o consenso entre os centros especializados é indicar a quimioterapia como primeiro tratamento1

Pacientes com tumor colorretal assintomáticos e metástases hepáticas irressecáveis

É frequente que casos de tumores colorretais em pacientes com boa performance sejam submetidos a cirurgia como primeiro tratamento independente da presença de metástases hepáticas. Contudo, observa-se que o fator limitante para o possível tratamento curativo desses pacientes é a doença sistêmica manifestada no fígado3.

Dessa forma, orienta-se a realização de quimioterapia como primeiro tratamento, com reavaliação da resposta após 2 meses e programação da hepatectomia, se factível. Em 1996, Bismuth já demonstrou uma taxa de conversão de metástases hepáticas irressecáveis para ressecáveis em 16% com impacto em prognóstico (taxa de sobrevivência de 40% em 05 anos). Resultados mais recentes demonstram taxas de conversão de até 30%2

A literatura demonstra que o desfecho dos pacientes que, ao final, foram submetidos às duas cirurgias é similar seja para os que iniciaram o tratamento com quimioterapia, seja para os que iniciaram com colectomia. Esse dado nos dá segurança para mantermos a lesão primária em tratamento com a quimioterapia e, ao mesmo tempo, perseguirmos a possibilidade de tratamento cirúrgico – simultâneo ou em etapas – de todas as lesões1.

Figura 4 – Além da redução das dimensões após a quimioterapia, observa-se alteração de sinal (aspecto cicatricial) e melhor delimitação dos limites da lesão; fatores que favorecem o procedimento cirúrgico  

Pacientes com tumor colorretal sintomático e metástases hepáticas

Estima-se que cerca de 20 % de casos de tumor colorretal possuem seu diagnóstico e tratamento iniciado na urgência.5 Nesse contexto, é importante destacar o impacto do estadiamento completo frente a suspeita clínica de tumor colorretal. Caso seja seguro para o paciente, a realização de tomografia de abdome e tórax com contraste e a dosagem de antígeno carcinoembrionário antes de uma possível ressecção do tumor primário serão fundamentais durante o planejamento terapêutico oncológico.

As principais complicações que levam o paciente com tumor colorretal a urgência são obstrução intestinal, perfuração ou sangramento. Ainda que diante de um paciente metastático, precisamos considerar o paciente como potencialmente tratável e, portanto, oferecer uma cirurgia com princípios oncológicos ou uma derivação que permita adiar o tratamento com intenções curativas1.

Há consenso entre os especialistas que durante o contexto sintomático com obstrução ou perfuração não há espaço para envolver qualquer abordagem das metástases hepáticas.1 

O sangramento no tumor colorretal raramente demanda cirurgia de urgência. Em geral, o sangramento pode ser solucionado com terapia transfusional seguido de quimioterapia precoce com boa resposta. Uma vez solucionado o sangramento, esses pacientes podem ser manejados conforme as estratégias acima.

As diferentes estratégias de tratamento cirúrgico

  • Tradicional

A estratégia da abordagem tradicional consiste na realização de colectomia como primeiro tratamento, seguida de quimioterapia e cirurgia hepática em 2-3 meses2. De um lado, esse caminho é mais seguro com a redução do risco de complicações do tumor primário. Por outro lado, é importante atentarmos para o risco de complicação durante a cirurgia de ressecção do primário que pode, e muitas vezes supera, o risco de intercorrências caso o mantenhamos sob tratamento quimioterápico. 

Uma complicação perioperatória adiará o tratamento das metástases sistêmicas do paciente que é o que, de fato, definirá o seu prognóstico. Por isso, em casos de lesão hepática irressecável considerar fortemente início com quimioterapia que poderá proporcionar a oportunidade de um tratamento completo1

  • Cirurgia simultânea

Há claros benefícios de se oferecer um tratamento combinado durante apenas um ato cirúrgico. Ser submetido a um único ato anestésico e um menor tempo de internação é uma possibilidade convidativa para o cirurgião e para o paciente. Entretanto, o tempo operatório prolongado e um maior risco de complicações perioperatórias são desvantagens já demonstradas e que, quando ocorrem, anulam esses benefícios.

Atualmente, a ressecção combinada está reservada para casos de colectomia simples e hepatectomias menores que podem ser realizadas em mesmo tempo cirúrgico por abordagem convencional ou videolaparoscópica. A incisão subcostal direita da hepatectomia permite a realização de colectomia direita oncológica, sendo essa a indicação mais frequente. Para casos de colectomia esquerda, a abordagem laparoscópica com ressecção de nódulos menores e periféricos é a mais empregada. 

Já foi demonstrada maior mortalidade e morbidade na associação de colectomias oncológicas de grande porte (abordagem de mesorreto ou multiviscerais) e/ou hepatectomias maiores (ressecção de mais de 3 segmentos); sugerindo os limites desse tipo de estratégia.5

Figura 5 – A abordagem simultânea de tumor primário (cólon direito) e metástase hepática.

  • Liver-first ou Abordagem reversa

Abordagem é cada vez mais empregada e reservada para casos em que o tratamento oncológico completo dependerá de uma ressecção hepática maior e/ou resposta das lesões a quimioterapia.

Muito aplicada em casos de tumores de reto médio/baixo em que se realizará quimioterapia e radioterapia neoadjuvantes. Nesse intervalo, é possível iniciar o tratamento da doença hepática ao longo do tempo de resposta do primário a quimiorradioterapia1.

A desvantagem dessa estratégia é a atenção e acompanhamento dos sintomas do tumor primário ou de suas complicações, como obstrução intestinal e perfuração. Estudos mostram que a incidência dessas complicações locais nos pacientes assintomáticos em vigência de quimioterapia é baixa, mas não é nula.

Referências

  1. Adam, R. et al. Managing synchronous liver metastases from colorectal cancer : A multidisciplinary international consensus. 41, 729–741 (2022).
  2. Lillemoe, H. A. & Vauthey, J. Surgical approach to synchronous colorectal liver metastases : staged , combined , or reverse strategy. 9, 25–34 (2020).
  3. Siriwardena, A. K., Mason, J. M., Mullamitha, S. & Hancock, H. C. Management of colorectal cancer presenting with synchronous liver metastases. Nat. Publ. Gr. 11, 446–459 (2014).Borner MM. Neoadjuvant chemotherapy for unresectable liver metastases of colorectal cancer–too good to be true?. Ann Oncol. 10(6):623-626. (1999)
  4. Reddy SK, Pawlik TM, Zorzi D, et al. Simultaneous resections of colorectal cancer and synchronous liver metastases: A multi-institutional analysis. Ann Surg Oncol. 14:3481-91 (2007)
  5. Sung H, Ferlay J, Siegel RL, et al. Global Cancer Statistics 2020: GLOBOCAN Estimates of Incidence and Mortality Worldwide for 36 Cancers in 185 Countries. CA Cancer J Clin. 71(3):209-249. (2021)
  6. Tebbutt NC, Norman AR, Cunningham D, et al. Intestinal complications after chemotherapy for patients with unresected primary colorectal cancer and synchronous metastases. Gut. 52(4):568-573 (2003)

Como citar este artigo

Magalhães DP. Metástase hepática colorretal sincrônica – Como programar o tratamento? Gastropedia 2023, Vol 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/metastase-hepatica-colorretal-sincronica-como-programar-o-tratamento/




Diverticulite aguda não complicada – dar antibiótico ou não, eis a questão?

Por muito tempo, acreditou-se que microperfuração e infecção são as causas da diverticulite e a antibioticoterapia era um dogma dos cirurgiões lidando com essa afecção.

O mecanismo fisiopatológico geralmente aceito foi questionado porque novas evidências sugerem que a diverticulite é principalmente um processo inflamatório primário que pode resultar em microperfuração, em vez de uma complicação da própria microperfuração.

Diverticulite não complicada é caracterizada por uma inflamação aguda do cólon limitada à parede colônica e tecidos adjacentes, sem pneumoperitôneo livre, abscesso pélvico, fístula ou obstrução. Microperfuração com pneumopetirôneo localizado, na ausência de resposta inflamatória sistêmica, é considerada diverticulite não complicada.

Atualmente, há dois ensaios clínicos randomizados de qualidade com seguimento em longo prazo, além de revisões sistemáticas (vide referências abaixo), mostrando que os antibióticos não são necessários para tratamento da diverticulite não complicada.

Um desses ensaios clínicos randomizados foi o estudo sueco AVOD (sigla em sueco para “antibióticos na diverticulite não complicada”).

  • Nesse ensaio, 623 pacientes de dez centros, internados com diverticulite não complicada de cólon esquerdo confirmada por tomografia, foram divididos aleatoriamente em dois grupos:

    • 1) reposição volêmica intravenosa somente
    • 2) reposição volêmica intravenosa e antibióticos.

  • Os autores não encontraram diferenças entre os grupos em relação a progressão para complicações, falha de tratamento, dor, recorrência em um ano, tempo de internação ou tempo de recuperação.
  • Este grupo de estudo publicou recentemente um acompanhamento de longo prazo desta coorte, com média de 11 anos de seguimento, e não foram vistas diferenças significativas entre os dois grupos em termos de recorrência (ambos ~ 31%), complicações, necessidade de cirurgia ou qualidade de vida.

O segundo ensaio clínico randomizado controlado (DIABOLO) mais recente do The Dutch Diverticular Disease Collaborative Study Group comparou a eficácia do tratamento de pacientes que apresentam seu primeiro episódio de diverticulite sigmoide com antibióticos versus observação.

  • Foram incluídos 528 pacientes com diverticulite não complicada comprovada por tomografia e aleatoriamente designados para um curso de dez dias de amoxicilina com clavulanato (48 horas de tratamento intravenoso seguido de administração oral) ou observação ambulatorial e o desfecho primário foi tempo para recuperação.
  • O tempo médio de recuperação para o grupo de tratamento com antibióticos foi de 12 dias (IQR 7–30) versus 14 dias no grupo de observação (IQR 6–35; p = 0,15).
  • Não houve diferenças significativas entre os grupos com relação a ocorrência de eventos adversos leves ou graves, mas o grupo antibiótico teve uma taxa maior de eventos adversos relacionados a antibióticos (0,4% versus 8,3%; p = 0,006).
  • Após 24 meses de acompanhamento, o grupo publicou um novo estudo mostrando que não houve diferenças significativas entre os dois grupos em relação à mortalidade, diverticulite recorrente (complicada ou não complicada), reinternação, eventos adversos ou necessidade de cirurgia.

Uma revisão Cochrane também não encontrou diferenças significativas nos resultados entre pacientes com diverticulite não complicada tratados com ou sem antibióticos. Esses estudos sugerem que uma proporção de pacientes com diverticulite não complicada pode ser tratada sem antibióticos. 

É importante enfatizar que quase todos os pacientes incluídos nesses estudos eram relativamente saudáveis e apresentavam doença diverticular em estágio inicial (Hinchey I e Ia). Portanto, o uso de antibióticos continua a ser apropriado em todos os outros estágios da doença. O uso de antibióticos continua sendo apropriado para pacientes de alto risco com comorbidades significativas, sinais de infecção sistêmica ou imunossupressão.

Embora os ensaios acima mencionados forneçam evidências de nível I para o tratamento não antibiótico da diverticulite não complicada, ainda não há um amplo consenso na prática atual. A diretriz combinada SAGES/EAES, obtida através de voto de especialistas a respeito de determinado tópico, não obteve consenso.

Conclusão

  • Baseado em estudos de qualidade, em casos diverticulite não complicada é seguro fazer o tratamento sem antibióticos.
  • Nesses pacientes, os estudos não demonstraram benefícios de curto ou longo prazo no uso de antibióticos.
  • A decisão terapêutica deverá ser feita baseado nas necessidades individuais de cada paciente.
  • O tempo necessário para que mudemos nossas condutas baseados em evidências científicas de qualidade é tópico para outra discussão…

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Referências

  1. Hall J, Hardiman K, Lee S, Lightner A, Stocchi L, Paquette IM, Steele SR, Feingold DL; Prepared on behalf of the Clinical Practice Guidelines Committee of the American Society of Colon and Rectal Surgeons. The American Society of Colon and Rectal Surgeons Clinical Practice Guidelines for the Treatment of Left-Sided Colonic Diverticulitis. Dis Colon Rectum. 2020 Jun;63(6):728-747. doi: 10.1097/DCR.0000000000001679. PMID: 32384404.
  2. Chabok A, Påhlman L, Hjern F, et al. Randomized clinical trial of antibiotics in acute uncomplicated diverticulitis. Br J Surg. 2012;99(4):532-9.
  3. Daniels L, Ünlü Ç, de Korte N, et al. Randomized clinical trial of observational versus antibiotic treatment for a first episode of CT-proven uncomplicated acute diverticulitis. Br J Surg. 2017;104(1):52-61. 
  4. van Dijk ST, Daniels L, Ünlü Ç, et al. Long-Term Effects of Omitting Antibiotics in Uncomplicated Acute Diverticulitis. Am J Gastroenterol. 2018;113(7):1045-1052.

Como citar este artigo

Camargo MGM. Diverticulite aguda não complicada – dar antibiótico ou não, eis a questão? Gastropedia 2023, vol. 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/diverticulite-aguda-nao-complicada-dar-antibiotico-ou-nao-eis-a-questao




Atualização das Diretrizes Americanas para Enhanced Recovery After Surgery (ERAS) na Cirurgia Colorretal

A sociedade americana de cirurgia do cólon e reto e a sociedade americana de cirurgia endoscópica e gastrointestinal publicou na primeira edição da revista Diseases of Colon and Rectum de 2023 as atualizações (a última versão era de 2017) das diretrizes para recuperação acelerada no pós-operatório de cirurgia colorretal.

Os protocolos de recuperação avançada são um conjunto de processos perioperatórios padronizados, cujo conteúdo pode variar significativamente, que são aplicados a pacientes submetidos a cirurgias eletivas. São projetados para melhorar os resultados dos pacientes, como aliviar náuseas e dor, retorno precoce da função intestinal e diminuir as taxas de infecção da ferida e tempo de internação. Aqui, falaremos a respeito das principais medidas citadas para melhorar os resultados dos pacientes após ressecções eletivas de cólon e reto.

Como é sabido, a cirurgia colorretal sempre foi associada a tempos de internação mais longos, custos maiores e maiores taxas de infecção de sítio cirúrgico (cerca de 20%) se comparada a procedimentos de outras especialidades. Além disso, altas taxas de náuseas e vômitos (80%), que também retardam a alta hospitalar, e de reinternação (35%). Foi demonstrado que a implementação do ERAS em cirurgia colorretal reduz as taxas de morbidade e diminui o tempo de internação sem aumentar as taxas de readmissão.


INTERVENÇÕES PRÉ-OPERATÓRIAS

Aconselhamento pré-internação

  • Discussão pré-operatória sobre os objetivos clínicos e critérios de alta deve ser realizada antes da cirurgia. A adesão a um protocolo de recuperação avançada que inclui a educação pré-operatória do paciente está associada à diminuição do tempo de internação e diminuição das taxas de complicações.
  • Os pacientes que serão submetidos à criação de ileostomia devem receber orientações sobre o manejo do estoma e aconselhamento sobre como para evitar desidratação, o que reduz o tempo de internação e as taxas de readmissão.

Nutrição Pré-Internação e Preparo de cólon

  • Líquidos claros podem ser continuados até 2 horas antes da anestesia geral. Essa intervenção, de acordo com diversos ensaios clínicos randomizados, é segura e melhora a sensação de bem-estar dos pacientes.
  • Ingestão de bebidas ricas em carboidratos deve ser incentivada antes da cirurgia em pacientes sem diabetes para atenuar a resistência à insulina induzida por cirurgia e jejum. Os estudos que avaliaram essa medida mostraram redução no tempo de internação, mas não houve diferenças nas taxas de complicações ou outros desfechos.
  • A suplementação nutricional oral é recomendada em pacientes desnutridos antes da cirurgia colorretal eletiva, visando uma ingestão de proteína de 1,2 a 1,5g/kg/d por um período de 1 a 2 semanas, o que diminuiu complicações pós-operatórias. Por outro lado, a eficácia da imunonutrição, suplementação contendo nutrientes imunomoduladores como arginina, óleo de peixe (ácidos graxos ômega-3), nucleotídeos e glutamina, sobre suplementos nutricionais orais de alta proteína padrão permanece controversa.
  • Preparo de cólon mecânico combinado a antibióticos orais pré-operatórios é normalmente recomendada antes da cirurgia colorretal eletiva. Uma meta-análise de sete ensaios clínicos randomizados incluindo 1.769 pacientes comparando preparo de cólon com e sem antibióticos orais, mostrou uma redução na infecção de sítio cirúrgico e de ferida operatória. Em uma análise retrospectiva de um banco de dados nacional dos Estados Unidos, o preparo de cólon com antibióticos orais foi associado a diminuição da morbidade geral, infecção de ferida, deiscência de anastomose e infecções intra-abdominais.

Otimização de pré-internação

  • A pré-habilitação multimodal, que é a melhora das condições clínicas gerais do paciente, antes da cirurgia colorretal eletiva, pode ser considerada para pacientes com múltiplas comorbidades ou com perda de performance significativa, sobretudo em pacientes que serão submetidos a cirurgia aberta.

INTERVENÇÕES PERIOPERATIVAS

Infecção de Sítio Cirúrgico

  • Deve haver um conjunto de medidas para reduzir a infecção de sítio cirúrgico. Há diversos itens descritos na literatura, mas não há uma padronização universal. As medidas incluem banho de clorexidina, preparo de cólon com administração oral antibióticos, antibióticos intravenosos dentro de uma hora após a incisão e padronização da preparação do campo cirúrgico com clorexidina/álcool. As medidas cirúrgicas incluem o uso de um protetor de ferida, troca de aventais e luvas antes do fechamento da aponeurose, usando uma caixa de instrumentos exclusiva para o fechamento, suturas antimicrobianas, limitação do tráfego de pessoas na sala de cirurgia e manter uma glicemia controlada e normotermia.

Controle da Dor

  • Um plano de controle da dor multimodal, evitando opioides deve ser implementado antes da indução da anestesia. Vários estudos demonstraram que a minimização de opioides após a cirurgia colorretal está associada ao retorno mais precoce da função intestinal e menor tempo de internação. As medidas incluem o uso de analgésicos simples (dipirona, paracetamol) e antiinflamatórios não-hormonais, sobretudo os seletivos (como os inibidores da ciclooxigenase) e o cetorolaco, bloqueios analgésicos, como quadrado lombar e transverso do abdome, e infiltração da ferida e analgesia espinhal com administração intratecal de morfina.
  • A analgesia peridural torácica, embora não seja recomendada para uso rotineiro em cirurgia colorretal laparoscópica, é uma opção para cirurgia colorretal aberta se uma equipe dedicada à dor estiver disponível para o tratamento pós-operatório.

Náuseas e Vômitos Perioperatórios

  • O uso de antieméticos profiláticos e multimodal reduz as náuseas e os vômitos perioperatórios. Os fatores de risco para o desenvolvimento de vômitos no pós-operatório incluem sexo feminino, história prévia de vômitos ou náuseas em pós-operatório, não-tabagista, idade jovem, cirurgia laparoscópica, uso de anestesia respiratória, tempo operatório prolongado e analgesia com opióide. Vários estudos prospectivos e observacionais demonstram que a terapia combinada usando dois ou mais antieméticos para prevenir náusea e vômito é superior a um único agente. Uma meta-análise de nove ensaios clínicos randomizados incluindo 1.089 pacientes, demonstrou que a dexametasona combinada com outros antieméticos forneceu profilaxia significativamente melhor do que um único antiemético, diminuiu a necessidade de terapia de resgate e não aumentou infecções pós-operatórias ou afetou significativamente o controle glicêmico.

Gerenciamento de Fluidos

  • A administração de fluidos deve ser adaptada para evitar administração excessiva de fluidos e sobrecarga de volume ou restrição indevida de fluidos e hipovolemia. Tanto a sobrecarga de líquidos intravenosos quanto a hipovolemia podem prejudicar significativamente a função dos órgãos, aumentar a morbidade pós-operatória e prolongar a internação hospitalar.
  • Soluções cristaloides balanceadas com restrição de cloreto devem ser usadas para infusões de manutenção e bôlus de fluidos em pacientes submetidos a cirurgia colorretal. Não há benefício no uso rotineiro de soluções colóides para fluidos em bôlus.
  • A hipotensão intraoperatória deve ser evitada, pois mesmo períodos curtos de pressão arterial média <65 mmHg estão associados a desfechos adversos, em particular lesão miocárdica e lesão renal aguda.
  • Em pacientes de alto risco e em pacientes submetidos à cirurgia colorretal com perdas intravasculares significativas antecipadas, recomenda-se o uso de terapia hemodinâmica dirigida por objetivos. Medidas objetivas de hipovolemia, como débito cardíaco, volume sistólico, oferta de oxigênio, extração de oxigênio e saturação venosa mista de oxigênio e índices dinâmicos de responsividade a fluidos (por exemplo, variação da pressão de pulso ou variação do volume sistólico) podem ajudar a decidir se devem ser administrados fluidos intravenosos para fins de ressuscitação.
  • Na ausência de complicações cirúrgicas ou instabilidade hemodinâmica, os fluidos intravenosos devem ser descontinuados rotineiramente no período pós-operatório imediato.

Abordagem Cirúrgica

  • Uma abordagem cirúrgica minimamente invasiva deve ser usada quando houver experiência disponível e quando apropriado.
  • O uso rotineiro de sondas nasogástricas e drenos intra-abdominais para cirurgia colorretal deve ser evitado.

INTERVENÇÕES PÓS-OPERATÓRIAS

Mobilização do paciente

  • A mobilização precoce e progressiva do paciente está associada a menor tempo de internação.

Prevenção de Íleo Paralítico

  • Deve-se oferecer aos pacientes uma dieta regular dentro de 24 horas após a cirurgia colorretal eletiva. A alimentação precoce está associada a uma diminuição no tempo de permanência hospitalar, a um retorno mais rápido da função do trato gastrointestinal e a menor tempo para eliminação de flatus e primeira evacuação.
  • A alimentação simulada (ou seja, mascar chiclete por ≥10min 3–4× ao dia) após a cirurgia colorretal é segura, resulta em pequenas melhorias na recuperação gastrointestinal e pode estar associada a uma redução no tempo de internação.

Cateteres Urinários

  • Sondas vesicais devem normalmente ser removidas dentro de 24 horas após a ressecção de cólon ou reto alto eletivas, independentemente do uso de analgesia peridural torácica.
  • Geralmente, as sondas vesicais devem ser removidas dentro de 24 a 48 horas após a ressecção retal média/inferior. A manipulação e dissecção próxima da bexiga e dos nervos pélvicos laterais durante a proctectomia pode aumentar o risco de retenção urinária pós-operatória.

Critérios de alta

  • A alta hospitalar antes da evacuação pode ser oferecida para pacientes selecionados. Os critérios tradicionais de alta após a cirurgia colorretal incluem presença de evacuação juntamente com a tolerância à ingestão oral, controle adequado da dor com analgesia oral e a capacidade de mobilização na ausência de complicações. Muitos pacientes atendem a esses critérios no primeiro ou segundo dia após a cirurgia. No entanto, há relatos crescentes de alta no mesmo dia da cirurgia, o que depende da viabilidade de dar alta aos pacientes antes do retorno da função intestinal para pacientes muito selecionados, com possibilidade de seguimento próximo e suporte domiciliar adequado. Esta é uma área com evidências limitadas, mas em evolução. As recomendações podem mudar à medida que mais evidências se tornam disponíveis.

Referências

  1. Irani JL, Hedrick TL, Miller TE, Lee L, Steinhagen E, Shogan BD, Goldberg JE, Feingold DL, Lightner AL, Paquette IM. Clinical Practice Guidelines for Enhanced Recovery After Colon and Rectal Surgery From the American Society of Colon and Rectal Surgeons and the Society of American Gastrointestinal and Endoscopic Surgeons. Dis Colon Rectum. 2023 Jan 1;66(1):15-40.
  2. Chen M, Song X, Chen LZ, Lin ZD, Zhang XL. Comparing mechanical bowel preparation with both oral and systemic antibiotics versus mechanical bowel preparation and systemic antibiotics alone for the prevention of surgical site infection after elective colorectal surgery: a meta-analysis of randomized controlled clinical trials. Dis Colon Rectum. 2016; 59:70–78.
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  4. Hogan S, Steffens D, Rangan A, Solomon M, Carey S. The effect of diets delivered into the gastrointestinal tract on gut motility after colorectal surgery—a systematic review and meta-analysis of randomised controlled trials. Eur J Clin Nutr. 2019; 73:1331–1342.
  5. Liu Q, Jiang H, Xu D, Jin J. Effect of gum chewing on amelio- rating ileus following colorectal surgery: a meta-analysis of 18 randomized controlled trials. Int J Surg. 2017; 47:107–115.

Como citar este arquivo

Camargo, MGM. Atualização das Diretrizes Americanas para Enhanced Recovery After Surgery (ERAS) na Cirurgia Colorretal. Gastropedia; 2022. Disponível em: strongatualizacao-das-diretrizes-americanas-para-emenhanced-recovery-after-surgery-em-eras-na-cirurgia-colorretal-strong




Tratamento do Volvo de Cólon e da Pseudo-Obstrução Aguda do Cólon (Síndrome de Ogilvie)

As obstruções de cólon podem ser mecânicas ou não mecânicas e constituem cerca de 25% de todas as obstruções intestinais. Entre as causas mecânicas, as mais comuns são:

  1. tumor obstrutivo no cólon ou reto (60%);
  2. estenose cicatricial por diverticulites prévias (10%);
  3. volvo do cólon (15 a 20%).

O volvo do cólon é a torção de um segmento redundante do cólon em seu mesentério que pode levar à oclusão luminal do segmento torcido e isquemia por rotação do mesocólon e, consequentemente, à perfuração.

Embora o volvo do cólon possa ocorrer em qualquer segmento redundante, envolve mais comumente o sigmóide (60%–75% de todos os casos) e ceco (25%–40% de todos os casos).

O volvo de sigmoide ocorre principalmente durante a 6ª a 8ª décadas de vida, sendo mais comum em homens, pacientes institucionalizados, pacientes com constipação crônica, comprometimento neuropsicológico ou comorbidades descompensadas. Por outro lado, o volvo de ceco, geralmente se apresenta em pacientes mais jovens e tem predominância do sexo feminino.

Já a pseudo-obstrução aguda do cólon, ou síndrome de Ogilvie, é uma causa funcional não mecânica de obstrução que se acredita ser uma consequência da desregulação dos impulsos autônomos da inervação do cólon. Há grande distensão do cólon sem fator obstrutivo, mas que também pode evoluir para isquemia e perfuração. As apresentações clínicas variam de acordo com o grau de distensão, se a válvula ileocecal é competente ou não e a condição clínica do paciente. Mais comumente, a síndrome de Ogilvie afeta pacientes idosos ou pacientes internados por motivos não relacionados, incluindo cirurgia eletiva, trauma ou tratamento de uma condição médica aguda.

Aqui apresentamos algumas recomendações das diretrizes da Sociedade Americana de Cirurgia Colorretal para a condução desses casos.

Volvo de Cólon

  • Avaliação inicial com história, exame físico e exames laboratoriais básicos. Os sintomas podem incluir cólicas, náuseas, vômitos, desconforto abdominal. O volvo de sigmóide geralmente tem apresentação mais indolente, enquanto o volvo de ceco costuma ter apresentação mais aguda. No exame físico, em geral há distensão abdominal com diferentes graus de dor à palpação, até peritonite. O toque retal revela uma ampola retal vazia. Apresentação na emergência com peritonite e sinais de choque acontecem em 25 a 35% dos casos.

  • Em pacientes hemodinamicamente estáveis, uma radiografia de abdome auxilia na avaliação inicial (achado de “grão de café” e, em pacientes com válvula ileocecal incompetente, distensão de delgado). Tomografia é usada para confirmar o diagnóstico.
RX de abdomen mostrando o sinal do “grão de café”, indicativo de volvo de cólon

Volvo de Sigmoide

  • Pacientes hemodinamicamente estáveis, sem sinais de peritonite ou evidência de perfuração devem ser submetidos a retossigmoidoscopia para avaliar a viabilidade do sigmoide, desfazer a torção e descomprimir o cólon, terapia efetiva em 60 a 95% dos casos. É possível manter uma sonda para descompressão após a retossigmoidoscopia. A taxa de recorrência é de 43 a 75% nos casos que não são submetidos a intervenção cirúrgica posterior.

  • Sigmoidectomia de urgência é indicada quando a distorção endoscópica não é bem-sucedida e nos casos de sofrimento do cólon ou perfuração, assim como em pacientes com sinais de peritonite ou choque séptico. Após a ressecção do segmento torcido, a decisão de realizar uma anastomose primária, colostomia terminal ou anastomose com derivação deve ser individualizada considerando o contexto clínico do paciente no momento da cirurgia, as condições do cólon remanescente e as comorbidades.

  • Pacientes submetidos à distorção endoscópica bem-sucedida são candidatos à colectomia segmentar durante a mesma internação hospitalar para evitar volvo recorrente e suas complicações. As operações sem ressecção, incluindo apenas distorção, sigmoidopexia e mesosigmoidoplastia, são inferiores à colectomia para a prevenção de volvo recorrente.

  • A fixação endoscópica do sigmóide pode ser considerada em pacientes selecionados nos quais a intervenção cirúrgica tem risco proibitivo.

Volvo de Ceco

  • Tentativas de redução endoscópica do volvo de ceco não são recomendadas.

  • Ressecção segmentar é o tratamento de escolha para pacientes com volvo de ceco. Ceco inviável ou isquêmico está presente em 18% a 44% dos pacientes com volvo de ceco e está associado a uma taxa de mortalidade significativa.

  • No caso de volvo de ceco com intestino viável, o uso de procedimentos cirúrgicos sem ressecção deve ser limitado a pacientes sem condições clínicas para ressecção.

Pseudo-Obstrução Aguda do Cólon (Síndrome de Ogilvie)

  • A avaliação inicial deve incluir história e exame físico, exames laboratoriais e diagnóstico por imagem.
    Na ausência de febre, leucocitose, peritonite, pneumoperitôneo ou diâmetro do ceco > 12 cm, a terapia inicial consiste na correção de distúrbios hidroeletrolíticos, reposição volêmica, evitar ou minimizar uso de opióides, evitar medicamentos anticolinérgicos e identificar e tratar infecções concomitantes. Também é recomendável deambulação, jejum, manobras de posicionamento (genu-peitoral ou prona) para promover a motilidade intestinal e descompressão com sondas nasogástricas e retais. Laxantes osmóticos orais devem ser evitados porque podem piorar a dilatação do cólon. Radiografias de abdome fazem parte da avaliação diária, acompanhado do exame físico.

  • O tratamento inicial é de suporte clínico e inclui a exclusão ou correção de condições que predispõem os pacientes ao quadro ou prolongam seu curso.

  • O tratamento farmacológico com neostigmina é indicado quando o quadro não se resolve com terapia de suporte.

  • A descompressão endoscópica do cólon deve ser considerada em pacientes com Ogilvie nos quais a terapia com neostigmina é contraindicada ou ineficaz.

  • O tratamento cirúrgico é recomendado nos casos complicados por isquemia ou perfuração do cólon ou refratários a terapias farmacológicas e endoscópicas.

Sugestão de leitura: confira também as Diretrizes Americanas para melhor recuperação pós-operatória (ERAS)



Como citar este artigo

Camargo MGM., Tratamento do Volvo de Cólon e da Pseudo-Obstrução Aguda do Cólon (Síndrome de Ogilvie). Gastropedia, 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/colorretal/tratamento-do-volvo-de-colon-e-da-pseudo-obstrucao-aguda-do-colon-sindrome-de-ogilvie/

Referências:

  1. Alavi K, Poylin V, Davids JS, Patel SV, Felder S, Valente MA, Paquette IM, Feingold DL; Prepared on behalf of the Clinical Practice Guidelines Committee of the American Society of Colon and Rectal Surgeons. The American Society of Colon and Rectal Surgeons Clinical Practice Guidelines for the Management of Colonic Volvulus and Acute Colonic Pseudo-Obstruction. Dis Colon Rectum. 2021 Sep 1;64(9):1046-1057. doi: 10.1097/DCR.0000000000002159. PMID: 34016826.
  2. Yeo HL, Lee SW. Colorectal emergencies: review and controversies in the management of large bowel obstruction. J Gastrointest Surg. 2013;17:2007–2012.
  3. Bauman ZM, Evans CH. Volvulus. Surg Clin North Am. 2018;98:973–993.
  4. Quénéhervé L, Dagouat C, Le Rhun M, et al. Outcomes of first-line endoscopic management for patients with sigmoid volvulus. Dig Liver Dis. 2019;51:386–390.