Repensando a obesidade: Como a nova definição pode transformar o cuidado clínico

A publicação da Lancet Commission on the Definition and Diagnosis of Clinical Obesity (1) representa um marco importante na forma como a obesidade é compreendida, diagnosticada e tratada globalmente. Ao propor novas definições baseadas em evidências e centradas na fisiopatologia da doença, a Comissão desafia o uso exclusivo do índice de massa corporal (IMC) como critério diagnóstico e promove uma abordagem mais individualizada e clinicamente significativa.

De uma medida simples a uma doença complexa

Tradicionalmente, a obesidade tem sido diagnosticada com base em pontos de corte de IMC, sem levar em consideração o contexto clínico do indivíduo. Essa abordagem simplificada tem contribuído para diagnósticos errôneos — tanto falsos positivos quanto falsos negativos — e para o estigma generalizado que associa obesidade a uma falha de caráter ou estilo de vida.

A Lancet Commission redefine a obesidade como uma doença crônica e multifatorial caracterizada por excesso de gordura corporal que compromete a saúde, independentemente do IMC.

Ela propõe a distinção entre dois espectros:

  • Obesidade pré-clínica: há acúmulo de gordura de forma, mas sem sinais e sintomas ou comprometimento das atividades diárias no presente;
  • Obesidade clínica: já há sinais e sintomas (18 descritos em adultos e 13 em adolescentes) diretamente relacionadas com o excesso de tecido adiposo e/ou comprometimento das atividades diárias no presente.

Essa mudança de paradigma tem implicações profundas para a prática clínica.

Diagnóstico mais precoce e individualizado

Ao desvincular a definição de obesidade do IMC como único marcador, abre-se espaço para diagnósticos mais precoces e precisos. Ferramentas como avaliação da composição corporal, distribuição de gordura (por exemplo, gordura visceral), marcadores metabólicos (como resistência à insulina, dislipidemia), testes funcionais e histórico familiar ganham papel central na avaliação.

Isso é particularmente importante para pacientes que não atingem os limiares tradicionais de IMC, mas que apresentam complicações clínicas relacionadas à adiposidade. A nova definição permite identificar e intervir nesses casos antes que a progressão da doença leve a danos irreversíveis.

Abordagem multidisciplinar e longitudinal

Com a adoção das novas definições, reforça-se a necessidade de uma abordagem multidisciplinar, com participação ativa de endocrinologistas, nutricionistas, psicólogos, fisioterapeutas, cirurgiões bariátricos, entre outros. A obesidade deixa de ser tratada como um evento isolado e passa a ser compreendida como uma condição crônica que exige acompanhamento longitudinal, semelhante ao que já é feito com outras doenças como diabetes ou hipertensão.

Isso implica mudanças na organização dos sistemas de saúde, com desenvolvimento de linhas de cuidado específicas, centros especializados, capacitação de profissionais e incorporação de novas tecnologias diagnósticas e terapêuticas.

Redução do estigma e aumento do engajamento

Retirando o diagnóstico feito por “corpulência” e reforçando o caráter biológico e multifatorial da obesidade, a Lancet Commission contribui para reduzir o estigma enfrentado por pessoas que vivem com essa condição. Essa mudança de narrativa é fundamental para aumentar o engajamento dos pacientes, muitos dos quais não reconhecem que têm uma doença ou se sentem culpados e, por isso, evitam procurar ajuda.

A definição mais clara e fundamentada pode favorecer o diálogo entre profissionais e pacientes, permitindo conversas mais empáticas e produtivas. Também serve como base para campanhas de educação pública, políticas de saúde e ações de prevenção em larga escala.

Implicações para acesso a tratamento

A obesidade como definida até então como um fator de risco para outras doenças leva a uma confusão de estratégias de tratamento. Se é considerada um fator de risco somente, as intervenções terapêuticas podem ser consideradas profiláticas. Um dos impactos mais tangíveis das novas definições clínicas da obesidade será o acesso ampliado a tratamentos, incluindo terapias farmacológicas e cirurgia bariátrica/metabólica. Atualmente, muitos sistemas de saúde limitam a elegibilidade para esses tratamentos com base estrita no IMC, mesmo quando há indicações clínicas claras.

Ao adotar critérios que levem em conta o estado clínico e o risco individual, pacientes com obesidade clínica, mesmo com IMC mais baixos, poderão ser considerados para intervenções antes da deterioração do quadro. Isso é não apenas mais ético, como também mais eficiente do ponto de vista de saúde pública, evitando o acúmulo de comorbidades e custos futuros.

Já aqueles com obesidade pré-clínica, necessitam de acompanhamento e, dependendo de seu risco, são tratados pela melhor opção, seja clínica ou cirúrgica.  Obesidade clínica é uma doença por si só, não sendo necessária outra doença para caracterizá-la. Porém, se o indivíduo é portador de obesidade pré-clínica e tem também diabetes tipo 2, ele(a) deve ser tratado, já que controlar a obesidade é fundamental para seu tratamento. 

Como a obesidade clínica tem sinais e sintomas relacionados a complicações do excesso de gordura, quando esses fatores forem controlados podemos obter a remissão da obesidade, exatamente como qualquer enfermidade. Se a depressão for tratada com a medicação adequada e seus sinais e sintomas controlados, pode-se dizer que está clinicamente controlada. Por que não para a obesidade?

Influência em diretrizes e políticas públicas

As definições propostas pela Lancet Commission devem servir de base para a revisão de diretrizes clínicas internacionais e nacionais.

Organizações como a OMS, sociedades médicas e entidades reguladoras de saúde pública poderão adaptar seus critérios diagnósticos e de tratamento, com impacto direto sobre a cobertura por planos de saúde, políticas de prevenção e financiamento de cuidados. As novas definições do espectro obesidade pré-clínica/clínica, permite planejar estratégias diferentes de prevenção e de tratamentos. Quem é portador da doença no presente (obesidade clínica) deve ser priorizado. E aqueles no espectro da obesidade pré-clínica devem ser seguidos e  tratados no momento que necessitarem.  

Além disso, as novas definições poderão orientar pesquisas clínicas, melhorando a seleção de participantes, a estratificação de risco e a comparação de resultados entre estudos.

Conclusão

As novas definições propostas pela Lancet Commission on Obesity marcam uma virada histórica na compreensão e manejo clínico da obesidade. Elas promovem uma abordagem baseada em ciência, centrada no paciente, e mais justa em termos de acesso e equidade.

Sua adoção poderá melhorar a detecção precoce, guiar intervenções mais eficazes, reduzir o estigma, e, acima de tudo, reconhecer a obesidade como a doença crônica e séria que de fato é — exigindo respostas clínicas, sociais e políticas à altura de sua complexidade e impacto.

Referências

  1. Rubino F, Cummings DE, Eckel RH, CohenRV et al. Definition and diagnostic criteria of clinical obesity [published correction appears in Lancet Diabetes Endocrinol. 2025 Mar;13(3):e6. doi: 10.1016/S2213-8587(25)00006-3.]. Lancet Diabetes Endocrinol. 2025;13(3):221-262. doi:10.1016/S2213-8587(24)00316-4

Como citar este artigo

Cohen RV. Repensando a obesidade: Como a nova definição pode transformar o cuidado clínico; Gastropedia 2025, Vol 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/repensando-a-obesidade-como-a-nova-definicao-pode-transformar-o-cuidado-clinico/




Quando devo me preocupar frente a um cisto hepático?

Introdução

Cistos hepáticos são achados comum em exames de imagem, e muitas vezes podem ser motivo de ansiedade e preocupação ao paciente. Muito embora os cistos hepáticos simples – de caráter completamente benigno – sejam as lesões hepáticas mais frequentes, acometendo 20% da população em geral, até 5% dos cistos podem corresponder a cistadenomas ou cisto-adenocarcinomas biliares, lesões que são associadas a malignidade. Neste artigo vamos entender mais sobre estes cistos malignos do fígado, quando suspeitá-los e como tratá-los.

Cistadenomas biliares ou cisto-adenocarcinomas biliares são lesões císticas raras que acometem o parênquima hepático, ou, menos comumente, a via biliar extra hepática e que apresentam, em seu interior, presença de estroma ovariano. Também podem ser chamados de neoplasia cística mucinosa do fígado (NCMF) ou neoplasia cística mucinosa associada a carcinoma invasivo.

Quadro Clínico

Desde que os critérios diagnósticos de NCMF foram revisados em 2010 com relação à presença de estroma ovariano, vários estudos têm reportado apresentação quase que exclusiva em mulheres.

A maioria dos pacientes é assintomática. Entretanto, há uma pequena parcela que pode apresentar sintomas provocados pelo efeito de massa do cisto quando atinge grandes dimensões e comprime órgãos adjacentes. A compressão do estômago/duodeno pode levar a empachamento/saciedade precoce, e até a quadros de náuseas e vômitos pós alimentares. A compressão do gradil costal pode provocar dor. E a compressão da via biliar principal pode gerar quadros colestáticos.

Laboratorialmente, a maioria dos pacientes apresenta resultados normais; entretanto, há uma pequena porcentagem que pode apresentar bilirrubinas e enzimas hepáticas e/ou canaliculares alteradas.

Diagnóstico Diferencial

O diagnóstico diferencial é amplo, e inclui cistos hemorrágicos, cistos hidáticos, IPMN-biliares, abscessos hepáticos, doença policística, tumores malignos degenerados, tumores metastáticos produtores de mucina, hemangiomas císticos, linfangiomas, e um cisto simples atípico.

O IPMN-biliar pode ser diferenciado da NCMF baseado em fatores de imagem, tais como:

Neoplasia Cística Mucinosa do Fígado (NCMF) Neoplasia Intraductal Papilífera da via biliar (IPMN-B)
Achados de Imagem Massa cística multilocular, com aparência de cistos menores dentro da parede do cisto. Muticístico, com aparência semelhante a cacho de uva, com nódulos papilares e dilatação biliar periférica.
Comunicação Ductal Geralmente ausente Presente
Estroma Ovariano Fibroso
Potencial Maligno Baixo Alto

Estudos de Imagem

Tendo em vista o amplo diagnóstico diferencial, os exames de imagem têm um papel fundamental na avaliação destes pacientes.

Vale ressaltar que são características importantes da NCMF: cisto solitário, septado, localizado no lobo esquerdo, preferencialmente no segmento IVb.

Frequentemente usado como método inicial, o ultrassom (US) tem uma sensibilidade de 90% para a caracterização de uma NCMF. Especificamente no US, a NCMF se manifesta como uma massa cística de grandes dimensões (tamanho médio de 11cm), multilocular, com paredes assimetricamente espessas e com septos ecogênicos. Pode haver nódulos murais na parede dos cistos. A presença de nódulos murais, debris intracísticos e dilatações de ductos biliares favorece a presença de transformação maligna.

Na tomografia, a NCMF aparece como uma massa cística grande, bem delimitada, multiloculada, com uma cápsula fibrótica claramente definida. Calcificações murais e irregularidades ou nódulos murais que captam contraste são característicos. Dilatação biliar e cistos solitários são características da NCMF. De 69% – 76% dos casos ocorrem no lado esquerdo do fígado, com uma clara preferência pelo segmento IV. Um exemplo dos achados de imagem típicos está na Figura 1.

Um estudo demonstrou capacidade de diferenciação entre cistos biliares simples e NCMF, com sensibilidade e especificidade de 87%, usando 2 dos 5 seguintes critérios:

  • Presença de septos
  • Septos centrais
  • Nódulos murais
  • Dilatação biliar proximal
  • Dilatação biliar distal
Figura 1. Acervo pessoal. Cisto de grandes dimensões, mutisseptado, com septos espessos, no segmento IVb de uma paciente do sexo feminino.

A ressonância magnética (RM) é muito útil na avaliação dessas lesões. Em geral, a NCMF aparece multilocular, com paredes espessas e irregulares. A RM é melhor que a TC para demonstrar realce capsular, septal ou nodular. Uma característica muito sensível da NCMF é a presença de realce ao contraste nos septos. A presença de malignidade já instalada pode ser indicada pela presença de nódulos ou componente sólido maior que 1cm. A colangiopancreatografia por ressonância magnética é útil para estudar a presença ou não de comunicação da lesão com a via biliar (e portanto no diferencial com IPMN-B) e para se obter um mapa de toda a via biliar, estudando se há ou não dilatação do segmento biliar que tenha relação com o cisto.

Marcadores Tumorais

A aspiração de conteúdo do cisto para análise laboratorial é uma forma importante de se auxiliar no diagnóstico. Há estudos que apontam que o CA 19-9 e CEA podem estar elevados no líquido do cisto. Outros dão mais importância à dosagem do CA 72-4 no líquido do cisto.

Tratamento

O cistadenoma biliar é uma lesão pré-maligna que não pode ser diferenciada com segurança do cisto-adenocarcinoma biliar apenas por métodos de imagem ou não invasivos; desta forma, o tratamento para as duas condições é o mesmo: ressecção cirúrgica com margens livres. Métodos não excisionais, como destelhamento, fenestração, esclerose com injeção de substâncias e etc são pouco eficazes, com uma taxa de recidiva que pode chegar a 90%.

A ressecção cirúrgica com margens livres pode ser obtida através de hepatectomias regradas ou através de enucleações ou ressecções não regradas. A escolha vai depender da posição da lesão cística e de sua relação com estruturas vásculo-biliares intra-hepáticas.

A literatura reporta taxa de recorrência de 1% a 5% para lesões ressecadas cirurgicamente. A taxa de recidiva após destelhamento deste tipo de cisto pode chegar a 100%.

Se comparado a outros tumores malignos primários do fígado, tais como hepatocarcinoma e colangiocarcinoma, a ressecção cirúrgica das NCMF oferece um prognóstico muito melhor. Muito embora a ressecção de cistoadenocarcinomas biliares tenha um prognóstico pior que a de cistadenomas biliares, o prognóstico ainda é muito melhor que para a ressecção de hepatocarcinoma ou de colangiocarcinoma.

Não há recomendações baseadas em revidência a respeito do uso de tratamento sistêmico ou adjuvante para pacientes com este tipo de tumor.

Conclusão

É importante lembrar que nem todos os cistos hepáticos são completamente benignos. O diagnóstico de neoplasia cística mucinosa do fígado deve ser sempre tido como diferencial possível, especialmente para pacientes do sexo feminino que se apresentam com lesões císticas, multisseptadas, com paredes espessas e localizadas no lobo esquerdo do fígado, mais especificamente no segmento IV. Nesse cenário, a hipótese diagnóstica de neoplasia cística mucinosa do fígado deve ser considerada, e o tratamento cirúrgico excisional deve ser proposto à paciente.

Referências

  1. Aziz H, Hamad A, Afyouni S, Kamel IR, Pawlik TM. Management of Mucinous Cystic Neoplasms of the Liver. J Gastrointest Surg. 2023 Sep;27(9):1963-1970. doi: 10.1007/s11605-023-05709-6. Epub 2023 May 23. PMID: 37221388.
  2. Hutchens JA, Lopez KJ, Ceppa EP. Mucinous Cystic Neoplasms of the Liver: Epidemiology, Diagnosis, and Management. Hepat Med. 2023 Mar 29;15:33-41. doi: 10.2147/HMER.S284842. PMID: 37016682; PMCID: PMC10066895.

Como citar este artigo

de Meira Junior, JD. Quando devo me preocupar frente a um cisto hepático? Gastropedia; 2025 Vol 1.  Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/hepatopancreatobiliar/quando-devo-me-preocupar-frente-a-um-cisto-hepatico




Fisiopatologia da Obesidade

A obesidade é uma condição complexa e multifatorial, resultante da interação entre fatores genéticos, ambientais, psicológicos, nutricionais e metabólicos. Esses fatores alteram os mecanismos biológicos responsáveis pela manutenção da massa corporal, distribuição e função do tecido adiposo. A seguir, discutiremos as principais causas e mecanismos envolvidos no desenvolvimento da obesidade, com ênfase na contribuição dos diversos fatores que compõem esse fenômeno.

Desbalanço Energético: A Base da Obesidade

O ganho de peso ocorre quando há um balanço energético positivo, ou seja, a ingestão de macronutrientes excede seu gasto. Embora frequentemente atribuída ao consumo excessivo de alimentos ou à “gula”, a origem desse desequilíbrio nem sempre é clara. Estudos mostram que mudanças ambientais, como o fácil acesso a alimentos ultraprocessados, densamente energéticos, baratos e amplamente comercializados, têm desempenhado um papel central no aumento global da obesidade. O sedentarismo, embora associado a efeitos metabólicos adversos, não é considerado a principal causa do aumento das taxas de obesidade.

Figura 1: Quando a ingestão de energia excede o gasto energético, ocorre ganho de peso. A ingestão de energia provém dos alimentos e bebidas consumidas. O gasto de energia ocorre em três áreas principais: 1.) Energia utilizada em repouso para manter a temperatura e fisiologia, conhecida como Taxa Metabólica Basal (TMB); 2.) Energia usada para digestão, absorção e metabolismo dos alimentos, conhecida como o Efeito Térmico dos Alimentos (TEF); 3.) Energia gasta com atividades físicas, incluindo exercícios. O crescimento também contribui com o gasto enérgico.

Esse estado de balanço energético positivo prolongado leva à hipertrofia (aumento do tamanho) e, em menor grau, à hiperplasia (aumento do número) dos adipócitos, culminando em ganho de peso. É importante notar que, uma vez estabelecida, a obesidade pode desencadear alterações na estrutura e função de vários órgãos, predispondo a uma série de doenças associadas e à redução da qualidade de vida.

Resistência Biológica à Perda de Peso

A biologia humana é programada para armazenar energia sob a forma de gordura como proteção contra períodos de escassez alimentar. Quando ocorre perda de peso induzida por dietas hipocalóricas, o organismo ativa mecanismos robustos para defender o equilíbrio do peso corporal. Esses mecanismos incluem aumento da fome, maior desejo de comer e redução do gasto energético. Esses efeitos são mediados por respostas hormonais, como a redução dos níveis de leptina (um hormônio derivado do tecido adiposo) e alterações nos hormônios gastrointestinais, que sinalizam ao cérebro para preservar o peso.

O conceito de “ponto de equilíbrio” no peso corporal refere-se ao peso que o cérebro defende como ideal, seja ele saudável ou excessivo. Mesmo em indivíduos obesos, esse ponto é vigorosamente mantido, o que dificulta a perda e a manutenção de peso a longo prazo.

Influência Genética

A genética desempenha um papel substancial na obesidade, com estudos em famílias, gêmeos e crianças adotadas indicando que entre 40% e 70% da variação no peso corporal pode ser explicada por fatores hereditários. Estudos de associação genômica ampla identificaram centenas de variantes genéticas comuns que afetam o consumo alimentar, a taxa metabólica basal e a eficiência do uso de energia durante a atividade física.

Indivíduos obesos tendem a apresentar maior número de variantes genéticas associadas à obesidade em comparação com aqueles com peso saudável. Além disso, mutações raras, mas de grande impacto, em genes relacionados ao sistema leptina-melanocortina podem causar obesidade severa. Esse sistema está envolvido na regulação da fome e da saciedade, influenciando o comportamento alimentar. A identificação de tais mutações tem implicações no diagnóstico, aconselhamento familiar e desenvolvimento de terapias específicas.

Fatores Ambientais e Epigenéticos

A obesidade também é influenciada por fatores ambientais, como urbanização, sedentarismo e mudanças no padrão alimentar, além de aspectos socioculturais. A exposição a poluentes ambientais pode contribuir, embora os mecanismos não estejam totalmente esclarecidos. A epigenética adiciona outra camada de complexidade, demonstrando que modificações químicas nos genes, influenciadas pelo ambiente e pela dieta, podem afetar a propensão à obesidade.

Fisiopatologia da Obesidade

A obesidade vai além do aumento na massa de gordura corporal. Há uma redistribuição preferencial da gordura para o compartimento intra-abdominal, especialmente na presença de resistência à insulina, bem como acúmulo ectópico de lipídios em órgãos como fígado, músculos esqueléticos e pâncreas. Esse acúmulo ectópico contribui para a disfunção metabólica, incluindo resistência à insulina, inflamação crônica e aumento do risco de doenças metabólicas, como diabetes tipo 2.

A expansão do tecido adiposo é acompanhada por alterações na microcirculação, isquemia e inflamação. Há infiltração de macrófagos no estroma do tecido adiposo, levando à liberação de citocinas pró-inflamatórias, como TNF-α e IL-6, e redução de adiponectina, um hormônio sensibilizador à insulina. Esse ambiente inflamatório contribui para a resistência à insulina e para as complicações metabólicas observadas em muitos, mas não em todos, os indivíduos com obesidade.

Papel do Sistema Nervoso Central

O sistema nervoso central (SNC) desempenha um papel fundamental na regulação da ingestão alimentar, armazenamento de energia e metabolismo. Áreas subcorticais e corticais interagem com sinais hormonais, como leptina e GLP-1, para regular o equilíbrio energético.

O hipotálamo, por exemplo, contém circuitos neurais que regulam a fome e a saciedade. Neurônios orexigênicos (estimulantes do apetite) produzem NPY e AgRP, enquanto neurônios anorexigênicos (supressores do apetite) produzem POMC e CART. A disfunção desses circuitos pode levar a um aumento do apetite e redução do gasto energético, contribuindo para o ganho de peso.

Outras áreas cerebrais, como o núcleo do trato solitário (NTS), o núcleo accumbens (NAc), o hipocampo e o córtex pré-frontal, também desempenham papéis importantes na regulação do comportamento alimentar. Alterações nesses sistemas podem reforçar comportamentos alimentares disfuncionais, incluindo a preferência por alimentos altamente palatáveis e ricos em calorias.

Microbiota Intestinal e Inflamação Sistêmica

A microbiota intestinal também é um fator relevante na obesidade. Indivíduos obesos apresentam alterações na composição microbiana, com aumento da abundância de Firmicutes e Proteobacteria, além de maior permeabilidade intestinal a produtos bacterianos, como lipopolissacarídeos. Esses produtos desencadeiam inflamação crônica de baixo grau, que agrava a resistência à insulina e contribui para a progressão da obesidade e suas complicações.

Resistência à Insulina e Complicações Metabólicas

Embora a obesidade não seja suficiente nem necessária para o desenvolvimento de resistência à insulina, a maioria dos indivíduos obesos apresenta graus variados dessa condição. A resistência à insulina se manifesta como aumento da lipólise no tecido adiposo, com liberação de ácidos graxos livres, que contribuem para a esteatose hepática, produção aumentada de glicose hepática e redução da tolerância à glicose. Inicialmente, ocorre hiperinsulinemia compensatória, mas, com o tempo, pode haver falência das células β pancreáticas, levando ao diabetes tipo 2.

Além disso, a resistência à insulina está associada a disfunção endotelial, hipertensão, dislipidemia e maior risco de doenças cardiovasculares.

Conclusão

A obesidade resulta da interação complexa de fatores genéticos, ambientais, metabólicos e comportamentais, que alteram os mecanismos biológicos responsáveis pelo equilíbrio energético e a distribuição do tecido adiposo. A compreensão aprofundada dessas causas e mecanismos é essencial para o desenvolvimento de estratégias eficazes de prevenção, diagnóstico e manejo da obesidade, considerando a variabilidade individual e as múltiplas dimensões dessa condição.

Referências:

  1. Rubino F, Cummings DE, Eckel RH, Cohen RV, et al. Definition and diagnostic criteria of clinical obesity.
    Lancet Diabetes Endocrinol. 2025 Jan 9:S2213-8587(24)00316-4. doi: 10.1016/S2213-8587(24)00316-4.

Como citar este artigo

Martins BC. Fisiopatologia da Obesidade Gastropedia 2025; vol 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/obesidade/fisiopatologia-da-obesidade/




A cirurgia bariátrica pode aumentar o risco de câncer?

A obesidade tem uma associação bem documentada com o desenvolvimento de vários tipos de câncer. Diversos mecanismos fisiopatológicos explicam essa relação.

Indivíduos obesos têm um aumento de produção nos adipócitos de algumas citocinas inflamatórias (TNF-α, IL-6 e PAI-1) que promovem a angiogênese, além de alguns hormônios que estimulam a reprodução celular, o que favorece um ambiente propício ao desenvolvimento e à progressão do câncer.

Além disso, a resistência à insulina, comum em pessoas com obesidade, aumenta os níveis de insulina e do fator de crescimento derivado da insulina, promovendo o crescimento celular e inibindo a apoptose, ambos elementos importantes para o surgimento do câncer.1

Câncer hormônio dependente

A cirurgia bariátrica consiste no tratamento mais eficaz e duradouro para o tratamento da obesidade. Entre todos os cânceres, os de mama, endométrio e ovário demonstraram ter as associações mais fortes ao avaliar o impacto da cirurgia bariátrica na diminuição de suas incidências, isto ocorre especialmente pois na fase pós menopausa ocorre uma persistente produção de estrogênio extragonadal no tecido adiposo.2,3,4

Neoplasia de esôfago

Há preocupações de que uma cirurgia bariátrica, especialmente uma gastrectomia vertical, possa aumentar o risco de câncer de esôfago e estômago devido ao refluxo gastroesofágico, que pode ser agravado pela alteração anatômica. Esse refluxo constante poderia levar à metaplasia (Barrett), condição que predispõe ao câncer de esôfago. Leia mais sobre DRGE e cirurgia bariátrica nesse post.

No entanto, estudos recentes mostram resultados variados: alguns indicam que, apesar do aumento dos sintomas de refluxo, a gastrectomia vertical não aumenta a esofagite de refluxo e inclusive diminui a taxa de esôfago de Barret comparado com o bypass.5 Lazzati et al analisou 1 140 347 pacientes com obesidade na França e reportou uma taxa mais baixa de neoplasia de esôfago naqueles submetidos a cirurgia bariátrica (0.5%) comparado com os não submetidos (1.0%, P < .001), inclusive com incidências similares entre os submetidos a bypass comparado com os submetidos a gastrectomia vertical.6

Neoplasia de pâncreas e fígado

O risco de câncer de pâncreas está fortemente associado à obesidade, devido ao estado de resistência à insulina ocorre um aumento de sua produção. Esse estímulo pancreático em excesso, leva a ativação de células estreladas pancreáticas causando fibrose e formação de tecido conjuntivo, condições propícias para formação de neoplasia. Apesar dos resultados limitados tendo em vista a incidência mais taxa dessa neoplasia, uma metanálise recente demonstrou diminuição significante desse risco após a cirurgia bariátrica comparado com pacientes obesos não operados (OR= 0.76, IC 95% 0.64-0.90).7

Já é bem estabelecido que a obesidade leva a esteatose hepática e esteato-hepatite não alcoólica (NASH), condição para cirrose e potencialmente neoplasia hepática. A cirurgia bariátrica junto com a perda de peso já demonstrou ter melhorado, e em alguns casos completamente revertido essa condição predisponente.8

Neoplasia de cólon

A relação entre a cirurgia bariátrica e o câncer de cólon é complexa e, diferentemente de outros tipos de câncer que apresentam redução de risco com a cirurgia, o câncer colorretal pode, em alguns casos, ter sua incidência aumentada após o procedimento. Esse efeito contraditório sugere que, embora a redução de peso e a melhoria do perfil metabólico trazidas pela cirurgia bariátrica sejam vantajosas para a maioria das condições de saúde, o impacto específico no cólon deve ser avaliado com cuidado.

Estudos indicam que alterações na microbiota intestinal e alterações no ambiente do trato gastrointestinal após uma cirurgia bariátrica podem influenciar o risco de câncer de cólon. Esses procedimentos, especialmente o bypass gástrico, causam alterações significativas no trânsito intestinal e na absorção de nutrientes, o que pode afetar a composição microbiana do intestino.9

Outro fator a se considerar é que, após o bypass gástrico, ocorrem mudanças nos níveis de ácidos biliares no intestino, o que pode alterar a sinalização celular no cólon.9 Um estudo demonstrou que pacientes submetidos ao bypass gástrico exibiram hiperproliferação da mucosa retal.10

Estudos populacionais mostram resultados heterogêneos para o risco de câncer de cólon após cirurgia bariátrica. Um estudo realizado na Inglaterra com mais de 8.000 pacientes indicou que indivíduos que realizaram bypass gástrico apresentaram o dobro do risco de desenvolver câncer colorretal em comparação com pacientes obesos que não foram submetidos ao procedimento (0.4% vs 0.2%; odds ratio [OR], 2.43; 95%CI, 1.31-4.55).11 Na mesma linha, uma coorte sueca com seguimento de mais de 10 anos, mostrou uma taxa de incidência maior de câncer de cólon em pacientes submetidos ao bypass.12

Uma subanálise revelou que o aumento do risco de câncer colorretal após uma cirurgia bariátrica pode variar de acordo com o tipo de procedimento. Numa subanálise desse mesmo estudo britânico demonstrou que apenas o bypass gástrico estava associado ao aumento do risco (OR, 2.63;95%CI, 1.17-5.96), em comparação com a gastrectomia vertical ou a banda gástrica ajustável.11 Esse dado sugere que o mecanismo específico de alteração do trânsito intestinal e absorção de nutrientes do bypass gástrico possa ser um fator importante​ na fisiopatologia.

Um viés nesse tipo de estudo consiste em que os pacientes que se submetem à cirurgia bariátrica têm melhor acesso a cuidados médicos, incluindo o rastreio oncológico com colonoscopia por exemplo, possibilitando um maior número de diagnósticos desse tipo. Outro viés decorre de pacientes podem ser diagnosticados com câncer no pré-operatório da cirrurgia bariátrica. Tal paciente seria desqualificado de receber cirurgia, mas progrediria para o diagnóstico dentro do grupo não cirúrgico comparativo.

Embora as evidências apontem para um possível aumento do risco de câncer de cólon após a cirurgia bariátrica, especialmente o bypass gástrico, ainda são necessárias pesquisas dedicadas para entender completamente essa relação e determinar os fatores de risco específicos. Alguns especialistas recomendam que pacientes bariátricos, especialmente aqueles que realizaram o bypass, sejam submetidos a monitoramento mais intensivo, com exames de colonoscopia mais frequentes do que a população em geral.

Por outro lado, os benefícios da cirurgia bariátrica para a saúde geral ainda superam os riscos potenciais de câncer colorretal, especialmente considerando as melhorias nos índices de diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares que esses pacientes obtêm com uma perda de peso sustentada. Portanto, o monitoramento adicional de câncer colorretal pode ser uma estratégia de mitigação de riscos, sem comprometer a escolha do tipo de cirurgia bariátrica.

Referências

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  11. Mackenzie H, Markar SR, Askari A, et al. Obesity surgery and risk of cancer. Br J Surg. 2018; 105(12):1650-1657. doi:10.1002/bjs.10914
  12. Derogar M, Hull MA, Kant P, Östlund M, Lu Y, Lagergren J. Increased risk of colorectal câncer after obesity surgery. Ann Surg. 2013;258(6): 983-988. doi:10.1097/SLA.0b013e318288463a

Como citar este artigo

Oliveira JF. A cirurgia bariátrica pode aumentar o risco de câncer? Gastropedia 2024 Vol. II. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/a-cirurgia-bariatrica-pode-aumentar-o-risco-de-cancer/




Otimização dos resultados após cirurgias bariátricas e metabólicas

A obesidade e suas complicações estão se tornando cada vez mais prevalentes em todo o mundo. Diante desse cenário desafiador, é fundamental adotar abordagens multifacetadas e eficazes para prevenir e tratar essa condição de saúde pública. O crescente reconhecimento da obesidade como uma doença crônica e progressiva tem impulsionado avanços significativos no campo do tratamento.

Novos medicamentos antiobesidade têm demonstrado promissora eficácia no combate ao excesso de peso. No entanto, a personalização do tratamento é essencial, combinando diferentes estratégias para garantir que todos tenham acesso equitativo a opções terapêuticas eficazes.

Atualmente, a cirurgia bariátrica/metabólica é considerada a intervenção mais eficaz e duradoura para o tratamento da obesidade e suas complicações. Acredita-se que, quando bem indicado, o uso concomitante de medicamentos antiobesidade antes, durante ou após a cirurgia possa potencializar os resultados, otimizando desfechos em casos selecionados. No entanto, ainda há lacunas significativas de evidências científicas sólidas para orientar essas recomendações.

Opções para o tratamento farmacológico da obesidade disponíveis no Brasil:

  • Sibutramina
  • Orlistat
  • Liraglutida (Saxenda)
  • Semaglutida (Ozempic/Wegovy)
  • Associação de Bupropiona com Naltrexona (Contrave)

Uso de medicamentos antiobesidade antes da cirurgia bariátrica/metabólica

A perda de peso antes da cirurgia pode melhorar os resultados durante e após o procedimento, mas seu impacto nas complicações pós-operatórias é limitado, especialmente com o uso de técnicas laparoscópicas por equipes experientes. A gestão de peso pré-operatória deveria se centrar mais na educação e modificações de comportamento do que na própria perda de peso.

Para quem se poderia considerar o uso de medicamentos antiobesidade no pré-operatório com o intuito de otimizar resultados cirúrgicos?

  • Pessoas com obesidade grave e índice de massa corporal acima de 50 Kg/m2
  • Pacientes com diabetes mellitus do tipo 2 para melhora do controle glicêmico

Pacientes com cirrose hepática, insuficiência cardíaca ou renal se beneficiariam da perda de peso pré-operatória, porém não existem estudos com medicações para perda de peso nessas populações.

A escolha da farmacoterapia deve ser individualizada dentro do que dispomos de opções. Estudos mostram que enquanto Orlistat apresenta uma perda discreta e pouco auxílio na perda pré-operatória, os medicamentos análogos de GLP-1 mostram grande eficácia em relação à perda de peso e controle glicêmico.

Recomendações para Suspensão de Medicamentos Antiobesidade no Pré-Operatório

Os medicamentos antiobesidade, especialmente os análogos do peptídeo semelhante ao glucagon -1 (GLP-1), são amplamente reconhecidos por sua eficácia na perda de peso e controle metabólico. No entanto, devido ao seu efeito de lentificar o esvaziamento gástrico, é importante considerar sua suspensão antes de procedimentos cirúrgicos.

De acordo com a Sociedade Americana de Anestesiologia, para os análogos de GLP-1 de uso diário, como a liraglutida, recomenda-se a manutenção do uso até o dia anterior à cirurgia. Por outro lado, para os análogos de GLP-1 de uso semanal, como a semaglutida, o uso deve ser interrompido até 7 dias antes do procedimento.

No Brasil, a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) oferece diretrizes que recomendam interromper o uso da liraglutida 2 dias antes da cirurgia e da semaglutida (oral ou subcutânea) 21 dias antes. Para a dulaglutida, a recomendação é suspender 15 dias antes. Essas orientações baseiam-se na meia-vida dos medicamentos e na prática de suspender o uso com 3 meias-vidas de antecedência, embora haja escassez de estudos específicos.

A Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA) concorda com as orientações da SBD.

Uso de medicamentos antiobesidade após a cirurgia bariátrica/metabólica

Para pacientes enfrentando perda de peso subótima ou reganho excessivo após a cirurgia, as opções de tratamento são limitadas. Reparos pós-cirúrgicos, conversões para procedimentos mais invasivos ou reintrodução de técnicas de manejo do estilo de vida são algumas alternativas. No entanto, tais procedimentos adicionais apresentam taxas de complicações mais elevadas. Nesse cenário, a farmacoterapia surge como uma alternativa potencialmente mais segura.

Atualmente, não há medicamentos aprovados especificamente para pacientes pós-cirurgia bariátrica com perda de peso insuficiente ou reganho de peso. Essa população é frequentemente excluída de grandes estudos. No entanto, evidências mostram que o uso off-label de medicamentos antiobesidade pode resultar em uma perda de peso significativa. Por exemplo, pacientes que receberam liraglutida 3.0 mg após a cirurgia apresentaram reduções notáveis no peso, sugerindo sua eficácia nesse contexto.

É importante considerar que diferentes tipos de cirurgia bariátrica podem influenciar a resposta ao tratamento medicamentoso. Enquanto algumas cirurgias aumentam os níveis de peptídeo semelhante ao glucagon-1 (GLP-1) e contribuem para a perda de peso, outras podem ter efeitos diferentes. Estudos mostraram que pacientes submetidos a gastrectomia vertical podem perder menos peso em comparação com outros procedimentos.

Por que e quando considerar estratégias combinadas?

Por que?:

  • A probabilidade de recidiva do T2D após um período de remissão, associada a uma resposta de peso subótima e ganho de peso recorrente.
  • A perda de peso total de mais de 15% após cirurgia bariátrica sustentada pode controlar ou interromper complicações do diabetes e reduzir a mortalidade.
  • A progressão da doença crônica (obesidade e/ou diabetes mellitus tipo 2) pode exigir tratamentos mais intensivos, incluindo o uso adicional de medicamentos para manter ou melhorar o controle metabólico após a cirurgia.

Quando?:

  • Recidiva do diabetes tipo 2 ou descontrole após cirurgia e/ou resposta subótima da perda de peso.
  • Pacientes com índice de massa corporal inicial elevado, especialmente acima de 50 kg/m2, podem precisar iniciar o uso de medicamentos mais precocemente para evitar o reganho de peso.

Apesar do crescente interesse, há escassez de dados de ensaios clínicos randomizados (RCTs) sobre a combinação de fármacos antiobesidade e cirurgia bariátrica/metabólica.

Dentre os estudos clínicos relevantes:

  • No estudo STAMPEDE, que comparou terapia médica intensiva isolada com cirurgia mais tratamento médico, pacientes submetidos à cirurgia, além do melhor tratamento médico, alcançaram uma perda de peso mais significativa após um acompanhamento de 5 anos, destacando a eficácia da combinação de medicamentos com cirurgia.

O estudo Microvascular Outcomes after Metabolic Surgery, um ensaio clínico randomizado que compara a melhor terapia clínica com a cirurgia de bypass gástrico em Y-de-Roux (RYGB) em pacientes com diabetes tipo 2 (T2D) e microalbuminúria estabelecida, tem como objetivo examinar a remissão da albuminúria, a perda de peso, o controle glicêmico, entre outros desfechos secundários.

Quanto à escolha de medicamentos, a terapia com agonistas do receptor de GLP1 demonstrou eficácia e segurança, conforme evidenciado pelo estudo GRAVITAS, que destacou melhorias no controle glicêmico e perda de peso em pacientes com diabetes tipo 2 após cirurgia bariátrica.

Referências:

  1. Nor Hanipah Z, Nasr EC, Bucak E, Schauer PR, Aminian A, Brethauer SA, et al. Efficacy of adjuvant weight loss medication after bariatric surgery. Surgery for Obesity and Related Diseases. 2018 Jan;14(1):93–8. Miras AD, Pérez-Pevida B, Aldhwayan M, Kamocka A,
  2. McGlone ER, Al-Najim W, et al. Adjunctive liraglutide treatment in patients with persistent or recurrent type 2 diabetes after metabolic surgery (GRAVITAS): a randomised, double-blind, placebo-controlled trial. The Lancet Diabetes & Endocrinology. 2019 Jul;7(7):549–59.
  3. Tewksbury C, Williams NN, Dumon KR, Sarwer DB. Preoperative Medical Weight Management in Bariatric Surgery: a Review and Reconsideration. OBES SURG. 2017 Jan;27(1):208–14.
  4. Malone M, Alger-Mayer SA, Lindstrom J. Use of Orlistat 60 mg in the Management of Weight Loss before Bariatric Surgery. Ann Pharmacother. 2012 Jun;46(6):779–84.
  5. Cohen RV, Pereira TV, Aboud CM, Petry TBZ, Lopes Correa JL, Schiavon CA, et al. Effect of Gastric Bypass vs Best Medical Treatment on Early-Stage Chronic Kidney Disease in Patients With Type 2 Diabetes and Obesity: A Randomized Clinical Trial. JAMA Surg. 2020 Aug 19;155(8):e200420.
  6. Mok J, Adeleke MO, Brown A, Magee CG, Firman C, Makahamadze C, et al. Safety and Efficacy of Liraglutide, 3.0 mg, Once Daily vs Placebo in Patients With Poor Weight Loss Following Metabolic Surgery: The BARI-OPTIMISE Randomized Clinical Trial. JAMA Surg [Internet]. 2023 Jul 26 [cited 2023 Aug 6]; Available from: https://jamanetwork.com/journals/jamasurgery/fullarticle/2807724

Como citar este artigo

Cohen RV, Silveira LP. Otimização dos resultados após cirurgias bariátricas e metabólicas Gastropedia 2024, Vol 2. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/otimizacao-dos-resultados-apos-cirurgias-bariatricas-e-metabolicas




Mecanismos de ação das cirurgias bariátrica e metabólicas: Muito além de restrição e má absorção

A obesidade é uma doença crônica e é considerada uma epidemia global sendo associada a uma série de complicações, tais como diabetes tipo 2, hipertensão, dislipidemia e doenças cardiovasculares. A cirurgia bariátrica/metabólica é eficaz no tratamento da obesidade e na melhora ou resolução de diversas complicações associadas.

No Brasil as cirurgias bariátricas/metabólicas mais realizadas são Bypass gástrico em Y de Roux e Gastrectomia vertical. Muitos ainda acreditam que as cirurgias funcionam apenas por meio de restrição alimentar e disabsorção. No entanto, as intervenções cirúrgicas ocasionam diversas mudanças fisiológicas que contribuem para seus mecanismos de ação. Restrição e má absorção são complicações das cirurgias bariátricas e metabólicas.

Impacto da Cirurgia Bariátrica/metabólica nas Alterações Hormonais:

  • Insulina e Hormônios Incretínicos: Pacientes submetidos à cirurgia bariátrica/metabólica frequentemente apresentam melhora na sensibilidade à insulina e na secreção de hormônios incretínicos, como o peptídeo semelhante ao glucagon 1 (GLP-1) e o peptídeo insulinotrópico dependente de glicose (GIP). Essas alterações contribuem para o controle glicêmico e a remissão do diabetes tipo 2, além de promover menos fome e saciedade.
  • Leptina e Grelina: A cirurgia bariátrica/metabólica pode resultar em redução da leptina, hormônio produzido pelo tecido adiposo que regula a saciedade, e diminuição dos níveis de grelina, hormônio orexígeno sintetizado no estômago. Essas mudanças hormonais auxiliam na regulação do apetite e na manutenção da perda de peso pós-cirurgia. Porém, não há evidência de que esses efeitos tenham interferência nos resultados a longo prazo, principalmente em relação à perda ponderal.
  • Peptídeo YY (PYY) e a oxintomodulina (OXM): Estes hormônios estão envolvidos na regulação do apetite e da saciedade, também podem ser influenciados pela cirurgia bariátrica/metabólica promovendo uma resposta metabólica favorável e ajudando na manutenção da perda de peso a longo prazo
  • Modificação da Microbiota Intestinal : A cirurgia bariátrica/metabólica pode alterar a composição e a função da microbiota intestinal, que desempenha um papel importante na regulação do peso corporal e do metabolismo. Essas alterações podem contribuir para a melhoria do controle glicêmico e do metabolismo lipídico. As modificações da flora bacteriana têm relação direta com aumento de circulação de ácidos biliares secundários que tem dentre suas ações fisiológicas a diminuição da fome, aumento da saciedade e melhora de secreção insulínica incretino-independente, isto é, sua secreção independe de ingesta alimentar para ocorrer.
  • Melhora da Sensibilidade à Insulina: Muitos portadores de obesidade também apresentam resistência à insulina, um fator de risco para o desenvolvimento de diabetes tipo 2. A perda de peso induzida pela cirurgia bariátrica/metabólica melhora a sensibilidade à insulina e, em alguns casos, levar à remissão do diabetes tipo 2.
  • Redução da Inflamação Crônica: A obesidade está frequentemente associada a um estado de inflamação crônica de baixo grau, que contribui para o desenvolvimento de doenças metabólicas, cardiovasculares e outras condições crônicas. A perda de peso após a cirurgia bariátrica/metabólica pode reduzir a inflamação e melhorar a saúde geral do paciente

As alterações hormonais desencadeadas pela cirurgia bariátrica/metabólica desempenham um papel fundamental nos efeitos metabólicos e fisiológicos observados após o procedimento. Compreender essas mudanças hormonais é essencial para melhorar as estratégias terapêuticas e otimizar os resultados clínicos em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica/metabólica.

Leia também

Referências:

  1. Laferrere B. Diabetes remission after bariatric surgery: is it just the incretins? Int J Obes. 2011;35 Suppl 3:S22–5.
  2. UK Prospective Diabetes Study (UKPDS) Group. Intensive blood-glucose control with sulphonylureas or insulin compared with conventional treatment and risk of complications in patients with type 2 diabetes (UKPDS 33). Lancet 1998;352:837–853
  3. Cohen RV, Pinheiro JC, Schiavon CA, Salles JE, Wajchenberg BL, Cummings DE. Effects of gastric bypass surgery in patients with type 2 diabetes and only mild obesity. Diabetes Care 2012;35:1420-8. DOI: http://dx.doi.org/10.2337/dc11-2289
  4. Hansen EN, Tamboli RA, Isbell JM, et al. Role of the foregut in the early improvement in glucose tolerance and insulin sensitivity following Roux-en-Y gastric bypass surgery. Am J Physiol Gastrointest Liver Physiol. 2011;300(5):G795–802.
  5. Cohen RV, Rubino F, Schiavon C, Cummings DE. Diabetes remission without weight loss after duodenal bypass surgery. Surg Obes Relat Dis 2012;8:e66–e68

Como citar este artigo

Pechy F, Cohen R. Mecanismos de ação das cirurgias bariátrica e metabólicas: Muito além de restrição e má absorção Gastropedia 2024; vol 2. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/mecanismos-de-acao-das-cirurgias-bariatrica-e-metabolicas-muito-alem-de-restricao-e-ma-absorcao




Como identificar quem terá a melhor resposta à cirurgia bariátrica e metabólica

Introdução

Sendo doenças crônicas e progressivas e de fundamentos biológicos semelhantes, a perda de peso e o controle do diabetes mellitus do tipo 2 após cirurgia bariátrica e metabólica apresentam uma grande variabilidade. Habitualmente, se espera uma perda de peso maior e um melhor controle do diabetes com diferentes intervenções cirúrgicas, como gastrectomia vertical (“sleeve”), gastroplastia em Y de Roux (“bypass”) e derivações bílio-pancreáticas (Scopinaro e switch duodenal). No entanto, características individuais e das próprias doenças, obesidade e diabetes, podem ter uma influência ainda maior na resposta desses pacientes à cirurgia. Nesse artigo, vamos discorrer sobre os preditores de resposta à cirurgia bariátrica e metabólica.

Perda de peso

A perda de peso após todos os tipos de cirurgia bariátrica/metabólica segue um padrão de distribuição normal, conhecido como curva de Gauss, com pacientes apresentando resposta sub ótima ou excelente nos extremos de distribuição e com a maioria dos pacientes apresentando uma perda de peso na região central da curva. Essa região central da curva corresponde a uma perda de peso entre 20 a 35% do peso inicial (antes da cirurgia).

Em um estudo1 foi observado essa variabilidade e que a perda de peso dos 3 aos 6 meses após a gastrectomia vertical e/ou gastroplastia em Y de Roux foi o fator determinante mais importante na perda de peso total. Oitenta por cento dos pacientes que perderam menos de 500 gramas por semana nesse período não obtiveram uma perda de peso maior do que 20% do peso inicial o que caracterizava resposta clínica sub ótima ao tratamento. Não houve influência da idade, sexo, raça, índice de massa corporal (IMC) inicial, presença de diabetes do tipo 2 ou hospital de realização da cirurgia nessa perda de peso.

Em outro estudo2, foi realizado avaliação do genótipo de 848 pacientes com obesidade submetidos a gastroplastia em Y de Roux. Foram identificados 13 pares de parentes de primeiro grau, 10 pares de indivíduos sem relação genotípica, mas morando na mesma residência e o restante foi pareado de maneira aleatória (794 pacientes). A perda de peso dos pares de parentes de primeiro grau foi bastante similar e isso não foi observado nos outros pares estudados. Portanto, fatores genéticos exerceram uma forte influência na perda esperada de peso.

Controle de diabetes mellitus do tipo 2

Como na obesidade, a resposta dos pacientes com diabetes ao tratamento cirúrgico também apresenta variabilidade, com pacientes com respostas adequadas e outros com menor intensidade no controle da doença. De maneira geral, espera-se um alto grau de controle do diabetes após a cirurgia.

Duas escalas, DiaRem3 e DiaRem24, foram propostas para a identificação de pacientes com maior e menor probabilidade de controle do diabetes após a cirurgia bariátrica/metabólica. Nessas escalas, são avaliados a idade do paciente, o nível da HbA1c (%) no pré-operatório, tempo de duração do diabetes, uso de drogas para tratamento do diabetes e o uso de insulina. Pacientes com pontuações mais baixas em cada item apresentavam uma maior probabilidade de controle da doença após a gastroplastia em Y de Roux e gastrectomia vertical (tabela 1). Vale ressaltar que o IMC antes da cirurgia não foi um fator determinante na resposta do diabetes.

% remissão total ou parcial

Pontuação
88 0 – 2
64 3- 7
23 8 – 12
6 – 16 13 – 17
2 18 – 22
Tabela 1 – Porcentagem de remissão de acordo com pontuação na escala DiaRem

Pacientes com um subgrupo específico de diabetes, SIRD (severe insulin resistance diabetes ou diabetes com resistência grave à insulina) apresentam uma maior probabilidade de complicações renais, macrovasculares e coronárias5. No entanto, esse subgrupo apresenta uma probabilidade maior de remissão glicêmica e maior redução de estágio de doença renal do que outros grupos de pacientes com diabetes após o tratamento cirúrgico.

Atualmente, é importante salientar o papel da perda de peso pós-operatória no controle do diabetes, lembrando que as duas doenças têm diversos mecanismos fisiopatológicos comuns6. Pacientes com maior perda de peso, além dos benefícios de melhora de risco cardiovascular e de qualidade de vida, apresentam uma maior probabilidade de controle adequado do diabetes a longo prazo.

Conclusão

De maneira geral, pacientes com obesidade e diabetes com idade até 60 anos, com menor tempo de doença diabetes, com menor glicotoxicidade, menor tempo de uso de insulina, do subgrupo SIRD e com maior perda de peso no pós-operatório provavelmente apresentarão uma melhor resposta ao tratamento cirúrgico. Mas, pacientes com características não ideais também podem e devem receber avaliação individualizada para o tratamento cirúrgico.

Referências

  1. Manning S, Pucci A, Carter NC et al. Early postoperative weight loss predicts maximal weight loss after sleeve gastrectomy and Roux-en-Y gastric bypass. Surg Endosc 2015:29;1484-91
  2. Hatoum IJ, Greenwalt DM, Cotsapas C et al. Heritability of weight loss response to gastric bypass surgery. The Journal Clin Endo Met 2011:96;1630-33
  3. Wood CG, Horwitz D, Still CD et al. Perfomance of DiaRem score for predicting diabetes remission in two health systems following bariatric surgery procedures in Hispanic and non-Hispanic white patients. Obes Surg 2018:28;61-68
  4. Still CD, Benotti P, Mirshahi et al. DiaRem2: incorporating duration of diabetes to improve prediction of diabetes remission after metabolic surgery. Surg Obes Relat Dis 2019:15;717-24
  5. Raverdy V, Cohen RV, Caiazzo R et al. Data-driven subgroups of type 2 diabetes, metabolic response, and renal risk profile after bariatric surgery: a retrospective cohort study. Lancet Diabetes Endocrinol 2022:10;167-76
  6. Linvay I, Sumithran P, Cohen RV et al. Obesity management as a primary treatment goal for type 2 diabetes: time to reframe the conversation. Lancet 2022:399;394-405

Leia também:

Como citar este artigo

Pinheiro-Filho JC e Cohen RV. Como identificar quem terá a melhor resposta à cirurgia bariátrica e metabólica Gastropedia 2024, Vol 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/como-identificar-quem-tera-a-melhor-resposta-a-cirurgia-bariatrica-e-metabolica




Cirurgia cooperativa laparoscópica e endoscópica (LECS) para ressecção de GIST gástrico

Autores: Henrique Lopardi Passos, Annita Cavalcante Farias Leoncio Cardoso, Eduardo Rullo Maranhão Dias, Pedro Henrique de Freitas Amaral, Sergio Roll, Bruno da Costa Martins

Introdução

A gastrectomia parcial laparoscópica para tumores gástricos submucosos é um procedimento simples, seguro e bem difundido. Entretanto, a visão somente laparoscópica, da superfície serosa, pode tornar difícil a localização de tumores no lúmen gástrico, resultando em uma ressecção extensa da parede gástrica que, por sua vez, pode levar a deformidades e obstrução do trânsito do órgão. Também há vários relatos de margens de ressecção positivas e recorrência local pós-operatória devido ao desconhecimento do local preciso da lesão.

Para resolver estes problemas, surgiu em 2006 a cirurgia cooperativa laparoscópica e endoscópica (laparoscopic and endoscopic cooperative surgery – LECS), a qual vem evoluindo e se difundindo cada vez mais. O conceito está começando a ser aplicado também para excisões tumorais em outros órgãos, como duodeno, cólon e reto, com expectativa de ainda mais evolução no futuro. Para saber mais sobre esta técnica, confira este outro artigo do GASTROPEDIA: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/esofago-estomago-duodeno/tecnicas-combinadas-para-resseccao-localizada-de-espessura-total-da-parede-do-trato-gastrointestinal-laparoscopic-and-endoscopic-cooperative-surgery-lecs/.

Caso Clínico

Vídeo apresentando ressecção videolaparoscópica de GIST gástrico em parede posterior de corpo alto, próximo à cárdia, com o auxílio da endoscopia digestiva alta. A lesão media 26,5 x 19,1 mm, tendo diagnóstico através de punção ecoendoscópica, confirmado por imuno-histoquímica, sem metástases ao exame tomográfico. Devido ao tamanho da lesão e por se tratar de um tumor de baixo grau, foi indicada ressecção local por via laparoscópica. No procedimento, por se tratar de um tumor de difícil localização para ressecção local, em corpo alto, próximo à cárdia, em parede posterior, foi solicitado auxílio da endoscopia digestiva alta no intraoperatório, realizando um procedimento combinado (LECS).

A equipe de endoscopia realizou injeção de Voluven com azul de metileno para elevação da submucosa, permitindo a dissecção do tumor pela equipe de cirurgia e ressecção total da lesão por via videolaparoscópica e possibilitando uma menor área de grampeamento, com mínima deformidade do órgão. Não houve abertura da mucosa ou sangramento durante o procedimento. O tempo cirúrgico foi de 70 minutos. Três dias após a cirurgia, a paciente recebeu alta hospitalar, sem dor e aceitando bem dieta líquida.

No laudo anatomopatológico, foi confirmado o diagnóstico de tumor estromal de baixo grau, medindo 4,1 cm no maior eixo, com 1 mitose por 5 mm2, margens livres, sem invasão angiolinfática e pT2. Paciente se encontra em seguimento ambulatorial, assintomática.

Tumor Estromal Gastrointestinal (GIST)

Este tumor é uma rara neoplasia mesenquimal do trato gastrointestinal (TGI), apresentando-se tipicamente como uma lesão subepitelial do estômago e do intestino delgado. A maior parte destes tumores apresenta mutações características nos genes KIT ou PDGFRA, representando 1 a 2 % dos tumores primários do TGI, além de serem os tumores mesenquimais mais comumente encontrados nesta localização.

Muitas vezes os GISTs são detectados acidentalmente em pacientes assintomáticos por exames endoscópicos ou de imagem, mas algumas vezes os pacientes apresentam sinais e sintomas, como sangramento, disfagia, icterícia obstrutiva, constipação ou obstrução intestinal. O diagnóstico é estabelecido por histopatologia, imunohistoquímica e identificação de mutações específicas.

O diagnóstico diferencial inclui tumores subepiteliais benignos e malignos, muitos deles similares aos GISTs.

Como tratamento para os GISTs não metastáticos, temos a ressecção cirúrgica como padrão-ouro, com o objetivo de atingir uma ressecção R0.

Referências

  1. Hiki N, Nunobe S. Laparoscopic endoscopic cooperative surgery (LECS) for the gastrointestinal tract: Updated indications. Ann Gastroenterol Surg. 2019;3:239–246. https://doi.org/10.1002/ags3.12238
  2. Chandrajit P Raut et al. Clinical presentation, diagnosis, and prognosis of gastrointestinal stromal tumors. Uptodate 2023. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/clinical-presentation-diagnosis-and-prognosis-of-gastrointestinal-stromal-tumors.

Como citar este artigo

Passos HL, Cardoso AC, Dias ER, Amaral PH, Roll S, Martins BC, Cirurgia cooperativa laparoscópica e endoscópica (LECS) para ressecção de GIST gástrico Gastropedia 2024, vol 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/cirurgia-cooperativa-laparoscopica-e-endoscopica-lecs-para-resseccao-de-gist-gastrico




Reconstrução de parede abdominal no paciente portador de hérnia ventral complexa: os impactos do planejamento cirúrgico

Autores: Pedro Amaral, Eduardo Dias, Jessica Macret, João Paulo Carvalho, Luca Pivetta, Sergio Roll

As hérnias da parede abdominal representam um conjunto de doenças bastante prevalentes na população. Aproximadamente 27% da população irá receber algum diagnóstico de hérnia ao longo da vida e o tratamento será majoritariamente cirúrgico.

Nos últimos 20 anos, a cirurgia de parede abdominal apresentou evidente desenvolvimento, quer seja nos tratamentos convencionais – que ainda representam a maioria dos procedimentos – quer seja na modalidade minimamente invasiva, passando pela videolaparoscopia e, mais recentemente, a robótica. Desenvolveram-se amplamente, também, os materiais utilizados para este fim, como por exemplo as telas cirúrgicas, os fixadores e até os fios de sutura. Estes, passaram a ser designados com tecnologias próprias para a cirurgia da parede abdominal, produzidos com propriedades de absorção específica para cada tecido ou conformação farpada. A primeira reduz as deiscências e a segunda proporciona sutura unidirecional, que distribui a tensão e facilita o fechamento.

A grande maioria das hérnias serão curadas com êxito através de uma técnica cirúrgica bem aplicada e respeitando-se as orientações de pós-operatório. Isso é fato. Mas gostaríamos de chamar a atenção para um subgrupo que nem sempre apresenta fácil resolução, requerem com frequência cirurgias tecnicamente exigentes e podem ser acompanhadas de um período pós-operatório turbulento.

Em linhas gerais, se quisermos criar um estereótipo da hérnia difícil, ele certamente abrangerá um diâmetro herniário largo, contendo vísceras deslocadas da cavidade abdominal para o seu interior, terá musculatura hipotrófica ao seu redor, por vezes apresentando recidivas de tentativas frustradas de correção, em um paciente que não goza de boa condição clínica.

As taxas reportadas de recidiva em grupos complexos costumam variar de 24 a 43% e são consideradas elevadas. As razões para isso são multifatoriais, mas devem-se, em parte, às percepções errôneas de que estes pacientes não representam um desafio clínico.

O impacto na utilização de recursos e custos de saúde passaram a ser mais considerados atualmente. Neste grupo, observa-se um tempo de internação maior, cuidados intensivos podem ser necessários, os materiais utilizados são mais caros e o reparo cirúrgico pode não ser duradouro, fazendo com que os procedimentos sejam repetidos inúmeras vezes de forma redundante no mesmo paciente. No Brasil, houve um aumento de 90 milhões de reais na cirurgia da parede abdominal em 2024, comparado com o ano anterior, o que impactou em 13% a mais de pacientes operados em um ano. Nos Estados Unidos, custo anual total chegou a $ 9,7 bilhões de dólares em 2023, o que ultrapassa o valor que se gasta com cirurgia oncológica por exemplo.

Se, o cirurgião que está na linha de frente estiver treinado para perceber algumas armadilhas, ele se esquivará de intempéries do pós-operatório e o seu paciente terá otimizada a sua chance de um reparo único, longevo e que impactará satisfatoriamente na sua qualidade de vida. É disso que vamos falar aqui embaixo.

Quem é o paciente portador de hérnia complexa?

As hérnias complexas podem ser assim denominadas quando se encaixam na classificação proposta por Slater et al que leva em consideração 4 critérios.

  • Tamanho e localização: sendo atribuído critério de complexidade às hérnias maiores de 10cm, fora da linha média e próximas a proeminências ósseas, que dificultam a sobreposição da tela.
  • Fatores de risco e comorbidades: sobretudo as descontroladas, como por exemplo os pacientes tossidores crônicos que repetidamente aumentam a pressão intra-abdominal e os diabéticos mal controlados, com Hb-glicada elevada, e que apresentam cicatrização deficiente.
  • Contaminação e condições da parede abdominal: cuja presença de tecidos fibróticos, retrações cicatriciais e sua consequente má perfusão possam predispor à infecções e outras ocorrências do sítio cirúrgico.
  • Cenário clínico: sendo tecnicamente mais exigentes os pacientes em situações de urgência, múltiplas recorrências, necessidade de abordagens viscerais concomitantes à cirurgia da parede abdominal, como por exemplo enterectomias ou fechamento de ostomias.

É possível saber qual paciente precisará de cirurgia com separação de componentes?

Recomenda-se planejar a cirurgia de reconstrução de parede abdominal com tomografia computadorizada, dentre suas utilidades, é possível predizer o porte da cirurgia. A equação de Carbonell é um cálculo que tem se demostrado eficiente em apontar os casos que necessitarão de um porte mais avançado de cirurgia com técnica de separação de componentes. Ele é realizado somando-se a largura dos dois músculos reto abdominais que devem apresentar uma proporção mínima de 2:1 em relação ao diâmetro transverso da hérnia. (Σ retos abdominais > 2x diâmetro da hernia = não precisar separar componentes).

Como mensurar uma perda de domicílio?

Existem cálculos específicos para aferir a volumetria da cavidade abdominal e que são extremamente uteis no planejamento cirúrgico do paciente com hérnia complexa. Para medir o volume de uma estrutura com formato elipsóide, tal qual o saco herniário ou a cavidade abdominal, é preciso aplicar uma fórmula matemática que é uma adaptação do volume da esfera. O volume de uma elipse pode ser obtido resolvendo a equação 4/3 x 3,14 x (diâmetro latero-lateral / 2 x diâmetro longitudinal /2 x altura /2) tudo isso elevado à terceira potência. É até interessante saber a origem desta equação, mas existem calculadoras on line que nos ajudam a simplificar as aferições no dia a dia.

Amaral PHF, Roll S – Volumetry after botulinum toxin A: the impact on abdominal wall compliance and endotracheal pressure. Hernia (2024)

Assim, podemos obter tanto o volume da hérnia (VH) quanto o volume da cavidade abdominal (VCA). Se somarmos VH com VCA, teremos o volume peritoneal total que corresponde ao total de vísceras (VP=VH+VCA); se dividirmos VH por VCA, obteremos percentualmente o quanto o saco herniário representa em relação à cavidade abdominal e que usualmente denominamos como perda domicílio abdominal (PDA); se dividirmos o VH por VP, teremos a relação percentual do quanto o saco herniário representa no volume peritoneal total, que também é conhecido como índice peritoneal (IP)

Então, as medidas volumétricas são:

  • VH=0,52 x a x b x c (cm3 ou mL)
  • VCA=0,52 x A x B x C (cm3 ou mL)

E as relações volumétricas são:

  • VP=VH+VCA (cm3 ou mL)
  • PDA=VH/VCA (%)
  • IP=VH/VP (%)

A seguir, vamos compreender como esses números podem nos auxiliar no planejamento peri-operatório, partindo-se algumas questões que são importantes para o cirurgião.

Será possível fechar a linha média?

Perdas de Domicílio Abdominal menores de 25%, remetem 92% de sucesso na síntese completa da linha média. Isso quer dizer que é improvável deixar tela em ponte entre os retos, que não é considerado um reparo fisiológico, ou ainda, que seja necessário usar telas revestidas, que são mais caras e normalmente precisam ser solicitadas com antecedência. Por outro lado, a medida do Índice Peritoneal menor 20% sugerem que não haverá tensão no fechamento da linha média. Clinicamente isso significa que estes casos apresentam menor risco de deiscência da aponeurose e menores chances de hipertensão intra abdominal no pós-operatório.

Haverá necessidade de terapia intensiva no pós-operatório?

Perdas de Domicílio Abdominal maiores que 30,6%, denotam necessidade de internação em terapia intensiva por falência respiratória em quase um terço dos pacientes, nas 48 horas subsequentes a cirurgia. Uma medida de Índice Peritoneal maior que 33% remetem à níveis elevados de pressão de platô endotraqueal no pós-operatório. Isso significa que podemos esperar por algum grau de hipertensão intra-abdominal, sendo a síndrome compartimental o evento mais extremo.

E se esses fatores de risco forem identificados no pré-operatório?

Considere utilizar métodos adjuvantes como a aplicação de toxina botulínica e pneumoperitônio progressivo, que ajudarão a alterar a dinâmica e o comportamento entre saco herniário e a cavidade abdominal, otimizando os resultados. A flacidez muscular obtida por ação da toxina botulínica produz alteração da complacência da cavidade abdominal e reduz a razão entre o VH/VCA de 30% para 23% e o Índice Peritoneal de 23% para 18%, que podem representar a diferença entre um pós operatório com necessidades intensivas e dificuldade no fechamento da linha média, para um pós-operatório menos turbulento.

O risco de tromboembolismo é igual nesta cirurgia?

A fisiopatologia dos eventos tromboembólicos na cirurgia de reconstrução de parede abdominal apresenta menor relação com hipomobilidade. O aumento da pressão intra-abdominal pode alterar o fluxo na cava e levar à eventos trombo-embólicos sem, no entanto, haver trombose venosa profunda de membros inferiores. Recomenda-se calcular este risco através dos critérios propostos por Caprini et al.

Conclusões:

As hérnias complexas acompanham pacientes complexos. Neste contexto, o cirurgião deve antecipar-se aos problemas e preparar adequadamente os seus pacientes: o planejamento cirúrgico é componente chave para obtenção de melhores resultados. Contextualize sua equipe multidisciplinar sobre os casos complexos e certifique-se de que o seu hospital tem condições ideais para cuidar de um pós-operatório com necessidades especiais.

Referências:

  1. Slater NJ, Montgomery A, Berrevoet F, Carbonell AM, Chang A, Franklin M, Kercher KW, Lammers BJ, Parra-Davilla E, Roll S, Towfigh S, van Geffen E, Conze J, van Goor H. Criteria for definition of a complex abdominal wall hernia. Hernia (2014)
  2. Amaral PHF, Macret JZ, Dias ERM, Roll S et al. Volumetry after botulinum toxin A: the impact on abdominal wall compliance and endotracheal pressure. Hernia (2024)
  3. Tanaka EY et al. A computerized tomography scan method for calculating the hernia sac and abdominal cavity volume in complex large incisional hernia with loss of domain. Hernia (2010)
  4. Dias ERM, Amaral PHF, Macret JZ, Roll S et al. Systematic review and meta-analysis of the pre-operative application of botulinum toxin for ventral hernia repair. Hernia (2023)
  5. Fafaj A, Tastaldi L, Krpata DM, Rosen MJ et al. Can Hernia Sac to Abdominal Cavity Volume Ratio Predict Fascial Closure Rate for Large Ventral Hernia? Reliability of the Tanaka Score. Hernia (2021)
  6. Said S, Krpata D, Rosen M et al. Tanaka score predicts surgical intensive care admission following abdominal wall reconstruction. Hernia (2022)
  7. Sabbagh C et al. Peritoneal volume is predictive of tension-free fascia closure of large incisional hernias with loss of domain: a prospective study. Hernia (2011)
  8. Kraft CT, Janis JE. Venous Thromboembolism after Abdominal Wall Reconstruction: A Prospective Analysis and Review of the Literature. Plast Reconstr Surg. (2019)

Como citar este artigo

Amaral P, Dias E, Macret J, Carvalho JP, Pivetta L, Roll S, Reconstrução de parede abdominal no paciente portador de hérnia ventral complexa: os impactos do planejamento cirúrgico Gastropedia 2024; vol 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/reconstrucao-de-parede-abdominal-no-paciente-portador-de-hernia-ventral-complexa-os-impactos-do-planejamento-cirurgico/




Novas medicações para obesidade

Durante muitos anos a disponibilidade limitada de opções medicamentosas eficazes comprometeu o tratamento da obesidade. Sabemos que a mudança do estilo de vida com melhores escolhas nutricionais, inclusão de atividade física, terapias comportamentais são importantes para prevenção da obesidade e também fazem parte do tratamento.

É de suma importância entender que uma vez diagnosticada a obesidade, é necessário implementar medidas farmacológicas e em determinados casos medidas cirúrgicas para o tratamento adequado do paciente. Observa-se atualmente uma inércia em iniciar o tratamento medicamentoso.

Por muitos anos tivemos poucas opções medicamentosas para o tratamento da obesidade e muitas delas com registros de segurança insatisfatórios. Porém na última década, principalmente nos últimos 5 anos, estão sendo desenvolvidas novas medicações que proporcionam resultados importantes de perda de peso, associado a melhora significativa do controle metabólico, cardiovascular e renal.

O tratamento medicamentoso deve ser individualizado e para isso precisamos avaliar as contra indicações, tolerância, segurança e eficácia além do mecanismo de ação da droga versus o fenótipo de cada paciente.

Atualmente as medicações aprovadas pela Anvisa para obesidade são:

Orlistate e Sibutramina são as medicações mais antigas em uso no Brasil.

  • ORLISTATE:

    • Perda de peso discreta e redução de 45% de evolução para o Diabetes Mellitus tipo 2 ( DM2), em pacientes com intolerância à glicose.

  • SIBUTRAMINA:

    • Perda ponderal em torno de 4%;
    • Contra indicações: doença arterial coronariana, insuficiência cardíaca congestiva, arritmia ou acidente vascular cerebral

  • NALTREXONA + BUPROPIONA (CONTRAVE)

    • Liberada pela Anvisa em 2023.
    • Bupropiona, um inibidor da reabsorção de dopamina e a naltrexona, um agonista do receptor de opioide, funcionam de forma sinérgica, diminuindo a ingestão de alimentos e do peso corporal.
    • Ensaios clínicos: COR-I, COR-II, COR-BMOD E COR-Diabetes revelam que a combinação de bupropiona e naltrexona pode ser eficaz para uma perda de peso entre de 5,0% a 9,3% em comparação ao grupo placebo a depender do estudo analisado.

Os agonistas do receptor de GLP-1 (GLP-1 RA), representados pelo Saxenda (Liraglutida 3,0 mg) e Wegovy (Semaglutida 2,4mg), têm um bom perfil de segurança e tolerabilidade, proporcionando um tratamento eficaz para redução do peso e controle glicêmico, além disso vários estudos demonstraram outros benefícios como redução do risco de eventos cardiovasculares adversos maiores (MACE) em pessoas com e sem DM2 e mais recentemente também proteção renal.

A Liraglutida foi aprovada pela Anvisa para tratamento da obesidade há anos atrás, já a Semaglutida foi aprovada em 2023.

  • LIRAGLUTIDA

    • Agonista do receptor de GLP-1 tem 97% de homologia ao GLP-1 humano.
    • Meia vida de aproximadamente 13h; administração diária.
    • Entre várias ações, estimula a liberação de insulina, dependente da glicose, pelo pâncreas e retarda o esvaziamento gástrico.
    • Efeitos colaterais mais comuns são gastrointestinais, entre eles náuseas e vômitos.
    • Estudo SCALE estudou Saxenda para o controle de peso em pessoas sem DM2 e com DM2, os quais 63,2% dos pacientes perderam mais de 5% de peso e 33,1% perderam mais de 10%.

  • SEMAGLUTIDA

    • Agonista do receptor de GLP-1 de segunda geração tem 94% de homologia ao GLP-1humano.
    • Meia vida de aproximadamente uma semana; administração semanal, melhorando a aderência do paciente e a qualidade de vida.
    • Estudo STEP: oito ensaios clínicos principais com 2,4 mg de semaglutida evidenciando uma perda média de aproximadamente 15% do peso corporal em 47% dos pacientes do grupo de semaglutida comparado a apenas 4,8% do grupo placebo. Uma redução de 5% ou mais do peso ocorreu em 86,4% dos indivíduos no grupo da semaglutida.
    • Estudo SELECT: redução de 20% de eventos cardiovasculares adversos graves em pacientes sem DM2 em uso de 2,4mg de semaglutida. Esse benefício já havia sido avaliado no estudo Leader com liraglutida, porém apenas em pacientes com DM2.
    • Estudo FLOW: redução de 24% na progressão da doença renal, bem como na morte cardiovascular e renal para pessoas tratadas com semaglutida 1,0 mg em comparação com o placebo em pessoas com DM2 e DRC

Além das novas medicações, Contrave e Wegovy aprovadas em 2023 pela ANVISA; mais recentemente a Tirzepatida que já foi aprovada pela ANVISA para uso em DM2, cujo nome comercial é Mounjaro, foi também aprovada pelo FDA (Food and Drug Administration) para obesidade com o nome de Zepbound.

  • TIRZEPATIDA

    • Agonista duplo do receptor GIP e GLP-1 que tem efeito sinérgico na glicose e controle de peso.
    • O Estudo SURMOUNT mostrou uma perda de peso de até 25% em um terço dos indivíduos sem DM2 em uso de tirzepatida.

Existem vários outros estudos com novas drogas para obesidade em andamento, o caminho é promissor para medicamentos triplo agonistas entre outras drogas com novos mecanismos de ação.

Referências

  1. Pi-Sunyer X, et al.A Randomized, Controlled Trial of 3.0 mg of Liraglutide in Weight Management. N Engl J Med 2015:373;11–22.
  2. Davies MJ, et al. Efficacy of Liraglutide for Weight Loss Among Patients With Type 2 DiabetesThe SCALE Diabetes Randomized Clinical Trial JAMA 2015;314:687–699.
  3. le Roux CW, et al. 3 years of liraglutide versus placebo for type 2 diabetes risk reduction and weight management in individuals with prediabetes: a randomised, double-blind trial. Lancet 2017;389:1399–1409.
  4. Blundell J, et al. Effects of once-weekly semaglutide on appetite, energy intake, control of eating, food preference and body weight in subjects with obesity. Diabetes Obes Metab 2017;19:1242–1251.
  5. Wilding JPH, et al. Once-Weekly Semaglutide in Adults with Overweight or Obesity. N Eng J Med. 2021;384:989–1002.
  6. Davies M, et al. Semaglutide 2,4 mg once a week in adults with overweight or obesity, and type 2 diabetes (STEP 2): a randomised, double-blind, double-dummy, placebo-controlled, phase 3 trial. Lancet. 2021;397:971–84.
  7. Wadden TA, et al. J. Effect of Subcutaneous Semaglutide vs Placebo as an Adjunct to Intensive Behavioral Therapy on Body Weight in Adults With Overweight or Obesity: The STEP 3 Randomized Clinical Trial AMA. 2021;325:1403–1413.
  8. Rubino D, et al. Effect of Continued Weekly Subcutaneous Semaglutide vs Placebo on Weight Loss Maintenance in Adults With Overweight or Obesity The STEP 4 Randomized Clinical Trial. JAMA. 2021;325:1414–1425.
  9. Marso SP, et al. Semaglutide and Cardiovascular Outcomes in Patients with Type 2 Diabetes. N Engl J Med 2017;376:891–892.
  10. Ryan DH, et al. Semaglutide Effects on Cardiovascular Outcomes in People With Overweight or Obesity (SELECT) rationale and design Am Heart J. 2020;229:61–69.
  11. le Roux CW, et al. Tirzepatide for the treatment of obesity: Rationale and design of the SURMOUNT clinical development program. Obesity. 2023;31:96-110.

Como citar este artigo

Silva ACC e Cohen RV. Novas medicações para obesidade Gastropedia 2024; vol 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/obesidade/novas-medicacoes-para-obesidade/