A cirurgia bariátrica pode aumentar o risco de câncer?

A obesidade tem uma associação bem documentada com o desenvolvimento de vários tipos de câncer. Diversos mecanismos fisiopatológicos explicam essa relação.

Indivíduos obesos têm um aumento de produção nos adipócitos de algumas citocinas inflamatórias (TNF-α, IL-6 e PAI-1) que promovem a angiogênese, além de alguns hormônios que estimulam a reprodução celular, o que favorece um ambiente propício ao desenvolvimento e à progressão do câncer.

Além disso, a resistência à insulina, comum em pessoas com obesidade, aumenta os níveis de insulina e do fator de crescimento derivado da insulina, promovendo o crescimento celular e inibindo a apoptose, ambos elementos importantes para o surgimento do câncer.1

Câncer hormônio dependente

A cirurgia bariátrica consiste no tratamento mais eficaz e duradouro para o tratamento da obesidade. Entre todos os cânceres, os de mama, endométrio e ovário demonstraram ter as associações mais fortes ao avaliar o impacto da cirurgia bariátrica na diminuição de suas incidências, isto ocorre especialmente pois na fase pós menopausa ocorre uma persistente produção de estrogênio extragonadal no tecido adiposo.2,3,4

Neoplasia de esôfago

Há preocupações de que uma cirurgia bariátrica, especialmente uma gastrectomia vertical, possa aumentar o risco de câncer de esôfago e estômago devido ao refluxo gastroesofágico, que pode ser agravado pela alteração anatômica. Esse refluxo constante poderia levar à metaplasia (Barrett), condição que predispõe ao câncer de esôfago. Leia mais sobre DRGE e cirurgia bariátrica nesse post.

No entanto, estudos recentes mostram resultados variados: alguns indicam que, apesar do aumento dos sintomas de refluxo, a gastrectomia vertical não aumenta a esofagite de refluxo e inclusive diminui a taxa de esôfago de Barret comparado com o bypass.5 Lazzati et al analisou 1 140 347 pacientes com obesidade na França e reportou uma taxa mais baixa de neoplasia de esôfago naqueles submetidos a cirurgia bariátrica (0.5%) comparado com os não submetidos (1.0%, P < .001), inclusive com incidências similares entre os submetidos a bypass comparado com os submetidos a gastrectomia vertical.6

Neoplasia de pâncreas e fígado

O risco de câncer de pâncreas está fortemente associado à obesidade, devido ao estado de resistência à insulina ocorre um aumento de sua produção. Esse estímulo pancreático em excesso, leva a ativação de células estreladas pancreáticas causando fibrose e formação de tecido conjuntivo, condições propícias para formação de neoplasia. Apesar dos resultados limitados tendo em vista a incidência mais taxa dessa neoplasia, uma metanálise recente demonstrou diminuição significante desse risco após a cirurgia bariátrica comparado com pacientes obesos não operados (OR= 0.76, IC 95% 0.64-0.90).7

Já é bem estabelecido que a obesidade leva a esteatose hepática e esteato-hepatite não alcoólica (NASH), condição para cirrose e potencialmente neoplasia hepática. A cirurgia bariátrica junto com a perda de peso já demonstrou ter melhorado, e em alguns casos completamente revertido essa condição predisponente.8

Neoplasia de cólon

A relação entre a cirurgia bariátrica e o câncer de cólon é complexa e, diferentemente de outros tipos de câncer que apresentam redução de risco com a cirurgia, o câncer colorretal pode, em alguns casos, ter sua incidência aumentada após o procedimento. Esse efeito contraditório sugere que, embora a redução de peso e a melhoria do perfil metabólico trazidas pela cirurgia bariátrica sejam vantajosas para a maioria das condições de saúde, o impacto específico no cólon deve ser avaliado com cuidado.

Estudos indicam que alterações na microbiota intestinal e alterações no ambiente do trato gastrointestinal após uma cirurgia bariátrica podem influenciar o risco de câncer de cólon. Esses procedimentos, especialmente o bypass gástrico, causam alterações significativas no trânsito intestinal e na absorção de nutrientes, o que pode afetar a composição microbiana do intestino.9

Outro fator a se considerar é que, após o bypass gástrico, ocorrem mudanças nos níveis de ácidos biliares no intestino, o que pode alterar a sinalização celular no cólon.9 Um estudo demonstrou que pacientes submetidos ao bypass gástrico exibiram hiperproliferação da mucosa retal.10

Estudos populacionais mostram resultados heterogêneos para o risco de câncer de cólon após cirurgia bariátrica. Um estudo realizado na Inglaterra com mais de 8.000 pacientes indicou que indivíduos que realizaram bypass gástrico apresentaram o dobro do risco de desenvolver câncer colorretal em comparação com pacientes obesos que não foram submetidos ao procedimento (0.4% vs 0.2%; odds ratio [OR], 2.43; 95%CI, 1.31-4.55).11 Na mesma linha, uma coorte sueca com seguimento de mais de 10 anos, mostrou uma taxa de incidência maior de câncer de cólon em pacientes submetidos ao bypass.12

Uma subanálise revelou que o aumento do risco de câncer colorretal após uma cirurgia bariátrica pode variar de acordo com o tipo de procedimento. Numa subanálise desse mesmo estudo britânico demonstrou que apenas o bypass gástrico estava associado ao aumento do risco (OR, 2.63;95%CI, 1.17-5.96), em comparação com a gastrectomia vertical ou a banda gástrica ajustável.11 Esse dado sugere que o mecanismo específico de alteração do trânsito intestinal e absorção de nutrientes do bypass gástrico possa ser um fator importante​ na fisiopatologia.

Um viés nesse tipo de estudo consiste em que os pacientes que se submetem à cirurgia bariátrica têm melhor acesso a cuidados médicos, incluindo o rastreio oncológico com colonoscopia por exemplo, possibilitando um maior número de diagnósticos desse tipo. Outro viés decorre de pacientes podem ser diagnosticados com câncer no pré-operatório da cirrurgia bariátrica. Tal paciente seria desqualificado de receber cirurgia, mas progrediria para o diagnóstico dentro do grupo não cirúrgico comparativo.

Embora as evidências apontem para um possível aumento do risco de câncer de cólon após a cirurgia bariátrica, especialmente o bypass gástrico, ainda são necessárias pesquisas dedicadas para entender completamente essa relação e determinar os fatores de risco específicos. Alguns especialistas recomendam que pacientes bariátricos, especialmente aqueles que realizaram o bypass, sejam submetidos a monitoramento mais intensivo, com exames de colonoscopia mais frequentes do que a população em geral.

Por outro lado, os benefícios da cirurgia bariátrica para a saúde geral ainda superam os riscos potenciais de câncer colorretal, especialmente considerando as melhorias nos índices de diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares que esses pacientes obtêm com uma perda de peso sustentada. Portanto, o monitoramento adicional de câncer colorretal pode ser uma estratégia de mitigação de riscos, sem comprometer a escolha do tipo de cirurgia bariátrica.

Referências

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  3. Aminian A, Wilson R, Al-Kurd A, et al. Association of bariatric surgery with cancer risk and mortality in adults with obesity. JAMA. 2022;327 (24):2423-2433. doi:10.1001/jama.2022.9009
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  6. Lazzati A, Epaud S, Ortala M, Katsahian S, Lanoy E. Effect of bariatric surgery on cancer risk: results from an emulated target trial using population-based data. Br J Surg. 2022;109(5): 433-438. doi:10.1093/bjs/znac003
  7. Fan H, Mao Q, ZhangW, et al. The impact of bariatric surgery on pancreatic câncer risk: a systematic review and meta-analysis. Obes Surg. 2023;33(6):1889-1899; Epub ahead of print. doi:10.1007/s11695-023-06570-x
  8. Lee Y, Doumouras AG, Yu J, et al. Complete resolution of nonalcoholic fatty liver disease after bariatric surgery: a systematic review and meta-analysis. Clin Gastroenterol Hepatol. 2019;17 (6):1040-1060.e11. doi:10.1016/j.cgh.2018.10.017
  9. Derogar M, Hull MA, Kant P, Östlund M, Lu Y, Lagergren J. Increased risk of colorectal cancer after obesity surgery. Ann Surg. 2013 Dec;258(6):983-8. doi: 10.1097/SLA.0b013e318288463a. PMID: 23470581.
  10. Kant P, Hull MA. Excess body weight and obesity–the link with gastrointestinal and hepatobiliary cancer. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2011 Apr;8(4):224-38. doi: 10.1038/nrgastro.2011.23. Epub 2011 Mar 8. PMID: 21386810.
  11. Mackenzie H, Markar SR, Askari A, et al. Obesity surgery and risk of cancer. Br J Surg. 2018; 105(12):1650-1657. doi:10.1002/bjs.10914
  12. Derogar M, Hull MA, Kant P, Östlund M, Lu Y, Lagergren J. Increased risk of colorectal câncer after obesity surgery. Ann Surg. 2013;258(6): 983-988. doi:10.1097/SLA.0b013e318288463a

Como citar este artigo

Oliveira JF. A cirurgia bariátrica pode aumentar o risco de câncer? Gastropedia 2024 Vol. II. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/a-cirurgia-bariatrica-pode-aumentar-o-risco-de-cancer/




Otimização dos resultados após cirurgias bariátricas e metabólicas

A obesidade e suas complicações estão se tornando cada vez mais prevalentes em todo o mundo. Diante desse cenário desafiador, é fundamental adotar abordagens multifacetadas e eficazes para prevenir e tratar essa condição de saúde pública. O crescente reconhecimento da obesidade como uma doença crônica e progressiva tem impulsionado avanços significativos no campo do tratamento.

Novos medicamentos antiobesidade têm demonstrado promissora eficácia no combate ao excesso de peso. No entanto, a personalização do tratamento é essencial, combinando diferentes estratégias para garantir que todos tenham acesso equitativo a opções terapêuticas eficazes.

Atualmente, a cirurgia bariátrica/metabólica é considerada a intervenção mais eficaz e duradoura para o tratamento da obesidade e suas complicações. Acredita-se que, quando bem indicado, o uso concomitante de medicamentos antiobesidade antes, durante ou após a cirurgia possa potencializar os resultados, otimizando desfechos em casos selecionados. No entanto, ainda há lacunas significativas de evidências científicas sólidas para orientar essas recomendações.

Opções para o tratamento farmacológico da obesidade disponíveis no Brasil:

  • Sibutramina
  • Orlistat
  • Liraglutida (Saxenda)
  • Semaglutida (Ozempic/Wegovy)
  • Associação de Bupropiona com Naltrexona (Contrave)

Uso de medicamentos antiobesidade antes da cirurgia bariátrica/metabólica

A perda de peso antes da cirurgia pode melhorar os resultados durante e após o procedimento, mas seu impacto nas complicações pós-operatórias é limitado, especialmente com o uso de técnicas laparoscópicas por equipes experientes. A gestão de peso pré-operatória deveria se centrar mais na educação e modificações de comportamento do que na própria perda de peso.

Para quem se poderia considerar o uso de medicamentos antiobesidade no pré-operatório com o intuito de otimizar resultados cirúrgicos?

  • Pessoas com obesidade grave e índice de massa corporal acima de 50 Kg/m2
  • Pacientes com diabetes mellitus do tipo 2 para melhora do controle glicêmico

Pacientes com cirrose hepática, insuficiência cardíaca ou renal se beneficiariam da perda de peso pré-operatória, porém não existem estudos com medicações para perda de peso nessas populações.

A escolha da farmacoterapia deve ser individualizada dentro do que dispomos de opções. Estudos mostram que enquanto Orlistat apresenta uma perda discreta e pouco auxílio na perda pré-operatória, os medicamentos análogos de GLP-1 mostram grande eficácia em relação à perda de peso e controle glicêmico.

Recomendações para Suspensão de Medicamentos Antiobesidade no Pré-Operatório

Os medicamentos antiobesidade, especialmente os análogos do peptídeo semelhante ao glucagon -1 (GLP-1), são amplamente reconhecidos por sua eficácia na perda de peso e controle metabólico. No entanto, devido ao seu efeito de lentificar o esvaziamento gástrico, é importante considerar sua suspensão antes de procedimentos cirúrgicos.

De acordo com a Sociedade Americana de Anestesiologia, para os análogos de GLP-1 de uso diário, como a liraglutida, recomenda-se a manutenção do uso até o dia anterior à cirurgia. Por outro lado, para os análogos de GLP-1 de uso semanal, como a semaglutida, o uso deve ser interrompido até 7 dias antes do procedimento.

No Brasil, a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) oferece diretrizes que recomendam interromper o uso da liraglutida 2 dias antes da cirurgia e da semaglutida (oral ou subcutânea) 21 dias antes. Para a dulaglutida, a recomendação é suspender 15 dias antes. Essas orientações baseiam-se na meia-vida dos medicamentos e na prática de suspender o uso com 3 meias-vidas de antecedência, embora haja escassez de estudos específicos.

A Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA) concorda com as orientações da SBD.

Uso de medicamentos antiobesidade após a cirurgia bariátrica/metabólica

Para pacientes enfrentando perda de peso subótima ou reganho excessivo após a cirurgia, as opções de tratamento são limitadas. Reparos pós-cirúrgicos, conversões para procedimentos mais invasivos ou reintrodução de técnicas de manejo do estilo de vida são algumas alternativas. No entanto, tais procedimentos adicionais apresentam taxas de complicações mais elevadas. Nesse cenário, a farmacoterapia surge como uma alternativa potencialmente mais segura.

Atualmente, não há medicamentos aprovados especificamente para pacientes pós-cirurgia bariátrica com perda de peso insuficiente ou reganho de peso. Essa população é frequentemente excluída de grandes estudos. No entanto, evidências mostram que o uso off-label de medicamentos antiobesidade pode resultar em uma perda de peso significativa. Por exemplo, pacientes que receberam liraglutida 3.0 mg após a cirurgia apresentaram reduções notáveis no peso, sugerindo sua eficácia nesse contexto.

É importante considerar que diferentes tipos de cirurgia bariátrica podem influenciar a resposta ao tratamento medicamentoso. Enquanto algumas cirurgias aumentam os níveis de peptídeo semelhante ao glucagon-1 (GLP-1) e contribuem para a perda de peso, outras podem ter efeitos diferentes. Estudos mostraram que pacientes submetidos a gastrectomia vertical podem perder menos peso em comparação com outros procedimentos.

Por que e quando considerar estratégias combinadas?

Por que?:

  • A probabilidade de recidiva do T2D após um período de remissão, associada a uma resposta de peso subótima e ganho de peso recorrente.
  • A perda de peso total de mais de 15% após cirurgia bariátrica sustentada pode controlar ou interromper complicações do diabetes e reduzir a mortalidade.
  • A progressão da doença crônica (obesidade e/ou diabetes mellitus tipo 2) pode exigir tratamentos mais intensivos, incluindo o uso adicional de medicamentos para manter ou melhorar o controle metabólico após a cirurgia.

Quando?:

  • Recidiva do diabetes tipo 2 ou descontrole após cirurgia e/ou resposta subótima da perda de peso.
  • Pacientes com índice de massa corporal inicial elevado, especialmente acima de 50 kg/m2, podem precisar iniciar o uso de medicamentos mais precocemente para evitar o reganho de peso.

Apesar do crescente interesse, há escassez de dados de ensaios clínicos randomizados (RCTs) sobre a combinação de fármacos antiobesidade e cirurgia bariátrica/metabólica.

Dentre os estudos clínicos relevantes:

  • No estudo STAMPEDE, que comparou terapia médica intensiva isolada com cirurgia mais tratamento médico, pacientes submetidos à cirurgia, além do melhor tratamento médico, alcançaram uma perda de peso mais significativa após um acompanhamento de 5 anos, destacando a eficácia da combinação de medicamentos com cirurgia.

O estudo Microvascular Outcomes after Metabolic Surgery, um ensaio clínico randomizado que compara a melhor terapia clínica com a cirurgia de bypass gástrico em Y-de-Roux (RYGB) em pacientes com diabetes tipo 2 (T2D) e microalbuminúria estabelecida, tem como objetivo examinar a remissão da albuminúria, a perda de peso, o controle glicêmico, entre outros desfechos secundários.

Quanto à escolha de medicamentos, a terapia com agonistas do receptor de GLP1 demonstrou eficácia e segurança, conforme evidenciado pelo estudo GRAVITAS, que destacou melhorias no controle glicêmico e perda de peso em pacientes com diabetes tipo 2 após cirurgia bariátrica.

Referências:

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  3. Tewksbury C, Williams NN, Dumon KR, Sarwer DB. Preoperative Medical Weight Management in Bariatric Surgery: a Review and Reconsideration. OBES SURG. 2017 Jan;27(1):208–14.
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  6. Mok J, Adeleke MO, Brown A, Magee CG, Firman C, Makahamadze C, et al. Safety and Efficacy of Liraglutide, 3.0 mg, Once Daily vs Placebo in Patients With Poor Weight Loss Following Metabolic Surgery: The BARI-OPTIMISE Randomized Clinical Trial. JAMA Surg [Internet]. 2023 Jul 26 [cited 2023 Aug 6]; Available from: https://jamanetwork.com/journals/jamasurgery/fullarticle/2807724

Como citar este artigo

Cohen RV, Silva LP. Otimização dos resultados após cirurgias bariátricas e metabólicas Gastropedia 2024, Vol 2. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/otimizacao-dos-resultados-apos-cirurgias-bariatricas-e-metabolicas




Mecanismos de ação das cirurgias bariátrica e metabólicas: Muito além de restrição e má absorção

A obesidade é uma doença crônica e é considerada uma epidemia global sendo associada a uma série de complicações, tais como diabetes tipo 2, hipertensão, dislipidemia e doenças cardiovasculares. A cirurgia bariátrica/metabólica é eficaz no tratamento da obesidade e na melhora ou resolução de diversas complicações associadas.

No Brasil as cirurgias bariátricas/metabólicas mais realizadas são Bypass gástrico em Y de Roux e Gastrectomia vertical. Muitos ainda acreditam que as cirurgias funcionam apenas por meio de restrição alimentar e disabsorção. No entanto, as intervenções cirúrgicas ocasionam diversas mudanças fisiológicas que contribuem para seus mecanismos de ação. Restrição e má absorção são complicações das cirurgias bariátricas e metabólicas.

Impacto da Cirurgia Bariátrica/metabólica nas Alterações Hormonais:

  • Insulina e Hormônios Incretínicos: Pacientes submetidos à cirurgia bariátrica/metabólica frequentemente apresentam melhora na sensibilidade à insulina e na secreção de hormônios incretínicos, como o peptídeo semelhante ao glucagon 1 (GLP-1) e o peptídeo insulinotrópico dependente de glicose (GIP). Essas alterações contribuem para o controle glicêmico e a remissão do diabetes tipo 2, além de promover menos fome e saciedade.
  • Leptina e Grelina: A cirurgia bariátrica/metabólica pode resultar em redução da leptina, hormônio produzido pelo tecido adiposo que regula a saciedade, e diminuição dos níveis de grelina, hormônio orexígeno sintetizado no estômago. Essas mudanças hormonais auxiliam na regulação do apetite e na manutenção da perda de peso pós-cirurgia. Porém, não há evidência de que esses efeitos tenham interferência nos resultados a longo prazo, principalmente em relação à perda ponderal.
  • Peptídeo YY (PYY) e a oxintomodulina (OXM): Estes hormônios estão envolvidos na regulação do apetite e da saciedade, também podem ser influenciados pela cirurgia bariátrica/metabólica promovendo uma resposta metabólica favorável e ajudando na manutenção da perda de peso a longo prazo
  • Modificação da Microbiota Intestinal : A cirurgia bariátrica/metabólica pode alterar a composição e a função da microbiota intestinal, que desempenha um papel importante na regulação do peso corporal e do metabolismo. Essas alterações podem contribuir para a melhoria do controle glicêmico e do metabolismo lipídico. As modificações da flora bacteriana têm relação direta com aumento de circulação de ácidos biliares secundários que tem dentre suas ações fisiológicas a diminuição da fome, aumento da saciedade e melhora de secreção insulínica incretino-independente, isto é, sua secreção independe de ingesta alimentar para ocorrer.
  • Melhora da Sensibilidade à Insulina: Muitos portadores de obesidade também apresentam resistência à insulina, um fator de risco para o desenvolvimento de diabetes tipo 2. A perda de peso induzida pela cirurgia bariátrica/metabólica melhora a sensibilidade à insulina e, em alguns casos, levar à remissão do diabetes tipo 2.
  • Redução da Inflamação Crônica: A obesidade está frequentemente associada a um estado de inflamação crônica de baixo grau, que contribui para o desenvolvimento de doenças metabólicas, cardiovasculares e outras condições crônicas. A perda de peso após a cirurgia bariátrica/metabólica pode reduzir a inflamação e melhorar a saúde geral do paciente

As alterações hormonais desencadeadas pela cirurgia bariátrica/metabólica desempenham um papel fundamental nos efeitos metabólicos e fisiológicos observados após o procedimento. Compreender essas mudanças hormonais é essencial para melhorar as estratégias terapêuticas e otimizar os resultados clínicos em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica/metabólica.

Leia também

Referências:

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  3. Cohen RV, Pinheiro JC, Schiavon CA, Salles JE, Wajchenberg BL, Cummings DE. Effects of gastric bypass surgery in patients with type 2 diabetes and only mild obesity. Diabetes Care 2012;35:1420-8. DOI: http://dx.doi.org/10.2337/dc11-2289
  4. Hansen EN, Tamboli RA, Isbell JM, et al. Role of the foregut in the early improvement in glucose tolerance and insulin sensitivity following Roux-en-Y gastric bypass surgery. Am J Physiol Gastrointest Liver Physiol. 2011;300(5):G795–802.
  5. Cohen RV, Rubino F, Schiavon C, Cummings DE. Diabetes remission without weight loss after duodenal bypass surgery. Surg Obes Relat Dis 2012;8:e66–e68

Como citar este artigo

Pechy F, Cohen R. Mecanismos de ação das cirurgias bariátrica e metabólicas: Muito além de restrição e má absorção Gastropedia 2024; vol 2. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/mecanismos-de-acao-das-cirurgias-bariatrica-e-metabolicas-muito-alem-de-restricao-e-ma-absorcao




Como identificar quem terá a melhor resposta à cirurgia bariátrica e metabólica

Introdução

Sendo doenças crônicas e progressivas e de fundamentos biológicos semelhantes, a perda de peso e o controle do diabetes mellitus do tipo 2 após cirurgia bariátrica e metabólica apresentam uma grande variabilidade. Habitualmente, se espera uma perda de peso maior e um melhor controle do diabetes com diferentes intervenções cirúrgicas, como gastrectomia vertical (“sleeve”), gastroplastia em Y de Roux (“bypass”) e derivações bílio-pancreáticas (Scopinaro e switch duodenal). No entanto, características individuais e das próprias doenças, obesidade e diabetes, podem ter uma influência ainda maior na resposta desses pacientes à cirurgia. Nesse artigo, vamos discorrer sobre os preditores de resposta à cirurgia bariátrica e metabólica.

Perda de peso

A perda de peso após todos os tipos de cirurgia bariátrica/metabólica segue um padrão de distribuição normal, conhecido como curva de Gauss, com pacientes apresentando resposta sub ótima ou excelente nos extremos de distribuição e com a maioria dos pacientes apresentando uma perda de peso na região central da curva. Essa região central da curva corresponde a uma perda de peso entre 20 a 35% do peso inicial (antes da cirurgia).

Em um estudo1 foi observado essa variabilidade e que a perda de peso dos 3 aos 6 meses após a gastrectomia vertical e/ou gastroplastia em Y de Roux foi o fator determinante mais importante na perda de peso total. Oitenta por cento dos pacientes que perderam menos de 500 gramas por semana nesse período não obtiveram uma perda de peso maior do que 20% do peso inicial o que caracterizava resposta clínica sub ótima ao tratamento. Não houve influência da idade, sexo, raça, índice de massa corporal (IMC) inicial, presença de diabetes do tipo 2 ou hospital de realização da cirurgia nessa perda de peso.

Em outro estudo2, foi realizado avaliação do genótipo de 848 pacientes com obesidade submetidos a gastroplastia em Y de Roux. Foram identificados 13 pares de parentes de primeiro grau, 10 pares de indivíduos sem relação genotípica, mas morando na mesma residência e o restante foi pareado de maneira aleatória (794 pacientes). A perda de peso dos pares de parentes de primeiro grau foi bastante similar e isso não foi observado nos outros pares estudados. Portanto, fatores genéticos exerceram uma forte influência na perda esperada de peso.

Controle de diabetes mellitus do tipo 2

Como na obesidade, a resposta dos pacientes com diabetes ao tratamento cirúrgico também apresenta variabilidade, com pacientes com respostas adequadas e outros com menor intensidade no controle da doença. De maneira geral, espera-se um alto grau de controle do diabetes após a cirurgia.

Duas escalas, DiaRem3 e DiaRem24, foram propostas para a identificação de pacientes com maior e menor probabilidade de controle do diabetes após a cirurgia bariátrica/metabólica. Nessas escalas, são avaliados a idade do paciente, o nível da HbA1c (%) no pré-operatório, tempo de duração do diabetes, uso de drogas para tratamento do diabetes e o uso de insulina. Pacientes com pontuações mais baixas em cada item apresentavam uma maior probabilidade de controle da doença após a gastroplastia em Y de Roux e gastrectomia vertical (tabela 1). Vale ressaltar que o IMC antes da cirurgia não foi um fator determinante na resposta do diabetes.

% remissão total ou parcial

Pontuação
88 0 – 2
64 3- 7
23 8 – 12
6 – 16 13 – 17
2 18 – 22
Tabela 1 – Porcentagem de remissão de acordo com pontuação na escala DiaRem

Pacientes com um subgrupo específico de diabetes, SIRD (severe insulin resistance diabetes ou diabetes com resistência grave à insulina) apresentam uma maior probabilidade de complicações renais, macrovasculares e coronárias5. No entanto, esse subgrupo apresenta uma probabilidade maior de remissão glicêmica e maior redução de estágio de doença renal do que outros grupos de pacientes com diabetes após o tratamento cirúrgico.

Atualmente, é importante salientar o papel da perda de peso pós-operatória no controle do diabetes, lembrando que as duas doenças têm diversos mecanismos fisiopatológicos comuns6. Pacientes com maior perda de peso, além dos benefícios de melhora de risco cardiovascular e de qualidade de vida, apresentam uma maior probabilidade de controle adequado do diabetes a longo prazo.

Conclusão

De maneira geral, pacientes com obesidade e diabetes com idade até 60 anos, com menor tempo de doença diabetes, com menor glicotoxicidade, menor tempo de uso de insulina, do subgrupo SIRD e com maior perda de peso no pós-operatório provavelmente apresentarão uma melhor resposta ao tratamento cirúrgico. Mas, pacientes com características não ideais também podem e devem receber avaliação individualizada para o tratamento cirúrgico.

Referências

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Leia também:

Como citar este artigo

Pinheiro-Filho JC e Cohen RV. Como identificar quem terá a melhor resposta à cirurgia bariátrica e metabólica Gastropedia 2024, Vol 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/como-identificar-quem-tera-a-melhor-resposta-a-cirurgia-bariatrica-e-metabolica




Cirurgia cooperativa laparoscópica e endoscópica (LECS) para ressecção de GIST gástrico

Autores: Henrique Lopardi Passos, Annita Cavalcante Farias Leoncio Cardoso, Eduardo Rullo Maranhão Dias, Pedro Henrique de Freitas Amaral, Sergio Roll, Bruno da Costa Martins

Introdução

A gastrectomia parcial laparoscópica para tumores gástricos submucosos é um procedimento simples, seguro e bem difundido. Entretanto, a visão somente laparoscópica, da superfície serosa, pode tornar difícil a localização de tumores no lúmen gástrico, resultando em uma ressecção extensa da parede gástrica que, por sua vez, pode levar a deformidades e obstrução do trânsito do órgão. Também há vários relatos de margens de ressecção positivas e recorrência local pós-operatória devido ao desconhecimento do local preciso da lesão.

Para resolver estes problemas, surgiu em 2006 a cirurgia cooperativa laparoscópica e endoscópica (laparoscopic and endoscopic cooperative surgery – LECS), a qual vem evoluindo e se difundindo cada vez mais. O conceito está começando a ser aplicado também para excisões tumorais em outros órgãos, como duodeno, cólon e reto, com expectativa de ainda mais evolução no futuro. Para saber mais sobre esta técnica, confira este outro artigo do GASTROPEDIA: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/esofago-estomago-duodeno/tecnicas-combinadas-para-resseccao-localizada-de-espessura-total-da-parede-do-trato-gastrointestinal-laparoscopic-and-endoscopic-cooperative-surgery-lecs/.

Caso Clínico

Vídeo apresentando ressecção videolaparoscópica de GIST gástrico em parede posterior de corpo alto, próximo à cárdia, com o auxílio da endoscopia digestiva alta. A lesão media 26,5 x 19,1 mm, tendo diagnóstico através de punção ecoendoscópica, confirmado por imuno-histoquímica, sem metástases ao exame tomográfico. Devido ao tamanho da lesão e por se tratar de um tumor de baixo grau, foi indicada ressecção local por via laparoscópica. No procedimento, por se tratar de um tumor de difícil localização para ressecção local, em corpo alto, próximo à cárdia, em parede posterior, foi solicitado auxílio da endoscopia digestiva alta no intraoperatório, realizando um procedimento combinado (LECS).

A equipe de endoscopia realizou injeção de Voluven com azul de metileno para elevação da submucosa, permitindo a dissecção do tumor pela equipe de cirurgia e ressecção total da lesão por via videolaparoscópica e possibilitando uma menor área de grampeamento, com mínima deformidade do órgão. Não houve abertura da mucosa ou sangramento durante o procedimento. O tempo cirúrgico foi de 70 minutos. Três dias após a cirurgia, a paciente recebeu alta hospitalar, sem dor e aceitando bem dieta líquida.

No laudo anatomopatológico, foi confirmado o diagnóstico de tumor estromal de baixo grau, medindo 4,1 cm no maior eixo, com 1 mitose por 5 mm2, margens livres, sem invasão angiolinfática e pT2. Paciente se encontra em seguimento ambulatorial, assintomática.

Tumor Estromal Gastrointestinal (GIST)

Este tumor é uma rara neoplasia mesenquimal do trato gastrointestinal (TGI), apresentando-se tipicamente como uma lesão subepitelial do estômago e do intestino delgado. A maior parte destes tumores apresenta mutações características nos genes KIT ou PDGFRA, representando 1 a 2 % dos tumores primários do TGI, além de serem os tumores mesenquimais mais comumente encontrados nesta localização.

Muitas vezes os GISTs são detectados acidentalmente em pacientes assintomáticos por exames endoscópicos ou de imagem, mas algumas vezes os pacientes apresentam sinais e sintomas, como sangramento, disfagia, icterícia obstrutiva, constipação ou obstrução intestinal. O diagnóstico é estabelecido por histopatologia, imunohistoquímica e identificação de mutações específicas.

O diagnóstico diferencial inclui tumores subepiteliais benignos e malignos, muitos deles similares aos GISTs.

Como tratamento para os GISTs não metastáticos, temos a ressecção cirúrgica como padrão-ouro, com o objetivo de atingir uma ressecção R0.

Referências

  1. Hiki N, Nunobe S. Laparoscopic endoscopic cooperative surgery (LECS) for the gastrointestinal tract: Updated indications. Ann Gastroenterol Surg. 2019;3:239–246. https://doi.org/10.1002/ags3.12238
  2. Chandrajit P Raut et al. Clinical presentation, diagnosis, and prognosis of gastrointestinal stromal tumors. Uptodate 2023. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/clinical-presentation-diagnosis-and-prognosis-of-gastrointestinal-stromal-tumors.

Como citar este artigo

Passos HL, Cardoso AC, Dias ER, Amaral PH, Roll S, Martins BC, Cirurgia cooperativa laparoscópica e endoscópica (LECS) para ressecção de GIST gástrico Gastropedia 2024, vol 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/cirurgia-cooperativa-laparoscopica-e-endoscopica-lecs-para-resseccao-de-gist-gastrico




Reconstrução de parede abdominal no paciente portador de hérnia ventral complexa: os impactos do planejamento cirúrgico

Autores: Pedro Amaral, Eduardo Dias, Jessica Macret, João Paulo Carvalho, Luca Pivetta, Sergio Roll

As hérnias da parede abdominal representam um conjunto de doenças bastante prevalentes na população. Aproximadamente 27% da população irá receber algum diagnóstico de hérnia ao longo da vida e o tratamento será majoritariamente cirúrgico.

Nos últimos 20 anos, a cirurgia de parede abdominal apresentou evidente desenvolvimento, quer seja nos tratamentos convencionais – que ainda representam a maioria dos procedimentos – quer seja na modalidade minimamente invasiva, passando pela videolaparoscopia e, mais recentemente, a robótica. Desenvolveram-se amplamente, também, os materiais utilizados para este fim, como por exemplo as telas cirúrgicas, os fixadores e até os fios de sutura. Estes, passaram a ser designados com tecnologias próprias para a cirurgia da parede abdominal, produzidos com propriedades de absorção específica para cada tecido ou conformação farpada. A primeira reduz as deiscências e a segunda proporciona sutura unidirecional, que distribui a tensão e facilita o fechamento.

A grande maioria das hérnias serão curadas com êxito através de uma técnica cirúrgica bem aplicada e respeitando-se as orientações de pós-operatório. Isso é fato. Mas gostaríamos de chamar a atenção para um subgrupo que nem sempre apresenta fácil resolução, requerem com frequência cirurgias tecnicamente exigentes e podem ser acompanhadas de um período pós-operatório turbulento.

Em linhas gerais, se quisermos criar um estereótipo da hérnia difícil, ele certamente abrangerá um diâmetro herniário largo, contendo vísceras deslocadas da cavidade abdominal para o seu interior, terá musculatura hipotrófica ao seu redor, por vezes apresentando recidivas de tentativas frustradas de correção, em um paciente que não goza de boa condição clínica.

As taxas reportadas de recidiva em grupos complexos costumam variar de 24 a 43% e são consideradas elevadas. As razões para isso são multifatoriais, mas devem-se, em parte, às percepções errôneas de que estes pacientes não representam um desafio clínico.

O impacto na utilização de recursos e custos de saúde passaram a ser mais considerados atualmente. Neste grupo, observa-se um tempo de internação maior, cuidados intensivos podem ser necessários, os materiais utilizados são mais caros e o reparo cirúrgico pode não ser duradouro, fazendo com que os procedimentos sejam repetidos inúmeras vezes de forma redundante no mesmo paciente. No Brasil, houve um aumento de 90 milhões de reais na cirurgia da parede abdominal em 2024, comparado com o ano anterior, o que impactou em 13% a mais de pacientes operados em um ano. Nos Estados Unidos, custo anual total chegou a $ 9,7 bilhões de dólares em 2023, o que ultrapassa o valor que se gasta com cirurgia oncológica por exemplo.

Se, o cirurgião que está na linha de frente estiver treinado para perceber algumas armadilhas, ele se esquivará de intempéries do pós-operatório e o seu paciente terá otimizada a sua chance de um reparo único, longevo e que impactará satisfatoriamente na sua qualidade de vida. É disso que vamos falar aqui embaixo.

Quem é o paciente portador de hérnia complexa?

As hérnias complexas podem ser assim denominadas quando se encaixam na classificação proposta por Slater et al que leva em consideração 4 critérios.

  • Tamanho e localização: sendo atribuído critério de complexidade às hérnias maiores de 10cm, fora da linha média e próximas a proeminências ósseas, que dificultam a sobreposição da tela.
  • Fatores de risco e comorbidades: sobretudo as descontroladas, como por exemplo os pacientes tossidores crônicos que repetidamente aumentam a pressão intra-abdominal e os diabéticos mal controlados, com Hb-glicada elevada, e que apresentam cicatrização deficiente.
  • Contaminação e condições da parede abdominal: cuja presença de tecidos fibróticos, retrações cicatriciais e sua consequente má perfusão possam predispor à infecções e outras ocorrências do sítio cirúrgico.
  • Cenário clínico: sendo tecnicamente mais exigentes os pacientes em situações de urgência, múltiplas recorrências, necessidade de abordagens viscerais concomitantes à cirurgia da parede abdominal, como por exemplo enterectomias ou fechamento de ostomias.

É possível saber qual paciente precisará de cirurgia com separação de componentes?

Recomenda-se planejar a cirurgia de reconstrução de parede abdominal com tomografia computadorizada, dentre suas utilidades, é possível predizer o porte da cirurgia. A equação de Carbonell é um cálculo que tem se demostrado eficiente em apontar os casos que necessitarão de um porte mais avançado de cirurgia com técnica de separação de componentes. Ele é realizado somando-se a largura dos dois músculos reto abdominais que devem apresentar uma proporção mínima de 2:1 em relação ao diâmetro transverso da hérnia. (Σ retos abdominais > 2x diâmetro da hernia = não precisar separar componentes).

Como mensurar uma perda de domicílio?

Existem cálculos específicos para aferir a volumetria da cavidade abdominal e que são extremamente uteis no planejamento cirúrgico do paciente com hérnia complexa. Para medir o volume de uma estrutura com formato elipsóide, tal qual o saco herniário ou a cavidade abdominal, é preciso aplicar uma fórmula matemática que é uma adaptação do volume da esfera. O volume de uma elipse pode ser obtido resolvendo a equação 4/3 x 3,14 x (diâmetro latero-lateral / 2 x diâmetro longitudinal /2 x altura /2) tudo isso elevado à terceira potência. É até interessante saber a origem desta equação, mas existem calculadoras on line que nos ajudam a simplificar as aferições no dia a dia.

Amaral PHF, Roll S – Volumetry after botulinum toxin A: the impact on abdominal wall compliance and endotracheal pressure. Hernia (2024)

Assim, podemos obter tanto o volume da hérnia (VH) quanto o volume da cavidade abdominal (VCA). Se somarmos VH com VCA, teremos o volume peritoneal total que corresponde ao total de vísceras (VP=VH+VCA); se dividirmos VH por VCA, obteremos percentualmente o quanto o saco herniário representa em relação à cavidade abdominal e que usualmente denominamos como perda domicílio abdominal (PDA); se dividirmos o VH por VP, teremos a relação percentual do quanto o saco herniário representa no volume peritoneal total, que também é conhecido como índice peritoneal (IP)

Então, as medidas volumétricas são:

  • VH=0,52 x a x b x c (cm3 ou mL)
  • VCA=0,52 x A x B x C (cm3 ou mL)

E as relações volumétricas são:

  • VP=VH+VCA (cm3 ou mL)
  • PDA=VH/VCA (%)
  • IP=VH/VP (%)

A seguir, vamos compreender como esses números podem nos auxiliar no planejamento peri-operatório, partindo-se algumas questões que são importantes para o cirurgião.

Será possível fechar a linha média?

Perdas de Domicílio Abdominal menores de 25%, remetem 92% de sucesso na síntese completa da linha média. Isso quer dizer que é improvável deixar tela em ponte entre os retos, que não é considerado um reparo fisiológico, ou ainda, que seja necessário usar telas revestidas, que são mais caras e normalmente precisam ser solicitadas com antecedência. Por outro lado, a medida do Índice Peritoneal menor 20% sugerem que não haverá tensão no fechamento da linha média. Clinicamente isso significa que estes casos apresentam menor risco de deiscência da aponeurose e menores chances de hipertensão intra abdominal no pós-operatório.

Haverá necessidade de terapia intensiva no pós-operatório?

Perdas de Domicílio Abdominal maiores que 30,6%, denotam necessidade de internação em terapia intensiva por falência respiratória em quase um terço dos pacientes, nas 48 horas subsequentes a cirurgia. Uma medida de Índice Peritoneal maior que 33% remetem à níveis elevados de pressão de platô endotraqueal no pós-operatório. Isso significa que podemos esperar por algum grau de hipertensão intra-abdominal, sendo a síndrome compartimental o evento mais extremo.

E se esses fatores de risco forem identificados no pré-operatório?

Considere utilizar métodos adjuvantes como a aplicação de toxina botulínica e pneumoperitônio progressivo, que ajudarão a alterar a dinâmica e o comportamento entre saco herniário e a cavidade abdominal, otimizando os resultados. A flacidez muscular obtida por ação da toxina botulínica produz alteração da complacência da cavidade abdominal e reduz a razão entre o VH/VCA de 30% para 23% e o Índice Peritoneal de 23% para 18%, que podem representar a diferença entre um pós operatório com necessidades intensivas e dificuldade no fechamento da linha média, para um pós-operatório menos turbulento.

O risco de tromboembolismo é igual nesta cirurgia?

A fisiopatologia dos eventos tromboembólicos na cirurgia de reconstrução de parede abdominal apresenta menor relação com hipomobilidade. O aumento da pressão intra-abdominal pode alterar o fluxo na cava e levar à eventos trombo-embólicos sem, no entanto, haver trombose venosa profunda de membros inferiores. Recomenda-se calcular este risco através dos critérios propostos por Caprini et al.

Conclusões:

As hérnias complexas acompanham pacientes complexos. Neste contexto, o cirurgião deve antecipar-se aos problemas e preparar adequadamente os seus pacientes: o planejamento cirúrgico é componente chave para obtenção de melhores resultados. Contextualize sua equipe multidisciplinar sobre os casos complexos e certifique-se de que o seu hospital tem condições ideais para cuidar de um pós-operatório com necessidades especiais.

Referências:

  1. Slater NJ, Montgomery A, Berrevoet F, Carbonell AM, Chang A, Franklin M, Kercher KW, Lammers BJ, Parra-Davilla E, Roll S, Towfigh S, van Geffen E, Conze J, van Goor H. Criteria for definition of a complex abdominal wall hernia. Hernia (2014)
  2. Amaral PHF, Macret JZ, Dias ERM, Roll S et al. Volumetry after botulinum toxin A: the impact on abdominal wall compliance and endotracheal pressure. Hernia (2024)
  3. Tanaka EY et al. A computerized tomography scan method for calculating the hernia sac and abdominal cavity volume in complex large incisional hernia with loss of domain. Hernia (2010)
  4. Dias ERM, Amaral PHF, Macret JZ, Roll S et al. Systematic review and meta-analysis of the pre-operative application of botulinum toxin for ventral hernia repair. Hernia (2023)
  5. Fafaj A, Tastaldi L, Krpata DM, Rosen MJ et al. Can Hernia Sac to Abdominal Cavity Volume Ratio Predict Fascial Closure Rate for Large Ventral Hernia? Reliability of the Tanaka Score. Hernia (2021)
  6. Said S, Krpata D, Rosen M et al. Tanaka score predicts surgical intensive care admission following abdominal wall reconstruction. Hernia (2022)
  7. Sabbagh C et al. Peritoneal volume is predictive of tension-free fascia closure of large incisional hernias with loss of domain: a prospective study. Hernia (2011)
  8. Kraft CT, Janis JE. Venous Thromboembolism after Abdominal Wall Reconstruction: A Prospective Analysis and Review of the Literature. Plast Reconstr Surg. (2019)

Como citar este artigo

Amaral P, Dias E, Macret J, Carvalho JP, Pivetta L, Roll S, Reconstrução de parede abdominal no paciente portador de hérnia ventral complexa: os impactos do planejamento cirúrgico Gastropedia 2024; vol 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/reconstrucao-de-parede-abdominal-no-paciente-portador-de-hernia-ventral-complexa-os-impactos-do-planejamento-cirurgico/




Novas medicações para obesidade

Durante muitos anos a disponibilidade limitada de opções medicamentosas eficazes comprometeu o tratamento da obesidade. Sabemos que a mudança do estilo de vida com melhores escolhas nutricionais, inclusão de atividade física, terapias comportamentais são importantes para prevenção da obesidade e também fazem parte do tratamento.

É de suma importância entender que uma vez diagnosticada a obesidade, é necessário implementar medidas farmacológicas e em determinados casos medidas cirúrgicas para o tratamento adequado do paciente. Observa-se atualmente uma inércia em iniciar o tratamento medicamentoso.

Por muitos anos tivemos poucas opções medicamentosas para o tratamento da obesidade e muitas delas com registros de segurança insatisfatórios. Porém na última década, principalmente nos últimos 5 anos, estão sendo desenvolvidas novas medicações que proporcionam resultados importantes de perda de peso, associado a melhora significativa do controle metabólico, cardiovascular e renal.

O tratamento medicamentoso deve ser individualizado e para isso precisamos avaliar as contra indicações, tolerância, segurança e eficácia além do mecanismo de ação da droga versus o fenótipo de cada paciente.

Atualmente as medicações aprovadas pela Anvisa para obesidade são:

Orlistate e Sibutramina são as medicações mais antigas em uso no Brasil.

  • ORLISTATE:

    • Perda de peso discreta e redução de 45% de evolução para o Diabetes Mellitus tipo 2 ( DM2), em pacientes com intolerância à glicose.

  • SIBUTRAMINA:

    • Perda ponderal em torno de 4%;
    • Contra indicações: doença arterial coronariana, insuficiência cardíaca congestiva, arritmia ou acidente vascular cerebral

  • NALTREXONA + BUPROPIONA (CONTRAVE)

    • Liberada pela Anvisa em 2023.
    • Bupropiona, um inibidor da reabsorção de dopamina e a naltrexona, um agonista do receptor de opioide, funcionam de forma sinérgica, diminuindo a ingestão de alimentos e do peso corporal.
    • Ensaios clínicos: COR-I, COR-II, COR-BMOD E COR-Diabetes revelam que a combinação de bupropiona e naltrexona pode ser eficaz para uma perda de peso entre de 5,0% a 9,3% em comparação ao grupo placebo a depender do estudo analisado.

Os agonistas do receptor de GLP-1 (GLP-1 RA), representados pelo Saxenda (Liraglutida 3,0 mg) e Wegovy (Semaglutida 2,4mg), têm um bom perfil de segurança e tolerabilidade, proporcionando um tratamento eficaz para redução do peso e controle glicêmico, além disso vários estudos demonstraram outros benefícios como redução do risco de eventos cardiovasculares adversos maiores (MACE) em pessoas com e sem DM2 e mais recentemente também proteção renal.

A Liraglutida foi aprovada pela Anvisa para tratamento da obesidade há anos atrás, já a Semaglutida foi aprovada em 2023.

  • LIRAGLUTIDA

    • Agonista do receptor de GLP-1 tem 97% de homologia ao GLP-1 humano.
    • Meia vida de aproximadamente 13h; administração diária.
    • Entre várias ações, estimula a liberação de insulina, dependente da glicose, pelo pâncreas e retarda o esvaziamento gástrico.
    • Efeitos colaterais mais comuns são gastrointestinais, entre eles náuseas e vômitos.
    • Estudo SCALE estudou Saxenda para o controle de peso em pessoas sem DM2 e com DM2, os quais 63,2% dos pacientes perderam mais de 5% de peso e 33,1% perderam mais de 10%.

  • SEMAGLUTIDA

    • Agonista do receptor de GLP-1 de segunda geração tem 94% de homologia ao GLP-1humano.
    • Meia vida de aproximadamente uma semana; administração semanal, melhorando a aderência do paciente e a qualidade de vida.
    • Estudo STEP: oito ensaios clínicos principais com 2,4 mg de semaglutida evidenciando uma perda média de aproximadamente 15% do peso corporal em 47% dos pacientes do grupo de semaglutida comparado a apenas 4,8% do grupo placebo. Uma redução de 5% ou mais do peso ocorreu em 86,4% dos indivíduos no grupo da semaglutida.
    • Estudo SELECT: redução de 20% de eventos cardiovasculares adversos graves em pacientes sem DM2 em uso de 2,4mg de semaglutida. Esse benefício já havia sido avaliado no estudo Leader com liraglutida, porém apenas em pacientes com DM2.
    • Estudo FLOW: redução de 24% na progressão da doença renal, bem como na morte cardiovascular e renal para pessoas tratadas com semaglutida 1,0 mg em comparação com o placebo em pessoas com DM2 e DRC

Além das novas medicações, Contrave e Wegovy aprovadas em 2023 pela ANVISA; mais recentemente a Tirzepatida que já foi aprovada pela ANVISA para uso em DM2, cujo nome comercial é Mounjaro, foi também aprovada pelo FDA (Food and Drug Administration) para obesidade com o nome de Zepbound.

  • TIRZEPATIDA

    • Agonista duplo do receptor GIP e GLP-1 que tem efeito sinérgico na glicose e controle de peso.
    • O Estudo SURMOUNT mostrou uma perda de peso de até 25% em um terço dos indivíduos sem DM2 em uso de tirzepatida.

Existem vários outros estudos com novas drogas para obesidade em andamento, o caminho é promissor para medicamentos triplo agonistas entre outras drogas com novos mecanismos de ação.

Referências

  1. Pi-Sunyer X, et al.A Randomized, Controlled Trial of 3.0 mg of Liraglutide in Weight Management. N Engl J Med 2015:373;11–22.
  2. Davies MJ, et al. Efficacy of Liraglutide for Weight Loss Among Patients With Type 2 DiabetesThe SCALE Diabetes Randomized Clinical Trial JAMA 2015;314:687–699.
  3. le Roux CW, et al. 3 years of liraglutide versus placebo for type 2 diabetes risk reduction and weight management in individuals with prediabetes: a randomised, double-blind trial. Lancet 2017;389:1399–1409.
  4. Blundell J, et al. Effects of once-weekly semaglutide on appetite, energy intake, control of eating, food preference and body weight in subjects with obesity. Diabetes Obes Metab 2017;19:1242–1251.
  5. Wilding JPH, et al. Once-Weekly Semaglutide in Adults with Overweight or Obesity. N Eng J Med. 2021;384:989–1002.
  6. Davies M, et al. Semaglutide 2,4 mg once a week in adults with overweight or obesity, and type 2 diabetes (STEP 2): a randomised, double-blind, double-dummy, placebo-controlled, phase 3 trial. Lancet. 2021;397:971–84.
  7. Wadden TA, et al. J. Effect of Subcutaneous Semaglutide vs Placebo as an Adjunct to Intensive Behavioral Therapy on Body Weight in Adults With Overweight or Obesity: The STEP 3 Randomized Clinical Trial AMA. 2021;325:1403–1413.
  8. Rubino D, et al. Effect of Continued Weekly Subcutaneous Semaglutide vs Placebo on Weight Loss Maintenance in Adults With Overweight or Obesity The STEP 4 Randomized Clinical Trial. JAMA. 2021;325:1414–1425.
  9. Marso SP, et al. Semaglutide and Cardiovascular Outcomes in Patients with Type 2 Diabetes. N Engl J Med 2017;376:891–892.
  10. Ryan DH, et al. Semaglutide Effects on Cardiovascular Outcomes in People With Overweight or Obesity (SELECT) rationale and design Am Heart J. 2020;229:61–69.
  11. le Roux CW, et al. Tirzepatide for the treatment of obesity: Rationale and design of the SURMOUNT clinical development program. Obesity. 2023;31:96-110.

Como citar este artigo

Silva ACC e Cohen RV. Novas medicações para obesidade Gastropedia 2024; vol 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/obesidade/novas-medicacoes-para-obesidade/




Conduta nos pólipos de vesícula biliar: quando fazer seguimento e quando indicar a colecistectomia?

Os pólipos na vesícula biliar são achados comuns em exames de ultrassonografia abdominal, aparecendo em cerca de 4,5% dos adultos. Enquanto a maioria deles não apresenta potencial maligno, uma pequena porcentagem – entre 4% e 10% – são adenomas, que podem se tornar malignos.

Estudos mostram que o tamanho do pólipo é o principal fator de risco para o desenvolvimento de câncer, especialmente quando os pólipos adenomatosos têm 10 milímetros ou mais, apresentando uma chance de malignidade entre 37% e 55%.

No entanto, é difícil diferenciar entre pólipos adenomatosos e pólipos sem potencial maligno nos exames pré-operatórios. Por isso, é importante o gastroenterologista saber a correta indicação da cirurgia em pacientes com pólipos da vesícula biliar a fim de evitar um procedimento cirúrgico desnecessário nos pacientes sem risco e, principalmente, indicando corretamente o procedimento na população com maior risco de malignidade.

Em um artigo anterior, descrevemos os principais tipos de pólipos de vesícula biliar, suas características clinicas e ultrassonograficas: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/hepatopancreatobiliar/polipos-de-vesicula-biliar/

Nesse artigo, vamos resumir as indicações de seguimento e tratamento dos pólipos de vesícula biliar.

PACIENTES SINTÓMATICOS

Os pólipos de vesícula raramente causam sintomas, porém alguns estudos relataram associação entre pólipos de vesícula e cálculos não detectados na ultrassonografia e/ou colecistite. O guideline conjunto europeu de 2022 recomenda colecistectomia para pacientes que apresentam sintomas como cólica biliar ou complicações (ex: pancreatite) e que apresentam condições clínicas favoráveis a cirurgia 1 . A taxa de melhora dos sintomas é variável na literatura (40-90% de melhora).

Pacientes com sintomas dispépticos não específicos sem cólica biliar devem ser tratados de forma conservadora (a menos que haja outras indicações para a remoção do pólipo), já que a patogênese desses sintomas não é clara e a colecistectomia pode não aliviar os sintomas. Esses pacientes devem ser tratados sintomaticamente, assim como outros pacientes com dispepsia funcional.

PACIENTES ASSINTOMÁTICOS COM FATORES DE RISCO PARA CÂNCER DE VESÍCULA BILIAR

Os fatores de risco para câncer de vesícula biliar incluem:

  • idade >60 anos
  • colangite esclerosante primária
  • etnia asiática
  • pólipos sésseis com espessura focal da parede da vesícula >4 mm

A conduta vai depender do tamanho do pólipo:

  • Pólipos ≤5 mm: ultrassonografia de vigilância com 6 meses, 1 ano e 2 anos. Follow-up pode ser interrompido se não houver crescimento nesse período.
  • Pólipos de 6 a 9 mm: recomendada colecistectomia se o pacientes estiver clinicamente apto e aceitar a cirurgia.
  • Pólipos de 10 a 20 mm: Pólipos de 10 a 20 mm devem ser considerados como possivelmente malignos. A colecistectomia laparoscópica é recomendada.
  • Pólipos >20 mm: geralmente são malignos. Os pacientes devem realizar estadiamento pré-operatório com tomografia computadorizada ou ultrassonografia endoscópica. O tratamento radical constitui colecistectomia estendida com dissecção de linfonodos e ressecção hepática parcial no leito da vesícula biliar.

PACIENTES ASSINTOMÁTICOS SEM FATORES DE RISCO PARA CÂNCER DE VESÍCULA BILIAR

Em pacientes assintomáticos e sem fatores de risco para câncer de vesícula biliar, as recomendações de vigilância variam de acordo com o tamanho do pólipo.

  • Para pólipos ≤5 mm: não é necessário acompanhamento. *
  • Para pólipos de 6 a 9 mm: realizar ultrassonografia de abdômen com 6 meses, 1 ano e 2 anos. Vigilância pode ser interrompida se não houver crescimento nesse período.

* Essa estratégia está alinhada com as condutas do American College of Radiology 2 e com Canadian Association of Radiologists Incidental Findings Working Group 3 , que recomendam que pólipos menores do que 7 mm não necessitam acompanhamento.

CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES EM PACIENTES SUBMETIDOS À VIGILÂNCIA

1. Aumento no tamanho do pólipo

O guideline conjunto europeu de 2017 recomendava que:

  • Um aumento de tamanho superior a 2 mm nas imagens provavelmente representa um aumento clinicamente relevante e deve motivar encaminhamento a um cirurgião para colecistectomia.

Já a atualização deste guideline em 2022 recomenda que:

  • Se a lesão polipoide crescer 2 mm ou mais durante o período de acompanhamento de 2 anos, então o tamanho atual da lesão polipoide deve ser considerado juntamente com os fatores de risco do paciente. Discussão multidisciplicar deve ser realizada para decidir se vale a pena continuar a vigilância ou se a colecistectomia está indicada.

Um importante trabalho retrospectivo publicado em 2019 incluindo mais de 600.000 adultos submetidos a colecistectomia mostrou que:

  • O crescimento de 2 mm ou mais parece fazer parte da história natural dos pólipos de vesícula biliar.

    • A probabilidade de um pólipo crescer pelo menos 2 mm em 10 anos foi de 66% para pólipos menores que 6 mm e 53% para pólipos entre 6- 10mm.
    • Importante: esse crescimento não parece estar associado ao futuro câncer de vesícula biliar. Nenhum dos 507 pacientes com pólipos que cresceram para 10 mm ou mais foi subsequentemente diagnosticado com câncer.

  • O primeiro ano é o mais importante:

    • A maioria dos casos de Ca de vesícula foi diagnosticada no primeiro ano, provavelmente representando neoplasias já existentes no momento do diagnóstico.
    • Pólipos inicialmente menores que 10 mm quase nunca foram associados a futuros casos de Ca de vesícula (taxa 1,05 por 100.000 pessoas-ano)
    • Pólipos com ≥ 10 mm no diagnóstico raramente foram associados a Ca vesícula após o primeiro ano.

A cereja do bolo desse estudo:

  • Além disso, observamos que proporções semelhantes de adultos foram diagnosticadas com Ca de vesícula (0,053% vs. 0,054%), quer uma ultrassonografia inicial tenha mostrado ou não um pólipo de vesícula. Esses achados sugerem que pode não haver uma ligação geral entre pólipos de vesícula e neoplasia de vesícula, e que os pólipos de vesícula são um achado incidental.

2. Duração da vigilância

A duração da vigilância em pacientes com câncer de vesícula biliar não está clara. As diretrizes atualizadas conjuntas europeias recomendam interromper a vigilância em dois anos se não houver crescimentos dos pólipos. Alguns autores recomendam manter a vigilância por pelo menos cinco anos. No entanto, em pacientes com fatores de risco para câncer de vesícula biliar, devemos manter a vigilância para câncer de vesícula biliar com USG abdominal indefinidamente.

3. Adenomiomatose

Pacientes com características típicas de adenomiomatose na ultrassonografia não necessitam de vigilância ou colecistectomia.

4. Se durante o acompanhamento o pólipo da vesícula biliar desaparecer

Se durante o acompanhamento o pólipo da vesícula biliar desaparecer, a vigilância de acompanhamento pode ser interrompida.

Referências

  1. Foley KG, Lahaye MJ, Thoeni RF, Soltes M, Dewhurst C, Barbu ST, Vashist YK, Rafaelsen SR, Arvanitakis M, Perinel J, Wiles R, Roberts SA. Management and follow-up of gallbladder polyps: updated joint guidelines between the ESGAR, EAES, EFISDS and ESGE. Eur Radiol. 2022 May;32(5):3358-3368. doi: 10.1007/s00330-021-08384-w. Epub 2021 Dec 17. PMID: 34918177; PMCID: PMC9038818.
  2. Sebastian S, Araujo C, Neitlich JD, Berland LL (2013) Manag- ing incidental findings on abdominal and pelvic CT and MRI, Part 4: white paper of the ACR Incidental Findings Commit- tee II on gallbladder and biliary findings. J Am Coll Radiol 10(12):953–956
  3. Bird JR, Brahm GL, Fung C, Sebastian S, Kirkpatrick IDC (2020) Recommendations for the management of incidental hepatobiliary findings in adults: endorsement and adaptation of the 2017 and 2013 ACR Incidental Findings Committee White Papers by the Canadian Association of Radiologists Incidental Findings Working Group. Can Assoc Radiol J 71(4):437–447
  4. Szpakowski JL, Tucker LY. Outcomes of Gallbladder Polyps and Their Association With Gallbladder Cancer in a 20-Year Cohort. JAMA Netw Open. 2020 May 1;3(5):e205143. doi: 10.1001/jamanetworkopen.2020.5143. PMID: 32421183; PMCID: PMC7235691.

Como citar este artigo

Martins BC. Conduta nos pólipos de vesícula biliar: quando fazer seguimento e quando indicar a colecistectomia? Gastropedia 2024; vol 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/conduta-nos-polipos-de-vesicula-biliar-quando-fazer-seguimento-e-quando-indicar-a-colecistectomia/




Megacolon Chagasico: Diagnóstico e Tratamento

Diagnóstico e Investigação

Testes sorológicos: na fase crônica da doença deve-se utilizar pelo menos dois métodos de princípios diferentes para a confirmação do diagnóstico, com sensibilidade de 100% e especificidade de 96,5%. São eles: hemoaglutinação indireta, imunofluorescência indireta e teste imunoenzimático.

Exame contrastado: Considera-se que o diâmetro do sigmóide distal maior que 6 cm caracteriza megacólon. No entanto, através do enema opaco, grupo brasileiro, fez estudo com proposta de uma classificação do diâmetro transverso do reto alto/sigmóide distal na altura das cristas póstero-superiores ou ao nível da quarta vértebra lombar. Dessa forma, subdividiu em:

  • Grau 0: pacientes sem MC: eixo transversal entre 2,0 e 5,0cm
  • Grau I: intersecção entre pessoas com e sem MC. Eixo entre 5,1 e 9,0cm
  • Grau II: eixo transverso entre 9,1 e 13,0cm
  • Grau III: eixo maior que 13,1cm

Manometria anorretal: exame reprodutível e examinador dependente com avaliação dos esfíncteres interno e externo do ânus, relaxamento do músculo puborretal, sensibilidade e capacidade do reto e, na suspeita de MC. A ausência reflexo inibitório retoanal (RIRA), significando comprometimento da inervação da transição anorretal e acalasia do esfíncter interno do ânus, embora seu papel nessa doença ainda permaneça controverso.

Nesse aspecto, grupo brasileiro avaliou a presença do RIRA em 39 portadores de MC e verificou sua ocorrência em 43,6% dos pacientes, entretanto com necessidade de maior insuflação do balão retal com uma média de 196 ml, ao passo que em pessoas sem MC a média de infusão foi de 18,8 ml. Assim, ao injetar 30 ml de ar a probabilidade de detectar o RIRA foi de 12,8%, com 60ml de 15,4% e com 250ml de 43,6%.

Colonoscopia: exame com objetivo fundamentalmente de rastreio de câncer colorretal, devendo sua indicação obedecer as diretrizes vigentes na literatura nacional e internacional quanto à idade e fatores de risco principalmente.

Tratamento

a) Clínico:

Inicia-se o tratamento do portador de MC sintomático para constipação intestinal com medidas clínica, como:

  • Estimular ingesta hídrica: exceção aos pacientes cardiopatas com restrição de líquidos;
  • Evitar dieta rica em fibras e formadores de bolo fecal pois aumentam a chance de impactação fecal;
  • Uso de medicamentos laxativos: lactulose, polietilenoglicol, picossulfato de sódio. Em situações de não evacuação por tempo mais prolongado pode-se utilizar o bisacodil e o uso de supositórios de glicerina a cada 3 a 5 dias
  • Fisioterapia do assoalho pélvico e biofeedback: para casos em que se associa dissinergia pélvica.
  • Lavagem intestinal: naquelas situações de não evacuação por longo tempo, mais de 5 dias com as medidas acima, orienta-se a realização de enteroclisma, sempre antecedido de toque retal para a avaliação de fecalomas. Essa, inclusive, é uma das principais indicações de cirurgia eletiva em portadores de MC, ou seja, a refratariedade aos laxantes por via oral e necessidade frequente de idas ao pronto-socorro ou pronto-atendimento para a realização de lavagens intestinais.

b) Cirúrgico:

As indicações de cirurgia são: refratariedade do tratamento clínico com necessidade frequente de lavagens intestinais e as complicações agudas, como o volvo de sigmóide principalmente. A cirurgia, quando bem indicada, proporciona importante alívio e melhora do principal sintoma do MC que é a constipação intestinal de tal forma, que a frequência dessa queixa é de 76% entre os pacientes não operados e de 39% entre os pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico (p<0,01). Além disso, estudos demonstram melhora significativa do escore de gravidade de constipação após a cirurgia.

Entretanto, é preciso ter em mente e, transparecer isso aos pacientes e familiares, que a cirurgia para o MC não cura a doença. Os principais objetivos são a melhora da constipação e a redução dos riscos de complicações, como o volvo de sigmoide e a impactação fecal com consequente formação de fecalomas.

Grande parte dos cirurgiões colorretais mais antigos tiveram seus relevantes aprendizados técnicos com a realização de procedimentos para o tratamento do MC, sendo que as principais abordagens para o tratamento dessa doença foram descritas por renomados profissionais do nosso país e as cirurgias possíveis compreendem uma infinidade de técnicas que envolvem diferentes extensões de ressecção do cólon, níveis e formas de anastomose, resultando em morbidade e recorrência pós-operatória variáveis. O racional do tratamento cirúrgico é ressecar toda a área de sigmóide dilatada (sigmoidectomia completa) e evitar a região da transição retossigmoideana para a realização das anastomoses, a fim de evitar a recidiva precoce dos sintomas.

Sendo assim, dentre as principais técnicas descritas historicamente, pode-se citar:

  • Técnica de Swenson e Soave: abaixamento de cólon transretal com ressecção de mucosa retal e telescopagem, descrita no final dos anos 1940.
  • Técnica de Duhamel-Haddad: abaixamento de cólon retro-retal posterior com exteriorização do coto e anastomose retardada, descrita entre os anos 1950 e 1960.
  • Técnica de Duhamel-Haddad modificada: abaixamento de cólon retro-retal posterior com tentativa de anastomose primária e utilização de pinças esmagadoras.
  • Técnica de Habr-Gama: nos anos 1990, após surgimento e aprimoramento dos grampeadores e suturas mecânicos foi proposta a retossigmoidectomia com ressecção do reto abaixo do promontório e subsequente anastomose primária na parede posterior do reto distal, término-lateral mecânica extraperitoneal com grampeador de 33 mm (acima do anel anorretal a cerca de 5-7cm da borda anal – Figura 3). O racional da técnica é exclusão boa parte do reto doente do trânsito intestinal, evitando assim a manipulação anterior, que teoricamente teria probabilidade de denervação autonômica e risco de lesão de órgãos e estruturas pélvicas, como a vagina, bexiga, próstata, vesículas seminais e uretra.
Figura 3: Anastomose término-lateral posterior mecânica.

Essa é a técnica mais utilizada atualmente, sendo ainda mais difundida com o advento da videolaparoscopia. Apresenta taxa média de recorrência de 15-20%, certamente relacionada ao tempo de seguimento, que quanto maior apresenta maiores taxas.

Referências

  1. Santos Júnior JCM. Megacólon – Parte II: Doença de Chagas. Rev Bras Coloproct, 2002(4):266-277
  2. Alves RMA, Thomaz RP, Almeida EA, Wanderley JS, Guariento ME. Chagas’ disease and ageing: the coexistence of other chronic diseases with Chagas’ disease in elderly patients. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. 2009; 42(6):622-8
  3. Nahas SC, Dias AR, Dainezi MA, Araújo SEA, Nahas CSR. A Vídeo-Cirurgia no Tratamento do Megacólon Chagásico. Rev bras Coloproct, 2006;26(4): 470-4
  4. Kamiji MM, Oliveira RB. O perfil dos portadores de doença de Chagas, com ênfase na forma digestiva, em hospital terciário de Ribeirão Preto, SP. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. 2005; 38(4):305-9
  5. Araújo SEA, Dumarco RB, Rawet V, Seid VE, Bocchini SF, Nahas SC. Depopulation of intersticial cells of Cajal in chagasic megacolon: towards tailored surgery? Arq Bras Cir Dig. 2010;32(2):81-5
  6. Silva AL, Giacomin RT, Quirino VA, Miranda ES. Proposta de classificação do megacólon chagásico através de enema opaco. Rev Col Bras Cir. 2003;30(1):4-10
  7. Cavenaghi S, Felicio OCS, Ronchi LS, Cunrath GS, Melo MMC, Netinho JG. Prevalence of rectoanal inhibitory reflex in chagasic megacolon. Arq Gastroenterol. 2008;45(2):128-31
  8. Nahas SC. Tratamento cirúrgico do megacólon chagásico pela retossigmoidectomia abdominal com anastomose mecânica colorretal término-lateral posterior imediata. Tese Professor Livre Docente, USP, São Paulo, 2000.
  9. Nahas SC, Pinto RA, Dias AR, Nahas CSR, Araújo SEA, Marques CFS, Cecconello I. Long-term follow up of abdominal rectosigmoidectomy with posterior end-to-side stapled anastomosis for Chagas megacolon. Olorectal Dis. 2011;13(3):317-22.

Como citar este artigo

Pinto RA, Neto IJFC, Camargo MGM, Nahas SC, Marques CFS. Megacolon Chagasico: Diagnóstico e Tratamento Gastropedia 2024, Vol.1 Disponível em: gastropedia.pub/pt/cirurgia/colorretal/megacolon-chagasico-diagnostico-e-tratamento/




Megacólon Chagásico: fisiopatologia e quadro clínico

Definição

O termo megacólon caracteriza-se pela dilatação e alongamento do intestino grosso, fundamentalmente devido a alterações da inervação intrínseca dessa víscera, com os consequentes distúrbios morfológicos e funcionais.

Etiologia e fisiopatologia

No Brasil e em vários países da América do Sul, a principal etiologia do megacólon é a doença de Chagas (DC), também chamada de Tripanossomíase Americana, causada pela transmissão do Trypanossoma cruzi através insetos triatomídeos hematófagos (Barbeiro), chamados de vetores.

Frequentemente as manifestações são tardias decorrentes da destruição irreversível de células ganglionares periféricas do sistema nervoso autonômico, principalmente o parassimpático, por meio dos plexos mioentérico e submucoso (Auerbach e Meissner).

As alterações na denervação na região retossigmóide e no cólon ocorrem fundamentalmente na fase aguda da infecção pelo Trypanossoma cruzi e dependem do equilíbrio entre o hospedeiro e o parasita que envolve diversos fatores da complexa reação do sistema imunológico.

Entretanto, estudos mais recentes demonstram a participação no megacólon chagásico (MC) também das células intersticiais de Cajal, que são oriundas do mesordema e estão presentes no plexo mioentérico nas camadas longitudinais e circulares do cólon. Entretanto, ainda é incerto se alterações nessas células são primárias ou secundárias na fisiopatologia do MC. Em nosso meio, Araújo et al. demonstraram redução significativa dessas células em espécimes cirúrgicos comparando portadores de MC e pacientes sem DC (p<0,001).

Macroscopia e alterações no cólon

O local de acalasia, dissinergia e maior denervação autonômica no MC é a porção distal do sigmóide e proximal do reto (transição retossigmóide), embora possa ocorrer em todo cólon. Nas vísceras ocas a destruição de células ganglionares provoca, com o passar do tempo, o aparecimento das dilatações, hipertrofias musculares e alongamentos, com maiores repercussões no cólon esquerdo (notadamente no sigmóide) devido ao fato dessa região acomodar o bolo fecal já na forma sólida (Figura 1). Consequentemente, há alterações de secreção, absorção e motilidade cólica.

Figura 1: Dilatação e alongamento do sigmóide no megacólon chagásico.

Epidemiologia

A manifestação clínica da DC ocorre mais comumente na 4º e 5º década de vida, com prevalência pouco maior em pacientes do sexo masculino (60%). Afeta cerca de 2-3 milhões de brasileiros, 18 milhões de pessoas na América do Sul e cerca de 120 milhões de latino-americanos estão em risco de contrair a doença. No entanto, observa-se uma queda acentuada dos casos após a década de 90, principalmente pela melhoria das condições de vida e saneamento básico, mas também ao êxodo rural e uso de inseticidas.

Assim, atualmente observa-se que a DC e o MC afetam predominantemente pessoas idosas e isso demonstra a complexidade e necessidade de individualização de conduta e plano terapêutico nessa população. Em levantamento de estudo brasileiro, com análise de 90 portadores de DC, observou-se que a média de outras doenças concomitantes foi de 2,8 ± 1,8 e que quase 18% dos pacientes necessitaram internação no ano anterior, principalmente por descompensação de doença cardíaca e 75% tinham mais de 67 anos de idade.

Formas de transmissão:

  • triatomídeos contaminados
  • transfusão sanguínea
  • transplante de órgãos
  • contaminação vertical
  • contaminação por via oral através de alimentos

Locais de acometimento

A investigação dos órgãos acometidos pela DC é de fundamental importância já que a miocardiopatia constitui-se tanto em principal causa de óbito quanto em fator contribuinte para o mesmo. Além disso, no caso de doença esofágica, a existência de desnutrição é frequente, também colaborando para o aumento da morbimortalidade desses pacientes.

Quadro clínico

Cerca de 30-60% dos portadores de DC apresentarão sintomas relacionados à doença e destes e 7-10% terão queixas relacionadas ao trato digestório, sendo a colopatia a que tem manifestação mais tardia

O principal sintoma do portador de MC é a constipação intestinal crônica com piora progressiva ao longo do tempo. Cerca de 70% dos pacientes com MC ficam ser evacuar por mais de 10 dias e 37% por mais de 20 dias. Dessa forma, embora possa haver sintomas de obstrução de saída associados, ou dissinergia, a principal característica desses pacientes é o longo tempo sem o desejo de evacuar (diferente dos pacientes com obstrução de saída clássica, que habitualmente apresentam o desejo eventualmente várias vezes ao dia). Entretanto, importante ressaltar que, como as fezes são ressecadas habitualmente, e há a dissinergia da musculatura anorretal, é comum o relato de esforço evacuatório e dificuldade em eliminá-las ao longo tempo para a exoneração.

O meteorismo também é um sintoma bastante comum e pode vir acompanhado por redução da ingesta alimentar não só pela distensão abdominal, mas também pelo excesso de fezes no cólon e também, não incomumente, como relato dos pacientes que evitam ingerir alimentos para não acumular fezes. Entretanto, essa redução da quantidade de alimentação precisa ser bem diferenciada da disfagia consequente da acalasia do esôfago.

Ao exame físico, pode-se constatar:

  • sinais de desnutrição
  • distensão abdominal
  • aumento do timpanismo no espaço de Traube
  • deslocamento do cólon sigmóide para o abdome direito
  • sinal de Gersuny: palpação moldável do hipogástrio e fossa ilíaca esquerda (FIE) com sensação de descolamento ao relaxar, devido acúmulo de fezes no cólon esquerdo (fecaloma).

Além disso, é primordial em todas as consultas, a realização do toque retal, já que a incidência de fecaloma em portadores de MC ao longo da vida é em torno de 50%.

Complicações:

  • impactação fecal e formação de fecaloma
  • úlcera estercorácea: decorre da ação mecânica da impactação fecal na parede intestinal com formação de área de isquemia. Ocorre em cerca de 3% dos casos de MC.
  • volvo de sigmóde: quadro agudo de importante distensão abdominal, parada de eliminação de fezes e flatos e vômitos, provocada por alongamento crônico do mesocólon devido à dilatação do lúmen e distensão por fezes, com rotação organoaxial aguda. O sinal radiológico clássico é o do grão de café (Figura 2).
Figura 2: Radiografia simples de abdome ortostática com volvo de sigmóide.

Referências

  1. Santos Júnior JCM. Megacólon – Parte II: Doença de Chagas. Rev Bras Coloproct, 2002(4):266-277
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  9. Nahas SC, Pinto RA, Dias AR, Nahas CSR, Araújo SEA, Marques CFS, Cecconello I. Long-term follow up of abdominal rectosigmoidectomy with posterior end-to-side stapled anastomosis for Chagas megacolon. Olorectal Dis. 2011;13(3):317-22.

Como citar este artigo

Pinto RA, Neto IJFC, Camargo MGM, Nahas SC, Marques CFS. Megacólon Chagásico: fisiopatologia e quadro clínico Gastropedia 2024, Vol. 1 Disponível em: gastropedia.pub/pt/cirurgia/megacolon-chagasico-fisiopatologia-e-quadro-clinico/