Reconstrução de parede abdominal no paciente portador de hérnia ventral complexa: os impactos do planejamento cirúrgico

Autores: Pedro Amaral, Eduardo Dias, Jessica Macret, João Paulo Carvalho, Luca Pivetta, Sergio Roll

As hérnias da parede abdominal representam um conjunto de doenças bastante prevalentes na população. Aproximadamente 27% da população irá receber algum diagnóstico de hérnia ao longo da vida e o tratamento será majoritariamente cirúrgico.

Nos últimos 20 anos, a cirurgia de parede abdominal apresentou evidente desenvolvimento, quer seja nos tratamentos convencionais – que ainda representam a maioria dos procedimentos – quer seja na modalidade minimamente invasiva, passando pela videolaparoscopia e, mais recentemente, a robótica. Desenvolveram-se amplamente, também, os materiais utilizados para este fim, como por exemplo as telas cirúrgicas, os fixadores e até os fios de sutura. Estes, passaram a ser designados com tecnologias próprias para a cirurgia da parede abdominal, produzidos com propriedades de absorção específica para cada tecido ou conformação farpada. A primeira reduz as deiscências e a segunda proporciona sutura unidirecional, que distribui a tensão e facilita o fechamento.

A grande maioria das hérnias serão curadas com êxito através de uma técnica cirúrgica bem aplicada e respeitando-se as orientações de pós-operatório. Isso é fato. Mas gostaríamos de chamar a atenção para um subgrupo que nem sempre apresenta fácil resolução, requerem com frequência cirurgias tecnicamente exigentes e podem ser acompanhadas de um período pós-operatório turbulento.

Em linhas gerais, se quisermos criar um estereótipo da hérnia difícil, ele certamente abrangerá um diâmetro herniário largo, contendo vísceras deslocadas da cavidade abdominal para o seu interior, terá musculatura hipotrófica ao seu redor, por vezes apresentando recidivas de tentativas frustradas de correção, em um paciente que não goza de boa condição clínica.

As taxas reportadas de recidiva em grupos complexos costumam variar de 24 a 43% e são consideradas elevadas. As razões para isso são multifatoriais, mas devem-se, em parte, às percepções errôneas de que estes pacientes não representam um desafio clínico.

O impacto na utilização de recursos e custos de saúde passaram a ser mais considerados atualmente. Neste grupo, observa-se um tempo de internação maior, cuidados intensivos podem ser necessários, os materiais utilizados são mais caros e o reparo cirúrgico pode não ser duradouro, fazendo com que os procedimentos sejam repetidos inúmeras vezes de forma redundante no mesmo paciente. No Brasil, houve um aumento de 90 milhões de reais na cirurgia da parede abdominal em 2024, comparado com o ano anterior, o que impactou em 13% a mais de pacientes operados em um ano. Nos Estados Unidos, custo anual total chegou a $ 9,7 bilhões de dólares em 2023, o que ultrapassa o valor que se gasta com cirurgia oncológica por exemplo.

Se, o cirurgião que está na linha de frente estiver treinado para perceber algumas armadilhas, ele se esquivará de intempéries do pós-operatório e o seu paciente terá otimizada a sua chance de um reparo único, longevo e que impactará satisfatoriamente na sua qualidade de vida. É disso que vamos falar aqui embaixo.

Quem é o paciente portador de hérnia complexa?

As hérnias complexas podem ser assim denominadas quando se encaixam na classificação proposta por Slater et al que leva em consideração 4 critérios.

  • Tamanho e localização: sendo atribuído critério de complexidade às hérnias maiores de 10cm, fora da linha média e próximas a proeminências ósseas, que dificultam a sobreposição da tela.
  • Fatores de risco e comorbidades: sobretudo as descontroladas, como por exemplo os pacientes tossidores crônicos que repetidamente aumentam a pressão intra-abdominal e os diabéticos mal controlados, com Hb-glicada elevada, e que apresentam cicatrização deficiente.
  • Contaminação e condições da parede abdominal: cuja presença de tecidos fibróticos, retrações cicatriciais e sua consequente má perfusão possam predispor à infecções e outras ocorrências do sítio cirúrgico.
  • Cenário clínico: sendo tecnicamente mais exigentes os pacientes em situações de urgência, múltiplas recorrências, necessidade de abordagens viscerais concomitantes à cirurgia da parede abdominal, como por exemplo enterectomias ou fechamento de ostomias.

É possível saber qual paciente precisará de cirurgia com separação de componentes?

Recomenda-se planejar a cirurgia de reconstrução de parede abdominal com tomografia computadorizada, dentre suas utilidades, é possível predizer o porte da cirurgia. A equação de Carbonell é um cálculo que tem se demostrado eficiente em apontar os casos que necessitarão de um porte mais avançado de cirurgia com técnica de separação de componentes. Ele é realizado somando-se a largura dos dois músculos reto abdominais que devem apresentar uma proporção mínima de 2:1 em relação ao diâmetro transverso da hérnia. (Σ retos abdominais > 2x diâmetro da hernia = não precisar separar componentes).

Como mensurar uma perda de domicílio?

Existem cálculos específicos para aferir a volumetria da cavidade abdominal e que são extremamente uteis no planejamento cirúrgico do paciente com hérnia complexa. Para medir o volume de uma estrutura com formato elipsóide, tal qual o saco herniário ou a cavidade abdominal, é preciso aplicar uma fórmula matemática que é uma adaptação do volume da esfera. O volume de uma elipse pode ser obtido resolvendo a equação 4/3 x 3,14 x (diâmetro latero-lateral / 2 x diâmetro longitudinal /2 x altura /2) tudo isso elevado à terceira potência. É até interessante saber a origem desta equação, mas existem calculadoras on line que nos ajudam a simplificar as aferições no dia a dia.

Amaral PHF, Roll S – Volumetry after botulinum toxin A: the impact on abdominal wall compliance and endotracheal pressure. Hernia (2024)

Assim, podemos obter tanto o volume da hérnia (VH) quanto o volume da cavidade abdominal (VCA). Se somarmos VH com VCA, teremos o volume peritoneal total que corresponde ao total de vísceras (VP=VH+VCA); se dividirmos VH por VCA, obteremos percentualmente o quanto o saco herniário representa em relação à cavidade abdominal e que usualmente denominamos como perda domicílio abdominal (PDA); se dividirmos o VH por VP, teremos a relação percentual do quanto o saco herniário representa no volume peritoneal total, que também é conhecido como índice peritoneal (IP)

Então, as medidas volumétricas são:

  • VH=0,52 x a x b x c (cm3 ou mL)
  • VCA=0,52 x A x B x C (cm3 ou mL)

E as relações volumétricas são:

  • VP=VH+VCA (cm3 ou mL)
  • PDA=VH/VCA (%)
  • IP=VH/VP (%)

A seguir, vamos compreender como esses números podem nos auxiliar no planejamento peri-operatório, partindo-se algumas questões que são importantes para o cirurgião.

Será possível fechar a linha média?

Perdas de Domicílio Abdominal menores de 25%, remetem 92% de sucesso na síntese completa da linha média. Isso quer dizer que é improvável deixar tela em ponte entre os retos, que não é considerado um reparo fisiológico, ou ainda, que seja necessário usar telas revestidas, que são mais caras e normalmente precisam ser solicitadas com antecedência. Por outro lado, a medida do Índice Peritoneal menor 20% sugerem que não haverá tensão no fechamento da linha média. Clinicamente isso significa que estes casos apresentam menor risco de deiscência da aponeurose e menores chances de hipertensão intra abdominal no pós-operatório.

Haverá necessidade de terapia intensiva no pós-operatório?

Perdas de Domicílio Abdominal maiores que 30,6%, denotam necessidade de internação em terapia intensiva por falência respiratória em quase um terço dos pacientes, nas 48 horas subsequentes a cirurgia. Uma medida de Índice Peritoneal maior que 33% remetem à níveis elevados de pressão de platô endotraqueal no pós-operatório. Isso significa que podemos esperar por algum grau de hipertensão intra-abdominal, sendo a síndrome compartimental o evento mais extremo.

E se esses fatores de risco forem identificados no pré-operatório?

Considere utilizar métodos adjuvantes como a aplicação de toxina botulínica e pneumoperitônio progressivo, que ajudarão a alterar a dinâmica e o comportamento entre saco herniário e a cavidade abdominal, otimizando os resultados. A flacidez muscular obtida por ação da toxina botulínica produz alteração da complacência da cavidade abdominal e reduz a razão entre o VH/VCA de 30% para 23% e o Índice Peritoneal de 23% para 18%, que podem representar a diferença entre um pós operatório com necessidades intensivas e dificuldade no fechamento da linha média, para um pós-operatório menos turbulento.

O risco de tromboembolismo é igual nesta cirurgia?

A fisiopatologia dos eventos tromboembólicos na cirurgia de reconstrução de parede abdominal apresenta menor relação com hipomobilidade. O aumento da pressão intra-abdominal pode alterar o fluxo na cava e levar à eventos trombo-embólicos sem, no entanto, haver trombose venosa profunda de membros inferiores. Recomenda-se calcular este risco através dos critérios propostos por Caprini et al.

Conclusões:

As hérnias complexas acompanham pacientes complexos. Neste contexto, o cirurgião deve antecipar-se aos problemas e preparar adequadamente os seus pacientes: o planejamento cirúrgico é componente chave para obtenção de melhores resultados. Contextualize sua equipe multidisciplinar sobre os casos complexos e certifique-se de que o seu hospital tem condições ideais para cuidar de um pós-operatório com necessidades especiais.

Referências:

  1. Slater NJ, Montgomery A, Berrevoet F, Carbonell AM, Chang A, Franklin M, Kercher KW, Lammers BJ, Parra-Davilla E, Roll S, Towfigh S, van Geffen E, Conze J, van Goor H. Criteria for definition of a complex abdominal wall hernia. Hernia (2014)
  2. Amaral PHF, Macret JZ, Dias ERM, Roll S et al. Volumetry after botulinum toxin A: the impact on abdominal wall compliance and endotracheal pressure. Hernia (2024)
  3. Tanaka EY et al. A computerized tomography scan method for calculating the hernia sac and abdominal cavity volume in complex large incisional hernia with loss of domain. Hernia (2010)
  4. Dias ERM, Amaral PHF, Macret JZ, Roll S et al. Systematic review and meta-analysis of the pre-operative application of botulinum toxin for ventral hernia repair. Hernia (2023)
  5. Fafaj A, Tastaldi L, Krpata DM, Rosen MJ et al. Can Hernia Sac to Abdominal Cavity Volume Ratio Predict Fascial Closure Rate for Large Ventral Hernia? Reliability of the Tanaka Score. Hernia (2021)
  6. Said S, Krpata D, Rosen M et al. Tanaka score predicts surgical intensive care admission following abdominal wall reconstruction. Hernia (2022)
  7. Sabbagh C et al. Peritoneal volume is predictive of tension-free fascia closure of large incisional hernias with loss of domain: a prospective study. Hernia (2011)
  8. Kraft CT, Janis JE. Venous Thromboembolism after Abdominal Wall Reconstruction: A Prospective Analysis and Review of the Literature. Plast Reconstr Surg. (2019)

Como citar este artigo

Amaral P, Dias E, Macret J, Carvalho JP, Pivetta L, Roll S, Reconstrução de parede abdominal no paciente portador de hérnia ventral complexa: os impactos do planejamento cirúrgico Gastropedia 2024; vol 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/reconstrucao-de-parede-abdominal-no-paciente-portador-de-hernia-ventral-complexa-os-impactos-do-planejamento-cirurgico/




Novas medicações para obesidade

Durante muitos anos a disponibilidade limitada de opções medicamentosas eficazes comprometeu o tratamento da obesidade. Sabemos que a mudança do estilo de vida com melhores escolhas nutricionais, inclusão de atividade física, terapias comportamentais são importantes para prevenção da obesidade e também fazem parte do tratamento.

É de suma importância entender que uma vez diagnosticada a obesidade, é necessário implementar medidas farmacológicas e em determinados casos medidas cirúrgicas para o tratamento adequado do paciente. Observa-se atualmente uma inércia em iniciar o tratamento medicamentoso.

Por muitos anos tivemos poucas opções medicamentosas para o tratamento da obesidade e muitas delas com registros de segurança insatisfatórios. Porém na última década, principalmente nos últimos 5 anos, estão sendo desenvolvidas novas medicações que proporcionam resultados importantes de perda de peso, associado a melhora significativa do controle metabólico, cardiovascular e renal.

O tratamento medicamentoso deve ser individualizado e para isso precisamos avaliar as contra indicações, tolerância, segurança e eficácia além do mecanismo de ação da droga versus o fenótipo de cada paciente.

Atualmente as medicações aprovadas pela Anvisa para obesidade são:

Orlistate e Sibutramina são as medicações mais antigas em uso no Brasil.

  • ORLISTATE:

    • Perda de peso discreta e redução de 45% de evolução para o Diabetes Mellitus tipo 2 ( DM2), em pacientes com intolerância à glicose.

  • SIBUTRAMINA:

    • Perda ponderal em torno de 4%;
    • Contra indicações: doença arterial coronariana, insuficiência cardíaca congestiva, arritmia ou acidente vascular cerebral

  • NALTREXONA + BUPROPIONA (CONTRAVE)

    • Liberada pela Anvisa em 2023.
    • Bupropiona, um inibidor da reabsorção de dopamina e a naltrexona, um agonista do receptor de opioide, funcionam de forma sinérgica, diminuindo a ingestão de alimentos e do peso corporal.
    • Ensaios clínicos: COR-I, COR-II, COR-BMOD E COR-Diabetes revelam que a combinação de bupropiona e naltrexona pode ser eficaz para uma perda de peso entre de 5,0% a 9,3% em comparação ao grupo placebo a depender do estudo analisado.

Os agonistas do receptor de GLP-1 (GLP-1 RA), representados pelo Saxenda (Liraglutida 3,0 mg) e Wegovy (Semaglutida 2,4mg), têm um bom perfil de segurança e tolerabilidade, proporcionando um tratamento eficaz para redução do peso e controle glicêmico, além disso vários estudos demonstraram outros benefícios como redução do risco de eventos cardiovasculares adversos maiores (MACE) em pessoas com e sem DM2 e mais recentemente também proteção renal.

A Liraglutida foi aprovada pela Anvisa para tratamento da obesidade há anos atrás, já a Semaglutida foi aprovada em 2023.

  • LIRAGLUTIDA

    • Agonista do receptor de GLP-1 tem 97% de homologia ao GLP-1 humano.
    • Meia vida de aproximadamente 13h; administração diária.
    • Entre várias ações, estimula a liberação de insulina, dependente da glicose, pelo pâncreas e retarda o esvaziamento gástrico.
    • Efeitos colaterais mais comuns são gastrointestinais, entre eles náuseas e vômitos.
    • Estudo SCALE estudou Saxenda para o controle de peso em pessoas sem DM2 e com DM2, os quais 63,2% dos pacientes perderam mais de 5% de peso e 33,1% perderam mais de 10%.

  • SEMAGLUTIDA

    • Agonista do receptor de GLP-1 de segunda geração tem 94% de homologia ao GLP-1humano.
    • Meia vida de aproximadamente uma semana; administração semanal, melhorando a aderência do paciente e a qualidade de vida.
    • Estudo STEP: oito ensaios clínicos principais com 2,4 mg de semaglutida evidenciando uma perda média de aproximadamente 15% do peso corporal em 47% dos pacientes do grupo de semaglutida comparado a apenas 4,8% do grupo placebo. Uma redução de 5% ou mais do peso ocorreu em 86,4% dos indivíduos no grupo da semaglutida.
    • Estudo SELECT: redução de 20% de eventos cardiovasculares adversos graves em pacientes sem DM2 em uso de 2,4mg de semaglutida. Esse benefício já havia sido avaliado no estudo Leader com liraglutida, porém apenas em pacientes com DM2.
    • Estudo FLOW: redução de 24% na progressão da doença renal, bem como na morte cardiovascular e renal para pessoas tratadas com semaglutida 1,0 mg em comparação com o placebo em pessoas com DM2 e DRC

Além das novas medicações, Contrave e Wegovy aprovadas em 2023 pela ANVISA; mais recentemente a Tirzepatida que já foi aprovada pela ANVISA para uso em DM2, cujo nome comercial é Mounjaro, foi também aprovada pelo FDA (Food and Drug Administration) para obesidade com o nome de Zepbound.

  • TIRZEPATIDA

    • Agonista duplo do receptor GIP e GLP-1 que tem efeito sinérgico na glicose e controle de peso.
    • O Estudo SURMOUNT mostrou uma perda de peso de até 25% em um terço dos indivíduos sem DM2 em uso de tirzepatida.

Existem vários outros estudos com novas drogas para obesidade em andamento, o caminho é promissor para medicamentos triplo agonistas entre outras drogas com novos mecanismos de ação.

Referências

  1. Pi-Sunyer X, et al.A Randomized, Controlled Trial of 3.0 mg of Liraglutide in Weight Management. N Engl J Med 2015:373;11–22.
  2. Davies MJ, et al. Efficacy of Liraglutide for Weight Loss Among Patients With Type 2 DiabetesThe SCALE Diabetes Randomized Clinical Trial JAMA 2015;314:687–699.
  3. le Roux CW, et al. 3 years of liraglutide versus placebo for type 2 diabetes risk reduction and weight management in individuals with prediabetes: a randomised, double-blind trial. Lancet 2017;389:1399–1409.
  4. Blundell J, et al. Effects of once-weekly semaglutide on appetite, energy intake, control of eating, food preference and body weight in subjects with obesity. Diabetes Obes Metab 2017;19:1242–1251.
  5. Wilding JPH, et al. Once-Weekly Semaglutide in Adults with Overweight or Obesity. N Eng J Med. 2021;384:989–1002.
  6. Davies M, et al. Semaglutide 2,4 mg once a week in adults with overweight or obesity, and type 2 diabetes (STEP 2): a randomised, double-blind, double-dummy, placebo-controlled, phase 3 trial. Lancet. 2021;397:971–84.
  7. Wadden TA, et al. J. Effect of Subcutaneous Semaglutide vs Placebo as an Adjunct to Intensive Behavioral Therapy on Body Weight in Adults With Overweight or Obesity: The STEP 3 Randomized Clinical Trial AMA. 2021;325:1403–1413.
  8. Rubino D, et al. Effect of Continued Weekly Subcutaneous Semaglutide vs Placebo on Weight Loss Maintenance in Adults With Overweight or Obesity The STEP 4 Randomized Clinical Trial. JAMA. 2021;325:1414–1425.
  9. Marso SP, et al. Semaglutide and Cardiovascular Outcomes in Patients with Type 2 Diabetes. N Engl J Med 2017;376:891–892.
  10. Ryan DH, et al. Semaglutide Effects on Cardiovascular Outcomes in People With Overweight or Obesity (SELECT) rationale and design Am Heart J. 2020;229:61–69.
  11. le Roux CW, et al. Tirzepatide for the treatment of obesity: Rationale and design of the SURMOUNT clinical development program. Obesity. 2023;31:96-110.

Como citar este artigo

Silva ACC e Cohen RV. Novas medicações para obesidade Gastropedia 2024; vol 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/obesidade/novas-medicacoes-para-obesidade/




Conduta nos pólipos de vesícula biliar: quando fazer seguimento e quando indicar a colecistectomia?

Os pólipos na vesícula biliar são achados comuns em exames de ultrassonografia abdominal, aparecendo em cerca de 4,5% dos adultos. Enquanto a maioria deles não apresenta potencial maligno, uma pequena porcentagem – entre 4% e 10% – são adenomas, que podem se tornar malignos.

Estudos mostram que o tamanho do pólipo é o principal fator de risco para o desenvolvimento de câncer, especialmente quando os pólipos adenomatosos têm 10 milímetros ou mais, apresentando uma chance de malignidade entre 37% e 55%.

No entanto, é difícil diferenciar entre pólipos adenomatosos e pólipos sem potencial maligno nos exames pré-operatórios. Por isso, é importante o gastroenterologista saber a correta indicação da cirurgia em pacientes com pólipos da vesícula biliar a fim de evitar um procedimento cirúrgico desnecessário nos pacientes sem risco e, principalmente, indicando corretamente o procedimento na população com maior risco de malignidade.

Em um artigo anterior, descrevemos os principais tipos de pólipos de vesícula biliar, suas características clinicas e ultrassonograficas: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/hepatopancreatobiliar/polipos-de-vesicula-biliar/

Nesse artigo, vamos resumir as indicações de seguimento e tratamento dos pólipos de vesícula biliar.

PACIENTES SINTÓMATICOS

Os pólipos de vesícula raramente causam sintomas, porém alguns estudos relataram associação entre pólipos de vesícula e cálculos não detectados na ultrassonografia e/ou colecistite. O guideline conjunto europeu de 2022 recomenda colecistectomia para pacientes que apresentam sintomas como cólica biliar ou complicações (ex: pancreatite) e que apresentam condições clínicas favoráveis a cirurgia 1 . A taxa de melhora dos sintomas é variável na literatura (40-90% de melhora).

Pacientes com sintomas dispépticos não específicos sem cólica biliar devem ser tratados de forma conservadora (a menos que haja outras indicações para a remoção do pólipo), já que a patogênese desses sintomas não é clara e a colecistectomia pode não aliviar os sintomas. Esses pacientes devem ser tratados sintomaticamente, assim como outros pacientes com dispepsia funcional.

PACIENTES ASSINTOMÁTICOS COM FATORES DE RISCO PARA CÂNCER DE VESÍCULA BILIAR

Os fatores de risco para câncer de vesícula biliar incluem:

  • idade >60 anos
  • colangite esclerosante primária
  • etnia asiática
  • pólipos sésseis com espessura focal da parede da vesícula >4 mm

A conduta vai depender do tamanho do pólipo:

  • Pólipos ≤5 mm: ultrassonografia de vigilância com 6 meses, 1 ano e 2 anos. Follow-up pode ser interrompido se não houver crescimento nesse período.
  • Pólipos de 6 a 9 mm: recomendada colecistectomia se o pacientes estiver clinicamente apto e aceitar a cirurgia.
  • Pólipos de 10 a 20 mm: Pólipos de 10 a 20 mm devem ser considerados como possivelmente malignos. A colecistectomia laparoscópica é recomendada.
  • Pólipos >20 mm: geralmente são malignos. Os pacientes devem realizar estadiamento pré-operatório com tomografia computadorizada ou ultrassonografia endoscópica. O tratamento radical constitui colecistectomia estendida com dissecção de linfonodos e ressecção hepática parcial no leito da vesícula biliar.

PACIENTES ASSINTOMÁTICOS SEM FATORES DE RISCO PARA CÂNCER DE VESÍCULA BILIAR

Em pacientes assintomáticos e sem fatores de risco para câncer de vesícula biliar, as recomendações de vigilância variam de acordo com o tamanho do pólipo.

  • Para pólipos ≤5 mm: não é necessário acompanhamento. *
  • Para pólipos de 6 a 9 mm: realizar ultrassonografia de abdômen com 6 meses, 1 ano e 2 anos. Vigilância pode ser interrompida se não houver crescimento nesse período.

* Essa estratégia está alinhada com as condutas do American College of Radiology 2 e com Canadian Association of Radiologists Incidental Findings Working Group 3 , que recomendam que pólipos menores do que 7 mm não necessitam acompanhamento.

CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES EM PACIENTES SUBMETIDOS À VIGILÂNCIA

1. Aumento no tamanho do pólipo

O guideline conjunto europeu de 2017 recomendava que:

  • Um aumento de tamanho superior a 2 mm nas imagens provavelmente representa um aumento clinicamente relevante e deve motivar encaminhamento a um cirurgião para colecistectomia.

Já a atualização deste guideline em 2022 recomenda que:

  • Se a lesão polipoide crescer 2 mm ou mais durante o período de acompanhamento de 2 anos, então o tamanho atual da lesão polipoide deve ser considerado juntamente com os fatores de risco do paciente. Discussão multidisciplicar deve ser realizada para decidir se vale a pena continuar a vigilância ou se a colecistectomia está indicada.

Um importante trabalho retrospectivo publicado em 2019 incluindo mais de 600.000 adultos submetidos a colecistectomia mostrou que:

  • O crescimento de 2 mm ou mais parece fazer parte da história natural dos pólipos de vesícula biliar.

    • A probabilidade de um pólipo crescer pelo menos 2 mm em 10 anos foi de 66% para pólipos menores que 6 mm e 53% para pólipos entre 6- 10mm.
    • Importante: esse crescimento não parece estar associado ao futuro câncer de vesícula biliar. Nenhum dos 507 pacientes com pólipos que cresceram para 10 mm ou mais foi subsequentemente diagnosticado com câncer.

  • O primeiro ano é o mais importante:

    • A maioria dos casos de Ca de vesícula foi diagnosticada no primeiro ano, provavelmente representando neoplasias já existentes no momento do diagnóstico.
    • Pólipos inicialmente menores que 10 mm quase nunca foram associados a futuros casos de Ca de vesícula (taxa 1,05 por 100.000 pessoas-ano)
    • Pólipos com ≥ 10 mm no diagnóstico raramente foram associados a Ca vesícula após o primeiro ano.

A cereja do bolo desse estudo:

  • Além disso, observamos que proporções semelhantes de adultos foram diagnosticadas com Ca de vesícula (0,053% vs. 0,054%), quer uma ultrassonografia inicial tenha mostrado ou não um pólipo de vesícula. Esses achados sugerem que pode não haver uma ligação geral entre pólipos de vesícula e neoplasia de vesícula, e que os pólipos de vesícula são um achado incidental.

2. Duração da vigilância

A duração da vigilância em pacientes com câncer de vesícula biliar não está clara. As diretrizes atualizadas conjuntas europeias recomendam interromper a vigilância em dois anos se não houver crescimentos dos pólipos. Alguns autores recomendam manter a vigilância por pelo menos cinco anos. No entanto, em pacientes com fatores de risco para câncer de vesícula biliar, devemos manter a vigilância para câncer de vesícula biliar com USG abdominal indefinidamente.

3. Adenomiomatose

Pacientes com características típicas de adenomiomatose na ultrassonografia não necessitam de vigilância ou colecistectomia.

4. Se durante o acompanhamento o pólipo da vesícula biliar desaparecer

Se durante o acompanhamento o pólipo da vesícula biliar desaparecer, a vigilância de acompanhamento pode ser interrompida.

Referências

  1. Foley KG, Lahaye MJ, Thoeni RF, Soltes M, Dewhurst C, Barbu ST, Vashist YK, Rafaelsen SR, Arvanitakis M, Perinel J, Wiles R, Roberts SA. Management and follow-up of gallbladder polyps: updated joint guidelines between the ESGAR, EAES, EFISDS and ESGE. Eur Radiol. 2022 May;32(5):3358-3368. doi: 10.1007/s00330-021-08384-w. Epub 2021 Dec 17. PMID: 34918177; PMCID: PMC9038818.
  2. Sebastian S, Araujo C, Neitlich JD, Berland LL (2013) Manag- ing incidental findings on abdominal and pelvic CT and MRI, Part 4: white paper of the ACR Incidental Findings Commit- tee II on gallbladder and biliary findings. J Am Coll Radiol 10(12):953–956
  3. Bird JR, Brahm GL, Fung C, Sebastian S, Kirkpatrick IDC (2020) Recommendations for the management of incidental hepatobiliary findings in adults: endorsement and adaptation of the 2017 and 2013 ACR Incidental Findings Committee White Papers by the Canadian Association of Radiologists Incidental Findings Working Group. Can Assoc Radiol J 71(4):437–447
  4. Szpakowski JL, Tucker LY. Outcomes of Gallbladder Polyps and Their Association With Gallbladder Cancer in a 20-Year Cohort. JAMA Netw Open. 2020 May 1;3(5):e205143. doi: 10.1001/jamanetworkopen.2020.5143. PMID: 32421183; PMCID: PMC7235691.

Como citar este artigo

Martins BC. Conduta nos pólipos de vesícula biliar: quando fazer seguimento e quando indicar a colecistectomia? Gastropedia 2024; vol 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/conduta-nos-polipos-de-vesicula-biliar-quando-fazer-seguimento-e-quando-indicar-a-colecistectomia/




Megacolon Chagasico: Diagnóstico e Tratamento

Diagnóstico e Investigação

Testes sorológicos: na fase crônica da doença deve-se utilizar pelo menos dois métodos de princípios diferentes para a confirmação do diagnóstico, com sensibilidade de 100% e especificidade de 96,5%. São eles: hemoaglutinação indireta, imunofluorescência indireta e teste imunoenzimático.

Exame contrastado: Considera-se que o diâmetro do sigmóide distal maior que 6 cm caracteriza megacólon. No entanto, através do enema opaco, grupo brasileiro, fez estudo com proposta de uma classificação do diâmetro transverso do reto alto/sigmóide distal na altura das cristas póstero-superiores ou ao nível da quarta vértebra lombar. Dessa forma, subdividiu em:

  • Grau 0: pacientes sem MC: eixo transversal entre 2,0 e 5,0cm
  • Grau I: intersecção entre pessoas com e sem MC. Eixo entre 5,1 e 9,0cm
  • Grau II: eixo transverso entre 9,1 e 13,0cm
  • Grau III: eixo maior que 13,1cm

Manometria anorretal: exame reprodutível e examinador dependente com avaliação dos esfíncteres interno e externo do ânus, relaxamento do músculo puborretal, sensibilidade e capacidade do reto e, na suspeita de MC. A ausência reflexo inibitório retoanal (RIRA), significando comprometimento da inervação da transição anorretal e acalasia do esfíncter interno do ânus, embora seu papel nessa doença ainda permaneça controverso.

Nesse aspecto, grupo brasileiro avaliou a presença do RIRA em 39 portadores de MC e verificou sua ocorrência em 43,6% dos pacientes, entretanto com necessidade de maior insuflação do balão retal com uma média de 196 ml, ao passo que em pessoas sem MC a média de infusão foi de 18,8 ml. Assim, ao injetar 30 ml de ar a probabilidade de detectar o RIRA foi de 12,8%, com 60ml de 15,4% e com 250ml de 43,6%.

Colonoscopia: exame com objetivo fundamentalmente de rastreio de câncer colorretal, devendo sua indicação obedecer as diretrizes vigentes na literatura nacional e internacional quanto à idade e fatores de risco principalmente.

Tratamento

a) Clínico:

Inicia-se o tratamento do portador de MC sintomático para constipação intestinal com medidas clínica, como:

  • Estimular ingesta hídrica: exceção aos pacientes cardiopatas com restrição de líquidos;
  • Evitar dieta rica em fibras e formadores de bolo fecal pois aumentam a chance de impactação fecal;
  • Uso de medicamentos laxativos: lactulose, polietilenoglicol, picossulfato de sódio. Em situações de não evacuação por tempo mais prolongado pode-se utilizar o bisacodil e o uso de supositórios de glicerina a cada 3 a 5 dias
  • Fisioterapia do assoalho pélvico e biofeedback: para casos em que se associa dissinergia pélvica.
  • Lavagem intestinal: naquelas situações de não evacuação por longo tempo, mais de 5 dias com as medidas acima, orienta-se a realização de enteroclisma, sempre antecedido de toque retal para a avaliação de fecalomas. Essa, inclusive, é uma das principais indicações de cirurgia eletiva em portadores de MC, ou seja, a refratariedade aos laxantes por via oral e necessidade frequente de idas ao pronto-socorro ou pronto-atendimento para a realização de lavagens intestinais.

b) Cirúrgico:

As indicações de cirurgia são: refratariedade do tratamento clínico com necessidade frequente de lavagens intestinais e as complicações agudas, como o volvo de sigmóide principalmente. A cirurgia, quando bem indicada, proporciona importante alívio e melhora do principal sintoma do MC que é a constipação intestinal de tal forma, que a frequência dessa queixa é de 76% entre os pacientes não operados e de 39% entre os pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico (p<0,01). Além disso, estudos demonstram melhora significativa do escore de gravidade de constipação após a cirurgia.

Entretanto, é preciso ter em mente e, transparecer isso aos pacientes e familiares, que a cirurgia para o MC não cura a doença. Os principais objetivos são a melhora da constipação e a redução dos riscos de complicações, como o volvo de sigmoide e a impactação fecal com consequente formação de fecalomas.

Grande parte dos cirurgiões colorretais mais antigos tiveram seus relevantes aprendizados técnicos com a realização de procedimentos para o tratamento do MC, sendo que as principais abordagens para o tratamento dessa doença foram descritas por renomados profissionais do nosso país e as cirurgias possíveis compreendem uma infinidade de técnicas que envolvem diferentes extensões de ressecção do cólon, níveis e formas de anastomose, resultando em morbidade e recorrência pós-operatória variáveis. O racional do tratamento cirúrgico é ressecar toda a área de sigmóide dilatada (sigmoidectomia completa) e evitar a região da transição retossigmoideana para a realização das anastomoses, a fim de evitar a recidiva precoce dos sintomas.

Sendo assim, dentre as principais técnicas descritas historicamente, pode-se citar:

  • Técnica de Swenson e Soave: abaixamento de cólon transretal com ressecção de mucosa retal e telescopagem, descrita no final dos anos 1940.
  • Técnica de Duhamel-Haddad: abaixamento de cólon retro-retal posterior com exteriorização do coto e anastomose retardada, descrita entre os anos 1950 e 1960.
  • Técnica de Duhamel-Haddad modificada: abaixamento de cólon retro-retal posterior com tentativa de anastomose primária e utilização de pinças esmagadoras.
  • Técnica de Habr-Gama: nos anos 1990, após surgimento e aprimoramento dos grampeadores e suturas mecânicos foi proposta a retossigmoidectomia com ressecção do reto abaixo do promontório e subsequente anastomose primária na parede posterior do reto distal, término-lateral mecânica extraperitoneal com grampeador de 33 mm (acima do anel anorretal a cerca de 5-7cm da borda anal – Figura 3). O racional da técnica é exclusão boa parte do reto doente do trânsito intestinal, evitando assim a manipulação anterior, que teoricamente teria probabilidade de denervação autonômica e risco de lesão de órgãos e estruturas pélvicas, como a vagina, bexiga, próstata, vesículas seminais e uretra.
Figura 3: Anastomose término-lateral posterior mecânica.

Essa é a técnica mais utilizada atualmente, sendo ainda mais difundida com o advento da videolaparoscopia. Apresenta taxa média de recorrência de 15-20%, certamente relacionada ao tempo de seguimento, que quanto maior apresenta maiores taxas.

Referências

  1. Santos Júnior JCM. Megacólon – Parte II: Doença de Chagas. Rev Bras Coloproct, 2002(4):266-277
  2. Alves RMA, Thomaz RP, Almeida EA, Wanderley JS, Guariento ME. Chagas’ disease and ageing: the coexistence of other chronic diseases with Chagas’ disease in elderly patients. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. 2009; 42(6):622-8
  3. Nahas SC, Dias AR, Dainezi MA, Araújo SEA, Nahas CSR. A Vídeo-Cirurgia no Tratamento do Megacólon Chagásico. Rev bras Coloproct, 2006;26(4): 470-4
  4. Kamiji MM, Oliveira RB. O perfil dos portadores de doença de Chagas, com ênfase na forma digestiva, em hospital terciário de Ribeirão Preto, SP. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. 2005; 38(4):305-9
  5. Araújo SEA, Dumarco RB, Rawet V, Seid VE, Bocchini SF, Nahas SC. Depopulation of intersticial cells of Cajal in chagasic megacolon: towards tailored surgery? Arq Bras Cir Dig. 2010;32(2):81-5
  6. Silva AL, Giacomin RT, Quirino VA, Miranda ES. Proposta de classificação do megacólon chagásico através de enema opaco. Rev Col Bras Cir. 2003;30(1):4-10
  7. Cavenaghi S, Felicio OCS, Ronchi LS, Cunrath GS, Melo MMC, Netinho JG. Prevalence of rectoanal inhibitory reflex in chagasic megacolon. Arq Gastroenterol. 2008;45(2):128-31
  8. Nahas SC. Tratamento cirúrgico do megacólon chagásico pela retossigmoidectomia abdominal com anastomose mecânica colorretal término-lateral posterior imediata. Tese Professor Livre Docente, USP, São Paulo, 2000.
  9. Nahas SC, Pinto RA, Dias AR, Nahas CSR, Araújo SEA, Marques CFS, Cecconello I. Long-term follow up of abdominal rectosigmoidectomy with posterior end-to-side stapled anastomosis for Chagas megacolon. Olorectal Dis. 2011;13(3):317-22.

Como citar este artigo

Pinto RA, Neto IJFC, Camargo MGM, Nahas SC, Marques CFS. Megacolon Chagasico: Diagnóstico e Tratamento Gastropedia 2024, Vol.1 Disponível em: gastropedia.pub/pt/cirurgia/colorretal/megacolon-chagasico-diagnostico-e-tratamento/




Megacólon Chagásico: fisiopatologia e quadro clínico

Definição

O termo megacólon caracteriza-se pela dilatação e alongamento do intestino grosso, fundamentalmente devido a alterações da inervação intrínseca dessa víscera, com os consequentes distúrbios morfológicos e funcionais.

Etiologia e fisiopatologia

No Brasil e em vários países da América do Sul, a principal etiologia do megacólon é a doença de Chagas (DC), também chamada de Tripanossomíase Americana, causada pela transmissão do Trypanossoma cruzi através insetos triatomídeos hematófagos (Barbeiro), chamados de vetores.

Frequentemente as manifestações são tardias decorrentes da destruição irreversível de células ganglionares periféricas do sistema nervoso autonômico, principalmente o parassimpático, por meio dos plexos mioentérico e submucoso (Auerbach e Meissner).

As alterações na denervação na região retossigmóide e no cólon ocorrem fundamentalmente na fase aguda da infecção pelo Trypanossoma cruzi e dependem do equilíbrio entre o hospedeiro e o parasita que envolve diversos fatores da complexa reação do sistema imunológico.

Entretanto, estudos mais recentes demonstram a participação no megacólon chagásico (MC) também das células intersticiais de Cajal, que são oriundas do mesordema e estão presentes no plexo mioentérico nas camadas longitudinais e circulares do cólon. Entretanto, ainda é incerto se alterações nessas células são primárias ou secundárias na fisiopatologia do MC. Em nosso meio, Araújo et al. demonstraram redução significativa dessas células em espécimes cirúrgicos comparando portadores de MC e pacientes sem DC (p<0,001).

Macroscopia e alterações no cólon

O local de acalasia, dissinergia e maior denervação autonômica no MC é a porção distal do sigmóide e proximal do reto (transição retossigmóide), embora possa ocorrer em todo cólon. Nas vísceras ocas a destruição de células ganglionares provoca, com o passar do tempo, o aparecimento das dilatações, hipertrofias musculares e alongamentos, com maiores repercussões no cólon esquerdo (notadamente no sigmóide) devido ao fato dessa região acomodar o bolo fecal já na forma sólida (Figura 1). Consequentemente, há alterações de secreção, absorção e motilidade cólica.

Figura 1: Dilatação e alongamento do sigmóide no megacólon chagásico.

Epidemiologia

A manifestação clínica da DC ocorre mais comumente na 4º e 5º década de vida, com prevalência pouco maior em pacientes do sexo masculino (60%). Afeta cerca de 2-3 milhões de brasileiros, 18 milhões de pessoas na América do Sul e cerca de 120 milhões de latino-americanos estão em risco de contrair a doença. No entanto, observa-se uma queda acentuada dos casos após a década de 90, principalmente pela melhoria das condições de vida e saneamento básico, mas também ao êxodo rural e uso de inseticidas.

Assim, atualmente observa-se que a DC e o MC afetam predominantemente pessoas idosas e isso demonstra a complexidade e necessidade de individualização de conduta e plano terapêutico nessa população. Em levantamento de estudo brasileiro, com análise de 90 portadores de DC, observou-se que a média de outras doenças concomitantes foi de 2,8 ± 1,8 e que quase 18% dos pacientes necessitaram internação no ano anterior, principalmente por descompensação de doença cardíaca e 75% tinham mais de 67 anos de idade.

Formas de transmissão:

  • triatomídeos contaminados
  • transfusão sanguínea
  • transplante de órgãos
  • contaminação vertical
  • contaminação por via oral através de alimentos

Locais de acometimento

A investigação dos órgãos acometidos pela DC é de fundamental importância já que a miocardiopatia constitui-se tanto em principal causa de óbito quanto em fator contribuinte para o mesmo. Além disso, no caso de doença esofágica, a existência de desnutrição é frequente, também colaborando para o aumento da morbimortalidade desses pacientes.

Quadro clínico

Cerca de 30-60% dos portadores de DC apresentarão sintomas relacionados à doença e destes e 7-10% terão queixas relacionadas ao trato digestório, sendo a colopatia a que tem manifestação mais tardia

O principal sintoma do portador de MC é a constipação intestinal crônica com piora progressiva ao longo do tempo. Cerca de 70% dos pacientes com MC ficam ser evacuar por mais de 10 dias e 37% por mais de 20 dias. Dessa forma, embora possa haver sintomas de obstrução de saída associados, ou dissinergia, a principal característica desses pacientes é o longo tempo sem o desejo de evacuar (diferente dos pacientes com obstrução de saída clássica, que habitualmente apresentam o desejo eventualmente várias vezes ao dia). Entretanto, importante ressaltar que, como as fezes são ressecadas habitualmente, e há a dissinergia da musculatura anorretal, é comum o relato de esforço evacuatório e dificuldade em eliminá-las ao longo tempo para a exoneração.

O meteorismo também é um sintoma bastante comum e pode vir acompanhado por redução da ingesta alimentar não só pela distensão abdominal, mas também pelo excesso de fezes no cólon e também, não incomumente, como relato dos pacientes que evitam ingerir alimentos para não acumular fezes. Entretanto, essa redução da quantidade de alimentação precisa ser bem diferenciada da disfagia consequente da acalasia do esôfago.

Ao exame físico, pode-se constatar:

  • sinais de desnutrição
  • distensão abdominal
  • aumento do timpanismo no espaço de Traube
  • deslocamento do cólon sigmóide para o abdome direito
  • sinal de Gersuny: palpação moldável do hipogástrio e fossa ilíaca esquerda (FIE) com sensação de descolamento ao relaxar, devido acúmulo de fezes no cólon esquerdo (fecaloma).

Além disso, é primordial em todas as consultas, a realização do toque retal, já que a incidência de fecaloma em portadores de MC ao longo da vida é em torno de 50%.

Complicações:

  • impactação fecal e formação de fecaloma
  • úlcera estercorácea: decorre da ação mecânica da impactação fecal na parede intestinal com formação de área de isquemia. Ocorre em cerca de 3% dos casos de MC.
  • volvo de sigmóde: quadro agudo de importante distensão abdominal, parada de eliminação de fezes e flatos e vômitos, provocada por alongamento crônico do mesocólon devido à dilatação do lúmen e distensão por fezes, com rotação organoaxial aguda. O sinal radiológico clássico é o do grão de café (Figura 2).
Figura 2: Radiografia simples de abdome ortostática com volvo de sigmóide.

Referências

  1. Santos Júnior JCM. Megacólon – Parte II: Doença de Chagas. Rev Bras Coloproct, 2002(4):266-277
  2. Alves RMA, Thomaz RP, Almeida EA, Wanderley JS, Guariento ME. Chagas’ disease and ageing: the coexistence of other chronic diseases with Chagas’ disease in elderly patients. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. 2009; 42(6):622-8
  3. Nahas SC, Dias AR, Dainezi MA, Araújo SEA, Nahas CSR. A Vídeo-Cirurgia no Tratamento do Megacólon Chagásico. Rev bras Coloproct, 2006;26(4): 470-4
  4. Kamiji MM, Oliveira RB. O perfil dos portadores de doença de Chagas, com ênfase na forma digestiva, em hospital terciário de Ribeirão Preto, SP. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. 2005; 38(4):305-9
  5. Araújo SEA, Dumarco RB, Rawet V, Seid VE, Bocchini SF, Nahas SC. Depopulation of intersticial cells of Cajal in chagasic megacolon: towards tailored surgery? Arq Bras Cir Dig. 2010;32(2):81-5
  6. Silva AL, Giacomin RT, Quirino VA, Miranda ES. Proposta de classificação do megacólon chagásico através de enema opaco. Rev Col Bras Cir. 2003;30(1):4-10
  7. Cavenaghi S, Felicio OCS, Ronchi LS, Cunrath GS, Melo MMC, Netinho JG. Prevalence of rectoanal inhibitory reflex in chagasic megacolon. Arq Gastroenterol. 2008;45(2):128-31
  8. Nahas SC. Tratamento cirúrgico do megacólon chagásico pela retossigmoidectomia abdominal com anastomose mecânica colorretal término-lateral posterior imediata. Tese Professor Livre Docente, USP, São Paulo, 2000.
  9. Nahas SC, Pinto RA, Dias AR, Nahas CSR, Araújo SEA, Marques CFS, Cecconello I. Long-term follow up of abdominal rectosigmoidectomy with posterior end-to-side stapled anastomosis for Chagas megacolon. Olorectal Dis. 2011;13(3):317-22.

Como citar este artigo

Pinto RA, Neto IJFC, Camargo MGM, Nahas SC, Marques CFS. Megacólon Chagásico: fisiopatologia e quadro clínico Gastropedia 2024, Vol. 1 Disponível em: gastropedia.pub/pt/cirurgia/megacolon-chagasico-fisiopatologia-e-quadro-clinico/




Situações especiais da linfadectomia para o tratamento do câncer gástrico

O princípio da gastrectomia é a ressecção do tumor com margens adequadas e remoção dos linfonodos regionais com potencial de acometimento metastático. (Um fluxograma completo de tratamento do câncer gástrico pode ser acessado neste outro artigo: Fluxograma de tratamento do câncer gástrico).

As cadeias, ou estações, linfonodais que drenam o estômago são numeradas e definidas de acordo com o vaso que estão acompanhando. Os níveis de linfadenectomias D1 ou D2 foram definidos baseado nos dados do registro japonês, que realizou uma divisão dos linfonodos abdominais em cadeias, apresentando um mapeamento de probabilidade de metástases em cada uma das cadeias, de acordo com a localização do tumor primário.(1)

Você pode conferir as estações linfonodais perigástricas na figura 6 e 7 desse artigo: Japanese classification of gastric carcinoma: 3rd English edition

Assim, na linfadenectomia D1, tanto os linfonodos perigástricos quanto ao longo da artéria gástrica esquerda são removidos. Na linfadenectomia D2, por sua vez, além da remoção dos linfonodos D1, também são removidos os linfonodos ao longo das artérias hepática comum, hepática própria e esplênica, bem como aqueles ao longo do tronco celíaco. (Tabela 1)

Tabela 1. Cadeias linfonodais ressecadas de acordo com extensão da ressecção e linfadenectomia.
Gastrectomia Subtotal
D1 1, 3, 4sb, 4d, 5, 6, 7
D2

cadeias da D1 + 9, 11p, 12a

Gastrectomia Total
D1

1 a 7

D2 cadeias da D1 + 8a, 9, 11p, 11d, 12a

Entretanto, existem algumas situações em que a linfadenectomia pode englobar outras cadeias linfonodais além das previamente citadas.

Tumores da transição esofagogástrica

Nos casos de tumores com invasão do esôfago distal inferior a 2 cm a gastrectomia total pode ser indicada e as cadeias 19, 20 e 110 devem ser removidas (Figura 1). Tumores com invasão entre 2 e 4 cm podem ser tratados tanto com esofagectomia quanto com gastrectomia. Nos casos com mais de 4 cm de invasão do esôfago, a esofagectomia com linfadenectomia das cadeias mediastinais é obrigatória.(2, 3)

Figura 1 .Cadeias linfonodais da região da transição esofagogástrica. Fonte: Departamento de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da USP.

Linfadenectomia da cadeia 10

A cadeia 10 do hilo esplênico deve ser removida durante a linfadenectomia D2 nos casos de tumores proximais com invasão da grande curvatura submetidos a gastrectomia total. A linfadenectomia pode ser associada ou não a realização de esplenectomia. Durante muitos anos debateu-se a necessidade de esplenectomia de rotina nos pacientes submetidos a gastrectomia total. Em 2007 foram publicados os resultados do estudo clínico randomizado (RCT) JCOG0110 que incluiu 505 pacientes em 36 instituições japonesas sem demonstrar benefício na realização da esplenectomia de rotina.(4)

Linfadenectomia cadeia 14v

Nos casos em que há metástases na cadeia 6 infrapilórica está indicada a remoção da cadeia 14v localizada na veia mesentérica superior próxima a borda inferior do pâncreas (Figura 2).

Figura 2. Foto do campo cirúrgico após linfadenectomia D2. Local onde estavam a cadeias 6 (área azul) e 14v (área verde) é demonstrado. Fonte: próprio autor.

Linfadenecomia cadeia 13

Os linfonodos da cadeia 13 localizados na região posterior da cabeça pancreática podem ser removidos nos casos de tumores gástricos invadindo o duodeno como parte da linfadenectomia D2 sem serem considerados metastáticos. Nos casos de acometimento da cadeia 13 em tumores sem invasão duodenal, essa disseminação já é considerada como metastática (M1).

Linfadenectomia para-aórtica

A linfadenectomia para-aórtica (PAND) anteriormente era considerada como a linfadenectomia D3. Gastrectomia com linfadenectomia D2 associada a PAND profilática sem evidências de acometimento das cadeias para-aórticas não está mais indicada.(5) Entretanto, nos casos em que havia acometimento das cadeias para-aórticas e o paciente apresentou resposta clínica com emprego de quimioterapia de conversão a gastrectomia com linfadenectomia D2 + PAND pode ser realizada.(6)

Omentectomia

Para tumores T1 e T2 a remoção de apenas 3 cm de omento além da arcada gastroepiplóica já é suficiente. Para tumores T3 e T4 a omentectomia ainda faz parte da gastrectomia padrão, mas sua realização foi pouco recomendada no último consenso japonês com nível de evidência C. (7)

Bursectomia

A bursectomia peritoneal é o procedimento de dissecção do revestimento peritoneal que cobre o pâncreas e o folheto anterior do mesocólon transverso. Desde a década de 1960, no Japão, a bursectomia tem sido recomendada como parte da gastrectomia radical para o CG avançado, especialmente para tumores que invadem a serosa da parede gástrica posterior. Teoricamente, a bursectomia pode promover a dissecção completa dos linfonodos infrapilóricos da cadeia 6 e a inclusão de potenciais micrometástases da retrocavidade (bolsa omental menor) na ressecção. No entanto, o benefício da realização da bursectomia na sobrevida não foi confirmado RCT em grande escala (JCOG1001), inclusive para o subgrupo de pacientes com tumores T4a e localizados na parede posterior do estômago.(8)

Referências

  1. Japanese Gastric Cancer Treatment Guidelines 2021 (6th edition). Gastric Cancer. 2023;26(1):1-25.
  2. Takeda FR, Ramos M, Pereira MA, Sallum RAA, Ribeiro Junior U, Nahas SC, et al. Tumor size predicts worse prognosis in esophagogastric junction adenocarcinoma. Updates Surg. 2022;74(6):1871-9.
  3. Kurokawa Y, Takeuchi H, Doki Y, Mine S, Terashima M, Yasuda T, et al. Mapping of Lymph Node Metastasis From Esophagogastric Junction Tumors: A Prospective Nationwide Multicenter Study. Ann Surg. 2021;274(1):120-7.
  4. Sano T, Sasako M, Mizusawa J, Yamamoto S, Katai H, Yoshikawa T, et al. Randomized Controlled Trial to Evaluate Splenectomy in Total Gastrectomy for Proximal Gastric Carcinoma. Ann Surg. 2017;265(2):277-83
  5. Sano T, Sasako M, Yamamoto S, Nashimoto A, Kurita A, Hiratsuka M, et al. Gastric cancer surgery: morbidity and mortality results from a prospective randomized controlled trial comparing D2 and extended para-aortic lymphadenectomy–Japan Clinical Oncology Group study 9501. J Clin Oncol. 2004;22(14):2767-73.
  6. Ramos MFKP, Pereira MA, Charruf AZ, Dias AR, Castria TB, Barchi LC, et al. CONVERSION THERAPY FOR GASTRIC CANCER: EXPANDING THE TREATMENT POSSIBILITIES. Arq Bras Cir Dig. 2019;32(2):e1435.
  7. Barchi LC, Ramos MFKP, Dias AR, Yagi OK, Ribeiro-Júnior U, Zilberstein B, et al. TOTAL OMENTECTOMY IN GASTRIC CANCER SURGERY: IS IT ALWAYS NECESSARY? Arq Bras Cir Dig. 2019;32(1):e1425
  8. Kurokawa Y, Doki Y, Mizusawa J, Yoshikawa T, Yamada T, Kimura Y, et al. Five-year follow-up of a randomized clinical trial comparing bursectomy and omentectomy alone for resectable gastric cancer (JCOG1001). Br J Surg. 2022;110(1):50-6.

Como citar este artigo

Ramos MFKP, Situações especiais da linfadectomia para o tratamento do câncer gástrico Gastropedia 2024 Vol 1. Disponível em: gastropedia.pub/pt/cirurgia/situacoes-especiais-da-linfadectomia-para-o-tratamento-do-cancer-gastrico/




Neoplasia Pseudopapilar Sólida do Pâncreas (Tumor de Frantz)

A Neoplasia Pseudopapilar Sólida do Pâncreas (NPSP), conhecida previamente como Tumor de Frantz, é um tumor geralmente benigno, porém com potencial de malignidade. Estas lesões são raras, representando menos de 2% das neoplasias pancreáticas. Predominam em mulheres jovens (20-30 anos), sendo geralmente assintomáticas. Quando há sintomas, o principal deles é a dor abdominal. Geralmente são encontrados de forma incidental em exames de imagem como tomografia computadorizada e ressonância magnética. Nesse artigo, vamos resumir as principais características desta neoplasia.

Apresentação Clínica:

No passado, a maioria dos casos desta neoplasia eram sintomáticos (80%). No entanto, com a utilização disseminada dos métodos de imagem, houve grande aumento dos achados incidentais em pacientes assintomáticos, que atualmente representam cerca de 50% dos casos. O sintoma mais comum é dor abdominal, seguido de náuseas, vômitos e perda de peso. Outros sintomas menos frequentes incluem icterícia e pancreatite. Alguns pacientes podem apresentar massa palpável, visto que a lesão não costuma causar sintomas nos estágios iniciais.

  • Representam menos de 2% das neoplasias pancreáticas.
  • Predominantes em mulheres jovens (20-30 anos).
  • Geralmente são assintomáticos.
  • Principal sintoma: dor abdominal.
  • Diagnósticos incidentais em TC, RM e US.

Características nos exames de imagem:

  • As NPSP podem aparecer como uma lesão pancreática mista, sólida e cística, em imagens de TC e RNM.
  • Também podem aparecer como tumores sólidos bem demarcados.
  • Num estudo das características de RM de pequenos tumores sólidos do pâncreas, os NPSP apresentavam uma intensidade de sinal significativamente mais baixa nas imagens ponderadas em T1, uma intensidade de sinal mais elevada nas imagens ponderadas em T2 e um realce heterogêneo e progressivo precoce na RM, em comparação com os adenocarcinomas e os tumores neuroendócrinos.

Características Endoscópicas (EUS):

  • Lesões geralmente são bem demarcadas (aspecto encapsulado), hipoecogênicas e de aparência sólida.
  • Podem ter áreas císticas de permeio, proporcionando uma imagem heterogênea, ou ser predominantemente císticas.
  • Podem ser encontradas em qualquer lugar do pâncreas: cabeça, corpo, cauda e processo uncinado.
  • Calcificações podem estar presentes em até 20% dos casos.
  • Outra característica que pode ser encontrada é a presença de vasos no interior do tumor, que podem ser visíveis como pequenas estruturas hiperecogênicas que atravessam a lesão.

Diagnóstico por EUS-FNA:

  • O fluido aspirado do cisto é tipicamente sanguinolento.
  • Sensibilidade: 80-90%, Especificidade: 85-96%.
  • Fornece informações morfológicas para planejamento cirúrgico.

Características Histológicas e Marcadores Moleculares:

  • A citologia é diagnóstica em 75% dos casos.
  • Apresentam estrutura complexa de células poligonais.
  • A disposição das células tumorais ao redor dos vasos capilares confere à lesão uma aparência “pseudopapilar” irregular.
  • A análise citológica revela papilas ramificadas características com estroma mixoide.
  • A análise imuno-histoquímica, incluindo vimentina, CD10 e beta-catenina, auxilia a diferenciação entre uma NPSP e um tumor neuroendócrino pancreático.

Características Sugestivas de Malignidade:

  • Tamanho > 5 cm.
  • Mitoses frequentes.
  • Índice Ki-67 elevado (> 5%).
  • Invasão vascular ou linfática.
  • Presença de necrose.
  • Presença de metástases à distância.

Tratamento e Prognóstico:

  • Ressecção cirúrgica completa é a abordagem definitiva, devido ao potencial de malignização.
  • Escolha cirúrgica é baseada na localização (duodenopancreatectomia ou pancreatectomia distal).
  • Sobrevida pós-operatória próxima de 95%, com necessidade de monitoramento.
  • Acompanhamento a longo prazo é essencial para identificar recorrências.

Referências:

  1. Arief Suriawinata.Pathology of exocrine pancreatic neoplasms. Uptodate 2023. Disponivel em: https://www.uptodate.com/contents/pathology-of-exocrine-pancreatic-neoplasms.
  2. Asif Khalid, Kevin McGrath. Pancreatic cystic neoplasms: Clinical manifestations, diagnosis, and management. Uptodate 2022. Disponivel em: https://www.uptodate.com/contents/pancreatic-cystic-neoplasms-clinical-manifestations-diagnosis-and-management.
  3. Okasha, H., Abbas, W., Altonbary, A. et al. Role of endoscopic ultrasonography in the diagnosis of solid pseudo-papillary neoplasm: Egyptian multi-centric case series and systematic review. Egypt J Intern Med 34, 9 (2022). https://doi.org/10.1186/s43162-022-00105-z

Como citar este artigo

Passos HL, Souza CS, Martins BC. Neoplasia Pseudopapilar Sólida do Pâncreas (Tumor de Frantz). Gastropedia 2024 Vol. 1 Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/hepatopancreatobiliar/neoplasia-pseudopapilar-solida-do-pancreas-tumor-de-frantz




Constipação intestinal funcional: como diferenciar e manejar?

 

Resumo:

A Constipação Intestinal Funcional ou Constipação Intestinal Crônica (CIC) é uma desordem do trato gastrointestinal (TGI) baixo que pode estar associada a sintomas como evacuação infrequente e incompleta, afetando entre 15-20% dos adultos e contando com um grupo de sintomas que vão além do número de evacuações por semana. Suas causas são divididas em primária e secundária. A investigação diagnóstica inicia com uma anamnese direcionada ao hábito alimentar e intestinal, uso de medicamentos e sintomas de trânsito lento ou obstrução de saída. O manejo clínico deve ser iniciado antes mesmo da utilização da propedêutica armada, que tem maior utilidade quando se pensa em intervenções terapêuticas dirigidas, como a fisioterapia ou mesmo a cirurgia. Neste capítulo abordaremos a CIC desde sua etiologia até o manejo apropriado. Se quiser conferir nossa live discutindo esse assunto clique aqui.

Introdução

A Constipação Intestinal Crônica (CIC) é uma desordem do trato gastrointestinal (TGI) baixo do eixo intestino-cérebro e pode estar associada a sintomas como evacuação infrequente e incompleta, na ausência de anormalidades estruturais.

A CIC é um problema de alta prevalência, afetando entre 15-20% dos adultos, dentre os quais 33% possuem idade maior que 60 anos, com predominância no sexo feminino.

A definição de CIC envolve não apenas a redução do número de evacuações por semana, mas um conjunto de sintomas como esforço evacuatório, sensação de evacuação incompleta, incapacidade de evacuar, uso de manobras digitais para eliminar as fezes, fezes endurecidas ou “bloating” e distensão abdominal.

Etiologia

Causas de CIC podem ser dívidas nas seguintes categorias:

Primária ou Idiopática:

Pacientes com esta condição geralmente não possuem uma causa identificada na história e no exame físico. Geralmente diagnosticada após exclusão de causas orgânicas, podendo ser classificadas da seguinte forma:

  • Tempo de Trânsito Normal: apesar do trânsito do bolo fecal pelo cólon ser normal, pacientes apresentam dificuldades de evacuar. Corresponde a cerca de 60-65% dos casos.
  • Disfunção do Assoalho Pélvico/ Obstrução de Saída (ODS): ocorre por prejuízo na musculatura do assoalho pélvico e pacientes frequentemente relatam sensação de evacuação incompleta, esforço evacuatório prolongado ou excessivo, uso de manobras/pressão perineal durante evacuação. Ocorre em aproximadamente 20-25% dos portadores de CIC.
  • Tempo de Trânsito Lento / Inércia Cólica (IC): caracterizado por movimentos intestinais infrequentes, pouca urgência fecal ou esforço evacuatório. Corresponde a cerca de 5% dos casos
  • Mistas: IC associada a ODS, sendo observada em 2-3% dos pacientes portadores de CIC

Causas Secundárias:

A avaliação clínica deve buscar investigar causas intestinais e extraintestinais, anormalidades metabólicas/hormonais e uso de medicamentos (quadro 1).

Intestinais
Tumores obstrutivos, estenose anal, atrasia anal, fissura anal, ânus imperfurado, estenoses inflamatórias ou pós-operatórias, volvo, endometriose
Causas Neurológicas
Doença de Hirchsprung, pseudo-obstrução intestinal, displasia neuronal, lesões medulares, espinha bífida, acidente vascular encefálico, doença de Parkinson, Esclerose Multipla, doença de Chagas, disautonomia familiar
Medicamentos
Anticolinérgicos, narcóticos, antidepressivos, sulfato ferroso, bloqueadores dos canais de cálcio, anti-inflamatórios não esteroides (AINES), drogas psicotrópicas, intoxicação por vitamina D
Causas Metabólicas e Endócrinas
Hipocalemia, hipercalcemia, hipotiroidismo, diabetes mellitus (DM) e diabetes insipidus
Miscelânea
Doença celíaca, alergia à proteína do leite, Fibrose Cística, Doença inflamatória intestinal (DII) e esclerodermia, Síndrome de Down, Gastrosquise, síndrome de Prune Belly.
Quadro 1- Causas secundárias de constipação

Avaliação Clínica

A investigação da Constipação Intestinal Crônica inicia-se com uma avaliação detalhada do hábito intestinal, incluindo ingestão de fibras e líquidos, história familiar de doenças gastrointestinais, neurológicas e sistêmicas e exame físico completo, não devendo ser menosprezado o exame proctológico, particularmente a força de propulsão retal e o relaxamento ou não do músculo puborretal (Figura 1).

 

Figura 1: Ação do músculo puborretal na contração paradoxal à esquerda, dificultando a evacuação e relaxando normalmente à direita.

Também é importante na anamnese interrogar possíveis causas secundárias de constipação (vide quadro 1) e descartar sinais de alarme para câncer colorretal, como perda de peso não intencional, sangramento via retal, história familiar de câncer ou doença inflamatória intestinal, pois se presentes, uma colonoscopia deve ser indicada.

A utilização de critérios objetivos para o diagnóstico de CIC é fundamental não só com esse objetivo, mas também para o seguimento e reavaliação do tratamento efetuado.

Dentre eles citam-se:

– Critérios de Roma IV: sintomas presentes nos últimos três meses (não necessariamente consecutivos) e por um mínimo de seis meses (quadro 2).

– Escala da consistência das fezes de Bristol (Figura 2)

Figura 2: escala de consistência das fezes

 

– Critérios de gravidade da CIC: Constipation Score System Cleveland Clinic Florida– critérios de Agachan, que conta com 8 questões referentes à hábito intestinal e dificuldade evacuatória e a frequência de ocorrência, variando de 0 a 30 pontos.

– Avaliação da qualidade de vida a partir de questionários específicos.

Constipação Funcional
1. Deve incluir 2 ou mais dos seguintes sintomas, presentes em >25% das defecações:
a. Esforço
b. Fezes endurecidas ou grumosas (Bristol 1-2)
c. Sensação de evacuação incompleta
d. Sensação de bloqueio retal/obstrução
e. Manobras manuais para facilitar (manobras digitais, suporte para o assoalho pélvico)
f. <3 movimentos intestinais espontâneos por semana
2. Fezes macias raramente presentes sem o uso de laxativos
3. Critérios insuficientes para SII-c
Quadro 2 – Critérios de Roma IV para diagnóstico de CIC

Exames Complementares

A investigação armada deve ser realizada em casos de CIC refratários ao tratamento medicamentoso, de acordo com o fluxograma sugerido na Figura 3.

1. Manometria Anorretal

Fornece informações importantes como presença do reflexo inibitório retoanal (RIRA), tônus dos esfíncteres interno e externo do ânus, sinais sugestivos de contração paradoxal ou não relaxamento adequado do músculo puborretal, além da sensibilidade, capacidade e complacência retais.

Ao final do exame, preconiza-se a realização do teste de expulsão do balão retal, em que solicita-se ao paciente a eliminação do mesmo, preferencialmente na posição sentada no vaso sanitário, em uma de três tentativas com duração de 60 segundos cada. Saiba mais sobre manometria anorretal neste artigo.

2. Exame dinâmico da evacuação: Videodefecografia, Ressonância Magnética dinâmica do assoalho pélvico ou Ecodefecografia

Fornecem informações úteis sobre alterações anatômicas, como retocele, prolapso retal, enterocele, sigmoidocele, intussuscepção intrarretal, descenso perineal e dissinergia pélvica (contração paradoxal do músculo puborretal e anismos).

3. Tempo de Trânsito Cólico (TTC)

O TTC é realizado com a ingestão de uma cápsula contendo 24 marcadores radiopacos, com realização de Raios X de abdome e pelve no primeiro, terceiro e quinto dia após a ingestão. Considera-se normal a retenção de menos de 5 marcadores (20% do ingerido) ao final do 5º dia. Caso haja retenção de mais marcadores pode-se encontrar 2 padrões distintos de alteração: inércia cólica onde os marcadores ficam distribuídos aleatoriamente pelo cólon e reto; e obstrução de saída onde os marcadores concentram-se no retossigmóide.

 

Figura 3: Fluxograma de investigação da constipação intestinal crônica

Manejo da Constipação Intestinal Crônica

Tratamento Não-Farmacológico

Mudanças no estilo de vida auxiliam no controle intestinal, com aumento da atividade física, ingestão de líquidos e carboidratos complexos ricos em fibras. Alteração na dieta costuma ser o manejo de primeira linha eficaz, sendo recomendado o aumento do consumo de fibras em aproximadamente 25-30g por dia.

Tratamento Farmacológico

Pacientes que não obtiveram resposta com mudanças no estilo de vida devem seguir o tratamento com formadores de bolo fecal e, a seguir tem-se uma gama de laxantes, como os osmóticos – polietilenoglicol (PEG) e lactulose, estimulantes – bisacodil, sena e picossulfato de sódio, agentes pró-cinéticos como a prucaloprida, lubiprostona e linaclotida. Enemas ou supositórios devem ser utilizados em casos selecionados e por períodos curtos, assim como os medicamentos laxativos, principalmente os estimulantes.

Tratamento da disfunção do assoalho pélvico (Biofeedback)

Pacientes com obstrução de saída (anismus, contração paradoxal do músculo puborretal ou síndrome da espasticidade do assoalho pélvico) devem ser encaminhados a fisioterapia pélvica e biofeedback para reeducação do relaxamento da musculatura pélvica durante o ato evacuatório.

Tratamento Cirúrgico

Constipação por inércia cólica

Pacientes refratários ao tratamento conservador, após exclusão de obstrução de saída, podem se beneficiar de uma colectomia total com anastomose ileorretal minimamente invasiva. Antes de indicar o tratamento cirúrgico, é importante na investigação descartar dismotilidade do TGI superior (gastroparesia e pseudo-obstrução intestinal), doenças psiquiátricas graves e doenças neurológicas sistêmicas como diabetes mellitus e esclerose sistêmica.

Obstrução de Saída

As principais indicações de cirurgia no tratamento da constipação por obstrução de saída são retoceles, enteroceles, sigmoidoceles e prolapsos, e a técnica cirúrgica utilizada deve ser individualizada, dentre as correções transanal, transvaginal, transperineal ou abdominal minimamente invasiva.

Referências

  1. Agachan F, Chen T, Pfeifer J, Reissman P, Wexner SD. A constipation scoring system to simplify evaluation and management of constipated patients. Dis Colon Rectum. 1996; 39:681-5.
  2. Chang L, Chey WD, Imdad A, Almario CV, Bharucha AE, Diem S, et al. American Gastroenterological Association – American College of Gastroenterology clinical practice guideline: pharmacological management of chronic idiopathic constipation. The American Journal of Gastroenterology. 2023;118(6):936-54.
  3. Sobrado CW, Corrêa Neto IJF, Pinto RA, Sobrado LF, Nahas SC, Cecconello I. Diagnosis and treatment of constipation: a clinical update based on the Rome IV criteria. Journal of Coloproctology. 2018; 38:137-44.
  4. Costilla VC, Foxx-Orenstein AE. Constipation in adults: diagnosis and management. Current Treatment Options in Gastroenterology. 2014;12(3):310-21.
  5. Pannemans J, Masuy I, Tack J. Functional constipation: individualising assessment and treatment. Drugs. 2020;80(10):947-63.
  6. Soh JS, Lee HJ, Jung KW, Yoon IJ, Koo HS, Seo SY, et al. The diagnostic value of a digital rectal examination compared with high-resolution anorectal manometry in patients with chronic constipation and fecal incontinence. The American Journal of Gastroenterology. 2015;110(8):1197-204.
  7. Tantiphlachiva K, Rao P, Attaluri A, Rao SS. Digital rectal examination is a useful tool for identifying patients with dyssynergia. Clinical Gastroenterology and Hepatology: the official clinical practice journal of the American Gastroenterological Association. 2010;8(11):955-60

Como citar este artigo

Pinto RA, Correa Neto IJ, Lima AP, Marques CFS. Constipação intestinal funcional: como diferenciar e manejar? Gastropedia 2023, vol 2. Disponível em: https://gastropedia.com.br/cirurgia/colorretal/constipacao-intestinal-funcional-como-diferenciar-e-manejar/




Manometria Anorretal: conceitos, indicações e técnica

A manometria anorretal é um exame utilizado para avaliação da função do reto e aparelho esfincteriano esfincteriana. Sua utilidade é principalmente valorizada em pacientes que apresentam distúrbios funcionais, como a constipação intestinal e a incontinência fecal, auxiliando no manejo destes pacientes. Neste artigo vamos aprender sobre os conceitos, as principais indicações e a técnica de realização.

Introdução

O assoalho pélvico é uma estrutura muscular peculiar, com importante função na manutenção da continência anal e influência na defecação, sendo que a sua disfunção, seja por motivos funcionais, anatômicos e/ou neurológicos acarretam em morbidades com significativo impacto social, emocional, psicológico e econômico. São consideradas anormalidades do assoalho pélvico a incontinência urinária, prolapso de órgãos pélvicos, incontinência anal, disfunção evacuatória e desordens sexuais, dentre outras.

Os distúrbios da evacuação, seja a incontinência fecal (IF) ou a constipação intestinal crônica (CIC), representam alterações do assoalho pélvico bastante frequentes na população em geral mais comumente naqueles com fatores de risco, ou seja, idosos, mulheres com passado obstétrico, comorbidades (como esclerodermia, hipotireoidismo, diabetes mellitus), antecedente de radioterapia pélvica, pacientes acamados ou com déficits de locomoção, história de cirurgias orificiais, uso crônico de analgésicos, opióides e medicamentos psiquiátrico, dentre outros.

A incontinência fecal apresenta incidência bastante variável e dependente fundamentalmente da idade da população de estudo, de tal forma que a incidência oscila entre 1,4 a 18%, com média geral de 2 a 8,4%. Por outro lado, constipação intestinal crônica (CIC) é um dos transtornos gastrointestinais funcionais mais comuns com elevada prevalência na população, acometendo 16% dos adultos e até 33% daqueles maiores que 60 anos de idade, mais especificamente o sexo feminino com prevalência de 2 a 3:1 quando comparado com o sexo masculino.

A manometria anorretal pode auxiliar médico assistente, seja ele o gastroenterologista, cirurgião do aparelho digestivo, coloproctologista ou de outra especialidade médica a entender melhor o distúrbio que está sendo avaliado e auxiliar no seu manejo. A seguir discutiremos sobre as indicações, conceitos e técnicas da manometria anorretal.

Indicações

A manometria anorretal (MNAR) pode ser indicada principalmente para os casos de:

  • incontinência fecal (IF);
  • constipação intestinal;
  • dissinergia do assoalho pélvico;
  • prolapso de órgãos pélvicos: retocele, enterocele, prolapso mucoso, procidência retal e cistocele;
  • dor pélvica crônica: endometriose, proctalgia fugaz;
  • pré-operatório de cirurgias orificiais e reconstrução de trânsito intestinal;
  • pós-operatório de cirurgia colorretal, notadamente em paciente com a síndrome da ressecção anterior do reto.

Técnica para execução

Cerca de 2-3 horas antes do exame indica-se o preparo intestinal retrógrado com um frasco de phosphoenema® ou dois de Minilax® (enemas evacuatórios). Não é necessário restrição alimentar. No momento do exame, posiciona-se o paciente em decúbito lateral esquerdo com os membros inferiores semi-fletidos (posição de Simms) e posteriormente realiza-se a inspeção anal seguida pelo toque retal com objetivo de:

  • avaliar se há excesso de fezes na ampola retal;
  • mensurar de forma subjetiva o tônus dos esfíncteres interno e externo do ânus, respectivamente durante o repouso e contração anal;
  • avaliar o relaxamento do músculo puborretal e a força de propulsão retal;

Além disso, o toque retal tem como finalidade final guiar a adequada e cuidadosa inserção do cateter de manometria anorretal.

Parâmetros avaliados

Os seguintes dados são avaliados durante a MNAR:

  • Pressão de repouso: fornecida fundamentalmente pela ação do músculo esfíncter anal interno (EAI – valores em mmHg);
  • Comprimento do canal anal funcional: normalmente entre 2-3 cm no sexo feminino e um pouco longo no masculino;
  • Pressão de contração: ação executada pela musculatura estriada anorretal, ou seja, pelo esfíncter anal externo (EAE) e músculo puborretal (PR – valores em mmHg);
  • Ação da musculatura esfincteriana durante a manobra de Valsalva ou esforço evacuatório afim de observar adequado relaxamento da mesma ou sinais sugestivos de contração paradoxal do músculo PR, também descrita como dissinergia do assoalho pélvico;
  • Capacidade de sustentação da contração: corresponde ao índice de fadiga durante 30 segundos da musculatura estriada anorretal com mensuração em percentagem e em tempo de duração;
  • Reflexo inibitório retoanal: demonstra o relaxamento do EAI à estimulação dos receptores nervosos no anel anorretal a partir da insuflação escalonada de ar no balão, posicionado da extremidade distal do cateter da manometria (podendo ser positivo, negativo ou indeterminado);
  • Sensibilidade e capacidade do reto: mensuração feita com a instilação de água no interior deste mesmo balão (valores medidos em ml);
  • Índice de assimetria esfincteriana em repouso e na contração: mensura a simetria do complexo esfincteriano anorretal na sua circunferência, em percentagem.

Após a obtenção desses dados, recomenda-se a realização do teste de expulsão do balão retal, primordialmente nos pacientes com quadro clínico de constipação intestinal e naqueles com sinais manométricos sugestivos de contração paradoxal do músculo puborretal à MNAR.

Para tanto, deixa-se em torno de 50 a 60 ml de água no interior do balão retal com a sonda posicionada logo acima do anel anorretal e solicita-se ao paciente, principalmente na posição sentada em vaso sanitário, que elimine o balão, simulando uma evacuação. Considera-se o teste negativo se houver a eliminação em até três tentativas com tempo máximo de 60 segundos cada uma. Caso não haja a eliminação do balão contendo água após 3 tentativas, o teste é positivo, podendo corroborar com dissinergia do assoalho pélvico.

Convencional x Alta resolução

A MNAR convencional teve, em nosso meio, sua disseminação e metodologia de execução a partir de 1993. Para tanto, utiliza-se uma sonda com oito orifícios radiais localizados em sua extremidade e por onde as pressões esfincterianas são mensuradas através da resistência oferecida ao fluxo de água a 0,3-0,5 ml/minuto/canal. Para sua execução insere-se a sonda até 6 cm da borda anal e traciona-se o cateter a cada centímetro de maneira estacionária.

Por outro lado, os aparelhos mais recentes de MNAR, conhecidos como de alta resolução, apresentam 24 ou 36 canais, distribuídos radialmente e de maneira escalonada de 1 a 6 cm da extremidade do cateter. Para sua realização insere-se a sonda a 6 cm da borda anal, deixando-a estática com mensurações sucessivas dos dados acima mencionados, seguindo um protocolo específico conhecido como Protocolo de Londres, que padronizou melhor a MNAR de alta resolução em relação à convencional.

Essa nova tecnologia de realização de MNAR apresenta como principais vantagens:

  • gráficos com melhor visualização espacial;
  • menor incomodo ao paciente, notadamente aqueles com quadro de dor anal, tal como fissura crônica;
  • melhor padronização técnica;
  • menor necessidade da participação do técnico de enfermagem que auxilia o exame;

Entretanto, apesar dessas vantagens e de uma maior atuação do sistema tecnológico na confecção dos laudos, qualquer das técnicas disponíveis não substitui a importância da correta execução e interpretação dos dados pelo médico que executa o exame.

Conclusão

O exame de manometria anorretal, seja convencional ou de alta resolução, é um recurso propedêutico importante na abordagem de pacientes com distúrbios do assoalho pélvico, especialmente na incontinência anal e constipação intestinal refratária, podendo também ser empregado método no pré-operatório de cirurgias colorretais e/ou orificiais em situações específicas.

Leia também: Rastreamento de neoplasia intraepitelial anal e prevenção de câncer de ânus

Como citar este artigo

Pinto RA. Manometria Anorretal: conceitos, indicações e técnica Gastropedia 2023, vol. 2. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/manometria-anorretal-conceitos-indicacoes-e-tecnica




Fluxograma de tratamento do câncer gástrico

A associação japonesa de câncer gástrico (JGCA) publica periodicamente suas diretrizes para o tratamento do câncer gástrico (CG). A sexta e última edição foi publicada em inglês no periódico Gastric Cancer em 2022.(1) A figura abaixo demonstra essas diretrizes de forma adaptada incorporando algumas diretrizes ocidentais.

Alguns pontos merecem destaque:

Não houve mudança dos critérios de indicação para tratamento endoscópico e os critérios de cura endoscópica (eCURA) incorporados na 5ª edição continuam presentes. Maiores detalhes sobre os critérios eCURA podem ser consultados no post de nossa colega Renata Nobre – Critérios de indicação e cura do ESD gástrico (eCura) (2)

Outro ponto interessante foi a possibilidade da quimioterapia de conversão para doença oligometastática. A definição de doença oligometastática ainda é controversa. Na diretriz japonesa foi considerado a possibilidade de conversão para acometimento dos linfonodos cadeias 16a2 e 16b1, metástase hepática ressecável, citologia oncótica peritoneal positiva e carcinomatose peritoneal restrita (p1). Recentemente um grupo de trabalho Europeu definiu o CG oligometastático quando restrito à um órgão com ≤ 3 metástases ou 1 sítio de metástase linfonodal a distância.(3) O real benefício da cirurgia de conversão para esses pacientes provavelmente será esclarecido pelo estudo alemão prospectivo randomizado FLOT5 que ainda está em andamento. Esse estudo compara um grupo submetido a tratamento quimioterápico exclusivo com um grupo submetido a quimioterapia de conversão seguida por gastrectomia.(4) Saiba mais sobre terapia de conversão no CG nesse outro artigo (clique aqui).

Por fim, vale destacar a quimioterapia neoadjuvante para tumores avançados e/ou com metástases linfonodais. Nas diretrizes japonesas a indicação de quimioterapia neoadjuvante ocorre apenas na presença de “bulky” linfonodal. Entretanto, no ocidente é cada vez mais comum e indicação de neoadjuvancia/pré-operatória mesmo nos casos sem bulky linfonodal.

Referências

  1. Japanese Gastric Cancer Treatment Guidelines 2021 (6th edition). Gastric Cancer. 2023;26(1):1-25.
  2. Moura RN. Você sabe quais os critérios de indicação e cura do ESD gástrico (eCura)? Endoscopia Terapêutica; 2022.  Disponível em: endoscopiaterapeutica.com.br/assuntosgerais/criterios-esd-gastrico-ecura
  3. Kroese TE, van Laarhoven HWM, Schoppman SF, Deseyne P, van Cutsem E, Haustermans K, et al. Definition, diagnosis and treatment of oligometastatic oesophagogastric cancer: A Delphi consensus study in Europe. Eur J Cancer. 2023;185:28-39.
  4. Al-Batran SE, Goetze TO, Mueller DW, Vogel A, Winkler M, Lorenzen S, et al. The RENAISSANCE (AIO-FLOT5) trial: effect of chemotherapy alone vs. chemotherapy followed by surgical resection on survival and quality of life in patients with limited-metastatic adenocarcinoma of the stomach or esophagogastric junction – a phase III trial of the German AIO/CAO-V/CAOGI. BMC Cancer. 2017;17(1):893.

Como citar este artigo

Ramos MFKP, Fluxograma de tratamento do câncer gástrico Gastropedia 2023 Vol 2. Disponível em:
gastropedia.pub/pt/cirurgia/fluxograma-de-tratamento-do-cancer-gastrico/