Megacolon Chagasico: Diagnóstico e Tratamento

Diagnóstico e Investigação

Testes sorológicos: na fase crônica da doença deve-se utilizar pelo menos dois métodos de princípios diferentes para a confirmação do diagnóstico, com sensibilidade de 100% e especificidade de 96,5%. São eles: hemoaglutinação indireta, imunofluorescência indireta e teste imunoenzimático.

Exame contrastado: Considera-se que o diâmetro do sigmóide distal maior que 6 cm caracteriza megacólon. No entanto, através do enema opaco, grupo brasileiro, fez estudo com proposta de uma classificação do diâmetro transverso do reto alto/sigmóide distal na altura das cristas póstero-superiores ou ao nível da quarta vértebra lombar. Dessa forma, subdividiu em:

  • Grau 0: pacientes sem MC: eixo transversal entre 2,0 e 5,0cm
  • Grau I: intersecção entre pessoas com e sem MC. Eixo entre 5,1 e 9,0cm
  • Grau II: eixo transverso entre 9,1 e 13,0cm
  • Grau III: eixo maior que 13,1cm

Manometria anorretal: exame reprodutível e examinador dependente com avaliação dos esfíncteres interno e externo do ânus, relaxamento do músculo puborretal, sensibilidade e capacidade do reto e, na suspeita de MC. A ausência reflexo inibitório retoanal (RIRA), significando comprometimento da inervação da transição anorretal e acalasia do esfíncter interno do ânus, embora seu papel nessa doença ainda permaneça controverso.

Nesse aspecto, grupo brasileiro avaliou a presença do RIRA em 39 portadores de MC e verificou sua ocorrência em 43,6% dos pacientes, entretanto com necessidade de maior insuflação do balão retal com uma média de 196 ml, ao passo que em pessoas sem MC a média de infusão foi de 18,8 ml. Assim, ao injetar 30 ml de ar a probabilidade de detectar o RIRA foi de 12,8%, com 60ml de 15,4% e com 250ml de 43,6%.

Colonoscopia: exame com objetivo fundamentalmente de rastreio de câncer colorretal, devendo sua indicação obedecer as diretrizes vigentes na literatura nacional e internacional quanto à idade e fatores de risco principalmente.

Tratamento

a) Clínico:

Inicia-se o tratamento do portador de MC sintomático para constipação intestinal com medidas clínica, como:

  • Estimular ingesta hídrica: exceção aos pacientes cardiopatas com restrição de líquidos;
  • Evitar dieta rica em fibras e formadores de bolo fecal pois aumentam a chance de impactação fecal;
  • Uso de medicamentos laxativos: lactulose, polietilenoglicol, picossulfato de sódio. Em situações de não evacuação por tempo mais prolongado pode-se utilizar o bisacodil e o uso de supositórios de glicerina a cada 3 a 5 dias
  • Fisioterapia do assoalho pélvico e biofeedback: para casos em que se associa dissinergia pélvica.
  • Lavagem intestinal: naquelas situações de não evacuação por longo tempo, mais de 5 dias com as medidas acima, orienta-se a realização de enteroclisma, sempre antecedido de toque retal para a avaliação de fecalomas. Essa, inclusive, é uma das principais indicações de cirurgia eletiva em portadores de MC, ou seja, a refratariedade aos laxantes por via oral e necessidade frequente de idas ao pronto-socorro ou pronto-atendimento para a realização de lavagens intestinais.

b) Cirúrgico:

As indicações de cirurgia são: refratariedade do tratamento clínico com necessidade frequente de lavagens intestinais e as complicações agudas, como o volvo de sigmóide principalmente. A cirurgia, quando bem indicada, proporciona importante alívio e melhora do principal sintoma do MC que é a constipação intestinal de tal forma, que a frequência dessa queixa é de 76% entre os pacientes não operados e de 39% entre os pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico (p<0,01). Além disso, estudos demonstram melhora significativa do escore de gravidade de constipação após a cirurgia.

Entretanto, é preciso ter em mente e, transparecer isso aos pacientes e familiares, que a cirurgia para o MC não cura a doença. Os principais objetivos são a melhora da constipação e a redução dos riscos de complicações, como o volvo de sigmoide e a impactação fecal com consequente formação de fecalomas.

Grande parte dos cirurgiões colorretais mais antigos tiveram seus relevantes aprendizados técnicos com a realização de procedimentos para o tratamento do MC, sendo que as principais abordagens para o tratamento dessa doença foram descritas por renomados profissionais do nosso país e as cirurgias possíveis compreendem uma infinidade de técnicas que envolvem diferentes extensões de ressecção do cólon, níveis e formas de anastomose, resultando em morbidade e recorrência pós-operatória variáveis. O racional do tratamento cirúrgico é ressecar toda a área de sigmóide dilatada (sigmoidectomia completa) e evitar a região da transição retossigmoideana para a realização das anastomoses, a fim de evitar a recidiva precoce dos sintomas.

Sendo assim, dentre as principais técnicas descritas historicamente, pode-se citar:

  • Técnica de Swenson e Soave: abaixamento de cólon transretal com ressecção de mucosa retal e telescopagem, descrita no final dos anos 1940.
  • Técnica de Duhamel-Haddad: abaixamento de cólon retro-retal posterior com exteriorização do coto e anastomose retardada, descrita entre os anos 1950 e 1960.
  • Técnica de Duhamel-Haddad modificada: abaixamento de cólon retro-retal posterior com tentativa de anastomose primária e utilização de pinças esmagadoras.
  • Técnica de Habr-Gama: nos anos 1990, após surgimento e aprimoramento dos grampeadores e suturas mecânicos foi proposta a retossigmoidectomia com ressecção do reto abaixo do promontório e subsequente anastomose primária na parede posterior do reto distal, término-lateral mecânica extraperitoneal com grampeador de 33 mm (acima do anel anorretal a cerca de 5-7cm da borda anal – Figura 3). O racional da técnica é exclusão boa parte do reto doente do trânsito intestinal, evitando assim a manipulação anterior, que teoricamente teria probabilidade de denervação autonômica e risco de lesão de órgãos e estruturas pélvicas, como a vagina, bexiga, próstata, vesículas seminais e uretra.
Figura 3: Anastomose término-lateral posterior mecânica.

Essa é a técnica mais utilizada atualmente, sendo ainda mais difundida com o advento da videolaparoscopia. Apresenta taxa média de recorrência de 15-20%, certamente relacionada ao tempo de seguimento, que quanto maior apresenta maiores taxas.

Referências

  1. Santos Júnior JCM. Megacólon – Parte II: Doença de Chagas. Rev Bras Coloproct, 2002(4):266-277
  2. Alves RMA, Thomaz RP, Almeida EA, Wanderley JS, Guariento ME. Chagas’ disease and ageing: the coexistence of other chronic diseases with Chagas’ disease in elderly patients. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. 2009; 42(6):622-8
  3. Nahas SC, Dias AR, Dainezi MA, Araújo SEA, Nahas CSR. A Vídeo-Cirurgia no Tratamento do Megacólon Chagásico. Rev bras Coloproct, 2006;26(4): 470-4
  4. Kamiji MM, Oliveira RB. O perfil dos portadores de doença de Chagas, com ênfase na forma digestiva, em hospital terciário de Ribeirão Preto, SP. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. 2005; 38(4):305-9
  5. Araújo SEA, Dumarco RB, Rawet V, Seid VE, Bocchini SF, Nahas SC. Depopulation of intersticial cells of Cajal in chagasic megacolon: towards tailored surgery? Arq Bras Cir Dig. 2010;32(2):81-5
  6. Silva AL, Giacomin RT, Quirino VA, Miranda ES. Proposta de classificação do megacólon chagásico através de enema opaco. Rev Col Bras Cir. 2003;30(1):4-10
  7. Cavenaghi S, Felicio OCS, Ronchi LS, Cunrath GS, Melo MMC, Netinho JG. Prevalence of rectoanal inhibitory reflex in chagasic megacolon. Arq Gastroenterol. 2008;45(2):128-31
  8. Nahas SC. Tratamento cirúrgico do megacólon chagásico pela retossigmoidectomia abdominal com anastomose mecânica colorretal término-lateral posterior imediata. Tese Professor Livre Docente, USP, São Paulo, 2000.
  9. Nahas SC, Pinto RA, Dias AR, Nahas CSR, Araújo SEA, Marques CFS, Cecconello I. Long-term follow up of abdominal rectosigmoidectomy with posterior end-to-side stapled anastomosis for Chagas megacolon. Olorectal Dis. 2011;13(3):317-22.

Como citar este artigo

Pinto RA, Neto IJFC, Camargo MGM, Nahas SC, Marques CFS. Megacolon Chagasico: Diagnóstico e Tratamento Gastropedia 2024, Vol.1 Disponível em: gastropedia.pub/pt/cirurgia/colorretal/megacolon-chagasico-diagnostico-e-tratamento/




Megacólon Chagásico: fisiopatologia e quadro clínico

Definição

O termo megacólon caracteriza-se pela dilatação e alongamento do intestino grosso, fundamentalmente devido a alterações da inervação intrínseca dessa víscera, com os consequentes distúrbios morfológicos e funcionais.

Etiologia e fisiopatologia

No Brasil e em vários países da América do Sul, a principal etiologia do megacólon é a doença de Chagas (DC), também chamada de Tripanossomíase Americana, causada pela transmissão do Trypanossoma cruzi através insetos triatomídeos hematófagos (Barbeiro), chamados de vetores.

Frequentemente as manifestações são tardias decorrentes da destruição irreversível de células ganglionares periféricas do sistema nervoso autonômico, principalmente o parassimpático, por meio dos plexos mioentérico e submucoso (Auerbach e Meissner).

As alterações na denervação na região retossigmóide e no cólon ocorrem fundamentalmente na fase aguda da infecção pelo Trypanossoma cruzi e dependem do equilíbrio entre o hospedeiro e o parasita que envolve diversos fatores da complexa reação do sistema imunológico.

Entretanto, estudos mais recentes demonstram a participação no megacólon chagásico (MC) também das células intersticiais de Cajal, que são oriundas do mesordema e estão presentes no plexo mioentérico nas camadas longitudinais e circulares do cólon. Entretanto, ainda é incerto se alterações nessas células são primárias ou secundárias na fisiopatologia do MC. Em nosso meio, Araújo et al. demonstraram redução significativa dessas células em espécimes cirúrgicos comparando portadores de MC e pacientes sem DC (p<0,001).

Macroscopia e alterações no cólon

O local de acalasia, dissinergia e maior denervação autonômica no MC é a porção distal do sigmóide e proximal do reto (transição retossigmóide), embora possa ocorrer em todo cólon. Nas vísceras ocas a destruição de células ganglionares provoca, com o passar do tempo, o aparecimento das dilatações, hipertrofias musculares e alongamentos, com maiores repercussões no cólon esquerdo (notadamente no sigmóide) devido ao fato dessa região acomodar o bolo fecal já na forma sólida (Figura 1). Consequentemente, há alterações de secreção, absorção e motilidade cólica.

Figura 1: Dilatação e alongamento do sigmóide no megacólon chagásico.

Epidemiologia

A manifestação clínica da DC ocorre mais comumente na 4º e 5º década de vida, com prevalência pouco maior em pacientes do sexo masculino (60%). Afeta cerca de 2-3 milhões de brasileiros, 18 milhões de pessoas na América do Sul e cerca de 120 milhões de latino-americanos estão em risco de contrair a doença. No entanto, observa-se uma queda acentuada dos casos após a década de 90, principalmente pela melhoria das condições de vida e saneamento básico, mas também ao êxodo rural e uso de inseticidas.

Assim, atualmente observa-se que a DC e o MC afetam predominantemente pessoas idosas e isso demonstra a complexidade e necessidade de individualização de conduta e plano terapêutico nessa população. Em levantamento de estudo brasileiro, com análise de 90 portadores de DC, observou-se que a média de outras doenças concomitantes foi de 2,8 ± 1,8 e que quase 18% dos pacientes necessitaram internação no ano anterior, principalmente por descompensação de doença cardíaca e 75% tinham mais de 67 anos de idade.

Formas de transmissão:

  • triatomídeos contaminados
  • transfusão sanguínea
  • transplante de órgãos
  • contaminação vertical
  • contaminação por via oral através de alimentos

Locais de acometimento

A investigação dos órgãos acometidos pela DC é de fundamental importância já que a miocardiopatia constitui-se tanto em principal causa de óbito quanto em fator contribuinte para o mesmo. Além disso, no caso de doença esofágica, a existência de desnutrição é frequente, também colaborando para o aumento da morbimortalidade desses pacientes.

Quadro clínico

Cerca de 30-60% dos portadores de DC apresentarão sintomas relacionados à doença e destes e 7-10% terão queixas relacionadas ao trato digestório, sendo a colopatia a que tem manifestação mais tardia

O principal sintoma do portador de MC é a constipação intestinal crônica com piora progressiva ao longo do tempo. Cerca de 70% dos pacientes com MC ficam ser evacuar por mais de 10 dias e 37% por mais de 20 dias. Dessa forma, embora possa haver sintomas de obstrução de saída associados, ou dissinergia, a principal característica desses pacientes é o longo tempo sem o desejo de evacuar (diferente dos pacientes com obstrução de saída clássica, que habitualmente apresentam o desejo eventualmente várias vezes ao dia). Entretanto, importante ressaltar que, como as fezes são ressecadas habitualmente, e há a dissinergia da musculatura anorretal, é comum o relato de esforço evacuatório e dificuldade em eliminá-las ao longo tempo para a exoneração.

O meteorismo também é um sintoma bastante comum e pode vir acompanhado por redução da ingesta alimentar não só pela distensão abdominal, mas também pelo excesso de fezes no cólon e também, não incomumente, como relato dos pacientes que evitam ingerir alimentos para não acumular fezes. Entretanto, essa redução da quantidade de alimentação precisa ser bem diferenciada da disfagia consequente da acalasia do esôfago.

Ao exame físico, pode-se constatar:

  • sinais de desnutrição
  • distensão abdominal
  • aumento do timpanismo no espaço de Traube
  • deslocamento do cólon sigmóide para o abdome direito
  • sinal de Gersuny: palpação moldável do hipogástrio e fossa ilíaca esquerda (FIE) com sensação de descolamento ao relaxar, devido acúmulo de fezes no cólon esquerdo (fecaloma).

Além disso, é primordial em todas as consultas, a realização do toque retal, já que a incidência de fecaloma em portadores de MC ao longo da vida é em torno de 50%.

Complicações:

  • impactação fecal e formação de fecaloma
  • úlcera estercorácea: decorre da ação mecânica da impactação fecal na parede intestinal com formação de área de isquemia. Ocorre em cerca de 3% dos casos de MC.
  • volvo de sigmóde: quadro agudo de importante distensão abdominal, parada de eliminação de fezes e flatos e vômitos, provocada por alongamento crônico do mesocólon devido à dilatação do lúmen e distensão por fezes, com rotação organoaxial aguda. O sinal radiológico clássico é o do grão de café (Figura 2).
Figura 2: Radiografia simples de abdome ortostática com volvo de sigmóide.

Referências

  1. Santos Júnior JCM. Megacólon – Parte II: Doença de Chagas. Rev Bras Coloproct, 2002(4):266-277
  2. Alves RMA, Thomaz RP, Almeida EA, Wanderley JS, Guariento ME. Chagas’ disease and ageing: the coexistence of other chronic diseases with Chagas’ disease in elderly patients. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. 2009; 42(6):622-8
  3. Nahas SC, Dias AR, Dainezi MA, Araújo SEA, Nahas CSR. A Vídeo-Cirurgia no Tratamento do Megacólon Chagásico. Rev bras Coloproct, 2006;26(4): 470-4
  4. Kamiji MM, Oliveira RB. O perfil dos portadores de doença de Chagas, com ênfase na forma digestiva, em hospital terciário de Ribeirão Preto, SP. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. 2005; 38(4):305-9
  5. Araújo SEA, Dumarco RB, Rawet V, Seid VE, Bocchini SF, Nahas SC. Depopulation of intersticial cells of Cajal in chagasic megacolon: towards tailored surgery? Arq Bras Cir Dig. 2010;32(2):81-5
  6. Silva AL, Giacomin RT, Quirino VA, Miranda ES. Proposta de classificação do megacólon chagásico através de enema opaco. Rev Col Bras Cir. 2003;30(1):4-10
  7. Cavenaghi S, Felicio OCS, Ronchi LS, Cunrath GS, Melo MMC, Netinho JG. Prevalence of rectoanal inhibitory reflex in chagasic megacolon. Arq Gastroenterol. 2008;45(2):128-31
  8. Nahas SC. Tratamento cirúrgico do megacólon chagásico pela retossigmoidectomia abdominal com anastomose mecânica colorretal término-lateral posterior imediata. Tese Professor Livre Docente, USP, São Paulo, 2000.
  9. Nahas SC, Pinto RA, Dias AR, Nahas CSR, Araújo SEA, Marques CFS, Cecconello I. Long-term follow up of abdominal rectosigmoidectomy with posterior end-to-side stapled anastomosis for Chagas megacolon. Olorectal Dis. 2011;13(3):317-22.

Como citar este artigo

Pinto RA, Neto IJFC, Camargo MGM, Nahas SC, Marques CFS. Megacólon Chagásico: fisiopatologia e quadro clínico Gastropedia 2024, Vol. 1 Disponível em: gastropedia.pub/pt/cirurgia/megacolon-chagasico-fisiopatologia-e-quadro-clinico/




Prevenindo novos episódios de diverticulite aguda: quando tratar clinicamente e quando operar?

Introdução

A diverticulite aguda é um problema gastrointestinal comum e recorrente que se caracteriza pela inflamação de um ou mais divertículos no cólon. Ela pode ocorrer tanto em formas leves quanto graves, podendo causar complicações como fístulas, estenoses e perfurações intestinais. Estudos mostram que o risco de recorrência varia de 20% a 40% e que frequentemente a recorrência acontece nos primeiros 12 meses após o episódio inicial. Desta forma, é importante discutirmos as abordagens de prevenção secundária e indicar quando é apropriado recorrer à cirurgia.

Se quiser saber mais sobre a fisiopatologia da diverticulite aguda e outras compicações da doença diverticular, confira esse post: Doença diverticular do cólon: epidemiologia e fisiopatologia

Se quiser saber mais sobre o tratamento da diverticulite aguda, confira esse post: Tratamento da Diverticulite Aguda

Fisiopatologia da diverticulite aguda
Fisiopatologia da diverticulite aguda: Alterações da microbiota, perda da função de barreira, inflamação e trauma causado por fecalito são os principais mecanismos propostos para a diverticulite aguda.

Intervenções Dietéticas

Fibras Alimentares

A abordagem alimentar é frequentemente considerada a primeira linha de ação na prevenção de novos episódios. As diretrizes da American Gastroenterological Association (AGA) sugerem uma dieta rica em fibras para pacientes com histórico de diverticulite aguda [1]. No entanto, a qualidade da evidência por trás dessa recomendação é baixa. Alguns estudos mostram que a dieta rica em fibras não é eficaz na prevenção de episódios recorrentes ou no tratamento de sintomas gastrointestinais recorrentes em comparação com uma dieta padrão ou pobre em fibras.

Probióticos

Os probióticos são outra intervenção dietética em potencial, embora a falta de evidência sólida impeça sua recomendação para a prevenção secundária de diverticulite. Até o momento, os estudos disponíveis não forneceram dados convincentes sobre sua eficácia.

Terapias Farmacológicas

Mesalazina

A mesalazina, um anti-inflamatório não esteroide, foi extensivamente estudada para sua eficácia na prevenção de episódios recorrentes de diverticulite. Uma meta-análise envolvendo 2.461 pacientes não conseguiu demonstrar uma redução significativa nas taxas de recorrência em comparação com um placebo. No entanto, um estudo de menor escala (DIVA), apontou que a mesalazina poderia ter efeitos benéficos na minimização da gravidade dos sintomas e aceleração da recuperação [3].

Rifaximina

Outra opção terapêutica é a rifaximina, um antibiótico com baixa absorção. Alguns estudos mostraram que a rifaximina, quando usada em conjunto com suplementos de fibra, conseguiu reduzir significativamente o risco de recorrência. A associação de rifaximina com mesalazina parece ter melhor resultado do que a rifaximina sozinha (taxa de recorrência 2,7% vs 13,0%), sugerindo uma potencial sinergia entre as duas drogas.

Tratamento Cirúrgico

A abordagem para a cirurgia eletiva em pacientes com diverticulite aguda tem evoluído ao longo do tempo. Anteriormente, a cirurgia era recomendada principalmente após episódios recorrentes e complicados, como obstrução e formação de fístulas, especialmente após duas crises que necessitavam de hospitalização. No entanto, tanto as diretrizes da ASCRS como alguns estudos recentes, sugerem uma abordagem mais individualizada [6].

O número de episódios já não é mais o único critério para a decisão cirúrgica. Idade, condições médicas coexistentes, gravidade do episódio e sintomas persistentes também devem ser considerados. Esta mudança ocorre porque a maioria dos episódios recorrentes apresenta um curso benigno e somente uma minoria (5%) requer cirurgia urgente. Estes episódios recorrentes parecem apresentar menor risco de perfuração, talvez pela formação de aderências causadas pela inflamação pregressa.

É importante notar que, apesar da morbidade pós-operatória (10-15%) e do risco residual de recorrência da doença, estudos como o ensaio DIRECT demonstraram que a qualidade de vida melhora significativamente após a cirurgia em comparação com o manejo conservador [5]. No entanto, o manejo conservador resulta em mais reinternações devido à recorrência da doença.

A colectomia laparoscópica é o método cirúrgico recomendado, dadas suas vantagens em termos de menor morbidade e recuperação mais rápida. As principais indicações para a cirurgia incluem estenose, fístulas, hemorragia diverticular recorrente, pacientes jovens, pacientes imunossuprimidos e a impossibilidade de excluir carcinoma. Idealmente deve-se aguardar pelo menos 6 semanas após o episódio de agudização para realizar a cirurgia eletiva.

Por fim, é fundamental a discussão multidisciplinar para uma tomada de decisão informada, levando em consideração o perfil de risco cirúrgico, a necessidade de imunossupressão e a preferência do paciente.

Conclusão

A abordagem terapêutica para prevenir novos episódios de diverticulite aguda deve ser individualizada, considerando a gravidade e a frequência dos sintomas, o perfil de risco cirúrgico e as preferências do paciente. Novas pesquisas são necessárias para solidificar as melhores práticas em prevenção secundária, incluindo a eficácia de diferentes regimes farmacológicos e abordagens cirúrgicas.

Referências

  1. Stollman N et al. American Gastroenterological Association Institute Guideline on the Management of Acute Diverticulitis. Gastroenterology 149, 1944–1949 (2015). [PubMed: 26453777]
  2. Khan RMA, Ali B, Hajibandeh S & Hajibandeh S Effect of mesalazine on recurrence of diverticulitis in patients with symptomatic uncomplicated diverticular disease: a meta-analysis with trial sequential analysis of randomized controlled trials. Colorectal Disease 20, 469–478 (2018). [PubMed: 29520987]
  3. Stollman N, Magowan S, Shanahan F, Quigley EMM & DIVA Investigator Group. A randomized controlled study of mesalamine after acute diverticulitis: results of the DIVA trial. J. Clin. Gastroenterol. 47, 621–629 (2013). [PubMed: 23426454]
  4. Tursi A, Brandimarte G & Daffinà R Long-term treatment with mesalazine and rifaximin versus rifaximin alone for patients with recurrent attacks of acute diverticulitis of colon. Digestive and Liver Disease 34, 510–515 (2002). [PubMed: 12236485]
  5. Bolkenstein HE, Consten ECJ, van der Palen J, van de Wall BJM, Broeders IAMJ, Bemelman WA, Lange JF, Boermeester MA, Draaisma WA; Dutch Diverticular Disease (3D) Collaborative Study Group. Long-term Outcome of Surgery Versus Conservative Management for Recurrent and Ongoing Complaints After an Episode of Diverticulitis: 5-year Follow-up Results of a Multicenter Randomized Controlled Trial (DIRECT-Trial). Ann Surg. 2019 Apr;269(4):612-620. doi: 10.1097/SLA.0000000000003033. PMID: 30247329.
  6. Hall J, Hardiman K, Lee S, Lightner A, Stocchi L, Paquette IM, Steele SR, Feingold DL; Prepared on behalf of the Clinical Practice Guidelines Committee of the American Society of Colon and Rectal Surgeons. The American Society of Colon and Rectal Surgeons Clinical Practice Guidelines for the Treatment of Left-Sided Colonic Diverticulitis. Dis Colon Rectum. 2020 Jun;63(6):728-747.
  7. Tursi A, Scarpignato C, Strate LL, Lanas A, Kruis W, Lahat A, Danese S. Colonic diverticular disease. Nat Rev Dis Primers. 2020 Mar 26;6(1):20. doi: 10.1038/s41572-020-0153-5. PMID: 32218442

Como citar este artigo

Martins BC e Camargo MGM. Prevenindo Novos Episódios de Diverticulite Aguda: Quando Tratar Clinicamente e Quando Operar? 2023; vol 2. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/colorretal/prevenindo-novos-episodios-de-diverticulite-aguda-quando-tratar-clinicamente-e-quando-operar/




Tratamento da Diverticulite Aguda

A doença diverticular do cólon é uma causa importante de internações hospitalares e acarreta custos significativos no sistema de saúde das sociedades ocidentais e industrializadas. A fisiopatologia e epidemiologia da diverticulite já foi abordada anteriormente no Gastropedia nesse outro post. Nesse artigo vamos abordar o tratamento da diverticulite aguda.

A primeira decisão acerca do tratamento de um paciente com diverticulite envolve determinar a necessidade de internação ou não.

A diverticulite aguda apresenta-se de forma leve na maioria dos casos. Pacientes com sintomas leves de dor abdominal, sem queda do estado geral, com trânsito intestinal normal e capazes de aceitar dieta oral e com cognição razoável para entender as explicações sobre as indicações de sofrer reavaliação podem ser tratados sem hospitalização. O tratamento ambulatorial é habitualmente eficaz e menos de 10% dos pacientes são readmitidos.

Quadros leves – pacientes não hospitalizados

O tratamento para pacientes não hospitalizados apresenta algumas divergências entre os guidelines e pode incluir dieta líquida (ou leve), hidratação oral e antibióticos (ou não – leia mais sobre o tema clicando aqui ).

Nossa recomendação:

  • dieta líquida sem resíduos;
  • controle da dor com analgésicos e antiespasmódicos;
  • antibióticos de largo espectro por 7-10 dias. Os antibióticos devem cobrir a flora gastrointestinal de gram-negativos e bactérias anaeróbias;
  • a maioria dos estudos recomenda como primeira linha a combinação de fluroquinolona (ciprofloxacina 200-400mg/12h) e metronidazol (500mg/8h);
  • como alternativa ao metronidazol pode se recorrer à clindamicina (lembrar que estamos falando de ATB vo).

Quando devemos internar?

As seguintes situações reforçam a necessidade de internação hospitalar:

  • Diverticulite complicada (perfuração franca, abscesso, obstrução, fístula, etc);
  • Sinais de sepse: temperatura >38C, FC > 90, FR > 20, Leucocitose ou leucopenia importante, PCR > 15 md/dL;
  • pacientes com maior risco (muito idosos, diabéticos, insuficiência cardíaca, doença renal crônica, doença pulmonar obstrutiva crônica, obesos, com doença do tecido conjuntivo ou imunossuprimidos, aqueles em corticoterapia prolongada);
  • pacientes incapazes de tolerar dieta e hidratação oral;
  • dor abdominal importante, com suspeita de complicações;
  • pacientes sem melhora com tratamento ambulatorial inicial.

Todos os pacientes submetidos a internação devem se submeter a TC e receber ATBterapia.

Tratamento dos pacientes hospitalizados

No tratamento dos pacientes hospitalizados, o jejum (hidratação EV) ou a dieta líquida ou leve são considerados pelos diferentes guidelines a depender do grau da complicação.

Em relação a antibioticoterapia, a via de acesso também é motivo de divergência entre os diversos guidelines, podendo ser utilizado por via oral ou endovenosa. O tempo de uso também varia entre 4 a 10 dias.

Nossa recomendação nos casos não complicados:

  • Antibioticoterapia EV (podendo ser alterada para VO quando boa aceitação da dieta no terceiro ao quarto dia), incluindo cobertura para gram positivos, gram negativos, anaeróbios e aeróbios.
  • Os esquemas antibióticos mais utilizados são ciprofloxacino (ou Ceftraxione) associado a metronidazol, ou ampicilina + gentamicina + metronidazol.
  • Melhora sintomática e laboratorial deve ser esperada em dois a quatro dias quando a dieta pode ser avançada.
  • Pacientes sem complicações e que apresentem boa condição clínica podem receber alta e é sugerido completar o uso de antibiótico por pelo menos 7 dias, se estendendo até 14 dias em casos selecionados.

Abordagem do abscesso diverticular (Hinchey I e II)

  • A escolha do tratamento depende muito do tamanho do abscesso, da sua localização, se está acessível para drenagem percutânea e a apresentação clínica do doente.
  • Abscessos > 3 cm são tratados principalmente com drenagem percutânea, antibioterapia IV, dieta líquida e controle da dor.
  • A melhoria significativa na temperatura, dor abdominal e leucocitose geralmente é observada dentro de 48 horas após o início do tratamento.
  • A intervenção cirúrgica pode tornar-se necessária se o abscesso não for acessível para drenagem ou se os sintomas persistirem ou piorarem, mesmo com a drenagem. Assim, a cirurgia de urgência com ressecção, continua a ser a única opção bem documentada se o doente estiver instável ou se o tratamento clínico falhar.
  • As contraindicações à drenagem percutânea são: peritonite purulenta ou fecal difusa ou coleção sem acesso por abordagem percutânea.
  • A drenagem percutânea trata com sucesso 80% dos doentes.

Abordagem de perfuração livre (Hinchey III e IV)

  • Os doentes com peritonite generalizada purulenta (Hinchey III) ou peritonite fecal (Hinchey IV) são tipicamente doentes com sintomas e sinais de sepse.
  • A fluido terapia agressiva imediata e antibióticos IV de amplo espetro devem ser administrados imediatamente.
  • As taxas de mortalidade relatadas são 6% para peritonite purulenta e 35% para peritonite fecal.
  • A intervenção cirúrgica de emergência é necessária para controlar a origem da sepse.

Indicação do tratamento cirúrgico de URGÊNCIA na diverticulite aguda

  • Falha da terapêutica medicamentosa;
  • Diverticulite complicada (perfuração, peritonite);
  • Instabilidade ou sepse;

A ressecção com anastomose primária com ou sem ostomia de proteção é hoje considerada o método padrão-ouro pois apresenta vantagens como eliminação foco séptico e absorção sistêmica de toxinas, diminuição da mortalidade operatória geral, redução do número de operações e custo hospitalar, ressecção de segmento que pode albergar câncer e o fato de permitir a lavagem e a drenagem da cavidade de forma mais efetiva, de acordo com o último guideline da Sociedade Americana de Cirurgiões Colorretais (ASCRS) (Hall J, et al. Dis Colon Rectum. 2020). Entretanto, a escolha da técnica cirúrgica depende da estabilidade hemodinâmica do paciente, da extensão da contaminação peritoneal e da experiência do cirurgião. Muitos serviços ainda recomendam a cirurgia de Hartmann em casos de peritonite fecal.

Aspectos técnicos da cirurgia

Em relação aos aspectos técnicos da cirurgia, existe uma concordância entre todos os guidelines que a margem proximal da ressecção deve ser em tecido saudável, não havendo a necessidade de retirar todo cólon remanescente apenas porque existem divertículos no mesmo.

Já a margem distal deve ser em reto proximal, abaixo da transição retossigmoide.

A anastomose colorretal deve ser realizada em tecido são, e não deve incluir divertículos na linha de grampeamento (ou de sutura).

A artéria mesentérica inferior deve ser preservada quando não há suspeita de malignidade.

Não há consenso em relação a mobilização da flexura esplênica. Entretanto, na disciplina de Coloprocotolgia do HCFMUSP preconizamos a mobilização de rotina da flexura esplênica para confeccionar a anastomose sem tensão.

É essencial a identificação dos ureteres e dos nervos pré-sacrais, assim como a manutenção da vascularização apropriada, evitando-se a dissecção do mesentério friável.

Dificuldade cirúrgicas na diverticulite aguda:

  • Presença de abscessos, coleções e aderências secundárias ao processo inflamatório e infeccioso
  • Distorções anatômicas
  • Trajetos fistulosos podem estar presentes
  • Friabilidade dos tecidos
  • Os pacientes tendem a ser idosos e com comorbidades associadas
  • Muito dos pacientes são obesos com bastante gordura visceral
Algoritmo para o manejo da diverticulite aguda não complicada: A suspeita clínica de diverticulite aguda precisa ser confirmada por meio de imagens (ultrassom e/ou tomografia computadorizada) e parâmetros laboratoriais (contagem de leucócitos, taxa de sedimentação de eritrócitos e proteína C-reativa, que se correlacionam com a gravidade da doença). No cenário de diverticulite aguda não complicada, leucócitos normais e baixa PCR (juntamente com ausência de febre) caracterizam pacientes como de baixo risco, nos quais o tratamento ambulatorial é viável (considerar fatores como comorbidades, imunossupressão e suporte ambulatorial). Pacientes ambulatoriais devem ser tratados com uma dieta líquida clara (pobre em fibras) e antimicrobianos só devem ser administrados em casos selecionados. Para pacientes que necessitam de internação, líquidos intravenosos e antimicrobianos intravenosos devem ser administrados. Em ambos os pacientes de baixo e alto risco, espera-se melhora dos sintomas em 2–3 dias e, então, a dieta normal pode ser retomada. Se a melhora continuar, os pacientes podem ser liberados para completar um curso de antibióticos de 7–10 dias em casa. A falha do tratamento conservador justifica pesquisa de complicações, consideração de diagnósticos diferenciais e avaliação da equipe cirúrgica.

Referências

  1. Hall J, Hardiman K, Lee S, Lightner A, Stocchi L, Paquette IM, Steele SR, Feingold DL; Prepared on behalf of the Clinical Practice Guidelines Committee of the American Society of Colon and Rectal Surgeons. The American Society of Colon and Rectal Surgeons Clinical Practice Guidelines for the Treatment of Left-Sided Colonic Diverticulitis. Dis Colon Rectum. 2020 Jun;63(6):728-747.
  2. Tursi A, Scarpignato C, Strate LL, Lanas A, Kruis W, Lahat A, Danese S. Colonic diverticular disease. Nat Rev Dis Primers. 2020 Mar 26;6(1):20. doi: 10.1038/s41572-020-0153-5. PMID: 32218442

Como citar este artigo

Martins BC e Camargo MGM. Tratamento da Diverticulite Aguda Gastropedia 2023; vol 2. Disponível em: gastropedia.pub/pt/cirurgia/tratamento-da-diverticulite-aguda/




ECCO 2023 – Algumas reflexões sobre o tratamento cirúrgico da Doença de Crohn

Na primeira semana de março, aconteceu o congresso da European Crohn’s and Colitis Organization, em Copenhague, na Dinamarca. 

A maior parte da programação aborda os aspectos clínicos, pesquisas de base e tratamento clínico da retocolite ulcerativa e doença de Crohn. Mas algumas sessões tiveram foco nos aspectos cirúrgicos do tratamento dessas doenças.

Nesse post, vou falar um pouco sobre a questão da ressecção do mesentério e mesorreto e a anastomose ileocólica na doença de Crohn conforme abordado no congresso. 

Ressecar o mesentério ou não?

Nos últimos 50 anos, o tratamento cirúrgico da doença de Crohn se baseava na premissa de que não era necessário fazer a ressecção do mesentério, como no câncer. Até porque o mesentério, nos pacientes com Crohn, é extremamente espesso e vascularizado, de forma que sua secção aumenta consideravelmente o sangramento intraoperatorio.

Porém, essa conduta passou a ser questionada após uma publicação de Coffey et al. em 2018. Nesse estudo retrospectivo, concluiu-se que a inclusão do mesentério na ressecção ileocólica na doença de Crohn foi associada a redução da recorrência com necessidade de reoperação (p=0,003). Esse estudo também mostrou, nas peças ressecadas, a correlação das áreas de espessamento mesenterial com fat wrapping à doença luminal (p=0,001) e de que o fat wrapping foi fator de risco independente para recorrência com necessidade cirúrgica (p=0,003). 

Mas será que essas conclusões são definitivas? Agora devemos mudar a forma de operar Crohn e não precisamos mais discutir sobre esse assunto?

Olhando mais a fundo no estudo, além da limitação de ser retrospectivo, há duas populações bem diferentes entre si. A primeira, operada de 2004 a 2010, da forma convencional, com a maior parte dos pacientes com doença não fistulizante e não estenosante. A segunda, grupo operado com ressecção do mesentério a partir de 2010, com a maior parte dos pacientes com doença fistulizante ou estenosante. Outro problema do estudo é que não foram apresentados os critérios para indicação de cirurgia para as recidivas. Além disso, na população da cirurgia conservadora, houve uma predominância de margens comprometidas microscopicamente (79% x 16%). Hoje já temos diversos estudos demonstrando que isso aumenta o risco de recorrência cirúrgica na doença de Crohn. 

Os autores atentam para a necessidade de estudos prospectivos randomizados para a confirmação dos resultados e mudança de conduta. Há, no momento, sete estudos randomizados em andamento pelo mundo, sendo dois deles já finalizados, porém ainda sem os resultados.

Há alguns outros aspectos na cirurgia de Crohn que vão contra os achados sobre a ressecção do mesentério, como, por exemplo, as estenoplastias. Nessas técnicas, não há nenhum tipo de ressecção mesenterial e os resultados nas séries publicadas não são ruins.

Outra técnica, bastante comentada recentemente, é a anastomose Kono-S, uma nova forma de fazer anastomose ileocólica que também demonstrou-se reduzir a recorrência pós-operatória. Na descrição da técnica, destaca-se a preservação do meso da área ressecada como uma forma de melhorar a vascularização local e evitar ressecções extensas. 

Mas, então, qual técnica devemos escolher fazer na hora de fazer uma ressecção ileocecal na doença de Crohn?

Numa aula brilhante do francês Prof. Yves Panis, ele conclui que o “cirurgião moderno” pode associar as duas técnicas, como descrito em uma  publicação de 2022 da Cleveland Clinic. Por ora, ainda não temos evidências que suportam a mudança de conduta para assumir alguma das técnicas, mas ambas são seguras reprodutíveis.

Quando mudamos o foco para o reto, por muitos anos se evitou fazer a excisão total do mesorreto (ETM) nos pacientes com Crohn pelo risco de deixar um oco pélvico que pudesse ser fonte de sangramento com formação de hematomas e abscessos. Mas, em 2019, um estudo de Amsterdã comparando pacientes que foram submetidos a proctectomia por Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa com ou sem ETM, mostrou que pacientes com Crohn, e não com retocolite, que tiveram o mesorreto ressecado tiveram menos complicações perineais precoces e tardias e menor tempo para cicatrização do períneo. O estudo mostrou que, apenas nos pacientes com Crohn, o tecido mesorretal, mas não o omental, continha um número aumentado de macrófagos CD14+ produtores de fator de necrose tumoral α, com menos expressão do marcador de cicatrização de feridas CD206. 

Em conclusão:

  • Mesentério e anastomose Kono-S: são necessários mais estudos randomizados para concluirmos se essas técnicas trazem menores índices de recorrência e devem se tornar padrão na cirurgia para a doença de Crohn ileocecal.

  • Mesorreto: a ETM deve ser proposta durante a ressecção abdominoperineal para Doença de Crohn, talvez com exceção de pacientes jovens do sexo feminino com desejo reprodutivo para diminuir aderências pélvicas. Os resultados do estudo de Amsterdã foram convincentes e a técnica não aumenta a morbidade pós-operatória, além de melhorar cicatrização perineal. 

Referências

  1. Coffey CJ, Kiernan MG, Sahebally SM, Jarrar A, Burke JP, Kiely PA, Shen B, Waldron D, Peirce C, Moloney M, Skelly M, Tibbitts P, Hidayat H, Faul PN, Healy V, O’Leary PD, Walsh LG, Dockery P, O’Connell RP, Martin ST, Shanahan F, Fiocchi C, Dunne CP. Inclusion of the Mesentery in Ileocolic Resection for Crohn’s Disease is Associated With Reduced Surgical Recurrence. J Crohns Colitis. 2018 Nov 9;12(10):1139-1150. doi: 10.1093/ecco-jcc/jjx187. PMID: 29309546; PMCID: PMC6225977.
  2. Zhu Y, Qian W, Huang L, Xu Y, Guo Z, Cao L, Gong J, Coffey JC, Shen B, Li Y, Zhu W. Role of Extended Mesenteric Excision in Postoperative Recurrence of Crohn’s Colitis: A Single-Center Study. Clin Transl Gastroenterol. 2021 Oct 1;12(10):e00407. doi: 10.14309/ctg.0000000000000407. PMID: 34597277; PMCID: PMC8483874.
  3. de Buck van Overstraeten A, Vermeire S, Vanbeckevoort D, Rimola J, Ferrante M, Van Assche G, Wolthuis A, D’Hoore A. Modified Side-To-Side Isoperistaltic Strictureplasty over the Ileocaecal Valve: An Alternative to Ileocaecal Resection in Extensive Terminal Ileal Crohn’s Disease. J Crohns Colitis. 2016 Apr;10(4):437-42. doi: 10.1093/ecco-jcc/jjv230. Epub 2015 Dec 16. PMID: 26674959; PMCID: PMC4946765.
  4. Luglio G, Rispo A, Imperatore N, Giglio MC, Amendola A, Tropeano FP, Peltrini R, Castiglione F, De Palma GD, Bucci L. Surgical Prevention of Anastomotic Recurrence by Excluding Mesentery in Crohn’s Disease: The SuPREMe-CD Study – A Randomized Clinical Trial. Ann Surg. 2020 Aug;272(2):210-217. doi: 10.1097/SLA.0000000000003821. PMID: 32675483.
  5. Holubar SD, Gunter RL, Click BH, Achkar JP, Lightner AL, Lipman JM, Hull TL, Regueiro M, Rieder F, Steele SR. Mesenteric Excision and Exclusion for Ileocolic Crohn’s Disease: Feasibility and Safety of an Innovative, Combined Surgical Approach With Extended Mesenteric Excision and Kono-S Anastomosis. Dis Colon Rectum. 2022 Jan 1;65(1):e5-e13. doi: 10.1097/DCR.0000000000002287. PMID: 34882636; PMCID: PMC9148419.
  6. de Groof EJ, van der Meer JHM, Tanis PJ, de Bruyn JR, van Ruler O, D’Haens GRAM, van den Brink GR, Bemelman WA, Wildenberg ME, Buskens CJ. Persistent Mesorectal Inflammatory Activity is Associated With Complications After Proctectomy in Crohn’s Disease. J Crohns Colitis. 2019 Mar 26;13(3):285-293. doi: 10.1093/ecco-jcc/jjy131. PMID: 30203027.

Como citar este artigo

Camargo MGM. ECCO 2023 – Algumas reflexões sobre o tratamento cirúrgico da Doença de Crohn. Gastropedia 2023, Vol 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/colorretal/ecco-2023-algumas-reflexoes-sobre-o-tratamento-cirurgico-da-doenca-de-crohn/




Diverticulite aguda não complicada – dar antibiótico ou não, eis a questão?

Por muito tempo, acreditou-se que microperfuração e infecção são as causas da diverticulite e a antibioticoterapia era um dogma dos cirurgiões lidando com essa afecção.

O mecanismo fisiopatológico geralmente aceito foi questionado porque novas evidências sugerem que a diverticulite é principalmente um processo inflamatório primário que pode resultar em microperfuração, em vez de uma complicação da própria microperfuração.

Diverticulite não complicada é caracterizada por uma inflamação aguda do cólon limitada à parede colônica e tecidos adjacentes, sem pneumoperitôneo livre, abscesso pélvico, fístula ou obstrução. Microperfuração com pneumopetirôneo localizado, na ausência de resposta inflamatória sistêmica, é considerada diverticulite não complicada.

Atualmente, há dois ensaios clínicos randomizados de qualidade com seguimento em longo prazo, além de revisões sistemáticas (vide referências abaixo), mostrando que os antibióticos não são necessários para tratamento da diverticulite não complicada.

Um desses ensaios clínicos randomizados foi o estudo sueco AVOD (sigla em sueco para “antibióticos na diverticulite não complicada”).

  • Nesse ensaio, 623 pacientes de dez centros, internados com diverticulite não complicada de cólon esquerdo confirmada por tomografia, foram divididos aleatoriamente em dois grupos:

    • 1) reposição volêmica intravenosa somente
    • 2) reposição volêmica intravenosa e antibióticos.

  • Os autores não encontraram diferenças entre os grupos em relação a progressão para complicações, falha de tratamento, dor, recorrência em um ano, tempo de internação ou tempo de recuperação.
  • Este grupo de estudo publicou recentemente um acompanhamento de longo prazo desta coorte, com média de 11 anos de seguimento, e não foram vistas diferenças significativas entre os dois grupos em termos de recorrência (ambos ~ 31%), complicações, necessidade de cirurgia ou qualidade de vida.

O segundo ensaio clínico randomizado controlado (DIABOLO) mais recente do The Dutch Diverticular Disease Collaborative Study Group comparou a eficácia do tratamento de pacientes que apresentam seu primeiro episódio de diverticulite sigmoide com antibióticos versus observação.

  • Foram incluídos 528 pacientes com diverticulite não complicada comprovada por tomografia e aleatoriamente designados para um curso de dez dias de amoxicilina com clavulanato (48 horas de tratamento intravenoso seguido de administração oral) ou observação ambulatorial e o desfecho primário foi tempo para recuperação.
  • O tempo médio de recuperação para o grupo de tratamento com antibióticos foi de 12 dias (IQR 7–30) versus 14 dias no grupo de observação (IQR 6–35; p = 0,15).
  • Não houve diferenças significativas entre os grupos com relação a ocorrência de eventos adversos leves ou graves, mas o grupo antibiótico teve uma taxa maior de eventos adversos relacionados a antibióticos (0,4% versus 8,3%; p = 0,006).
  • Após 24 meses de acompanhamento, o grupo publicou um novo estudo mostrando que não houve diferenças significativas entre os dois grupos em relação à mortalidade, diverticulite recorrente (complicada ou não complicada), reinternação, eventos adversos ou necessidade de cirurgia.

Uma revisão Cochrane também não encontrou diferenças significativas nos resultados entre pacientes com diverticulite não complicada tratados com ou sem antibióticos. Esses estudos sugerem que uma proporção de pacientes com diverticulite não complicada pode ser tratada sem antibióticos. 

É importante enfatizar que quase todos os pacientes incluídos nesses estudos eram relativamente saudáveis e apresentavam doença diverticular em estágio inicial (Hinchey I e Ia). Portanto, o uso de antibióticos continua a ser apropriado em todos os outros estágios da doença. O uso de antibióticos continua sendo apropriado para pacientes de alto risco com comorbidades significativas, sinais de infecção sistêmica ou imunossupressão.

Embora os ensaios acima mencionados forneçam evidências de nível I para o tratamento não antibiótico da diverticulite não complicada, ainda não há um amplo consenso na prática atual. A diretriz combinada SAGES/EAES, obtida através de voto de especialistas a respeito de determinado tópico, não obteve consenso.

Conclusão

  • Baseado em estudos de qualidade, em casos diverticulite não complicada é seguro fazer o tratamento sem antibióticos.
  • Nesses pacientes, os estudos não demonstraram benefícios de curto ou longo prazo no uso de antibióticos.
  • A decisão terapêutica deverá ser feita baseado nas necessidades individuais de cada paciente.
  • O tempo necessário para que mudemos nossas condutas baseados em evidências científicas de qualidade é tópico para outra discussão…

Referências

  1. Hall J, Hardiman K, Lee S, Lightner A, Stocchi L, Paquette IM, Steele SR, Feingold DL; Prepared on behalf of the Clinical Practice Guidelines Committee of the American Society of Colon and Rectal Surgeons. The American Society of Colon and Rectal Surgeons Clinical Practice Guidelines for the Treatment of Left-Sided Colonic Diverticulitis. Dis Colon Rectum. 2020 Jun;63(6):728-747. doi: 10.1097/DCR.0000000000001679. PMID: 32384404.
  2. Chabok A, Påhlman L, Hjern F, et al. Randomized clinical trial of antibiotics in acute uncomplicated diverticulitis. Br J Surg. 2012;99(4):532-9.
  3. Daniels L, Ünlü Ç, de Korte N, et al. Randomized clinical trial of observational versus antibiotic treatment for a first episode of CT-proven uncomplicated acute diverticulitis. Br J Surg. 2017;104(1):52-61. 
  4. van Dijk ST, Daniels L, Ünlü Ç, et al. Long-Term Effects of Omitting Antibiotics in Uncomplicated Acute Diverticulitis. Am J Gastroenterol. 2018;113(7):1045-1052.

Como citar este artigo

Camargo MGM. Diverticulite aguda não complicada – dar antibiótico ou não, eis a questão? Gastropedia 2023, vol. 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/diverticulite-aguda-nao-complicada-dar-antibiotico-ou-nao-eis-a-questao




Atualização das Diretrizes Americanas para Enhanced Recovery After Surgery (ERAS) na Cirurgia Colorretal

A sociedade americana de cirurgia do cólon e reto e a sociedade americana de cirurgia endoscópica e gastrointestinal publicou na primeira edição da revista Diseases of Colon and Rectum de 2023 as atualizações (a última versão era de 2017) das diretrizes para recuperação acelerada no pós-operatório de cirurgia colorretal.

Os protocolos de recuperação avançada são um conjunto de processos perioperatórios padronizados, cujo conteúdo pode variar significativamente, que são aplicados a pacientes submetidos a cirurgias eletivas. São projetados para melhorar os resultados dos pacientes, como aliviar náuseas e dor, retorno precoce da função intestinal e diminuir as taxas de infecção da ferida e tempo de internação. Aqui, falaremos a respeito das principais medidas citadas para melhorar os resultados dos pacientes após ressecções eletivas de cólon e reto.

Como é sabido, a cirurgia colorretal sempre foi associada a tempos de internação mais longos, custos maiores e maiores taxas de infecção de sítio cirúrgico (cerca de 20%) se comparada a procedimentos de outras especialidades. Além disso, altas taxas de náuseas e vômitos (80%), que também retardam a alta hospitalar, e de reinternação (35%). Foi demonstrado que a implementação do ERAS em cirurgia colorretal reduz as taxas de morbidade e diminui o tempo de internação sem aumentar as taxas de readmissão.


INTERVENÇÕES PRÉ-OPERATÓRIAS

Aconselhamento pré-internação

  • Discussão pré-operatória sobre os objetivos clínicos e critérios de alta deve ser realizada antes da cirurgia. A adesão a um protocolo de recuperação avançada que inclui a educação pré-operatória do paciente está associada à diminuição do tempo de internação e diminuição das taxas de complicações.
  • Os pacientes que serão submetidos à criação de ileostomia devem receber orientações sobre o manejo do estoma e aconselhamento sobre como para evitar desidratação, o que reduz o tempo de internação e as taxas de readmissão.

Nutrição Pré-Internação e Preparo de cólon

  • Líquidos claros podem ser continuados até 2 horas antes da anestesia geral. Essa intervenção, de acordo com diversos ensaios clínicos randomizados, é segura e melhora a sensação de bem-estar dos pacientes.
  • Ingestão de bebidas ricas em carboidratos deve ser incentivada antes da cirurgia em pacientes sem diabetes para atenuar a resistência à insulina induzida por cirurgia e jejum. Os estudos que avaliaram essa medida mostraram redução no tempo de internação, mas não houve diferenças nas taxas de complicações ou outros desfechos.
  • A suplementação nutricional oral é recomendada em pacientes desnutridos antes da cirurgia colorretal eletiva, visando uma ingestão de proteína de 1,2 a 1,5g/kg/d por um período de 1 a 2 semanas, o que diminuiu complicações pós-operatórias. Por outro lado, a eficácia da imunonutrição, suplementação contendo nutrientes imunomoduladores como arginina, óleo de peixe (ácidos graxos ômega-3), nucleotídeos e glutamina, sobre suplementos nutricionais orais de alta proteína padrão permanece controversa.
  • Preparo de cólon mecânico combinado a antibióticos orais pré-operatórios é normalmente recomendada antes da cirurgia colorretal eletiva. Uma meta-análise de sete ensaios clínicos randomizados incluindo 1.769 pacientes comparando preparo de cólon com e sem antibióticos orais, mostrou uma redução na infecção de sítio cirúrgico e de ferida operatória. Em uma análise retrospectiva de um banco de dados nacional dos Estados Unidos, o preparo de cólon com antibióticos orais foi associado a diminuição da morbidade geral, infecção de ferida, deiscência de anastomose e infecções intra-abdominais.

Otimização de pré-internação

  • A pré-habilitação multimodal, que é a melhora das condições clínicas gerais do paciente, antes da cirurgia colorretal eletiva, pode ser considerada para pacientes com múltiplas comorbidades ou com perda de performance significativa, sobretudo em pacientes que serão submetidos a cirurgia aberta.

INTERVENÇÕES PERIOPERATIVAS

Infecção de Sítio Cirúrgico

  • Deve haver um conjunto de medidas para reduzir a infecção de sítio cirúrgico. Há diversos itens descritos na literatura, mas não há uma padronização universal. As medidas incluem banho de clorexidina, preparo de cólon com administração oral antibióticos, antibióticos intravenosos dentro de uma hora após a incisão e padronização da preparação do campo cirúrgico com clorexidina/álcool. As medidas cirúrgicas incluem o uso de um protetor de ferida, troca de aventais e luvas antes do fechamento da aponeurose, usando uma caixa de instrumentos exclusiva para o fechamento, suturas antimicrobianas, limitação do tráfego de pessoas na sala de cirurgia e manter uma glicemia controlada e normotermia.

Controle da Dor

  • Um plano de controle da dor multimodal, evitando opioides deve ser implementado antes da indução da anestesia. Vários estudos demonstraram que a minimização de opioides após a cirurgia colorretal está associada ao retorno mais precoce da função intestinal e menor tempo de internação. As medidas incluem o uso de analgésicos simples (dipirona, paracetamol) e antiinflamatórios não-hormonais, sobretudo os seletivos (como os inibidores da ciclooxigenase) e o cetorolaco, bloqueios analgésicos, como quadrado lombar e transverso do abdome, e infiltração da ferida e analgesia espinhal com administração intratecal de morfina.
  • A analgesia peridural torácica, embora não seja recomendada para uso rotineiro em cirurgia colorretal laparoscópica, é uma opção para cirurgia colorretal aberta se uma equipe dedicada à dor estiver disponível para o tratamento pós-operatório.

Náuseas e Vômitos Perioperatórios

  • O uso de antieméticos profiláticos e multimodal reduz as náuseas e os vômitos perioperatórios. Os fatores de risco para o desenvolvimento de vômitos no pós-operatório incluem sexo feminino, história prévia de vômitos ou náuseas em pós-operatório, não-tabagista, idade jovem, cirurgia laparoscópica, uso de anestesia respiratória, tempo operatório prolongado e analgesia com opióide. Vários estudos prospectivos e observacionais demonstram que a terapia combinada usando dois ou mais antieméticos para prevenir náusea e vômito é superior a um único agente. Uma meta-análise de nove ensaios clínicos randomizados incluindo 1.089 pacientes, demonstrou que a dexametasona combinada com outros antieméticos forneceu profilaxia significativamente melhor do que um único antiemético, diminuiu a necessidade de terapia de resgate e não aumentou infecções pós-operatórias ou afetou significativamente o controle glicêmico.

Gerenciamento de Fluidos

  • A administração de fluidos deve ser adaptada para evitar administração excessiva de fluidos e sobrecarga de volume ou restrição indevida de fluidos e hipovolemia. Tanto a sobrecarga de líquidos intravenosos quanto a hipovolemia podem prejudicar significativamente a função dos órgãos, aumentar a morbidade pós-operatória e prolongar a internação hospitalar.
  • Soluções cristaloides balanceadas com restrição de cloreto devem ser usadas para infusões de manutenção e bôlus de fluidos em pacientes submetidos a cirurgia colorretal. Não há benefício no uso rotineiro de soluções colóides para fluidos em bôlus.
  • A hipotensão intraoperatória deve ser evitada, pois mesmo períodos curtos de pressão arterial média <65 mmHg estão associados a desfechos adversos, em particular lesão miocárdica e lesão renal aguda.
  • Em pacientes de alto risco e em pacientes submetidos à cirurgia colorretal com perdas intravasculares significativas antecipadas, recomenda-se o uso de terapia hemodinâmica dirigida por objetivos. Medidas objetivas de hipovolemia, como débito cardíaco, volume sistólico, oferta de oxigênio, extração de oxigênio e saturação venosa mista de oxigênio e índices dinâmicos de responsividade a fluidos (por exemplo, variação da pressão de pulso ou variação do volume sistólico) podem ajudar a decidir se devem ser administrados fluidos intravenosos para fins de ressuscitação.
  • Na ausência de complicações cirúrgicas ou instabilidade hemodinâmica, os fluidos intravenosos devem ser descontinuados rotineiramente no período pós-operatório imediato.

Abordagem Cirúrgica

  • Uma abordagem cirúrgica minimamente invasiva deve ser usada quando houver experiência disponível e quando apropriado.
  • O uso rotineiro de sondas nasogástricas e drenos intra-abdominais para cirurgia colorretal deve ser evitado.

INTERVENÇÕES PÓS-OPERATÓRIAS

Mobilização do paciente

  • A mobilização precoce e progressiva do paciente está associada a menor tempo de internação.

Prevenção de Íleo Paralítico

  • Deve-se oferecer aos pacientes uma dieta regular dentro de 24 horas após a cirurgia colorretal eletiva. A alimentação precoce está associada a uma diminuição no tempo de permanência hospitalar, a um retorno mais rápido da função do trato gastrointestinal e a menor tempo para eliminação de flatus e primeira evacuação.
  • A alimentação simulada (ou seja, mascar chiclete por ≥10min 3–4× ao dia) após a cirurgia colorretal é segura, resulta em pequenas melhorias na recuperação gastrointestinal e pode estar associada a uma redução no tempo de internação.

Cateteres Urinários

  • Sondas vesicais devem normalmente ser removidas dentro de 24 horas após a ressecção de cólon ou reto alto eletivas, independentemente do uso de analgesia peridural torácica.
  • Geralmente, as sondas vesicais devem ser removidas dentro de 24 a 48 horas após a ressecção retal média/inferior. A manipulação e dissecção próxima da bexiga e dos nervos pélvicos laterais durante a proctectomia pode aumentar o risco de retenção urinária pós-operatória.

Critérios de alta

  • A alta hospitalar antes da evacuação pode ser oferecida para pacientes selecionados. Os critérios tradicionais de alta após a cirurgia colorretal incluem presença de evacuação juntamente com a tolerância à ingestão oral, controle adequado da dor com analgesia oral e a capacidade de mobilização na ausência de complicações. Muitos pacientes atendem a esses critérios no primeiro ou segundo dia após a cirurgia. No entanto, há relatos crescentes de alta no mesmo dia da cirurgia, o que depende da viabilidade de dar alta aos pacientes antes do retorno da função intestinal para pacientes muito selecionados, com possibilidade de seguimento próximo e suporte domiciliar adequado. Esta é uma área com evidências limitadas, mas em evolução. As recomendações podem mudar à medida que mais evidências se tornam disponíveis.

Referências

  1. Irani JL, Hedrick TL, Miller TE, Lee L, Steinhagen E, Shogan BD, Goldberg JE, Feingold DL, Lightner AL, Paquette IM. Clinical Practice Guidelines for Enhanced Recovery After Colon and Rectal Surgery From the American Society of Colon and Rectal Surgeons and the Society of American Gastrointestinal and Endoscopic Surgeons. Dis Colon Rectum. 2023 Jan 1;66(1):15-40.
  2. Chen M, Song X, Chen LZ, Lin ZD, Zhang XL. Comparing mechanical bowel preparation with both oral and systemic antibiotics versus mechanical bowel preparation and systemic antibiotics alone for the prevention of surgical site infection after elective colorectal surgery: a meta-analysis of randomized controlled clinical trials. Dis Colon Rectum. 2016; 59:70–78.
  3. Herbert G, Perry R, Andersen HK, et al. Early enteral nutrition within 24 hours of lower gastrointestinal surgery versus later commencement for length of hospital stay and postoperative complications. Cochrane Database Syst Rev. 2019;7:CD004080.
  4. Hogan S, Steffens D, Rangan A, Solomon M, Carey S. The effect of diets delivered into the gastrointestinal tract on gut motility after colorectal surgery—a systematic review and meta-analysis of randomised controlled trials. Eur J Clin Nutr. 2019; 73:1331–1342.
  5. Liu Q, Jiang H, Xu D, Jin J. Effect of gum chewing on amelio- rating ileus following colorectal surgery: a meta-analysis of 18 randomized controlled trials. Int J Surg. 2017; 47:107–115.

Como citar este arquivo

Camargo, MGM. Atualização das Diretrizes Americanas para Enhanced Recovery After Surgery (ERAS) na Cirurgia Colorretal. Gastropedia; 2022. Disponível em: strongatualizacao-das-diretrizes-americanas-para-emenhanced-recovery-after-surgery-em-eras-na-cirurgia-colorretal-strong




As Temidas Deiscências de Anastomose. Fatores de Risco, Diagnóstico e Tratamento

Todo cirurgião que faz ressecções intestinais já perdeu o sono preocupado com deiscência de anastomose. A incidência das deiscências de anastomoses intestinais varia de 2 a 21% e sua ocorrência gera uma cascata de outros eventos que levam a prejuízos significativos à qualidade de vida do paciente, aumento da dor, incapacidade em retornar às atividades de rotina por um período prolongado, períodos de internação hospitalar mais longos, maior necessidade de exames e, em alguns casos, óbito.

Na cirurgia colorretal, ainda que sejam adotadas as diretrizes perioperatórias baseadas em evidências, esforços para otimizar os fatores de risco do paciente e que os princípios cirúrgicos sejam respeitados, as deiscências e suas graves consequências ainda ocorrem.

Fatores de Risco

  • Local da anastomose: menor risco nas anastomoses do intestino delgado e ileocólicas e maior para anastomoses ileorretais e colorretais baixas.
  • Fatores associados ao paciente: diabetes mellitus, hiperglicemia, hemoglobina glicada alta, sexo masculino, IMC elevado, tabagismo, doença inflamatória intestinal, uso crônico de medicamentos imunossupressores, enterite actínica, desnutrição, hipoalbuminemia e infecção ativa.
  • Em pacientes com câncer de reto: anastomoses mais baixas, radioterapia pélvica neoadjuvante e estadios mais avançados do tumor.
  • Fatores intraoperatórios: incapacidade de obter uma anastomose livre de tensão, irrigação insuficiente da anastomose, sangramento intraoperatório e necessidade de hemotransfusões, tempo cirúrgico prolongado, contaminação intraoperatória, além de uso de vários disparos de grampeador no reto (comum em abordagens laparoscópicas e robóticas).
  • O cirurgião é outro fator de risco potencial, mas as características que aumentariam o risco de uma complicação cirúrgica ainda são pouco conhecidas.

Drenagem

Apesar de muito utilizada, sobretudo em anastomoses extraperitoneais baixas, ainda não há evidências suficientes para concluir que a drenagem de rotina reduza a incidência de deiscência. Em geral, o dreno colocado no sítio da  cirurgia não é capaz de controlar de forma efetiva uma sepse pélvica na ocorrência de uma deiscência, com drenagem de pus ou fezes. Por outro lado, como há vários estudos que não mostraram que os drenos aumentam o risco de deiscência, seu uso pode auxiliar no diagnóstico e ele pode ser reposicionado com a ajuda da radiologia intervencionista, se necessário. Além disso, o dreno pode auxiliar no controle de hematomas pélvicos, evitando que aumentem o processo inflamatório local e a pressão sobre a anastomose.

Derivação Intestinal

Seu papel na prevenção de deiscência de anastomose também é assunto ainda em debate. Mas é certo que seu uso reduz o risco de complicações sépticas na ocorrência de deiscência, diminuindo o risco de reoperação e óbito. 

Preparo de Cólon e Antibióticos Orais

Há diversos estudos com resultados variados a respeito do papel do preparo de cólon e do uso de antibióticos por via oral no pré-operatório na prevenção de deiscência de anastomose. Recentemente, várias análises estatísticas usando o robusto banco de dados do American College of Surgeons National Surgery Quality Improvement Program (NSQIP) são consistentes com a conclusão de que tanto o preparo mecânico quanto os antibióticos orais estão associados a um menor risco de deiscência de anastomose.

O surgimento de linhas de pesquisa que sugerem que o microbioma intestinal pode ser um outro fator de risco para a deiscência de anastomose pode explicar porque essas intervenções poderiam ser úteis para diminuir a deiscência. 

Diagnóstico

Apesar de se supor que ocorram na primeira semana, metade das desicências pode ocorrer após a alta do paciente, com uma proporção não desprezível ocorrendo após um mês da cirurgia.

O diagnóstico da deiscência de anastomose nem sempre é óbvio, portanto, além de estar atento às manifestações clínicas, o cirurgião pode precisar lançar mão de exames laboratoriais e radiológicos para confirmação da deiscência e avaliação de sua magnitude. 

  • Sinais clínicos: febre, leucocitose, aumento da dor, drenagem suspeita da ferida ou do dreno, íleo prolongado e até peritonite e sepse francas.
  • Deiscências mais tardias tendem a apresentar-se insidiosamente com dor pélvica e retardo na recuperação clínica do paciente.
  • Tomografia (TC) com contraste oral ou retal: tem a maior sensibilidade e especificidade para detectar deiscência de anastomose (identificação de pneumoperitôneo livre, extravasamento de contraste, defeito na anastomose com líquido livre adjacente ou um abscesso ou coleções com realce).
  • Proteína C reativa sérica (PCR) elevada e a procalcitonina são biomarcadores que servem como indicadores precoces de deiscência após cirurgia colorretal e podem guiar a alta do paciente.

Tratamento

A estratégia para lidar com a deiscência de anastomose depende de fatores como condição clínica do paciente, momento da fístula, localização da anastomose e da fístula e se a fístula está bloqueada. 

O paciente com sepse e peritonite fecal tem indicação de reabordagem cirúrgica, com lavagem e drenagem da cavidade e consideração intraoperatória (condições clínicas do paciente versus condições locais do intestino) de desfazer a anastomose ou drenar e fazer uma derivação proximal. Pacientes submetidos a abordagem minimamente invasiva podem ser reoperados da mesma forma, mas é bastante provável que uma laparotomia seja necessária para uma lavagem da cavidade e controle do foco de forma adequada. 

Pacientes com deiscências bloqueadas e abscessos pequenos podem ser submetidos ao tratamento conservador com antibióticos de amplo espectro. Abscessos maiores podem exigir também drenagem percutânea. Para deiscências de anastomoses baixas, pode ser colocado um dreno por via transretal através do defeito da anastomose e na cavidade do abscesso. 

Se a deiscência não for bem controlada com drenagem e derivação, o paciente pode precisar ser submetido à ressecção da anastomose. Se possível, é ideal esperar pelo menos 3 meses para reoperar de forma a permitir a resolução de aderências inflamatórias que dificultariam a reoperação. 

A colocação endoscópica de esponja a vácuo em cavidades de abscesso pré-sacral, stents cobertos intraluminais e clipes sobre o orifício de vazamento têm tido resultados promissores. O tratamento com vácuo pode ser feito ambulatorialmente, com troca a cada 2-3 dias e geralmente é bem tolerado e seguro. A derivação fecal é comumente parte da estratégia. 

Resultados após Deiscência de Anastomose

  • Risco de mortalidade perioperatória aumenta na presença de fístula de anastomose e varia de 3% a 14%.
  • Para pacientes com câncer de reto, há associação à diminuição da sobrevida global em 5 anos e sobrevida de 5 anos específica do câncer, aumento de recidiva local e sistêmica em alguns estudos, sendo que os piores resultados oncológicos são atribuídos ao atraso na quimioterapia adjuvante. 
  • Ostomia permanente: quanto mais distal for a anastomose, maior o risco de ostomia permanente.
  • Resultados funcionais e qualidade de vida piores, principalmente na anastomose pélvica, com aumento da frequência evacuatória e incontinência, disfunção sexual e urinária. 

Referências

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Como citar este artigo

Camargo MGM., As Temidas Deiscências de Anastomose – Fatores de risco, Diagnóstico e Tratamento. Gastropedia, 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/miscelanea/as-temidas-deiscencias-de-anastomose-fatores-de-risco-diagnostico-e-tratamento/




Tratamento do Volvo de Cólon e da Pseudo-Obstrução Aguda do Cólon (Síndrome de Ogilvie)

As obstruções de cólon podem ser mecânicas ou não mecânicas e constituem cerca de 25% de todas as obstruções intestinais. Entre as causas mecânicas, as mais comuns são:

  1. tumor obstrutivo no cólon ou reto (60%);
  2. estenose cicatricial por diverticulites prévias (10%);
  3. volvo do cólon (15 a 20%).

O volvo do cólon é a torção de um segmento redundante do cólon em seu mesentério que pode levar à oclusão luminal do segmento torcido e isquemia por rotação do mesocólon e, consequentemente, à perfuração.

Embora o volvo do cólon possa ocorrer em qualquer segmento redundante, envolve mais comumente o sigmóide (60%–75% de todos os casos) e ceco (25%–40% de todos os casos).

O volvo de sigmoide ocorre principalmente durante a 6ª a 8ª décadas de vida, sendo mais comum em homens, pacientes institucionalizados, pacientes com constipação crônica, comprometimento neuropsicológico ou comorbidades descompensadas. Por outro lado, o volvo de ceco, geralmente se apresenta em pacientes mais jovens e tem predominância do sexo feminino.

Já a pseudo-obstrução aguda do cólon, ou síndrome de Ogilvie, é uma causa funcional não mecânica de obstrução que se acredita ser uma consequência da desregulação dos impulsos autônomos da inervação do cólon. Há grande distensão do cólon sem fator obstrutivo, mas que também pode evoluir para isquemia e perfuração. As apresentações clínicas variam de acordo com o grau de distensão, se a válvula ileocecal é competente ou não e a condição clínica do paciente. Mais comumente, a síndrome de Ogilvie afeta pacientes idosos ou pacientes internados por motivos não relacionados, incluindo cirurgia eletiva, trauma ou tratamento de uma condição médica aguda.

Aqui apresentamos algumas recomendações das diretrizes da Sociedade Americana de Cirurgia Colorretal para a condução desses casos.

Volvo de Cólon

  • Avaliação inicial com história, exame físico e exames laboratoriais básicos. Os sintomas podem incluir cólicas, náuseas, vômitos, desconforto abdominal. O volvo de sigmóide geralmente tem apresentação mais indolente, enquanto o volvo de ceco costuma ter apresentação mais aguda. No exame físico, em geral há distensão abdominal com diferentes graus de dor à palpação, até peritonite. O toque retal revela uma ampola retal vazia. Apresentação na emergência com peritonite e sinais de choque acontecem em 25 a 35% dos casos.

  • Em pacientes hemodinamicamente estáveis, uma radiografia de abdome auxilia na avaliação inicial (achado de “grão de café” e, em pacientes com válvula ileocecal incompetente, distensão de delgado). Tomografia é usada para confirmar o diagnóstico.
RX de abdomen mostrando o sinal do “grão de café”, indicativo de volvo de cólon

Volvo de Sigmoide

  • Pacientes hemodinamicamente estáveis, sem sinais de peritonite ou evidência de perfuração devem ser submetidos a retossigmoidoscopia para avaliar a viabilidade do sigmoide, desfazer a torção e descomprimir o cólon, terapia efetiva em 60 a 95% dos casos. É possível manter uma sonda para descompressão após a retossigmoidoscopia. A taxa de recorrência é de 43 a 75% nos casos que não são submetidos a intervenção cirúrgica posterior.

  • Sigmoidectomia de urgência é indicada quando a distorção endoscópica não é bem-sucedida e nos casos de sofrimento do cólon ou perfuração, assim como em pacientes com sinais de peritonite ou choque séptico. Após a ressecção do segmento torcido, a decisão de realizar uma anastomose primária, colostomia terminal ou anastomose com derivação deve ser individualizada considerando o contexto clínico do paciente no momento da cirurgia, as condições do cólon remanescente e as comorbidades.

  • Pacientes submetidos à distorção endoscópica bem-sucedida são candidatos à colectomia segmentar durante a mesma internação hospitalar para evitar volvo recorrente e suas complicações. As operações sem ressecção, incluindo apenas distorção, sigmoidopexia e mesosigmoidoplastia, são inferiores à colectomia para a prevenção de volvo recorrente.

  • A fixação endoscópica do sigmóide pode ser considerada em pacientes selecionados nos quais a intervenção cirúrgica tem risco proibitivo.

Volvo de Ceco

  • Tentativas de redução endoscópica do volvo de ceco não são recomendadas.

  • Ressecção segmentar é o tratamento de escolha para pacientes com volvo de ceco. Ceco inviável ou isquêmico está presente em 18% a 44% dos pacientes com volvo de ceco e está associado a uma taxa de mortalidade significativa.

  • No caso de volvo de ceco com intestino viável, o uso de procedimentos cirúrgicos sem ressecção deve ser limitado a pacientes sem condições clínicas para ressecção.

Pseudo-Obstrução Aguda do Cólon (Síndrome de Ogilvie)

  • A avaliação inicial deve incluir história e exame físico, exames laboratoriais e diagnóstico por imagem.
    Na ausência de febre, leucocitose, peritonite, pneumoperitôneo ou diâmetro do ceco > 12 cm, a terapia inicial consiste na correção de distúrbios hidroeletrolíticos, reposição volêmica, evitar ou minimizar uso de opióides, evitar medicamentos anticolinérgicos e identificar e tratar infecções concomitantes. Também é recomendável deambulação, jejum, manobras de posicionamento (genu-peitoral ou prona) para promover a motilidade intestinal e descompressão com sondas nasogástricas e retais. Laxantes osmóticos orais devem ser evitados porque podem piorar a dilatação do cólon. Radiografias de abdome fazem parte da avaliação diária, acompanhado do exame físico.

  • O tratamento inicial é de suporte clínico e inclui a exclusão ou correção de condições que predispõem os pacientes ao quadro ou prolongam seu curso.

  • O tratamento farmacológico com neostigmina é indicado quando o quadro não se resolve com terapia de suporte.

  • A descompressão endoscópica do cólon deve ser considerada em pacientes com Ogilvie nos quais a terapia com neostigmina é contraindicada ou ineficaz.

  • O tratamento cirúrgico é recomendado nos casos complicados por isquemia ou perfuração do cólon ou refratários a terapias farmacológicas e endoscópicas.

Sugestão de leitura: confira também as Diretrizes Americanas para melhor recuperação pós-operatória (ERAS)



Como citar este artigo

Camargo MGM., Tratamento do Volvo de Cólon e da Pseudo-Obstrução Aguda do Cólon (Síndrome de Ogilvie). Gastropedia, 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/colorretal/tratamento-do-volvo-de-colon-e-da-pseudo-obstrucao-aguda-do-colon-sindrome-de-ogilvie/

Referências:

  1. Alavi K, Poylin V, Davids JS, Patel SV, Felder S, Valente MA, Paquette IM, Feingold DL; Prepared on behalf of the Clinical Practice Guidelines Committee of the American Society of Colon and Rectal Surgeons. The American Society of Colon and Rectal Surgeons Clinical Practice Guidelines for the Management of Colonic Volvulus and Acute Colonic Pseudo-Obstruction. Dis Colon Rectum. 2021 Sep 1;64(9):1046-1057. doi: 10.1097/DCR.0000000000002159. PMID: 34016826.
  2. Yeo HL, Lee SW. Colorectal emergencies: review and controversies in the management of large bowel obstruction. J Gastrointest Surg. 2013;17:2007–2012.
  3. Bauman ZM, Evans CH. Volvulus. Surg Clin North Am. 2018;98:973–993.
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