Esteatose Pancreática – Onde estamos?

Um tema que tem ganhado atenção dos estudiosos de pâncreas ultimamente é a esteatose pancreática. Essa é uma denominação genérica que infere o acúmulo de gordura no pâncreas. Entretanto, existem 2 principais mecanismos para justificar a esteatose pancreática: 

  • O primeiro é chamado é “ fatty replacement”, ou seja, a substituição de células pancreáticas por adipócitos após a morte de células acinares. Isso ocorre em síndromes genéticas e congênitas, como na Fibrose Cística, Shwachman-Diamond e Johanson-Blizzard, além de abuso de álcool, uso de alguns medicamentos (como corticóides, gencitabina, octreotide e rosiglitazona), infecções virais, desnutrição e pós pancreatite aguda necrotizante (a área de necrose muitas vezes é substituída por adipócitos). 
  • O segundo mecanismo é a infiltração gordurosa (ou “fatty infiltration”), na qual os adipócitos se acumulam na glândula, sem haver perda de células acinares. Diferentemente do que acontece com a gordura hepática, que é intracelular, a gordura pancreática se acumula na região interlobular, tanto do parênquima exócrino quanto das ilhotas de parênquima endócrino. Esse mecanismo é o mais associado com a obesidade, DM-2 e coma Síndrome Metabólica.

Epidemiologia

Os dados sobre a incidência e prevalência da esteatose pancreática ainda são escassos, especialmente no ocidente. No oriente, em 16-35% das pessoas tem esse achado em exames de imagem. Em indivíduos submetidos a ultrassom endoscópico, o achado de esteatose pancreática foi em 27% dos pacientes. 

Em metanálise conduzida por Singh e colaboradores de 11 estudos com 12.675 pacientes, a prevalência global foi de 33%. Esses pacientes tiveram 67% maior risco de hipertensão, 108% maior risco de diabetes e 137% maior risco de Síndrome Metabólica. 

A obesidade se mostrou o principal fator de risco para o achado de esteatose pancreática. E alguns estudos também relacionaram o achado de doença hepática gordurosa não alcoólica (NAFLD) com esteatose pancreática, embora o acúmulo de gordura pancreática preceda o aparecimento de gordura hepática.

Diagnóstico

O diagnóstico definitivo da esteatose pancreática é com a análise histológica, entretanto é raro dispormos de biópsias pancreáticas no contexto de doenças benignas. Portanto se faz necessário a utilização de exames de imagem não invasivos, tais como:

  • Ultrassom trans-abdominal: é um exame bastante disponível e que não utiliza radiação ou contraste. Entretanto, sendo o pâncreas um órgão retro-peritoneal, a avaliação da glândula é prejudicada por interposição gasosa e pelo próprio biotipo do paciente. A característica ultrassonográfica é de um pâncreas hiperecoico, em comparação com os parênquimas hepático e esplênico. 
  • Ultrassom endoscópico: método mais utilizado para diagnóstico e graduação da esteatose pancreática (que pode variar de I a IV, sendo os tipos I e II considerados pâncreas normais, e tipos III e IV considerados pâncreas esteatóticos). A graduação é feita em comparação com o parênquima do baço. Entretanto, há ainda pouca concordância inter observadores, e são necessários estudos multicêntricos e com maior número de participantes para que essa graduação seja validada. 
  • Tomografia de abdome: na tomografia de abdome sem contraste, podemos observar um pâncreas hipoatenuante em relação ao parênquima esplênico. Há uma boa correlação entre os índices tomográficos de atenuação e a histologia. No estudo sem contraste, porém, pode-se perder o diagnóstico de massas pancreáticas que também podem se apresentar hipoatenuantes. 
  • Ressonância magnética: método seguro e eficaz em diagnosticar a esteatose pancreática, pois tem maior acurácia para avaliação de partes moles. Mais estudos são necessários, no entanto, para determinar a quantidade “ normal” de gordura em indivíduos saudáveis

Impacto clínico

Algumas situações relacionadas com a esteatose pancreática estão sendo levantadas nos estudos mais recentes. Ainda existem muitas dúvidas quanto ao real impacto clínico desse achado, mas o que temos de positivo até o momento é:

  • Relação da esteatose pancreática com a obesidade: há correlação de esteatose pancreática e obesidade, assim como redução da esteatose com a perda de peso. Em indivíduos submetidos a cirurgia bariátrica (by-pass ou gastrectomia vertical) houve diminuição significante da gordura pancreática, independente da perda de peso ou controle de comorbidades (como o diabetes, por exemplo). 
  • Relação da esteatose pancreática com o Diabetes mellitus: em indivíduos diabéticos, o achado de esteatose pancreática é comum, e aumenta com o tempo de doença. Entretanto há dúvidas se a presença de esteatose pancreática pode potencializar a disfunção das células beta pancreáticas, e contribuir para uma piora do controle glicêmico. 
  • Relação da esteatose pancreática e da Doença hepática gordurosa não alcoólica (NAFLD): ao que parece, a esteatose pancreática precede a esteatose hepática nos pacientes com Síndrome metabólica. Quase a totalidade de indivíduos com NAFLD (97%) apresentam infiltração gordurosa pancreática concomitante. 
  • Relação de esteatose pancreática e câncer de pâncreas: é sabido que obesidade é considerada fator de risco para adenocarcinoma pancreático e, ao que parece, a infiltração gordurosa no pâncreas tem papel na carcinogênese, independente da obesidade. Esse achado deve-se a lipotoxicidade e liberação de substâncias resultantes do estresse oxidativo, como radicais livres de oxigênio. No pâncreas gorduroso é maior a incidência de neoplasia intra-epitelial (PanIN) e de adenocarcinoma ductal invasivo. Sugere-se, inclusive, que pacientes com esteatose pancreática teriam maior gravidade do acometimento, com mais metástases linfonodais. 

Já outras associações não são possíveis de serem feitas no momento, como: associação com pancreatite aguda, pancreatite crônica ou fibrose pancreática, insuficiência pancreática exócrina ou aparecimento de fístula pancreática no pós operatório. Essas relações ainda são controversas, e necessitam de maiores estudos.

Referências

  1. Sepe, PS et al. A prospective evaluation of fatty pancreas by using EUS. Gastrointestinal Endoscopy, 2011. doi:10.1016/j.gie.2011.01.015
  2. Majumder, S et al. Fatty Pancreas: Should We Be Concerned? Pancreas. 2017 ; 46(10): 1251–1258. doi:10.1097/MPA.0000000000000941.
  3. Catanzaro, R et al. Exploring the metabolic syndrome: Nonalcoholic fatty pancreas disease. World J Gastroenterol 2016 September 14; 22(34): 7660-7675. DOI: 10.3748/wjg.v22.i34.7660
  4. Chang, ML. Fatty Pancreas-Centered Metabolic Basis of Pancreatic Adenocarcinoma: From Obesity, Diabetes and Pancreatitis to Oncogenesis. Biomedicines 2022, 10, 692. https://doi.org/10.3390/biomedicines10030692.

Como citar este artigo

Marzinotto, M. Esteatose Pancreática – Onde estamos? Gastropedia 2021, vol. 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/pancreas/esteatose-pancreatica-onde-estamos




Pancreatite Aguda Recorrente – Etiologia e Diagnóstico

Pancreatite Aguda Recorrente (PAR) é definida como dois ou mais episódios de pancreatite aguda (PA), com intervalo de no mínimo 3 meses entre os eventos, na ausência de sinais de pancreatite crônica (PC). 

  • No geral, a etiologia dos episódios de pancreatite consegue ser elucidada em 70-90% dos casos, com a investigação adequada.
  • Ainda assim, com todas as armas diagnósticas disponíveis hoje, 10-30% dos casos permanecem sem etiologia definida.
  • O risco de recorrência após um episódio de pancreatite aguda é de 11-32%

Etologia

As principais causas de pancreatite aguda de repetição são:

  • Litíase biliar – assim como em episódios únicos, a litíase biliar é a principal causa de PAR, sendo responsável por cerca de 40% dos casos.
  • Álcool: o consumo de álcool é fator de risco para pancreatite aguda, pancreatite aguda recorrente e pancreatite crônica. Nos EUA, estima-se que 30% das PAR sejam causadas por libação alcoólica, geralmente em indivíduos já etilistas.
  • Tabagismo: o tabagismo atualmente é reconhecido como fator de risco independente para PA e PAR
  • Obstruções ductais por neoplasias de pâncreas ou peri-ampulares.
  • Medicações: algumas medicações são causadoras de PA e PAR, embora seja difícil estabelecer a relação causa/efeito. Nos casos suspeitos, é recomendado que se afaste outras etiologias mais frequentes.
  • Hipertrigliceridemia: o aumento de triglicérides séricos (> 1000 mg/dL) está relacionado com episódios únicos ou recorrentes de PA.
  • Pancreatite auto-imune: a PAI tipo II (doença restrita ao pâncreas) pode ser causa de PAR, embora não se saiba a real prevalência. A doença por IgG4 (Pancreatite auto-imune tipo I) raramente é causa de PAR
  • Anormalidades genéticas: a genética envolvida em doenças pancreáticas é bastante complexa. Sabe-se que variantes patogênicas de alguns genes como: CFTR, PRRS-1, CTRC, SPINK-1 estão mais presentes em pacientes com PAR, sugerindo que possam ter relação com o aparecimento do quadro clínico

Possíveis etiologias controversas

  • Pancreas divisum: a variação anatômica de dominância do ducto dorsal é presente em até 10% da população, e 95% não apresenta nenhum sintoma pancreático. Entretanto, ao estudar a população com PAR, a prevalência do pancreas divisum pode chegar a 50%. Ainda assim, não está estabelecido como causa de PAR.
  • Disfunção do esfíncter de Oddi (SOD): a anormalidade está presente em apenas 1,5% da população, entretanto é muito mais frequente nas PAR idiopáticas (até 72%). A suspeita deve ser levantada quando, além da dor e elevação de enzimas pancreáticas, observamos elevação de enzimas canaliculares.

Como investigar

O primeiro passo diante de um quadro de PAR é a exclusão de malignidades e da própria pancreatite crônica. Uma boa história clínica e exame físico podem nos direcionar para alguns fatores de risco, como etilismo e tabagismo ou uso de medicações, ou sintomas sugestivos de pancreatite crônica. 

Uma imagem adequada da glândula, através da ressonância magnética com colangio-pancreato ressonância pode afastar a possibilidade de neoplasias pancreáticas ou peri-ampulares. 

A ecoendoscopia tem acurácia semelhante à RM para exclusão de tumores, entretanto pode auxiliar no diagnóstico de pancreatite crônica precoce, além de afastar o diagnóstico de microlítiase, que pode ser a etiologia da PAR. Em lugares em que há disponibilidade, é interessante realizar o exame. 

A pesquisa genética pode ser realizada nos pacientes com PAR, especialmente se o quadro clínico se der em pacientes jovens ou com histórico familiar de pancreatite. Entretanto deve-se atentar para o real benefício da testagem, visto que não há terapia específica possível no caso de diagnóstico de mutação, e o custo da pesquisa ainda é elevado. 

A manometria do esfíncter de Oddi é o exame adequado para os casos de suspeita de disfunção do esfíncter, entretanto esse exame é pouco disponível no Brasil, além do risco de 25% de pancreatite aguda pós procedimento. Além disso, nos casos de SOD sem dilatação de ductos na imagem (SOD tipo III), a sensibilidade do exame é apenas 42%. 

Abaixo, um algoritmo para investigação de casos de pancreatite aguda recorrente:

Referências Bibliográficas

  1. Guda MN et al. Recurrent Acute Pancreatitis International State-of-the-Science Conference With Recommendations. Pancreas 2018;47: 653–666
  2. Jagannath S, Garg PK. Recurrent Acute Pancreatitis: Current Concepts in the Diagnosis and Management. Curr Treat Options Gastro (2018) 16:449–465. 
  3. Rehman A et al. Sphincter of Oddi dysfunction: an evidence-based review. Curr Treat Options Gastro (2018) 16:449–465. 
  4. Somogyi L et al. Recurrent Acute Pancreatitis: An Algorithmic Approach to Identification and Elimination of Inciting Factors. Gastroenterology 2001;120:708–717
  5. Imagem de macrovector no Freepik

Como citar este artigo

Marzinotto, M. Pancreatite Aguda Recorrente – Etiologia e Diagnóstico. Gastropedia 2023, vol 1. Disponível em: gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/pancreas/pancreatite-aguda-recorrente




Neoplasias Papilíferas Intraductais Produtoras de Mucina (IPMN)

Os IPMN são as neoplasias císticas pancreáticas mais frequentes, e em algumas casuísticas a prevalência pode chegar a 25%, com maior incidência nos pacientes de faixas etárias mais avançadas. Na maior parte dos casos o diagnóstico é feito acidentalmente, muitas vezes é um achado de imagem, o paciente é assintomático.
A origem do cisto é o próprio ducto pancreático, embora a patogênese não seja clara até hoje. A principal característica é a produção de mucina, uma proteína densa que se acumula nos ductos, causando ectasia e dilatação dos mesmos.

Saiba mais sobre lesões císticas do pâncreas

Cisto adenoma seroso do pâncreas
Cisto adenoma mucinoso do pâncreas
Resumo da Live: lesões císticas do pâncreas

Classificação

Os IPMNs podem ser classificados como:

  • IPMNs de ducto principal: quando a dilatação e ectasia é do próprio ducto de
    Wirsung, podendo acometer o ducto todo ou apenas um segmento;
  • IPMNs de ductos secundários: quando as dilatações acometem os ductos menores
    do pâncreas, podendo ser multifocais em até 67% dos casos;
  • IPMNs mistos: acometem tanto ducto principal quanto os ductos secundários, e se
    comportam como os IPMNs de ducto principal.

Quadro Clínico

A ampla maioria dos pacientes são assintomáticos, especialmente os que têm apenas dilatações de ductos secundários. Os sintomas que podem aparecer são: desconforto abdominal, icterícia e perda de peso. O aparecimento de sintomas,
especialmente icterícia, é considerado um sinal de alarme, muito sugestivo de malignização. Os pacientes sintomáticos deverão ser reavaliados com exame de imagem.

Diagnóstico

O diagnóstico é baseado em alteração de exames de imagem. Como foi dito anteriormente, muitas vezes o diagnóstico é incidental. Apesar disso, ao encontrarmos uma lesão suspeita de IPMN, é necessário o seguimento deste paciente.
Os exames de imagem que auxiliam no diagnóstico e seguimento são:

  • Tomografia computadorizada: a tomografia não é o melhor exame para avaliação de lesões císticas pancreáticas, porém pode ser utilizada para pacientes com contraindicação à Ressonância Magnética. O exame deve ser realizado com administração de contraste endovenoso em protocolo com 2 fases: arterial e venosa. Auxilia no diagnóstico diferencial das dilatações ductais, como no caso de calcificações e tumores pancreáticos.

  • Ressonância Magnética com Colangio Pancreato-ressonância: talvez seja o melhor
    exame para avaliação de IPMNs, pois permite ver a comunicação ductal, determina
    o exato segmento que a lesão se encontra e consegue avaliar sinais de
    preocupação, como componente sólido intracístico, realce na parede da lesão e
    acometimento de ducto principal. A MRCP é o exame de escolha para a avaliação
    do cisto e avaliação de sinais preocupantes ou sinais de alarme.
  • Ecoendoscopia ou Ultrassom endoscópico: é um exame utilizado quando há dúvidas
    diagnósticas (diferenciação entre lesão mucinosa e não mucinosa, por exemplo) ou
    quando há suspeita de transformação maligna, visto que permite a punção do cisto
    com análise bioquímica (dosagem de amilase, CEA e glicose) além de citologia. As
    lesões menores de 1 cm não devem ser puncionadas, pois o risco de já serem
    malignas é muito baixo, além de não conseguir material suficiente para análise
    bioquímica. Para a análise citológica que é realizada em bloco, há uma tendência a
    utilização de agulhas de biópsia (FNB) ao invés de agulhas finas (FNA), o que
    parece melhorar a acurácia dos diagnósticos de displasias.

O exame de ultrassom convencional tem baixa acurácia para diagnóstico de lesões císticas pancreáticas, embora possa ser usado para seguimento das lesões já bem estabelecidas.

Critérios de gravidade

O consenso de Fukuoka, datado de 2012, sugere fatores de alto risco para evolução dos IPMNs.

Os critérios de alarme são:

  • Envolvimento de ducto principal com dilatação > 10 mm
  • Nódulo mural > 5 mm com captação de contraste
  • Icterícia obstrutiva

Os chamados sinais ¨preocupantes¨ são:

  • Pancreatite aguda
  • Cisto > 3cm
  • Espessamento e hipercaptação na parede do cisto
  • Envolvimento do ducto pancreático principal entre 5-9mm
  • Nódulo mural sem realce pelo contraste
  • Transição abrupta de calibre do ducto principal, com atrofia do parênquima distal
  • Crescimento do cisto > 5 mm em 2 anos

Nota: em 2023 houve a publicação do Guideline de Kyoto com atualizações nesses conceitos. Para saber mais confira esses artigos: Guideline de Kyoto – atualizações na abordagem dos IPMNs – Parte I; Guideline de Kyoto – atualizações na abordagem dos IPMNs – Parte I

Condução

Os pacientes com critérios de alarme deverão ser considerados para a cirurgia, caso tenham condições para tal procedimento.
Os pacientes com ¨sinais preocupantes¨devem ser seguidos, e possivelmente puncionados por Ecoendoscopia. Deverão ser seguidos conforme o algoritmo de manejo de pacientes com IPMN (figura 1).
Os consensos para manejo dos IPMNs estão em constante mudança, estabelecendo novos critérios para indicação de ressecção cirúrgica.

Algoritmo para o gerenciamento de suspeita de BD-IPMN. *A pancreatite pode ser uma indicação cirúrgica para alívio dos sintomas. &. O diagnóstico diferencial inclui mucina. A mucina pode se mover com a mudança na posição do paciente, pode ser deslocada com a lavagem do cisto e não tem fluxo Doppler. As características do nódulo tumoral verdadeiro incluem falta de mobilidade, presença de fluxo Doppler e PAAF do nódulo mostrando tecido tumoral. @. A presença de paredes espessadas, mucina intraductal ou nódulos murais é sugestiva de envolvimento do ducto principal. Na sua ausência, o envolvimento do ducto principal é inconclusivo. Abreviaturas: BD-IPMN, neoplasia mucinosa papilar intraductal do ducto secundário; PAAF, aspiração por agulha fina.

Como citar esse artigo

Marzinotto M. Neoplasias Papilíferas Intraductais Produtoras de Mucina. Gastropedia, 2022. Dísponivel em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/pancreas/neoplasias-papiliferas-intraductais-produtoras-de-mucina-ipmn/

Bibliografia

  1. Tanaka, M. et al. International consensus guidelines 2012 for the management of IPMN and MCN of the pancreas Pancreatology 12 (2012) 183e197
  2. van Huijgevoort, NCM et al. Diagnosis and management of pancreatic cystic neoplasms: current evidence and guidelines. Nature Reviews | Gastroenterology & Hepatology, 2019.
  3. Sakorafas, GH et al. Primary pancreatic cystic neoplasms revisited. Part III. Intraductal papillary mucinous neoplasms. Surgical Oncology 20 (2011) e109ee118
  4. Elta, GH et al. ACG Clinical Guideline: Diagnosis and Management of Pancreatic Cysts. Am J Gastroenterol 2018; 113:464–479



Cistoadenoma Mucinoso (MCN)

O cistoadenoma mucinoso (MCN) é uma lesão cística, produtora de mucina, quase que exclusivamente encontrada em mulheres, em uma proporção de 20:1. O pico de incidência é na 5a década de vida. 

O cisto tem localização preferencial no corpo e cauda de pâncreas. A principal característica, além do conteúdo espesso, rico em mucina, é o estroma ovariano encontrado na lesão, com receptores para estrogênios e progestágenos. Na presença de hormônios femininos, a lesão tende a crescer em tamanho. Além disso, é uma lesão que não tem comunicação com o ducto pancreático, as diferenciando dos IPMNs. 

O epitélio do cisto é composto por células colunares, produtoras de mucina. Há um risco de transformação maligna que varia nos estudos de 0-34%, entretanto ainda não existem marcadores fiéis que predizem o risco da lesão malignizar. O que existe são características de imagem que podem sinalizar transformação maligna:

  • lesões > 3 cm
  • presença de nódulos murais
  • dilatação do ducto pancreático principal (> 6mm)
  • calcificações periféricas

Diagnóstico

O diagnóstico dos MCN pode ser dado com um bom exame de imagem, como uma tomografia ou ressonância magnética. Entretanto, caso haja dúvida diagnóstica, há a possibilidade da punção por agulha fina (PAAF) via Ecoendoscopia. Nesse caso é importante solicitar marcadores bioquímicos como: amilase (tende a ser baixa), CEA (nas lesões mucinosas o CEA é geralmente > 190 ng/ml, com uma acurácia de 79%) e a glicose (geralmente baixa em cistos mucinosos < 66 mg/dl). Quando combinados, a dosagem de CEA e glicose intracisto tem uma acurácia de 93% para diagnóstico de  lesões mucinosas. 

Na dúvida de transformação maligna, solicita-se a citologia do cisto, muito embora a sensibilidade seja baixa para avaliação de displasia (cerca de 58%), embora a especificidade seja de 96%. 

Figuras 1 e 2: cistoadenoma mucinoso de cauda pancreática. Fonte: arquivo pessoal

Tratamento

Os MCN que não tiverem estigmas de alto risco para malignização pode ser seguidos com exames de imagem (no primeiro ano, um exame a cada 6 meses, e após esse período, um exame anual), muito embora não haja como excluir a possibilidade de neoplasia sem a ressecção cirúrgica. 

Ao optar por realizar o seguimento com imagens, podemos atrasar o tratamento de  uma lesão ressecável. Portanto, essa decisão deve levar em consideração o risco do paciente evoluir com malignidade pancreática, assim como sua idade, expectativa de vida e outros fatores de risco, como obesidade e tabagismo. Além disso, um outro sinal de alarme é o diabetes de início recente. 

Como os MCN são lesões que acometem corpo e cauda de pâncreas (preferencialmente) a ressecção dessa porção pancreática tende a ser menos mórbida ao paciente. Além disso, é possível realizar a enucleação da lesão, sem obrigatoriedade  de pancreatectomia necessariamente. 

Ainda como alternativas terapêuticas temos a ablação da lesão com etanol ou paclitaxel, ou ainda a ablação por radiofrequência. Esses procedimentos, entretanto, tem muitos efeitos adversos, e são propostos para pacientes não candidatos a cirurgia. Mais estudos são necessários para indicação da ablação como procedimento de rotina.

Prognóstico

O prognóstico do paciente que teve o MCN ressecado antes da transformação maligna é muito bom, com sobrevida em torno de 100% de em 5 anos. Já os pacientes operados com MCN invasivos, têm cerca de 60% de sobrevida em 5 anos. As lesões < 4 cm sem estigmas de alto risco, tem taxas de malignização de < 0,05%

Veja também nosso artigo sobre Cistoadenoma Seroso de Pâncreas clicando nesse link

Bibliografia

  1. Lopes CV. Cyst fluid glucose: An alternative to carcinoembryonic antigen for  pancreatic mucinous cysts. World J Gastroenterol 2019 May 21; 25(19): 2271-2278
  2. Nilsson, LN et al. Nature and management of pancreatic mucinous cystic neoplasm (MCN): A systematic review of the literature. Pancreatology 2016. 1-9. 
  3. Elta, GH et al. ACG Clinical Guideline: Diagnosis and Management of Pancreatic Cysts. Am J Gastroenterol 2018; 113:464–4
  4. The European Study Group on Cystic Tumours of the Pancreas. European evidence-based guidelines on pancreatic cystic neoplasms. Gut 2018;67:789–804

Como citar este arquivo

Marzinotto M., CISTOADENOMA MUCINOSO (MCN). Gastropedia, 2022. Dísponivel em: https://gastropedia/gastroenterologia/pancreas/cistoadenoma-mucinoso-mcn




Cistoadenoma Seroso de Pâncreas

Os cistos pancreáticos são, na maioria dos casos, achados incidentais de exames de imagem.

Estima-se que cerca de 3-14% das pessoas submetidas a exames abdominais tenham como achado alguma lesão cística pancreática. Em estudos de necropsia, esse achado pode chegar a 24%. Observa-se um claro aumento de prevalência em faixas etárias maiores. 

As lesões císticas podem ser divididas em:

  • cistos benignos: pseudocistos, cistos simples, cistoadenomas serosos
  • cistos malignos: cistoadenocarcinomas, tumores neuroendócrinos císticos, neoplasia sólido-cística pseudopapilar
  • cistos com potencial de malignização: IPMNs e cistoadenomas mucinosos

Nesse artigo falaremos um pouco sobre o cistoadenoma seroso.

CISTOADENOMA SEROSO (SCA)

O cistoadenoma seroso é uma lesão que acomete mais mulheres do que homens (2:1), na 6ª ou 7ª década de vida.

É uma lesão que não tem preferência por nenhuma região pancreática, podendo acometer cabeça, corpo ou cauda da glândula.

Aspecto radiológico

A característica mais marcante do cistoadenoma seroso é o achado de uma lesão policística, com septos fibrosos entre eles, formando um aspecto microcístico (70% dos SCA). Em cerca de 20-30% dos casos, os septos convergem para o centro da lesão, formando uma cicatriz central fibrosa (sinal mais típico do SCA). Em 20% dos casos observamos um aspecto de favo de mel, com múltiplos microcistos e septos finos entre eles.

Figura 1: Cistoadenoma Seroso de cabeça de pâncreas – lesão lobular com septos convergindo para localização central da lesão. (arquivo pessoal)

Figura 1: Cistoadenoma Seroso de cabeça de pâncreas – lesão lobular com septos convergindo para localização central da lesão. (arquivo pessoal)

Em cerca de apenas 10% dos casos os SCA podem ser oligocísticos, tornando o diagnóstico radiológico mais desafiador. Nesses casos, muitas vezes são necessários outros exames para confirmação diagnóstica, como a Ecoendoscopia com punção e análise do fluido intracístico.

Características do fluido

A característica citológica do cistoadenoma seroso são células cuboides, com citoplasma rico em glicogênio, embora a sensibilidade para citologia com PAAF seja muito baixa.

A análise bioquímica do líquido pode ajudar nos casos de diagnóstico incerto. A característica do SCA é ter o Antígeno Carcino-Embrionário (CEA) abaixo de 192 ng/ml, o que se associa a lesões não mucinosas. Além disso, por não haver comunicação com os ductos pancreáticos, a amilase no líquido intra-cístico é baixa.

Mais recentemente, com o avanço da endoscopia confocal, é possível a visualização do padrão de vascularização (nos SCA, ela é subepitelial – acurácia 87%) e permite biópsias do epitélio do cisto. Esse procedimento é realizado ainda em poucos centros, e embora melhore a acurácia do diagnóstico, traz maiores riscos de efeitos adversos (pancreatite aguda e hemorragia intracisto).

Prognóstico

O prognóstico dos SCA é excelente, com menos de 1% de mortalidade. Poucos casos na literatura tem evolução para malignidade, e não há uma concordância sobre a periodicidade do seguimento. Para muitos autores, trata-se de uma lesão benigna.

Embora seja uma lesão com baixa chance de transformação maligna, existe a possibilidade de crescimento da lesão em até 40% dos SCAs.

A última recomendação do grupo europeu é de um novo exame de imagem em 1 ano, e posteriormente, somente se houver sintomas (dor abdominal, icterícia ou náuseas e vômitos).

Como citar este arquivo

Marzinotto M., CISTOADENOMA SEROSO DE PANCREAS. Gastropedia, 2022. Dísponivel em: https://gastropedia/gastroenterologia/pancreas/cistoadenoma-seroso-de-pancreas

Referências

  1. Sakorafas, GH et al. Primary pancreatic cystic neoplasms revisited. Part I: Serous cystic neoplasms. Surgical Oncology, 2011
  2. Tirkes, T et al. Cystic neoplasms of the pancreas; findings on magnetic resonance imaging with pathological,surgical, and clinical correlation. Abdom Imaging, 2014
  3. Larson, A et al. Natural History of Pancreatic Cysts. Dig Dis Sci, 2017



Pancreatite Autoimune

A Pancreatite Autoimune (PAI) é uma das possíveis causas de pancreatite crônica, que cursa com infiltrado inflamatório na glândula e fibrose progressiva, podendo levar à insuficiência pancreática (1).

 

A observação do quadro clínico nos permite classificar a PAI em 2 subtipos (2,3):

  • Pancreatite Autoimune tipo 1: o envolvimento pancreático é parte de uma condição sistêmica, que acomete diversos órgãos, relacionada a infiltração por células imunes ricas em IgG4 (uma sub-fração da IgG). A principal característica é o inflitrado linfo-plasmocitário no pâncreas, com mais de 10 células / CGA positivas para IgG4, a fibrose estoriforme e a ausência de lesões granulocíticas.
  • Pancreatite Autoimune tipo 2: é uma doença exclusivamente pancreática, que pode cursar com episódios de Pancreatite Aguda Recorrente, e que tem como característica o infiltrado granulocítico no pâncreas e a ausência de células positivas para IgG4. O diagnóstico de PAI tipo 2 só pode ser confirmado com a histologia pancreática. Apesar de ser uma doença restrita ao pâncreas, tem associação com outras condições autoimunes, como as Doenças Inflamatórias Intestinais (especialmente RCUI).

Quadro clínico

  • O quadro clínico típico da PAI (em qualquer um dos subtipos) é a dor abdominal, icterícia obstrutiva e elevação de enzimas pancreáticas e canaliculares no sangue. É comum também o emagrecimento associado.
  • Em alguns casos pode-se encontrar massas pancreáticas ou biliares, que necessitam diagnóstico diferencial com neoplasias.
  • Menos comum é a ocorrência de pancreatites agudas de repetição, especialmente na PAI tipo 2 (4, 5).
  • A dosagem de IgG4 > 140 mg/dl, a hipergamaglobulinemia e o FAN + podem ser marcadores secundários da doença sistêmica (PAI tipo 1).

Achados Radiológicos

Associado ao quadro clínico, os achados radiológicos podem corroborar o diagnóstico. Cerca de 85% dos pacientes com PAI têm alterações radiológicas compatíveis. O achado mais típico é o edema e o aumento pancreático (pâncreas “em salsicha”) e a perda de lobulações, frequentemente associado a um halo hipoatenuante na tomografia ou na ressonância de abdome com contraste em 15-40% dos casos (6,7).

                                                                      * Imagens de arquivo próprio

Menos frequente é o acometimento focal, com presença de nodulações na glândula, podendo mimetizar neoplasia. Essa forma é mais comum na PAI tipo 2 (35-80% de incidência) e o essencial é fazer o diagnóstico diferencial com processos mitóticos. (7) Nesse contexto, o uso de exames como o Ultrassom Endoscópico ou a Colangiopancreatografia  Retrógrada Endoscópica podem ser úteis na tentativa de afastar o diagnóstico de processos neoplásicos, já que permitem a obtenção de material para avaliação histopatológica. (8)

 

Tratamento

O tratamento inicial é com corticoterapia, e ambas as formas da doença tem boa resposta ao curso de corticoide. O tratamento está indicado nos casos que se apresentam com icterícia obstrutiva e dor abdominal, forma nodular (massas pancreáticas ou biliares) ,  quadros simulando colangite esclerosante ou doença extra-pancreática.  A dose inicial pode ser fixa de 40mg/dia de prednisona (ou em torno de 0,6 mg/kg/dia) pelo período de 4 semanas. Após esse período é recomendada uma reavaliação clínica, laboratorial e de imagem. No caso de melhora, está indicada a redução da dose de 5mg por semana até a completa suspensão da medicação. (5, 9)

No paciente que tenha contra-indicação ao uso de corticoide (especialmente os paciente com diabetes mellitus descompensado) o Rituximab (anti CD-20) também pode ser usado como agente de primeira linha para indução de remissão.  (9, 10)

Apesar de apresentar uma boa resposta ao tratamento com corticoesteróides, a taxa de recorrência  dos sintomas é de aproximadamente 30%. Os preditores para reicidiva do quadro são: altos níveis de IgG4 ao diagnóstico e acometimento de outros órgãos, especialmente árvore biliar. Nesses casos ainda não está claro se é necessário um tratamento adjuvante com imunomoduladores (Ciclosporina, Azatioprina, Rituximab) ou se é necessário um tempo maior de terapia com corticoesteróides. (1, 2, 5, 9).

  Tipo 1 Tipo 2
IgG4 Relacionada a IgG4 Não relacionada a IgG4
Idade > 60 anos > 40 anos
Sex Masc > Fem Masc = Fem
IgG4 sérica Elevada Normal
Histologia Células IgG4 + Lesões epiteliais granulocíticas
Taxa de remissão Alta Baixa
Extra-pancreático Doenças relacionadas a  IgG4 DII (30%)

Como citar este artigo

Marzinotto M. Pancreatite Autoimune. Gastropedia, 2022. Dísponivel em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/pancreas/pancreatite-autoimune/

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