Condições relacionadas à doença celíaca: quem devemos testar?

Esse ano foi publicada na Gastroenterology uma edição especial sobre doença celíaca (DC). Um dos artigos de revisão discorre sobre as condições em que se tem evidência de associação à DC e que, portanto, seus portadores devem ser testados.

A doença celíaca (DC) é uma doença crônica imunomediada desencadeada pela ingesta de glúten em indivíduos geneticamente predispostos. Sua apresentação clínica é bastante heterogênea – varia do clássico quadro de dor abdominal e diarreia, passando por infertilidade e até indivíduos assintomáticos. E, apesar do aumento da conscientização entre médicos e população geral sobre a doença, ela permanece subestimada.

Confira esses outros artigos do Gastropedia sobre doença celíaca:

A forma mais eficaz de identificar os portadores da doença que são assintomáticos é testar os indivíduos que são considerados de alto risco. O teste inicial de escolha é a sorologia. É importante lembrar que não é recomendado o teste em massa em indivíduos assintomáticos que não façam parte do grupo de risco.

Os autores revisaram as evidências mais recentes sobre a associação entre DC e mais de 20 condições.

De acordo com a revisão, devem ser testados:

  • Portadores de doenças autoimunes com sintomas sugestivos de DC;
  • Doenças com sintomas semelhante, por exemplo, síndrome do intestino irritável (SII), doença inflamatória intestinal (DII) e colite microscópica;
  • Pacientes com condições em que a DC tem alta prevalência, quais sejam:

    • Parentes de primeiro grau;
    • Pancreatite idiopática;
    • Alteração de enzimas hepáticas sem etiologia definida;
    • Hepatite autoimune;
    • Colangite biliar primária;
    • Hipoesplenismo ou asplenia funcional com infecção bacteriana grave;
    • DM tipo 1;
    • Tireoidite de Hashimoto e doença de Graves;
    • Síndrome de Sjogren;
    • Dermatite herpetiforme;
    • Estomatite aftosa recorrente e defeito no desenvolvimento do esmalte;
    • Ataxia sem etiologia definida;
    • Neuropatia periférica;
    • Retardo na menarca ou menopausa precoce;
    • Síndrome de Down
    • Síndrome de Turner;
    • Síndrome de Williams;
    • Fadiga crônica;
    • Nefropatia por IgA
    • Deficiência de IgA.

O teste inicial deve ser a sorologia, porém se por algum motivo portadores dessas condições forem submetidos à endoscopia digestiva alta, as biópsias duodenais devem ser realizadas.

Doenças do TGI

Quem testar? Sim/ Não Fonte de evidência Comentários dos autores
EEo Não Guidelines
Gastrite atrófica autoimune Sim Guidelines
SII Sim Guidelines Deve-se testar por conta dos sintomas semelhantes
DII Sim Opinião dos especialistas

Deve-se testar por conta dos sintomas semelhantes
Se o paciente responder ao tratamento durante o seguimento não precisa de teste
Colite microscópica Sim Guidelines Deve-se testar por conta dos sintomas semelhantes
Doenças do fígado/pâncreas/baço

Alterações de enzimas pancreáticas sem etiologia definida

Não Opinião dos especialistas Evidências escassas e contraditórias se a DC é mais presenta nesses grupos
Pancreatite idiopática Sim Guidelines
Alterações de enzimas hepáticas sem etiologia definida Sim Guidelines
Hepatite autoimune Sim Guidelines Idealmente antes do início de corticoide e imunossupressão
Colangite biliar primária Sim Guidelines
Hipoesplenismo ou asplenia funcional com infecção bacteriana grave Sim Guidelines Especialmente se infecções graves por bactérias encapsuladas

Doenças endócrinas

DM tipo 1 Sim Guidelines Se negativo, testar novamente em 2 e 5 anos após o diagnóstico
Tireoidite de Hashimoto e doença de Graves Sim Guidelines
Síndrome de Sjogren Sim Guidelines
Osteopenia e osteoporose Não Opinião dos especialistas Testar somente se paciente apresentar sintomas gastrointestinais ou outra condição que sejam sugestivos

Doenças dermatológicas

Dermatite hepetiforme Sim Guidelines Todos os pacientes devem ser submetidos a biópsias duodenais antes de iniciar dieta sem glúten
Psoríase, outras condições dermatológicas Não Opinião dos especialistas Testar somente se paciente apresentar sintomas gastrointestinais ou outra condição que sejam sugestivos

Doenças da cavidade oral

Estomatite aftosa recorrente Sim Guidelines
Defeito no desenvolvimento do esmalte Sim Guidelines

Doenças neurológicas

Epilepsia Não Opinião dos especialistas Testar somente se paciente apresentar sintomas gastrointestinais ou outra condição que sejam sugestivos
Ataxia sem etiologia definida Sim Guidelines
Neuropatia periférica Sim Guidelines
Migrânea Não Opinião dos especialistas Testar somente se paciente apresentar sintomas gastrointestinais ou outra condição que sejam sugestivos

Doenças ginecológicas

Infertilidade Não Opinião dos especialistas
Abortos espontâneos recorrentes Não Opinião dos especialistas
Atraso na menarca/ menopausa precoce Sim Guidelines

Condições genéticas

Síndrome de Down/ Turner/ Williams Sim Guidelines

Outras desordens

Fadiga crônica Sim Guidelines
Nefropatia por IgA Sim Guidelines
Deficiência de IgA Sim Guidelines
Parentes de primeiro grau, mesmo assintomáticos Sim Guidelines
Triagem em massa da população geral Não Guidelines

Referências

  1. Celiac Disease–Related Conditions: Who to Test? Zingone, Fabiana et al. Gastroenterology, Volume 167, Issue 1, 64 – 78

Como citar este artigo

Arraes L. Condições relacionadas à doença celíaca: quem devemos testar? Gastropedia 2024, Vol 2. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/condicoes-relacionadas-a-doenca-celiaca-quem-devemos-testar/




Probióticos na diarreia: quando e como usar?

Em fevereiro de 2023, a World Gastroenterology Organisation publicou uma atualização sobre o uso de prebióticos e probióticos.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define probióticos como microrganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem benefícios à saúde do hospedeiro. As espécies de Lactobacillus e Bifidobacterium são as mais estudadas e usadas como probióticos. 

Os efeitos dos probióticos dependem da cepa, da dose e do tempo utilizado.

A avaliação da aplicação clínica dos probióticos no documento foram baseadas em metanálises, mas os autores deixam claro que existem problemas por conta da heterogeneidade dos estudos, das intervenções com probióticos, das populações estudadas e do “n” pequeno dos ensaios clínicos. 

Abaixo, vemos as considerações do documento sobre o uso de probióticos na diarreia. 

Tratamento da diarreia aguda em adultos: 

  1. Lactobacillus paracasei B 21060 ou L. rhamnosus GG (109 UFC, duas vezes ao dia) – nível de evidência 3
  2. Saccharomyces boulardii CNCM I-745 (5 × 109  UFC ou 250 mg, duas vezes ao dia) – nível de evidência 3
  3. Enterococcus faecium SF68 (7,5 × 107 UFC, três vezes ao dia) – nível de evidência 3

Diarreia associada a antibióticos:

  1. Iogurte com L. casei DN114, L. bulgaricus e Streptococcus thermophilus (≥ 1010 UFC, duas vezes ao dia) – nível de evidência 2
  2. Lactobacillus acidophilus CL1285 e L. casei (Bio-K+ CL1285) (≥ 1010 UFC, uma vez ao dia) – nível de evidência 2
  3. Lactobacillus rhamnosus GG (1010 UFC, duas vezes ao dia) – nível de evidência 1
  4. Saccharomyces boulardii CNCM I-745 (5 × 1010 UFC ou 250 mg, duas vezes ao dia) – nível de evidência 1
  5. Lactobacillus reuteri DSM 17938 (108 UFC, duas vezes ao dia) – nível de evidência 3
  6. Lactobacillus acidophilus NCFM, L. paracasei Lpc-37, Bifidobacterium lactis Bi-07, B. lactis Bl-04 (1,7 x 1010 UFC, uma vez ao dia) – nível de evidência 3
  7. Bifidobacterium bifidum W23, B. lactis W18, B. longum W51, Enterococcus faecium W54, Lactobacillus acidophilus W37 e W55, L. paracasei W72, L. plantarum W62, L. rhamnosus W71, L. salivarius W24  (5 g da mistura contendo 109 UFC /g, duas vezes ao dia) – nível de evidência 3
  8. Lactobacillus rhamnosus GG, L. acidophilus La5, e B. animalis subsp. lactis BB-12 (2,5 × 1010, 2,5×109, 2,5 × 1010 UFC, respectivamente, uma vez ao dia) – nível de evidência 3
  9. Lactobacillus acidophilus, Lactobacillus plantarum, Lactobacillus casei, e Lactobacillus delbrueckii subsp. bulgaricus, Bifidobacterium breve, Bifidobacterium longum, Bifidobacterium infantis, Streptococcus salivarius subsp. Thermophilus (4,5 × 1011 UFC, duas vezes ao dia) – nível de evidência 3

Prevenção da diarreia associada a Clostridioides difficile (ou prevenção da recidiva):

  1. Lactobacillus acidophilus CL1285 e L. casei LBC80R (1010 UFC, uma vez ao dia) – nível de evidência 2
  2. Iogurte com L. casei DN114 e L. bulgaricus e Streptococcus thermophilus (107-108 UFC, duas vezes ao dia) – nível de evidência 3
  3. Saccharomyces boulardii CNCM I-745 (109 UFC ou 250mg, duas vezes ao dia) – nível de evidência 2
  4. Lactobacillus acidophilus NCFM, L. paracasei Lpc-37, Bifidobacterium lactis Bi-07, B. lactis Bl-04 (1,7 × 1010 UFC, uma vez ao dia) – nível de evidência 3
  5. Lactobacillus acidophilus + Bifidobacterium bifidum (cepas Cultech) (2 × 1010 UFC, uma vez ao dia) – nível de evidência 3
  6. Oligofrutose (prevenção da recidiva) (4 g, três vezes ao dia) – nível de evidência 3

Prevenção da diarreia associada a radioterapia (após cirurgia para câncer pélvico):

  1. Mistura de cepas de Lactobacillus plantarum, L. casei, L. acidophilus, L. delbrueckii subsp. bulgaricus, Bifidobacterium infantis, B. longum, B. Breve, Streptococcus salivarius subsp. Thermophilus (450 × 109 UFC, três vezes ao dia) – nível de evidência 3
  2. Lactobacillus acidophilus + Bifidobacterium bifidum (2 x 109 UFC, duas vezes ao dia) – nível de evidência 3
  3. Lactobacillus acidophilus LAC-361 e Bifidobacterium longum BB-536 (1,3 x 109 UFC, duas vezes ao dia) – nível de evidência 3
  4. Lactobacillus acidophilus LA-5 + Bifidobacterium animalis subsp. lactis BB-12 (1,75 x 109 UFC, três vezes ao dia) – nível de evidência 3

Prevenção da diarreia associada a nutrição enteral:

  1. Shen Jia fibra + Bifidobacterium e Lactobacillus em comprimidos (30 g + 6 g) – nível de evidência 3 (pacientes em pós-operatório por câncer gástrico)
  2. Bacillus cereus A05 (5 x 106 UFC, a cada 6 horas) – nível de evidência 3
  3. Mistura de cepas de Lactobacillus plantarum, L. casei, L. acidophilus, L. delbrueckii subsp. bulgaricus, Bifidobacterium infantis, B. longum, B. Breve, Streptococcus salivarius subsp. Thermophilus (450 x 109 UFC, duas vezes ao dia) – nível de evidência 3

Leia também: condições gastrointestinais que o probiotico está indicado

Referências

  1. https://www.worldgastroenterology.org/guidelines/probiotics-and-prebiotics/probiotics-and-prebiotics-english Versão em português: https://www.worldgastroenterology.org/guidelines/probiotics-and-prebiotics/probiotics-and-prebiotics-portuguese

Como citar este artigo

Arraes L. Probióticos na diarreia: quando e como usar? Gastropedia 2024, vol 2. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/sem-categoria/probioticos-na-diarreia-quando-e-como-usar/




Para além da dieta sem glúten: como orientar seu paciente celíaco

Para os portadores da doença celíaca não há, por ora, alternativa: o tratamento é eliminar o glúten da dieta por toda vida. Mas será que somente essa orientação basta? Como o gastroenterologista pode acompanhar seu paciente com doença celíaca?

Existem seis elementos principais no cuidado com o nosso paciente celíaco que podem ser resumidos no acrônimo CELIAC:

  1. Consultar com um nutricionista qualificado;
  2. Educação sobre a doença;
  3. Adesão ao Longo da vida a uma dieta sem glúten;
  4. Identificação e tratamento de deficiências nutricionais;
  5. Acesso a um grupo de apoio;
  6. Acompanhamento Contínuo a longo prazo por uma equipe multidisciplinar.

(Adaptado de: National Institutes of Health Consensus Development Conference Statement. Celiac Disease 2004)

Na primeira parte deste artigo vamos discorrer sobre como orientar a dieta do paciente com doença celíaca e na segunda vamos discorrer sobre como monitorar a resposta ao tratamento.

1. Tratamento do paciente com doença celíaca

Sobre a dieta sem glúten

Como sabemos, a base do tratamento do paciente com doença celíaca é a dieta sem glúten. Isso serve para todos os pacientes com doença celíaca: clássica, atípica e doença celíaca assintomática.

Pacientes com doença celíaca latente (anticorpo positivo, porém com histologia duodenal normal) não são aconselhados a seguir uma dieta sem glúten, mas devem seguir monitorados. Vale a pena perguntar: será que as biópsias duodenais foram feitas de forma correta?

Leia sobre o correto diagnóstico da doença celíaca aqui: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/como-diagnosticar-corretamente-a-doenca-celiaca/

Lembrar que pacientes com doença celíaca latente devem ser rebiopsiados caso apareçam quaisquer sintomas.

É muito importante orientar o paciente a ler os rótulos dos alimentos, com atenção especial aos aditivos, como estabilizantes ou emulsificantes que podem conter glúten.

Encaminhar o paciente para um acompanhamento com nutricionista com experiência em doença celíaca é essencial. Certamente é este profissional que mais ajudará nosso paciente nesta longa jornada desafiadora.

Sobre traços

Recomenda-se que não ultrapasse 10 a 50 partes por milhão (ppm).

Um estudo que avaliou a ingesta oculta de glúten entre 76 pacientes estimou que a contaminação por glúten de até 100 ppm não resultou em lesão histológica.

Porém sabe-se que a contaminação com traços pode ser fator de confundimento com a doença celíaca não-responsiva ou refratária.

Sobre leite e derivados

Alguns pacientes podem não tolerar leite e derivados do leite, uma vez que alguns deles podem ter intolerância a lactose secundária. Lembrar que, após a recuperação da mucosa, esse quadro pode se resolver.

Sobre a ingesta de álcool

Atenção para a ingesta de álcool: destilados e vinho são isentos de glúten. As cervejas contêm glúten, porém já existem cerveja sem glúten no mercado.

Sobre o imbróglio: ingerir ou não aveia?

O consumo de aveia parece ser seguro para a maioria dos pacientes, mas pode ser imunogênica em subgrupo deles (reação imune à proteína da aveia avenina).

A heterogeneidade da tolerância à aveia pode estar relacionada à contaminação (cultivo, colheita, transporte ou processamento). O paciente precisa ter certeza que a aveia é isenta de glúten antes de consumir. Alguns pesquisadores brasileiros defendem que, no Brasil, todos os celíacos devem evitar aveia.

Caso possível, por que manter a aveia? A adição da aveia não contaminada na dieta sem glúten deixa a dieta mais palatável, com mais nutrientes (fibra solúvel, gordura poliinsaturada, vitaminas do complexo B como a tiamina e ferro), além de mais laxativa.

Sobre medicamentos

Os comprimidos contêm uma quantidade mínima de glúten e não precisam ser evitados.

Sobre os sensores de glúten nos alimentos

Não há evidência que os sensores que detectam glúten nos alimentos melhoram a adesão à dieta ou a qualidade de vida.

Sobre probióticos

Não há evidência suficientes para falar a favor ou contra o uso de probióticos na doença celíaca.

2. Monitorização da resposta

Cerca de 70% dos pacientes terão melhora clínica em 2 semanas. Como regra geral, os sintomas melhoram mais rapidamente que a histologia.

Os pacientes devem ser avaliados também com hemograma, perfil do ferro, vitaminas (B12, A, D, K, E), folato, enzimas hepáticas, cobre e zinco.

Sobre a sorologia

Dependendo das concentrações pré-tratamento, os valores dos anticorpos tendem a se normalizar dentro de 3 a 12 meses.

A sorologia deve ser realizada de 6 a 12 meses após o início da dieta sem glúten. Embora a normalização dos títulos dos anticorpos não indique necessariamente a recuperação da mucosa, se eles se mantiverem alto, significa que o paciente continua a ingerir glúten (de forma intencional ou não).

Após a normalização dos anticorpos, estes devem ser dosados anualmente.

Sobre as biópsias duodenais

Nosso objetivo é a cicatrização da mucosa.

Embora a normalização dos anticorpos aumente a probabilidade de cicatrização da mucosa, essa correlação não é suficiente, devendo-se realizar as biópsias duodenais para checarmos a cicatrização da mucosa.

O American College of Gastroenterology recomenda em seu guideline que as biópsias devem ser realizadas após 2 anos de início da dieta sem glúten. No Brasil, é comum lermos nos livros-texto o controle endoscópico com 12 meses.

Em uma parte dos pacientes, a mucosa não cicatrizará, apesar da sorologia negativa e da ausência de sintomas. A ausência de cicatrização da mucosa está associada a aumento do risco de linfoma e de doença óssea.

Atentar para doença celíaca refratária em pacientes com boa adesão à dieta e que se mantém sintomáticos.

Como os estudos que mostram os supostos benefícios de acompanhar o paciente com biópsias endoscópicas são observacionais e não há estudos randomizados prospectivos avaliando o seguimento com e sem biópsias, a sugestão é que essa decisão (seguir com biópsias) deve ser compartilhada entre o médico e o paciente.

No Brasil, como temos fácil acesso aos exames endoscópicos, é nossa rotina o acompanhamento com biópsias.

Sobre a vacinação

Adultos com doença celíaca tem risco significativamente maior de infecção pneumocócica (pneumonia e sepse). Acredita-se que esse aumento seja devido ao hipoesplenismo, frequentemente subclínico, encontrado aproximadamente em um terço dos pacientes com doença celíaca.

A vacinação contra pneumococo é segura e eficaz e deve ser considerada em pacientes com doença celíaca, em especial em pacientes de 15- 64 anos que não receberam essa vacinação na infância.

Referências

  1. Rubio-Tapia, Alberto MD1; Hill, Ivor D. MD2; Semrad, Carol MD3; Kelly, Ciarán P. MD4; Greer, Katarina B. MD, MS5; Limketkai, Berkeley N. MD, PhD, FACG6; Lebwohl, Benjamin MD, MS7. American College of Gastroenterology Guidelines Update: Diagnosis and Management of Celiac Disease. The American Journal of Gastroenterology 118(1):p 59-76, January 2023. | DOI: 10.14309/ajg.0000000000002075
  2. Ciarán P. Kelly. Diagnosis of Celiac disease in adults. In: J Thomas Lamont (Ed). Up to date. 2024
  3. National Institutes of Health Consensus Development Conference Statement. Celiac Disease 2004. Gastroenterology 2005;128:S1–S9 | DOI: https://doi.org/10.1053/j.gastro.2005.02.007
  4. Collin P, Thorell L, Kaukinen K, Mäki M SO. The safe threshold for gluten contamination in gluten-free products. Can trace amounts be accepted in the treatment of coeliac disease? Aliment Pharmacol Ther. 2004;19(12):1277 -83. DOI: 10.1111/j.1365-2036.2004.01961.x.
  5. Zaterka, S , Passos MCF, Chinzon D. Tratado de gastroenterologia: da graduação à pós-graduação – 3a edição. Rio de Janeiro: Atheneu, 2023.

Como citar este artigo

Arraes L. Para além da dieta sem glúten: como acompanhar seu paciente celíaco Gastropedia 2024, vol 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/para-alem-da-dieta-sem-gluten-como-acompanhar-seu-paciente-celiaco




Como Diagnosticar Corretamente a Doença Celíaca?

A doença celíaca (DC) é definida como uma resposta imunomediada e permanente ao glúten, proteína presente no trigo, na cevada e no centeio. Trata-se de uma doença caracterizada por inflamação na mucosa do intestino delgado, com atrofia vilositária e hiperplasia de criptas, que ocorre pela exposição da mucosa ao glúten e melhora após a retirada desta proteína da dieta (saiba mais sobre a patogênese da doença celíaca nesse post: patogenese da doenca celiaca). Apresenta um amplo espectro de manifestações clínicas e o diagnóstico é feito através de testes sorológicos e biópsias duodenais por endoscopia digestiva alta (EDA).

Quem deve ser testado?

  • O rastreamento populacional para indivíduos assintomáticos não é recomendado;
  • O rastreamento em indivíduos assintomáticos que tenham parente de primeiro grau confirmado deve ser considerado;
  • Pacientes com sintomas gastrointestinais sugestivos, quais sejam:

    • Alteração do hábito intestinal como diarreia crônica ou constipação;
    • Síndrome de má-absorção;
    • Perda de peso inexplicável;
    • Dor abdominal;
    • Distensão ou bloating;
    • Dispepsia refratária;
    • Síndrome do intestino irritável;
    • Intolerância a lactose refratária.

  • Pacientes com sintomas extra-intestinais sugestivos, quais sejam:

    • Anemia por deficiência de ferro, folato ou vitamina B12;
    • Alteração de enzimas hepáticas;
    • Dermatite herpetiforme;
    • Fadiga;
    • Cefaleia recorrente;
    • Perda fetal recorrente;
    • Filhos com baixo peso ao nascer;
    • Infertilidade;
    • Estomatite aftosa persistente;
    • Hipoplasia do esmalte dentário;
    • Doenças ósseas metabólicas e osteoporose precoce;
    • Neuropatia periférica idiopática;
    • Ataxia cerebelar não-hereditária.

Testes diagnósticos

Os testes diagnósticos devem ser realizados enquanto o paciente estiver ingerindo normalmente o glúten na dieta.

A abordagem diagnóstica é baseada no risco do paciente para doença celíaca:

  • Baixa probabilidade

    • Ausência de sinais e sintomas sugestivos de má-absorção, como diarreia crônica/ esteatorreia ou perda de peso;
    • Ausência de história familiar de DC;
    • Descendentes de chineses, japoneses ou da África subsaariana.

  • Alta probabilidade

    • Presença de sintomas altamente sugestivos de DC como diarreia crônica/esteatorreia e perda de peso;
    • Indivíduos que apresentem ambos os achados abaixo:

      • Fatores de risco que os coloquem como moderado a alto risco para DC: parente de primeiro ou segundo grau com DC, DM tipo 1, tireoidite autoimune, síndrome de Down e Turner, hemossiderose pulmonar (risco moderado);
      • Sintomas gastrointestinais ou extra-intestinais sugestivos de DC (descritos acima).

Como testar?

  • Indivíduos com baixa probabilidade: testes sorológicos. O anti-transglutaminase imunoglobulina A (anti-tTG IgA) e o anti-endomísio IgA tem sensibilidade semelhantes. Resultados negativos em qualquer destes testes em indivíduos com baixo risco para DC tem alto valor preditivo negativo e evita a necessidade de biópsias. Já pacientes com testes sorológicos positivos devem ser submetidos a EDA com biópsias duodenais.
  • Indivíduos com alta probabilidade: testes sorológicos e múltiplas biópsias duodenais devem ser realizadas. As biópsias duodenais neste grupo devem ser efetuadas independentemente do resultado dos testes sorológicos.

Sobre os testes sorológicos

  • A sorologia é um componente crucial para diagnóstico de DC;
  • Nenhum teste sorológico é 100% específico para doença celíaca;
  • Anti-tTG IgA é o anticorpo mais solicitado para o diagnóstico em adultos e deve ser realizado com IgA sérica para afastar deficiência de IgA;
  • Pacientes submetidos à EDA para investigação de quadros dispépticos e cujo duodeno foi biopsiado por achados de atrofia devem ser testados com anti-tTG IgA e IgA sérica;
  • Caso o paciente tenha alta probabilidade de DC, EDA com biópsias duodenais devem ser realizadas mesmo com sorologia negativa;
  • Em pacientes com deficiência de IgA, a sorologia com IgG deve ser realizada: comumente anti-gliadina deaminada ou anti-tTG.

Leia mais sobre os testes sorológicos para Doença Celíaca aqui: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/intestino/o-papel-dos-autoanticorpos-no-diagnostico-da-doenca-celiaca/

Sobre biópsias duodenais

  • São necessários 1 a 2 fragmentos do bulbo (posição 9 ou 12 horas) e pelo menos 4 fragmentos da segunda porção duodenal para o correto diagnóstico de DC;
  • A EDA também é importante para diagnóstico diferencial de outras síndromes de má-absorção ou enteropatias;
  • Duodenite linfocítica (> 25 linfócitos/100 células epiteliais) na ausência de atrofia vilositária não é específica para DC e outros diagnósticos devem ser considerados, como: infecção pelo H. Pylori, uso de anti-inflamatórios não hormonais ou outras medicações, supercrescimento bacteriano do intestino delgado, sensibilidade não celíaca ao glúten, outras doenças autoimunes;
  • A análise histopatológica, classificada de acordo com MARSH ou mais recentemente a classificação simplificada de Corazza, é o padrão ouro para o diagnóstico da doença.

Comparação entre as classificações de Marsh e Corazza

Marsh LIE
Marsh/Corazza
Criptas Vilosidades Corazza
Tipo 0 <40 Normal Normal
Tipo 1 >40/>25 Normal Normal Grau A
Tipo 2 >40/>25 Hiperplásica Normal Grau A
Tipo 3 a/b >40/>25 Hiperplásica Atrofia parcial ou subtotal Grau B1
Tipo 3 c >40/>25 Hiperplásica Atrofia total Grau B2
Tipo 4 <40

Normal

Atrofia total
LIE: linfócitos intraepiteliais (por 100 células epiteliais)
Adaptada de:
American College of Gastroenterology Guidelines Update 2023

Diagnóstico

O diagnóstico é feito quando há sorologia positiva com histopatológico das biópsias duodenais mostrando aumento dos linfócitos intraepiteliais com hiperplasia de criptas (Marsh 2) ou, mais comumente, com atrofia vilositária (Marsh 3). Se a sorologia for positiva e as biópsias duodenais classificadas como Marsh 0 ou 1, atentar para anticorpos falso-positivos (normalmente em baixa titulação) ou resultados falso-negativos nas biópsias, devendo-se prosseguir a investigação.

Diagnóstico sem biópsias

  • Em crianças, a combinação de altos níveis de anti-tTG (> 10x LSN) e anti-endomísio positivo (em uma segunda amostra) pode ser considerado para diagnóstico. Em adultos sintomáticos que não podem ou não querem ser submetidos à EDA, esse critério pode ser utilizado para o diagnóstico de DC provável;
  • Em pacientes com dermatite herpetiforme comprovada por biópsias, o diagnóstico de DC pode ser estabelecido somente pela sorologia.

Testes HLA DQ2/DQ8

  • Presente em quase todos os pacientes com DC, não é necessário para o diagnóstico, entretanto é útil para excluí-la pelo seu alto valor preditivo negativo (maior que 99%);
  • Em pacientes com sorologia e histologia divergentes:

    • Se HLA DQ2/DQ8 negativo, DC é descartada;
    • Se HLA DQ2/DQ8 positivo, sorologia positiva e histologia não-compatível: novas biópsias devem ser realizadas após dieta com alto teor de glúten (> 10 gramas/dia, equivalente a 4 fatias de pão/dia por 6 a 12 semanas). Após nova avaliação histológica, se Marsh 0 ou 1 com sorologia positiva, o paciente é considerado com portador de DC potencial;
    • Se HLA DQ2/DQ8 positivo, sorologia negativa, porém paciente com sinais e sintomas sugestivos de DC e histologia compatível: se afastados outros diagnósticos diferenciais e houver melhora clínica e histológica após dieta sem glúten, considerar DC soronegativa (é muito rara).

Referências

  1. Rubio-Tapia, Alberto MD1; Hill, Ivor D. MD2; Semrad, Carol MD3; Kelly, Ciarán P. MD4; Greer, Katarina B. MD, MS5; Limketkai, Berkeley N. MD, PhD, FACG6; Lebwohl, Benjamin MD, MS7. American College of Gastroenterology Guidelines Update: Diagnosis and Management of Celiac Disease. The American Journal of Gastroenterology 118(1):p 59-76, January 2023. | DOI: 10.14309/ajg.0000000000002075
  2. Husby, Steffen et al. AGA Clinical Practice Update on Diagnosis and Monitoring of Celiac Disease—Changing Utility of Serology and Histologic Measures: Expert Review. Gastroenterology, Volume 156, Issue 4, 885 – 889 | DOI: 10.1053/j.gastro.2018.12.010
  3. Ciarán P. Kelly. Diagnosis of Celiac disease in adults. In: J Thomas Lamont (Ed). Up to date. 2024

Como citar este artigo

Arraes L. Como Diagnosticar Corretamente a Doença Celíaca? Gastropedia 2024, vol 1. Disponível em:
gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/como-diagnosticar-corretamente-a-doenca-celiaca/