FDA aprova a 1ª medicação para NASH (MASH): Resmetirom (Rezdiffra)

Sobre Nash/Mash

A esteatohepatite não-alcoólica (NASH), renomeada como esteatose hepática metabólica (MASH) – (ver nota), caracteriza-se pela presença de 5% ou mais de esteatose hepática com dano hepatocelular e inflamação. Geralmente, está associada às doenças metabólicas como obesidade, diabetes, hipertensão arterial ou dislipidemia. Cerca de 6-8 milhões de pessoas nos EUA possuem NASH/MASH com fibrose moderada à avançada, com uma expectativa de aumento dos casos ao longo dos anos.

NOTA: A esteatoepatite não-alcoólica (NASH) foi renomeada em 2023 como esteatohepatite metabólica (MASH), entretanto, estudos que vinham em andamento com as definições e critérios histológicos de NASH, seguirão sendo publicados com tais terminologias, de forma que a mudança na literatura para a nova terminologia/critérios para MASH será gradativa.

À medida que NASH/MASH progride para fibrose clinicamente significativa, os riscos de desfechos clínicos adversos aumentam consideravelmente.

No início de fevereiro deste ano, foi publicado no The New England Journal of Medicine (NEJM) o trial MAESTRO-NASH Fase 3 com Resmetirom na esteatohepatite não alcoólica com fibrose hepática com dados promissores.

Sobre Maestro-NASH fase 3

O trial MAESTRO-NASH Fase 3, randomizado, duplo cego, controlado por placebo, avaliou 1.759 pacientes adultos (>18 anos) com biópsia confirmando NASH/MASH e estágios de fibrose F1B, F2 ou F3.

Os pacientes foram randomizados na proporção 1:1:1 para receber Resmetirom uma vez ao dia na dose de 80mg ou 100mg ou placebo. Todos os grupos receberam, de forma conjunta, aconselhamento sobre dieta saudável e exercícios.

Os dois endpoints primários na semana 52 foram:

  1. Resolução do NASH/MASH (incluindo a redução do NAFLD activity score em >2 pontos) com não piora da fibrose;
  2. Melhora na fibrose em pelo menos 1 estágio, sem piora do NAFLD activity score.

O endpoint secundário foi a mudança percentual do LDL colesterol, em relação ao basal, na semana 24.

Um total de 26-27% dos pacientes que receberam 80mg de Resmetirom (n=322) e 24-36% dos que receberam 100mg (n=323) evidenciaram resolução do NASH, sem piora da fibrose, comparado a 9-13% do grupo placebo (n=321). Em adição, um total de 25% (grupo 80mg) e 24-28% (grupo 100mg) apresentaram melhora na fibrose hepática, sem piora do NASH, comparado a 13-15% do grupo placebo.

A melhora da fibrose e resolução do NASH/MASH foram consistentes, independente da idade, gênero, status do diabetes mellitus tipo 2 ou estágio da fibrose.

A mudança nos níveis de LDL colesterol do basal até a semana 24 foi de -13,6% no grupo 80mg, -16,3% no grupo 10mg e 0,1% no grupo placebo.

Diarreia e náuseas foram os efeitos colaterais mais frequentes relacionados à medicação.

Assista o vídeo publicado pelo NEJM sobre o trial MAESTRO-NASH e ação do Resmetirom: https://youtu.be/wwKhWt0pFh8?si=lakDxP8X38uaPFNm

Aprovação pelo FDA

O FDA (Food and Drug Administration) delineou uma abordagem visando aprovação condicional de um tratamento para NASH/MASH, através da obtenção de qualquer um dos dois desfechos histológicos (melhora no estágio de fibrose hepática ou resolução de NASH), com provável benefício clínico e, para aprovação total, baseado na redução de desfechos clínicos (morte por qualquer causa, transplante de fígado ou eventos de descompensação hepática).

Em 14 de março de 2024, o FDA aprovou o Resmetirom (Rezdiffra; Madrigal Pharmaceuticals) como primeiro tratamento para NASH/MASH com fibrose hepática moderada a avançada, não-cirróticos, a ser usado em combinação com dieta e atividade física.

Sobre Resmetirom (Rezdiffra)

Resmetirom é uma medicação oral, agonista seletivo do receptor do hormônio tireoidiano do tipo (THR-β).

O receptor THR-β é responsável pela regulação de vias metabólicas no fígado e seu funcionamento está frequentemente prejudicado no NASH/MASH, reduzindo a função mitocondrial e β-oxidação de ácidos graxos em associação com o aumento da fibrose.

O uso do Rezdiffra deve ser acompanhado do tratamento padrão comportamental para NASH/MASH, ou seja, em conjunto com o ajuste do padrão alimentar e atividade física regular.

A dosagem recomendada do Rezdiffra é baseada no peso corporal:

  • Peso <100kg, a dose preconizada é de 80mg oral, 1 vez ao dia;
  • Peso ≥100kg, a dose recomendada é 100mg oral 1 vez ao dia.

Os efeitos colaterais mais comuns incluem: diarreia, náusea, prurido, dor abdominal, vômitos, tontura e constipação.

Ainda será lançado comercialmente nos EUA, ainda sem previsão no Brasil, porém, a comunidade científica, incluindo a Associação Europeia para o Estudo do Fígado (EASL), vibra com a primeira aprovação de um medicamento para o NASH/MASH e reforça as esperanças de um melhor tratamento para os pacientes portadores da doença.

Para ler mais sobre a mudança de nomenclatura de esteatohepatite de NASH para MASH, acesse: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/figado/masld-2023-descomplicando-as-novas-nomenclaturas-para-esteatose-hepatica/

Referências

  1. Harrison SA, Bedossa P, Guy CD, Schattenberg JM, Loomba R, Taub R, Labriola D, Moussa SE, Neff GW, Rinella ME, Anstee QM, Abdelmalek MF, Younossi Z, Baum SJ, Francque S, Charlton MR, Newsome PN, Lanthier N, Schiefke I, Mangia A, Pericàs JM, Patil R, Sanyal AJ, Noureddin M, Bansal MB, Alkhouri N, Castera L, Rudraraju M, Ratziu V; MAESTRO-NASH Investigators. A Phase 3, Randomized, Controlled Trial of Resmetirom in NASH with Liver Fibrosis. N Engl J Med. 2024 Feb 8;390(6):497-509. doi: 10.1056/NEJMoa2309000. PMID: 38324483.
  2. https://www.fda.gov/news-events/press-announcements/fda-approves-first-treatment-patients-liver-scarring-due-fatty-liver-disease
  3. https://easl.eu/news/resmetirom_fda_approval/

Como citar este artigo

Oti KST, FDA aprova a 1ª medicação para Nash/Mash: Resmetirom (Rezdiffra) Gastropedia 2024, vol. 1. Disponível em:
gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/fda-aprova-a-1a-medicacao-para-nash-mash-resmetirom-rezdiffra/




MASLD 2023: descomplicando as novas nomenclaturas para esteatose hepática

Durante o Congresso EASL 2023 (24 de junho, Viena, Áustria), houve a publicação de novos termos e critérios para a Doença hepática gordurosa não-alcoólica (nonalcoholic fatty liver disease, NAFLD) que passou a ser denominada Esteatose hepática metabólica (metabolic dysfunction-associated steatotic liver diasease, MASLD) após painel Delphi e endossada pelas principais sociedades de Hepatologia do mundo.

De forma objetiva, a tabela abaixo lista as terminologias prévias e atuais para melhor compreensão:

Nomenclaturas Anteriores Nomenclaturas Anteriores Siglas Nomenclaturas Atuais Nomenclaturas Atuais Siglas Racional
Esteatose hepática ou Doença hepática esteatótica Steatotic liver disease SLD Termo geral que abrange várias etiologias de esteatose*
Doença hepática gordura não-alcoólica Nonalcoholic fatty liver disease NAFLD Esteatose hepática metabólica Metabolic dysfunction-associated steatotic liver disease MASLD

Presença de esteatose hepática e, pelo menos, 1 de 5 fatores de risco cardiometabólicos**

Esteato-hepatite não-alcoólica Nonalcoholic steatohepatitis NASH Esteato-hepatite metabólica Metabolic dysfunction-associated steatohepatitis MASH Conceito fisiopatológico mantido e baseado nos critérios anatomopatológicos
Esteatose hepática não-alcoólica Nonalcoholic fatty liver NAFL Terminologia não abordada no Painel Delphi
Esteatose hepática por disfunção metabólica e álcool MetALD Nova categoria para descrever pacientes com MASLD que consomem álcool acima de 140g/semana (mulheres) e 210g/semana (homens)
Esteatose hepática criptogênica Cryptogenic steatotic liver disease Cryptogenic SLD Nova denominação para pacientes que não apresentam parâmetros metabólicos e não tem causa conhecida
Tabela 1. Principais nomenclaturas e siglas da Doença hepática gordurosa não-alcoólica antes e após o Painel Delphi (junho, 2023).

*Dentre as etiologias: MASLD, MetALD, doença hepática alcoólica (alcoholic liver disease, ALD), etiologias específicas [hepatite medicamentosa, DILI; doenças monogênicas, como deficiência de lipase ácida lisossomal, doença de Wilson, hipobetalipoproteinemia, erros inatos do metabolismo]; miscelânia, incluindo, hepatite C, desnutrição, doença celíaca e HIV] e esteatose hepática criptogênica.

**Fatores de risco cardiometabólicos em adultos:
[1] IMC ≥25kg/m2 (23 asiáticos) OU circunferência abdominal >94cm (homem) >80cm (mulher) OU equivalente ajustado pela etnia
[2] glicemia de jejum ≥ 100mg/dL OU teste oral de tolerância à glicose ≥140mg/dL OU Hba1c ≥5,7% OU diabetes mellitus tipo 2 (DM2) OU tratamento para DM2;
[3] Pressão arterial ≥130/85mmHg U tratamento medicamentoso para hipertensão arterial sistêmica
[4] Triglicerídeos ≥150mg/dL OU tratamento com hipolipemiantes
[5] HDL-c <40mg/dL (homem) <50mg/dL (mulher) OU tratamento com hipolipemiantes.

Diante do novo racional proposto, os termos “Esteatose hepática não-alcoólica” (nonalcoholic fatty liver, NAFL) e “Doença hepática gordurosa associada à disfunção metabólica” (metabolic dysfunction-associated fatty liver disease, MAFLD) não serão preservados.

A classificação e gravidade que usamos hoje permanecerão as mesmas, isto é, a definição de MASH seguirá sendo baseada nos critérios anatomopatológicos obtidos por biópsia hepática (esteatose hepática, balonização hepatocitária e inflamação lobular, com ou sem fibrose). Conforme a avaliação da fibrose hepática, a doença poderá ser descrita como, por exemplo, MASH com fibrose estadio 3 – nos pacientes biopsiados – ou MASLD com fibrose 3 – na avaliação não invasiva da fibrose.

Na prática, há DUAS perguntas a serem feitas, diante da presença de esteatose hepática (Figura 1):

  • Há algum fator de risco cardiometabólico**? 
  • Há outras causas de esteatose hepática (etilismo significativo, medicamentosa/DILI, doenças monogênicas)?
Figura 1. Algoritmo de investigação etiológica de esteatose hepática.

**Fatores de risco cardiometabólicos em adultos:
[1] IMC ≥25kg/m2 (23 asiáticos) OU circunferência abdominal >94cm (homem) >80cm (mulher) OU equivalente ajustado pela etnia
[2] glicemia de jejum ≥ 100mg/dL OU teste oral de tolerância à glicose ≥140mg/dL OU Hba1c ≥5,7% OU diabetes mellitus tipo 2 (DM2) OU tratamento para DM2;
[3] Pressão arterial ≥130/85mmHg U tratamento medicamentoso para hipertensão arterial sistêmica
[4] Triglicerídeos ≥150mg/dL OU tratamento com hipolipemiantes
[5] HDL-c <40mg/dL (homem) <50mg/dL (mulher) OU tratamento com hipolipemiantes

Desta forma, a transição na literatura e nos estudos utilizando os novos termos e critérios será gradativa, sendo fundamental a compreensão da evolução do racional proposto e do impacto da doença no mundo. Os autores ressaltam que a modificação das nomenclaturas não altera a história natural da esteatose hepática (SLD), os ensaios clínicos, os biomarcadores e não prejudica pesquisas futuras nesses campos.

Referências

  1. Rinella, Mary E.1; Lazarus, Jeffrey V.2,3; Ratziu, Vlad4; Francque, Sven M.5,6; Sanyal, Arun J.7; Kanwal, Fasiha8,9; Romero, Diana2; Abdelmalek, Manal F.10; Anstee, Quentin M.11,12; Arab, Juan Pablo13,14,15; Arrese, Marco15,16; Bataller, Ramon17; Beuers, Ulrich18; Boursier, Jerome19; Bugianesi, Elisabetta20; Byrne, Christopher21,22; Castro Narro, Graciela E.16,23,24; Chowdhury, Abhijit25; Cortez-Pinto, Helena26; Cryer, Donna27; Cusi, Kenneth28; El-Kassas, Mohamed29; Klein, Samuel30; Eskridge, Wayne31; Fan, Jiangao32; Gawrieh, Samer33; Guy, Cynthia D.34; Harrison, Stephen A.35; Kim, Seung Up36; Koot, Bart37; Korenjak, Marko38; Kowdley, Kris39; Lacaille, Florence40; Loomba, Rohit41; Mitchell-Thain, Robert42; Morgan, Timothy R.43,44; Powell, Elisabeth45,46,47; Roden, Michael48,49,50; Romero-Gómez, Manuel51; Silva, Marcelo52; Singh, Shivaram Prasad53; Sookoian, Silvia C.15,54,55; Spearman, C. Wendy56; Tiniakos, Dina11,57; Valenti, Luca58,59; Vos, Miriam B.60; Wong, Vincent Wai-Sun61; Xanthakos, Stavra62; Yilmaz, Yusuf63; Younossi, Zobair64; Hobbs, Ansley2; Villota-Rivas, Marcela65; Newsome, Philip N66,67;  on behalf of the NAFLD Nomenclature consensus group. A multi-society Delphi consensus statement on new fatty liver disease nomenclature. Hepatology ():10.1097/HEP.0000000000000520, June 24, 2023. | DOI: 10.1097/HEP.0000000000000520
  2. Kleiner DE, Brunt EM, Van Natta M, Behling C, Contos MJ, Cummings OW, et al. Design and validation of a histological scoring system for nonalcoholic fatty liver disease. Hepatology. 2005;41:1313–1321.
  3. Eslam M, Sanyal AJ, George J, Sanyal A, Neuschwander-Tetri B, Tiribelli C, et al. MAFLD: A Consensus-Driven Proposed Nomenclature for Metabolic Associated Fatty Liver Disease. Gastroenterology. 2020;158:1999–2014 e1.
  4. Rinella ME, Neuschwander-Tetri BA, Siddiqui MS, Abdelmalek MF, Caldwell S, Barb D, et al. AASLD Practice Guidance on the clinical assessment and management of nonalcoholic fatty liver disease. Hepatology. 2023;77:1797–1835.

Como citar este artigo

Oti KST, MASLD 2023: descomplicando as novas nomenclaturas para esteatose hepática Gastropedia 2023, vol. 2. Disponível em: gastropedia.com.br/gastroenterologia/masld-2023-descomplicando-as-novas-nomenclaturas-para-esteatose-hepatica/

 




Síndrome de Gilbert: o que precisamos saber?

A Síndrome de Gilbert (SG) é uma desordem hepática do metabolismo das bilirrubinas com redução na glicuronidação da bilirrubina e consequente hiperbilirrubinemia indireta (não conjugada).

É uma condição comum (3-10% da população), com redução na atividade da UGT1A1 em 25-40%. As mutações ocorrem na sequência da região promotora (TATA box) do gene UGT1A1, a qual tem a função de controlar os níveis da proteína normal produzida. Desta forma, na SG, a proteína produzida é estruturalmente normal, porém em menor quantidade.

Gene UGT1A1
Promove a produção da enzima bilirrubina-UGT, responsável pela conjugação de bilirrubina. Logo, mutações na UGT1A1 geram a produção de uma proteína anormal, com perda completa ou níveis menores de atividade da bilirrubina-UGT.

Apresentação clínico-laboratorial

Clinicamente, os pacientes costumam ser assintomáticos e identificar elevações nos níveis de bilirrubinas totais com predomínio de bilirrubina indireta (<4-5mg/dL), de forma incidental, ou podem apresentar quadros intermitentes de icterícia, em especial, desencadeados por gatilhos como exercício físico intenso, baixa ingestão calórica/jejum, período menstrual, desidratação e infecções.

Laboratorialmente, não há elevação de enzimas hepáticas ou alterações nos demais exames de função hepática (tempo de protrombina e albumina), além de não haver indícios de hemólise ou doença estrutural fígado.

Saiba mais sobre alteração de enzimas hepáticas nesse post:

Diagnóstico diferencial

Distúrbios na captação hepática, armazenamento, conjugação e excreção podem ocasionar hiperbilirrubinemia. Dentre as causas hereditárias de hiperbilirrubinemia indireta, com exames normais de função hepática e sem alteração da histologia hepática, além da SG, faz-se o diagnóstico diferencial com:

  • Síndrome de Crigler-Najar tipo I: condição muito rara com herança autossômica recessiva que se manifesta logo após o nascimento. Pela ausência da atividade UGT1A1 hepática, ocorre icterícia grave (20-45mg/dL ou mais) e risco de dano neurológico e óbito por kernicterus (encefalopatia bilirrubínica) nos primeiros dias após o nascimento. O tratamento precoce para a redução dos níveis de bilirrubina indireta no sangue é a fototerapia, devendo-se considerar a realização de transplante hepático como única terapia curativa.
  • Síndrome de Crigler-Najar tipo II: condição rara com herança autossômica recessiva. Há atividade UGT1A1 hepática de 10% ou menos, com icterícia crônica (6-20mg/dL) e evolução potencialmente benigna. O tratamento com fenobarbital propicia a redução de cerca de 25-30% dos níveis de bilirrubina indireta pela indução da atividade da UGT1A1 residual.

Investigação diagnóstica

Identificada a hiperbilirrubinemia indireta, recomenda-se anamnese e exame físico detalhados, dosagem sérica de enzimas hepáticas (TGO, TGP, fosfatase alcalina e GGT) e função hepática (tempo de protrombina e albumina).

Caso haja alterações nesta primeira etapa de avaliação, direciona-se a investigação para a avaliação de hepatopatias, sendo prudente complementar com exame de imagem/ultrassonografia de abdome superior e demais exames laboratoriais específicos.

Se não forem identificadas alterações na primeira etapa de avaliação, é mandatório descartar hemólise com a dosagem de DHL, haptoglobina e reticulócitos.

Em adolescentes ou adultos, na ausência de hemólise e níveis de bilirrubina indireta <5mg/dL, presume-se o diagnóstico de síndrome de Gilbert. A confirmação é feita pelo teste genético para detectar mutações no gene UGT1A1/TATA box.

Figura 1. Fluxograma de investigação de hiperbulirrubinemia indireta.

Diagnóstico Genético

Diante da possibilidade de reações adversas a algumas drogas metabolizadas pelo UGT1A1, a exemplo do irinotecano e atazanavir, recomenda-se considerar a confirmação da SG pela pesquisa da mutação UGT1A1 pelo método de PCR em tempo real (Imagem 1).

Quando em homozigose, não há necessidade de rastreamento adicional, entretanto, se o paciente possuir apenas um alelo da mutação UGT1A1 ou ambos os alelos forem normais, deve-se pesquisar as mutações G71R e Y486D, as quais também se associam com a SG.

Imagem 1. Resultado do teste genético para Síndrome de Gilbert com homozigose do alelo 28 no gene UGT1A1.

Tratamento

Por ser uma condição benigna, o tratamento é conservador apenas com observação. O prognóstico dos pacientes com SG é excelente e não exige tratamento específico.

Referências

  1. Thoguluva Chandrasekar V, Faust TW, John S. Gilbert Syndrome. 2023 Feb 6. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2023 Jan–. PMID: 29262099.
  2. Singh A, Koritala T, Jialal I. Unconjugated Hyperbilirubinemia. 2023 Feb 20. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2023 Jan–. PMID: 31747203.
  3. King D, Armstrong MJ. Overview of Gilbert’s syndrome. Drug Ther Bull. 2019 Feb;57(2):27-31. doi: 10.1136/dtb.2018.000028. PMID: 30709860.
  4. Wagner KH, Shiels RG, Lang CA, Seyed Khoei N, Bulmer AC. Diagnostic criteria and contributors to Gilbert’s syndrome. Crit Rev Clin Lab Sci. 2018 Mar;55(2):129-139. doi: 10.1080/10408363.2018.1428526. Epub 2018 Feb 1. PMID: 29390925.
  5. Rodrigues C, Vieira E, Santos R, de Carvalho J, Santos-Silva A, Costa E, Bronze-da-Rocha E. Impact of UGT1A1 gene variants on total bilirubin levels in Gilbert syndrome patients and in healthy subjects. Blood Cells Mol Dis. 2012 Mar 15;48(3):166-72. doi: 10.1016/j.bcmd.2012.01.004. Epub 2012 Feb 9. PMID: 22325916.

Como citar este artigo

Oti KST, Síndrome de Gilbert: o que precisamos saber? Gastropedia 2023, vol. 2. Disponível em:
https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/figado/sindrome-de-gilbert-o-que-precisamos-saber/




Investigação de Hepatite Medicamentosa (Drug-Induced Liver Injury – DILI): principais conceitos e linha de raciocínio

Aspectos Gerais

A hepatite medicamentosa (Drug-induced liver injury, DILI) é um dos quadros mais desafiadores na Hepatologia devido a ampla disponibilidade de medicações, suplementos e ervas com potencial de hepatoxicidade heterogêneo, variando desde leve elevação de enzimas hepáticas até hepatite aguda pronunciada e insuficiência hepática fulminante (IHF).

Tradicionalmente, DILI pode ser classificada como intrínseca (ou direta) versus idiossincrásica. A primeira é tipicamente dose-relacionada e ocorre na maioria dos pacientes expostos a uma droga, ocorrendo dentro de um curto espaço de tempo (horas a dias). Já DILI idiossincrásica usualmente não é dose-dependente, ocorre em uma menor proporção de indivíduos expostos (imprevisível) e apresenta uma latência variável entre dias a semanas. 

Um pré-requisito comum para DILI intrínseca e idiossincrásica é o metabolismo de drogas lipofílicas no fígado, gerando metabólitos reativos que levam à ligação covalente, estresse oxidativo mitocondrial e do retículo endoplasmático. Tais consequências podem resultar (a) diretamente em necrose ou apoptose [intrínseca] ou (b) em resposta imune adaptativa [idiossincrásica] em indivíduos geneticamente susceptíveis. As principais drogas relacionadas com DILI estão na Tabela 1.

Tabela 1. Drogas associadas com DILI intrínseca e idiossincrásica

Padrões de DILI

Existem 3 padrões de DILI avaliados pela elevação de enzimas hepáticas:

  • Hepatocelular:  se ALT isolada ≥ 5x limite superior da normalidade (LSN)  ou  Fator R ≥ 5
  • Colestático: se FA isolada ≥ 2x LSN  ou  Fator R ≤ 2
  • Misto: Fator R > 2  a  < 5

                                                                                  Clique para calcular

Recomendação

DILI deve ser classificada como hepatocelular, colestática ou mista de acordo com o padrão de elevação de enzimas hepáticas da primeira dosagem laboratorial em relação ao evento clínico. Grau B (EASL, 2019).

Chás, Ervas e Fitoterápicos

A hepatotoxicidade por chás, ervas, fitoterápicos e suplementos está relacionada a diferentes fatores que coexistem: falta de adequada identificação da planta, seleção da parte errada da planta medicinal, armazenamento inadequado modificando o produto nativo, adulteração durante o processamento e rotulagem incorreta do produto. 

Outro desafio é a falta de clareza na real composição de preparações à base de plantas, em especial, de multicompostos. Ressalta-se ainda que um produto fitoterápico pode ser contaminado por compostos tóxicos que levam à hepatotoxicidade, como contaminação por metais pesados, pesticidas, herbicidas ou até mesmo microoganismos. 

Destacam-se alguns fitoterápicos que possuem nível de evidência de hepatotoxicidade:

  • Plantas que contém alcaloides pirrolizidínicos (espécies Heliotropium, Senecia, Crotalaria, Symphytum e Gynura)
  • Germander (“cavalinha”)
  • Kava-kava (Piper methysticum)
  • Chá verde (Camellia sinensis)
  • Sena (Cassia angustifolia)
  • Sacaca (Croton cajucara benth)
  • Chaparral (Larrea tridentata)
  • Poejo (Mentha pulegium)
  • Cáscara sagrada (Rhamnus purshiana)
  • Erva de São Cristóvão (Cimicifuga racemosa)
  • Noni (Morinda citrifolia), entre outras

Dentre os suplementos alimentares, destacam-se:

  • Contém ácido úsnico (LipoKinetix, UCP-1, OxyElite)
  • Hydroxycut
  • Ácido linenoléico
  • Plethoryl (vitamina A e hormônios tireoidianos)
  • Esteróides anabolizantes androgênicos

Recomendação

Suplementos alimentares e fitoterápicos podem ser considerados como potenciais agentes causadores de lesão hepática. Grau C (EASL, 2019).

Causalidade – Escores

Alguns escores podem ser utilizados na avaliação de causalidade para DILI, de forma que os critérios de cronologia (início e suspensão da droga), curso da reação, fatores de risco, exclusão de outras causas, manifestações extra-hepáticas, reexposição, entre outros aspectos, são pontuados e classificados em exclusão ou diagnóstico possível, provável ou definitivo para DILI:

  • Council for International Organizations of Medical Sciences Scale/Roussel-Uclaf-Causality-Assessment-Method (CIOMS/RUCAM);
  • Clinical Diagnostic Scale/Maria and Victorino Scale (CDS/M&V scale);
  • Digestive Disease Week-Japan (DDW-J);
  • DILIN Expert Opinion.

Deve-se ter em mente, entretanto, que os escores não substituem os julgamento clínico, sendo, na realidade, uma tradução, em pontuação quantitativa, da suspeita clínica de DILI.

Avaliação Laboratorial para Exclusão de Causas Alternativas

O diagnóstico de DILI baseia-se na exclusão de causas alternativas de agressão hepática. O padrão de lesão hepática pode auxiliar na investigação inicial para descartar as principais causas de hepatite e colestase (Figura 1). 

Em adição, idade e comorbidades, hábitos individuais dos pacientes e características regionais de doenças infecciosas que podem afetar o fígado podem guiar na avaliação (Tabela 2).

A exclusão de doença de Wilson com dosagem de ceruloplasmina deve ser realizada, em especial, em pacientes com menos de 40 anos.

Tabela 2. Diagnóstico de exclusão na investigação de DILI

Recomendação

A ultrassonografia de abdome deve ser realizada em todos os pacientes com suspeita de DILI. Exame de imagem adicional poderá ser indicado de acordo com o contexto clínico-laboratorial. Grau B (EASL, 2019).

Recomendação

A biópsia hepática pode ser considerada em pacientes selecionados suspeitos para DILI, de forma que a histologia hepática possa fornecer informações que embasem o diagnóstico de DILI ou uma alternativa (Grau D) ou quando os exames levantarem a possibilidade de HAI (Grau C); EASL, 2019.

Conclusão

Em resumo, o principal passo no manejo dos casos de DILI é a suspensão de todas as drogas não-essenciais, incluindo formulações, suplementos, ervas e chás. Desta forma, a maioria dos pacientes cursará com recuperação espontânea clínica e/ou laboratorial, sem a necessidade de medidas adicionais.

Pacientes com evidência clínica ou laboratorial de IHF, como encefalopatia hepática ou coagulopatia, devem ser hospitalizados. 

No geral, terapia medicamentosa fica reservada para situações específicas, como n-acetilcisteína na intoxicação por paracetamol ou DILI idiossincrásica com IHF ou corticóides, se houver a possibilidade de hepatite autoimune ou na presença de componentes de hipersensibilidade.

A reexposição à droga (“rechallenge”) é a dado mais definitivo para o diagnóstico de DILI (ALT>3xLSN), mas deve ser avaliada caso a caso, conforme a gravidade do episódio de DILI e necessidade da terapia medicamentosa (exemplo: agentes quimioterápicos ou tuberculostáticos), sob supervisão especializada e rigorosa.

Referências

  1. European Association for the Study of the Liver. Electronic address: easloffice@easloffice.eu, Clinical Practice Guideline Panel: Chair:, Panel members, et al. EASL clinical practice guidelines: drug-induced liver injury. J Hepatol 2019;70:1222– 61.
  2. Brennan PN, Cartlidge P, Manship T, Dillon JF. Guideline review: EASL clinical practice guidelines: drug-induced liver injury (DILI). Frontline Gastroenterol. 2021 Jul 29;13(4):332-336. doi: 10.1136/flgastro-2021-101886. PMID: 35722609; PMCID: PMC9186030. 
  3. Chalasani NP, Maddur H, Russo MW, Wong RJ, Reddy KR; Practice Parameters Committee of the American College of Gastroenterology. ACG Clinical Guideline: Diagnosis and Management of Idiosyncratic Drug-Induced Liver Injury. Am J Gastroenterol. 2021 May 1;116(5):878-898. doi: 10.14309/ajg.0000000000001259. PMID: 33929376.
  4. García-Cortés M, Stephens C, Lucena MI, Fernández-Castañer A, Andrade RJ. Causality assessment methods in drug induced liver injury: strengths and weaknesses. J Hepatol. 2011 Sep;55(3):683-691. doi: 10.1016/j.jhep.2011.02.007. Epub 2011 Feb 22. PMID: 21349301.
  5. Bessone F, García-Cortés M, Medina-Caliz I, Hernandez N, Parana R, Mendizabal M, Schinoni MI, Ridruejo E, Nunes V, Peralta M, Santos G, Anders M, Chiodi D, Tagle M, Montes P, Carrera E, Arrese M, Lizarzabal MI, Alvarez-Alvarez I, Caballano-Infantes E, Niu H, Pinazo J, Cabello MR, Lucena MI, Andrade RJ. Herbal and Dietary Supplements-Induced Liver Injury in Latin America: Experience From the LATINDILI Network. Clin Gastroenterol Hepatol. 2022 Mar;20(3):e548-e563. doi: 10.1016/j.cgh.2021.01.011. Epub 2021 Jan 9. PMID: 33434654.

Como citar este artigo

Oti, KST. Investigação de Drug-Induced Liver Injury (DILI): principais conceitos e linha de raciocínio. Gastropedia 2023, vol. 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/figado/investigacao-de-hepatite-medicamentosa




Quando indicar o contraste hepatoespecífico na avaliação de lesões focais hepáticas?

Rotineiramente, na ressonância magnética (RM) de abdome, utiliza-se o contraste extracelular inespecífico (gadolínio), o qual se distribui conforme a distribuição dos vasos e capilares sanguíneos e determina, assim, uma padrão dinâmico de impregnação da lesão focal hepática nas fases arterial, portal (venosa) e equilíbrio.

Em casos selecionados, pode-se indicar os contrastes intracelulares específicos, também denominados de hepatoespecíficos e que podem ser de duas principais classes: (1) óxido de ferro superparamagnérico e (2) hepatobiliares, sendo este último captado especificamente pelas células hepáticas e com excreção renal (50%) e biliar (50%). No Brasil, há a aprovação do contraste hepatobiliar, conhecido como ácido gadoxético (Gd-EOB-DTPA, PrimovistÒ).

Desta forma, além de fornecer os dados habituais do estudo dinâmico, há a etapa final de avaliação hepatobiliar, após cerca de 10 a 20 minutos da injeção endovenosa, na qual há a entrada do contraste nos hepatócitos através dos transportadores de membrana (OATP1, B1/B3) e saída através de proteínas dependentes de ATP multifármaco-resistentes (MRP2, MRP3, MRP4), sendo o transportador MRP2 o encarregado em excretar o contraste no canalículo biliar.

Quais as indicações do contraste hepatoespecífico?

Sabendo-se que o ácido gadoxético é captado pelos hepatócitos e excretado em cerca de 50% pela via biliar, espera-se que um tecido hepático normofuncionante seja impregnado pelo contraste na fase hepatobiliar. Desta forma, a não captação do ácido gadoxético na fase hepatobiliar infere que não há hepatócitos ou canalículos biliares viáveis na lesão avaliada.

Podemos enumerar 3 principais indicações no uso do ácido gadoxético na avaliação de lesões focais hepáticas:

1. Diferenciação entre hiperplasia nodular focal (HNF) e adenoma

Adenoma e HNF são terceiro e segundo tumores hepáticos benignos mais frequentes, respectivamente.

O adenoma é caracterizado por cordões de hepatócitos e ausência de ductos biliares ou tratos portais, logo, na fase hepatobiliar, não apresenta captação na fase hepatobiliar.

Já a HNF caracteriza-se por um aglomerado de hepatócitos hiperplásicos e pequenos canalículos biliares imaturos que não se comunicam com os maiores, o que pode gerar um acúmulo (retenção) de contraste hepatoespecífico na fase hepatobiliar em relação ao parênquima hepático adjacente. Pode-se ainda encontrar uma cicatriz fibrosa central que direciona o padrão da lesão para HNF.

Fonte: arquivo pessoal, em colaboração com Dra Ângela Caiado

Figura 1. Nódulo hipervascularizado no segmento VII hepático medindo 1,2 cm, com padrão de retenção do contraste hepatoespecífico (tardia, 20 minutos), compatível com hiperplasia nodular focal.
.

2. Avaliação de nódulos hepáticos em pacientes cirróticos

  • Nódulos regenerativos e displásicos x neoplásicos (carcinoma hepatocelular, CHC)
  • Identificação de pequenos CHCs (<2cm) e melhor avaliação de lesões focais com comportamento atípico em exame contrastado prévio, com realce inespecífico.

O CHC é o tumor primário do fígado mais comum. No paciente cirrótico, um nódulo igual ou maior que 2,0cm de diâmetro, com padrão típico hipervascular na fase arterial (wash-in) e com clareamento nas fases tardias (wash-out) é diagnosticado como CHC.

Em lesões menores que 2 cm, os achados típicos não costumam ser vistos com frequência, em especial nos CHCs iniciais bem diferenciados. Nesses casos, o estudo com contraste hepatoespecífico pode contribuir com achados adicionais, sendo desafiador a distinção entre nódulo displásico de alto grau e CHC bem diferenciado.

Fonte: arquivo pessoal, em colaboração com Dra Ângela Caiado.

Figura 2. Nódulo na face anterior do segmento II/III, medindo 1,2 cm, com realce na fase arterial, clareamento precoce e sem retenção na fase hepatoespecífica.

3. Avaliação de metástases hepáticas

As lesões metastáticas não possuem hepatócitos ou ductos biliares funcionantes, logo, não há a captação de contraste na fase hepatobiliar. Além disso, a captação do contraste hepatoespecífico pelos hepatócitos do parênquima normal aumenta a diferença de contrastação com as lesões metastáticas (hipointensas), elevando a sensibilidade da detecção das mesmas.

Fonte: arquivo pessoal, em colaboração com Dra Ângela Caiado.

Figura 3. Metástases hepáticas em paciente com neoplasia de cólon. Há sinais de hepatectomia direito com aumento compensatório do lobo esquerdo. Nas lesões metastáticas, nota-se realce arterial periférico com lavagem e ausência de retenção na fase hepatoespecífica.

Em resumo, na Tabela 1, pode-se identificar os padrões típicos das lesões hepáticas focais nas fases contrastadas.

Tabela 1. Características das lesões hepáticas focais nas fases dinâmicas e hepatobiliar

CHC: carcinoma hepatocelular.

Pontos de reflexão sobre o contraste hepatoespecífico

Além do maior custo, é descrito na literatura a maior ocorrência de artefatos respiratórios após a injeção do contraste hepatoespecífico na fase arterial em alguns pacientes, podendo estar relacionado à dificuldade de se sustentar a apnéia e/ou dispneia subjetiva.

Conclusão

O contraste hepatoespecífico aumenta a acurácia diagnóstica na detecção e caracterização de lesões focais hepáticas, em especial nas mencionadas na Tabela 1, e devem ser avaliadas de acordo com o quadro clínico dos pacientes.
Nódulos com padrão atípico nos exames contrastados devem ser avaliados caso a caso, podendo ser indicados a biópsia hepática para adequada elucidação ou exames de imagem periódicos para seguimento.

Referências

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  2. European Association for the Study of the Liver (EASL). EASL Clinical Practice Guidelines on the management of benign liver tumours. J Hepatol. 2016 Aug;65(2):386-98. doi: 10.1016/j.jhep.2016.04.001. Epub 2016 Apr 13. PMID: 27085809.
  3. Hyperintense Liver Masses at Hepatobiliary Phase Gadoxetic Acid–enhanced MRI: Imaging Appearances and Clinical Importance. Nobuhiro Fujita, Akihiro Nishie, Yoshiki Asayama, Kousei Ishigami, Yasuhiro Ushijima, Daisuke Kakihara, Tomohiro Nakayama, Koichiro Morita, Keisuke Ishimatsu, and Hiroshi Honda. RadioGraphics 2020 40:1, 72-94.
  4. Moosavi, B., Shenoy-Bhangle, A.S., Tsai, L.L. et al. MRI characterization of focal liver lesions in non-cirrhotic patients: assessment of added value of gadoxetic acid-enhanced hepatobiliary phase imaging. Insights Imaging 11, 101 (2020). https://doi.org/10.1186/s13244-020-00894-3.
  5. Roberts LR, Sirlin CB, Zaiem F, Almasri J, Prokop LJ, Heimbach JK, Murad MH, Mohammed K. Imaging for the diagnosis of hepatocellular carcinoma: A systematic review and meta-analysis. Hepatology. 2018 Jan;67(1):401-421. doi: 10.1002/hep.29487. Epub 2017 Nov 29. PMID: 28859233.
  6. Koh, DM., Ba-Ssalamah, A., Brancatelli, G. et al. Consensus report from the 9th International Forum for Liver Magnetic Resonance Imaging: applications of gadoxetic acid-enhanced imaging. Eur Radiol 31, 5615–5628 (2021). https://doi.org/10.1007/s00330-020-07637-4.
  7. Glessgen CG, Breit HC, Block TK, Merkle EM, Heye T, Boll DT. Respiratory anomalies associated with gadoxetate disodium and gadoterate meglumine: compressed sensing MRI revealing physiologic phenomena during the entire injection cycle. Eur Radiol. 2022 Jan;32(1):346-354. doi: 10.1007/s00330-021-08114-2. Epub 2021 Jul 29. PMID: 34324024; PMCID: PMC8660712.

Como citar este artigo

Oti, KST. Quando indicar o contraste hepatoespecífico na avaliação de lesões focais hepáticas? Gastropedia 2023, vol. 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/quando-indicar-o-contraste-hepatoespecifico-na-avaliacao-de-lesoes-focais-hepaticas




Nódulo hepático detectado pela ultrassonografia: passo a passo de quando e como investigar

Ao nos depararmos com uma ultrassonografia (USG) descrevendo uma lesão focal hepática, devemos organizar o raciocínio de quando e como investigar a lesão descrita: trata-se de lesão focal cística, com paredes regulares, conteúdo anecoico e sem sinais de complexidade (septos, calcificações, margens irregulares)?

Se sim e o exame feito por radiologista experiente, não é necessária investigação adicional. Entretanto, se houver lesão focal cística complexa ou lesão focal sólida, estas possuem indicação de investigação com exame de imagem contrastado (tomografia computadorizada ou ressonância magnética de abdome superior).

Figura 1. Ultrassonografia de abdome evidenciando nódulo sólido, hiperecogênico, medindo aproximadamente 1,0 cm, circunscrito, localizado no lobo direito, segmento hepático VII. Fonte: arquivo pessoal.

É fundamental pedir o exame corretamente, isto é, descrever no pedido do exame que é direcionado à investigação de lesão focal hepática. Isso será fundamental para se alinhar o protocolo correto no dia do exame, em especial, de tomografia de abdome com contraste endovenoso (iodo) com protocolo trifásico – além da fase pré-contraste, haverá as fases arterial, portal e equilíbrio.

O exame de ressonância de abdome com contraste endovenoso (gadolíneo) realiza as fases contrastadas (arterial, portal, equilíbrio) habitualmente, além de possuir sequências adicionais que auxiliam na avaliação da lesão focal (sequências T1 pré-contraste; in-phase e out-of-phase para avaliação de gordura; T2 e difusão).

Recomenda-se fortemente que se mencione no pedido do exame os dados clínicos mais significativos do paciente, como idade, sintomas, ausência/presença de doença hepática crônica e/ou cirrose hepática, uso de anabolizantes ou anticoncepcionais e doença oncológica prévia ou atual.

Nota 1: A presença de cirrose hepática é o dado clínico mais relevante e o fator de risco mais significativo para o desenvolvimento de carcinoma hepatocelular (CHC), de forma que a cirrose está presente em aproximadamente 90% dos pacientes com CHC. Logo, um nódulo hepático em fígado cirrótico, a principal suspeita será de CHC; já um nódulo hepático em fígado não-cirrótico, haverá maior chance de lesão focal benigna.

Dentre as lesões focais hepáticas benignas, destacam-se: hemangioma, hiperplasia nodular focal e adenoma. Tais lesões apresentam diferentes padrões de ecogenicidade a USG, podendo ser hiperecogênicos, isoecogênicos ou hipoecogênicos e suas particularidades serão temas de próximos posts

Um diagnóstico diferencial a ser lembrado é a possibilidade de área poupada de esteatose, quando o fígado como um todo se torna hiperecogênico pela deposição de gordura e uma área específica é poupada desta, gerando a falsa impressão de lesão focal nodular hipoecogênica. Há ainda casos de esteatose focal, quando o depósito de gordura ocorre de forma localizada, simulando um nódulo hiperecogênico.

Nota 2: Excetuando-se os cistos hepáticos simples, as lesões focais hepáticas sólidas merecem investigação dinâmica com exame contrastado endovenoso para a avaliação do seu comportamento nas diferentes fases de enchimento e esvaziamento vascular, mesmo que sejam sugestivos de lesão benigna à ultrassonografia de abdome.

            Na maioria das vezes, a identificação de lesão focal hepática benigna será incidental, em exames de rotina, sem repercussão clínica (sintomas ou complicações) e sem alterações laboratoriais. Após o exame contrastado inicial (TC/RM), casos selecionados serão candidatos à ressonância de abdome com contraste hepatoespecífico (ácido gadoxético – Primovist), biópsia do nódulo hepático ou até encaminhados para abordagem cirúrgica.

Desta forma, os médicos de diferentes especialidades devem ter o discernimento de investigar de forma adequada o achado de nódulo hepático em exame de rotina ou optar por encaminhar o paciente para avaliação especializada com gastro-hepatologista.

Saiba mais sobre avaliação das lesões hepáticas nesse outro artigo

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Como citar esse artigo

Oti, KST. Nódulo hepático detectado pela ultrassonografia: passo a passo de quando e como investigar. Gastropedia 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/figado/nodulo-hepatico-detectado-pela-ultrassonografia-passo-a-passo-de-quando-e-como-investigar/

Referências

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  2. Strauss E, Ferreira AdeSP, França AVC, et al. Diagnosis and treatment of benign liver nodules: Brazilian Society of hepatology (SBH) recommendations. Arq Gastroenterol 2015;52:47–54.
  3. Marrero JA, Ahn J, Rajender Reddy K, Reddy RK, et al. Acg clinical guideline: the diagnosis and management of focal liver lesions. Am J Gastroenterol 2014;109:1328–47.
  4. European Association for the Study of the Liver (EASL). EASL clinical practice guidelines on the management of benign liver tumours. J Hepatol 2016;65:386–98.



O que devemos saber sobre a elastografia hepática transitória e sua aplicação na Doença hepática gordurosa não-alcoólica?

A esteatohepatite não-alcoólica (EHNA) corresponde ao grupo de pacientes com doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) que cursam, além da esteatose predominantemente macrogoticular, com balonização hepatocitária, inflamação lobular, fibrose hepática, cirrose e risco de evolução para carcinoma hepatocelular (CHC). Saiba mais nesse outro artigo.

Cerca de 30-40% dos adultos possuem DHGNA e destes, 3-12% evoluem com EHNA, com prevalência em progressão nos últimos anos, em especial, pela forte associação com fatores metabólicos como a obesidade. Desta forma, a EHNA tornou-se nos últimos anos a principal causa de transplante hepático no mundo

Na avaliação dos pacientes com DHGNA, é fundamental avaliar quais testes não-invasivos (TNI) podem contribuir na investigação. Apesar da ultrassonografia de abdome ser o exame de primeira linha na avaliação inicial dos pacientes com DHGNA, é operador-dependente e apresenta baixa sensibilidade para esteatose hepática leve: tipicamente, a esteatose precisa acometer mais de 30% dos hepatócitos para ser detectável por este método. 

Dentre os TNI disponíveis em nosso meio, a elastografia hepática transitória (FibroScan®, Echosens, Paris, França; TE) é a mais comumente utilizada pelos hepatologistas. A tecnologia foi aprovada em 2013 pela Food and Drug Administration nos Estados Unidos e rapidamente incorporada na avaliação dos pacientes com hepatopatia por diferentes etiologias, incluindo, os portadores de DHGNA.

Vantagens do método

Através da seleção apropriada de uma das sondas (Small, Medium e XL) pela idade, tipo físico e distância pele-fígado, o exame é realizado de forma não invasiva e rápida, permitindo a quantificação da gordura hepática pelo CAP (controlled attenuation parameter) e da fibrose hepática pela avaliação da rigidez hepática (liver stiffness measurement; LSM).

O ponto de referência é guiado pelos marcadores anatômicos (encontro da linha axilar média com linha transversa e paralela aos rebordos costais, ao nível do apêndice xifóide). 

LSM

Através de vibrações de leve amplitude e baixa frequência (50Hz) emitidas pela sonda no ponto de referência, uma onda de cisalhamento se propaga pelo tecido hepático sob uma determinada velocidade (m/s): quanto mais rígido é o tecido, mais veloz será a propagação da onda. A LSM varia de 1,5 a 75 kilopascal (kPa) e avalia a rigidez hepática em volume 100 vezes maior do que uma biópsia hepática.

Os valores de LSM variam de acordo com a etiologia da hepatopatia, sendo reportados na DHGNA, os valores de AUROC para F1, F2, F3 e F4 de 0,82, 0,85, 0,94 e 0,96, respectivamente. Para fibrose avançada (F3-F4), os cut-offs variam de 8-12kPa, com sensibilidade de 84-100% e especificidade de 83-97%.

Nota 1: Alguns estudos transversais e comparação head-to-head indicaram melhor acurácia da elastografia por RM na avaliação da fibrose hepática em relação a TE, na identificação de fibrose (F1-F4) com especificidade (F4, 94,5% vs 75,9%), entretanto, os fatores custo, disponibilidade e tempo de exame (duração) são limitantes da elastoRM na prática clínica.

CAP

É reportada AUROC de 81-84% ≥E1 (esteatose em pelo menos 5-10% dos hepatócitos); 85-88% para ≥E2 (33%) e 86-91% para E3 (66%), com sensibilidade para ≥E1, ≥E2 e E3 de 60-75%, 69-84% e 77-96%, respectivamente. Os cut-offs para CAP é de 248 dB/m para E1, 268 dB/m para E2 e 280 dB/m para E3.

Nota 2: Apesar da ressonância de abdome com fração de gordura por densidade de prótons (RM-PDFF) ter melhor sensibilidade e especificidade para a quantificação da fração de gordura hepática em relação ao CAP, os fatores custo e disponibilidade são os maiores limitantes na prática clínica.

Critérios de confiabilidade

De acordo com as recomendações do fabricante, durante a TE, devem ser obtidas 10 medidas válidas, com taxa de sucesso >60% e um intervalo interquartil (IQR) ≤30%.
Alguns estudos demonstraram que IQR > 40 dB/m do CAP com sonda M associou-se com menor confiabilidade para o diagnóstico de esteatose hepática, porém estudos adicionais são necessários para validação como critério.

Limitações e considerações do método

Um dos maiores desafios da TE é a menor taxa de sucesso em pacientes obesos. Enquanto a sonda M é indicada para adultos com peso normal (IMC <25kg/m2) e a sonda S para crianças e adolescentes, a sonda XL está indicada para pacientes obesos ou naqueles com distância pele-fígado maior que 3,5cm, haja vista que esta sonda permite maior profundidade na avaliação da rigidez hepática (35-75 vs 25-65mm) e do CAP.

Estudos prospectivos indicam que a sonda XL estima maior valor de rigidez hepática do que a sonda M quando aplicada no mesmo paciente, entretanto, o IMC elevado tende a superestimar a LSM, assim, os efeitos da obesidade e da sonda XL tendem a se anular.

Outros fatores que prejudicam a LSM são: congestão hepática, obstrução biliar, amiloidose, lesões focais hepáticas, aumento de transaminases (1-5xLSN) e ascite.

É fundamental orientar o jejum de 3-4 horas antes do exame, pois o aumento do fluxo portal pode aumentar a LSM em 1-5kPa (pico em 20-40 minutos, com duração de até 180 minutos, em média).

Aplicação clínica

Além da avaliação de rigidez hepática e quantificação da esteatose, a TE possui um importante papel em predizer complicações da doença hepática crônica avançada compensada (DHCAc), como varizes de esôfago (VE), CHC e morte relacionada ao fígado.

De acordo com Baveno VII, no geral:

  1. LSM ≤15kPa e plaquetas ≥ 150.000 exclui hipertensão portal clinicamente significativa (HPCS, sensibilidade e valor preditivo negativo >90%) em paciente com DHCAc;
  2. LSM <20kPa e plaquetas > 150.000 permite evitar a realização de EDA rastreamento de VE;
  3. Em pacientes de etiologia viral, alcoólica e EHNA não obesos (IMC <30kgm/2), LSM ≥ 25 é suficiente para excluir HPCS (sensibilidade e valor preditivo positivo >90%).
  4. Nos pacientes com DHCAc por EHNA, o modelo ANTECIPATE pode ser usado para predizer o risco de HPCS, mas validação adicional é necessária.

Recomendações de Guidelines

A TE é um TNI validada e recomendado pelos guidelines da AASLD e EASL e, conforme a sua disponibilidade, deve ser incorporado como ferramenta na avaliação dos pacientes com DHGNA na prática clínica.

Referências

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  2. Younossi ZM, Loomba R, Anstee QM, Rinella ME, Bugianesi E, Marchesini G, Neuschwander-Tetri BA, Serfaty L, Negro F, Caldwell SH, Ratziu V, Corey KE, Friedman SL, Abdelmalek MF, Harrison SA, Sanyal AJ, Lavine JE, Mathurin P, Charlton MR, Goodman ZD, Chalasani NP, Kowdley KV, George J, Lindor K. Diagnostic modalities for nonalcoholic fatty liver disease, nonalcoholic steatohepatitis, and associated fibrosis. Hepatology. 2018 Jul;68(1):349-360. doi: 10.1002/hep.29721. PMID: 29222917; PMCID: PMC6511364.
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Como citar este arquivo

Oti KST., O que devemos saber sobre a elastografia hepática transitória e sua aplicação na Doença hepática gordurosa não-alcoólica?. Gastropedia, 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/figado/o-que-devemos-saber-sobre-a-elastografia-hepatica-transitoria-e-sua-aplicacao-na-doenca-hepatica-gordurosa-nao-alcoolica/




MAFLD versus NAFLD: implicações da mudança de nomenclatura

O termo doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA; non-alcoholic fatty liver disease, NAFLD) surgiu em 1980 para caracterizar uma doença semelhante à doença hepática gordurosa alcoólica, mas em pacientes sem consumo etílico significativo. Este conceito engloba dois espectros da doença: esteatose simples e esteato-hepatite não alcoólica (EHNA; non-alcoholic steatohepatitis, NASH), sendo o último sob o risco de progressão de fibrose hepática e evolução para cirrose e carcinoma hepatocelular.

A DHGNA é a causa mais comum de doença hepática crônica afetando um quarto da população global adulta, entretanto o seu conceito não contempla quadros metabólicos e recebe críticas por ter critérios de exclusão para a sua definição: é fundamental a exclusão de etilismo significativo (>20g/ dia em mulheres e >30g/dia em homens), outras hepatopatias crônicas (virais, autoimunes, entre outras) e uso de medicações esteatogênicas.

Em 2020, um painel de especialistas propôs uma nova definição e critérios para a DHGNA como doença hepática gordurosa metabólica (DHGM; metabolic-associated fatty liver disease, MAFLD), com o intuito de simplificar o diagnóstico através de critérios positivos e de forma independente do consumo de álcool ou de outras doenças hepáticas concomitantes.

Assim, a definição MAFLD baseia-se na evidência de esteatose hepática em adição a um ou mais de três critérios: sobrepeso/obesidade, diabetes mellitus tipo 2 ou evidência de desequilíbrio metabólico (Figura1).

Figura 1. Fluxograma com critérios para doença hepática gordurosa metabólica (DHGM). Adaptado de Eslam M, Newsome PN, Anstee QM et al.

Apesar do posicionamento favorável de diferentes sociedades de Hepatologia em adotar a nova terminologia e critérios, um amplo debate cresce no meio científico sobre o prognóstico e aplicabilidade da definição MAFLD.

Seria DHGM (MAFLD) uma melhor definição para a doença?

A adoção do novo termo envolve não somente a mudança de nome, mas também da definição da doença. Como resultado, alguns pacientes que eram previamente classificados como “lean NAFLD” (índice de massa corporal normal) podem não preencher os critérios para DHGM.

Por outro lado, paciente com esteatose hepática que previamente não eram classificados como DHGNA devido o consumo etílico significativo, outras doenças hepáticas ou causas secundárias de esteatose hepática podem ser diagnosticados como DHGM.

Tais modificações tem implicações na interpretação da doença, dos pacientes e nas pesquisas científicas.

O que os estudos mostram?

Os estudos mostram que a grande maioria dos pacientes preenche os critérios para ambos DHGNA e DHGM, entretanto, cerca de 10-25% podem preencher somente os critérios de uma das condições.

Comparando-se a acurácia da definição DHGM versus DHGNA, os estudos indicam uma maior sensibilidade para DHGM na identificação de pacientes com fibrose hepática significativa (93,9% vs 73%; valor preditivo negativo 95,5% vs 86,2%) e com maior risco cardiovascular (HR 1,43 vs 1,09).

O estudo de Kim e colaboradores demonstrou que dentre 2.702 pacientes adultos com esteatose hepática identificada por ultrassonografia abdominal, 2.044 (75,6%) preencheram os critérios de ambas as definições DHGNA e DHGM, 212 (7,8%) somente para MAFLD, 394 (14,6%) somente para DHGNA e 52 (1,9%) não preencheram critérios para nenhuma das definições. Observou-se ainda uma maior taxa de mortalidade nos pacientes com DHGM (HRa 1,66; 95% IC 1,19-2,32) e maior mortalidade por câncer (HRa 1,95; 95% IC 1,05-3,62).

DHGM (MAFLD): visão crítica

Apesar de os estudos indicarem que o grupo DHGM apresenta maior risco de complicações, esta definição falha na identificação dos potenciais pacientes com risco de desfechos desfavoráveis, em especial, nos pacientes com DHGNA, sem DHGM (Figura2).

Figura 2. Definições da doença como doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) e doença hepática gordurosa metabólica (DHGM) e implicações prognósticas. Adaptado de Wong VW e Lazarus JV.

Apesar de alguns autores criticarem a aplicabilidade dos critérios para DHGM, em especial, em estudos retrospectivos, pela indisponibilidade de PCR ou HOMA-IR de todos os pacientes, recentes estudos encorajam a difundir o conceito e critérios da DHGM na avaliação dos pacientes com doença hepática gordurosa, em especial, nos pacientes que preenchem critérios para DHGM, mas não preenchem para DHGNA. Existe, assim, um grande esforço científico na proposta de modificação da terminologia e critérios da doença, no sentido de se alcançar uma melhor definição que otimize a identificação dos pacientes com esteatose hepática entre especialistas e não-especialistas na prática clínica e permita uma uniformização de terminologia nos estudos.

Saiba mais

Como citar esse artigo

Oti, KST. MAFLD versus NAFLD: implicações da mudança de nomenclatura. Gastropedia 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/figado/mafld-versus-nafld-implicacoes-da-mudanca-de-nomenclatura/

Referências

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