Adenomiomatose da Vesícula Biliar

Introdução

A adenomiomatose ou adenomiose (ADM) é uma condição benigna da vesícula biliar caracterizada pelo crescimento excessivo da mucosa, espessamento da parede muscular e presença de divertículos intramurais, conhecidos como sinusoides de Rokitansky-Aschoff (RAS).

Neste artigo vamos revisar as características patológicas, epidemiológicas e de diagnóstico da adenomiomatose, tecendo um breve comentário sobre o tratamento

Para saber mais sobre pólipos da vesícula biliar, confira esse outro artigo:

Epidemiologia

A adenomiomatose é relativamente comum, sendo encontrada em 1-9% das amostras de colecistectomia. Embora possa ocorrer em uma ampla faixa etária, os diagnósticos mais frequentes são em pacientes na faixa dos 50 anos. A incidência aumenta com a idade, provavelmente devido à inflamação prolongada.

A prevalência da adenomiomatose em relação ao gênero varia na literatura. Alguns estudos indicam que é mais comum em mulheres (3:1), enquanto outros afirmam que a prevalência é semelhante entre homens e mulheres. Não há preferência racial conhecida.

A causa da adenomiomatose é desconhecida, embora se acredite que seja uma resposta à inflamação crônica da vesícula biliar. Como os diagnósticos mais frequentes ocorrem na faixa dos 50 anos, a ideia de inflamação crônica como etiologia parece plausível.

Achados Patológicos

A adenomiomatose é uma das colecistoses hiperplásicas, sendo a outra a colesterolose. Nessa condição, ocorre hiperplasia da parede com a formação de sinusóides de Rokitansky-Aschoff (divertículos intramurais revestidos por epitélio mucoso) que penetram na parede muscular da vesícula biliar, com ou sem espessamento da parede. O acúmulo de colesterol na adenomiomatose é intraluminal, já que cristais de colesterol precipitam na bile retida nos sinusóides de Rokitansky-Aschoff.

Os seios de Rokitansky-Aschoff consistem em invaginações do epitélio na camada muscular que produzem pequenos divertículos intramurais. Por si só, essa condição não apresenta significado clínico. Um diagnóstico histológico de adenomiomatose requer que os seios de Rokitansky-Aschoff sejam profundos, ramificados e acompanhados de hipertrofia da camada muscular.
Fonte: Sleisenger and Fordtran’s Gastrointestinal and liver disease 9th ed p 1146 – 1149

Existem três formas macroscópicas de adenomiomatose (Fig. 2):

  • A forma segmentar (> 60%): forma uma espécie de diafragma entre o colo e o fundo da vesícula biliar, separando-a em duas zonas comunicantes.
  • A forma localizada (30%): geralmente ocorre no fundo da vesícula.
  • A forma difusa (mais rara <5%): espessamento parietal que afeta toda a parede da vesícula.
Formas macroscópicas da adenomiomatose

No tipo localizado, a adenomiomatose pode causar um espessamento mucoso focal na parede da vesícula formando um nódulo, geralmente no fundo, que se projeta para o lúmen, dando a aparência de um pólipo na ultrassonografia. A camada muscular na área afetada costuma estar espessada de três a cinco vezes a sua espessura normal.

Quadro Clínico

Geralmente, a adenomiomatose é assintomática, sendo descoberta incidentalmente por exames de imagem ou após colecistectomia, mas pode apresentar sintomas. Em raras situações, pode causar dores semelhantes a cólicas biliares no hipocôndrio direito. No entanto, como metade dos casos de ADM está associada a cálculos biliares, é difícil atribuir especificamente à ADM a causa dessas dores.

Não há evidência de que a presença de adenomiomatose aumente o risco de câncer de vesícula biliar. Porém, a presença de adenomiomatose está associada a casos mais avançados de câncer de vesícula biliar, possivelmente porque sua presença dificulta o diagnóstico precoce por exames de imagem.

Diagnóstico Radiológico

Uma vez que a ADM não apresenta sintomas específicos, a imagem desempenha um papel fundamental no seu diagnóstico diferencial. Cerca de 25% dos casos de espessamento da parede da vesícula biliar (parede > 3 mm) são devidos à ADM.

Atualmente, o diagnóstico baseia-se na ultrassonografia (US) e frequentemente é incidental. A USG apresenta uma sensibilidade de cerca de 65%.

Os sinais sugestivos incluem parede espessada, conteúdo luminal anecoico ou ecogênico (lodo, cálculos), imagens murais pseudocísticas correspondendo aos seios de Rokitansky-Aschoff e artefatos de reverberação acústica (cauda de cometa) devido a concreções de cálcio presas nos RAS.

A ultrassonografia endoscópica melhora a sensibilidade da USG transabdominal, especialmente para o diagnóstico diferencial com câncer da VB.

Ultrassonografia

  • espessamento mural (difuso, focal, anular)

  • artefato de cauda de cometa: focos intramurais ecogênicos dos quais emanam artefatos de reverberação em forma de V são altamente específicos para a adenomiomatose, representando os cristais de colesterol no lumen dos seios de Rokitansky-Aschoff
Espessamento segmentar hipoecoico no fundo da vesícula biliar, medindo 11×5mm,sugestivo de adenomiomatose. Imagem cedida pela Dra. Julia Mayumi Gregorio

Tomografia Computadorizada

  • espessamento anormal da parede da vesícula biliar e realce são características comuns, mas não específicas, da TC para a adenomiomatose
  • os seios de Rokitansky-Aschoff maiores podem ser visualizados
  • foi descrito um sinal de rosário na TC, formado por epitélio realçado dentro de divertículos intramurais cercados pela camada muscular da vesícula biliar hipertrófica relativamente não realçada

Ressonância Nuclear Magnética

A Colangiopancreatografia por Ressonância Magnética (CPRM) é a técnica normalmente empregada para caracterização da vesícula biliar e árvore biliar. As características de imagem incluem:

  • espessamento mural
  • massa focal séssil
  • divertículos intramurais preenchidos com líquido
  • o sinal de colar de pérolas refere-se à disposição curvilínea característica de várias cavidades intramurais arredondadas hiperintensas visualizadas em imagens ponderadas em T2
  • configuração de ampulheta em tipos anulares

Tratamento

Pacientes com características típicas de adenomiomatose na ultrassonografia não requerem vigilância ou colecistectomia.

A colecistectomia pode ser realizada nas seguintes situações:

  • paciente sintomático com dor no quadrante superior direito (geralmente devido a cálculos biliares)
  • aparência (especialmente quando focal) pode ser difícil de distinguir de malignidade.

Galeria de Imagens

Referências

  1. Golse N, Lewin M, Rode A, Sebagh M, Mabrut JY. Gallbladder adenomyomatosis: Diagnosis and management. J Visc Surg. 2017 Oct;154(5):345-353. doi: 10.1016/j.jviscsurg.2017.06.004. Epub 2017 Aug 24. PMID: 28844704.
  2. Ryu Y, Abdeldjalil B, Molinari A, et al. Adenomyomatosis of the gallbladder. Reference article, Radiopaedia.org (Accessed on 24 Aug 2023) https://doi.org/10.53347/rID-7056
  3. Wisam F Zakko, MD. Gallbladder polyps. Disponível em https://www.uptodate.com/contents/gallbladder-polyps

Como citar este artigo

Martins BC. Adenomiomatose da Vesícula Biliar Gastropedia 2023; vol 2. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/hepatopancreatobiliar/adenomiomatose-da-vesicula-biliar/




Pólipos de Vesícula Biliar

Introdução

Os pólipos da vesícula biliar geralmente são achados incidentais diagnosticados durante exames de ultrassom abdominal ou durante colecistectomia. Geralmente não apresentam sintomas, mas ocasionalmente podem causar desconfortos similares aos causados por cálculos biliares.

A maioria dessas lesões não é neoplásica, mas sim hiperplásica ou representa depósitos de lipídios.

Com o uso generalizado da ultrassonografia, as lesões polipoides na vesícula biliar estão sendo cada vez mais detectadas. No entanto, muitas vezes a imagem não é suficiente para excluir a possibilidade de neoplasia ou adenomas pré-malignos. Nesse artigo, revisaremos a importância clínica e o diagnóstico diferencial dos pólipos na vesícula biliar. Para saber sobre o tratamento dos pólipos de vesícula, confira esse outro artigo: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/conduta-nos-polipos-de-vesicula-biliar-quando-fazer-seguimento-e-quando-indicar-a-colecistectomia

Classificação

As lesões polipoides na vesícula biliar podem ser categorizadas como benignas ou malignas. As lesões benignas podem ser subdivididas em neoplásicas e não neoplásicas.

Pólipos benignos não neoplásicos

As lesões não neoplásicas benignas mais comuns são pólipos de colesterol, seguidos por adenomiomatose e pólipos inflamatórios.

  • Pólipos de colesterol e colesterolose:

    • é uma condição benigna caracterizada pelo acúmulo de lipídios na mucosa da parede da vesícula biliar.
    • são os tipos mais comuns de pólipos da vesícula biliar, podendo chegar a 10% ou mais.
    • Pode ser do tipo difuso ou polipoide.
    • O termo colesterolose se refere ao tipo difuso, que é geralmente diagnosticado incidentalmente durante a colecistectomia, causando o aspecto de “vesícula em morango” devido ao contraste que faz com a mucosa da vesícula.
    • Os pólipos de colesterol são a forma polipoide da colesterolose, sendo o pólipo da vesícula biliar mais comum, geralmente diagnosticado incidentalmente em ultrassonografia.
    • Embora geralmente assintomático, em alguns pacientes pode causar sintomas e complicações semelhantes às causadas por cálculos biliares.

  • Adenomiomatose:

    • é uma anormalidade da vesícula biliar caracterizada pelo crescimento excessivo da mucosa, espessamento da parede muscular e divertículos intramurais.
    • A prevalência da adenomiose da vesícula biliar é baixa, mas parece ter uma prevalência maior em mulheres do que em homens.

  • Pólipos inflamatórios

    • Os pólipos inflamatórios são os pólipos não neoplásicos menos comuns.
    • Aparecem como sésseis ou pediculados e são compostos por tecido de granulação e fibroso com células plasmáticas e linfócitos.
    • Os pólipos têm geralmente 5 a 10 mm de diâmetro, embora tenham sido descritos pólipos inflamatórios com mais de 1 cm

Pólipos benignos neoplásicos

  • Adenomas:

    • Pólipos adenomatosos da vesícula biliar são as lesões neoplásicas benignas mais comuns. Embora a verdadeira incidência seja desconhecida, na maioria das séries é inferior a 0,5 por cento.
    • Adenomas da vesícula biliar são tumores epiteliais benignos compostos por células que se assemelham ao epitélio das vias biliares.
    • O risco de câncer aumenta com o tamanho do pólipo, sendo que pólipos adenomatosos com tamanho maior têm um risco de malignidade.

  • Outros — Outras lesões neoplásicas da vesícula biliar como fibromas, lipomas e leiomiomas, são raros. A história natural desses pólipos não está bem definida.

Pólipos malignos:

  • A maioria dos pólipos malignos na vesícula biliar são adenocarcinomas.
  • Os adenocarcinomas da vesícula biliar são muito mais comuns do que os adenomas da vesícula biliar, ao contrário do cólon, onde os adenomas são muito mais comuns do que os adenocarcinomas.
  • Carcinoma escamoso, cistoadenoma mucinoso e adenoacantomas da vesícula biliar são raros

RISCO DE CÂNCER

A maioria dos pólipos na vesícula biliar é benigna, e a maioria dos pólipos benignos, com exceção dos adenomas, não tem potencial maligno. O risco global de câncer de vesícula biliar em pacientes com pólipos na vesícula parece ser baixo.

  • Em um grande estudo de coorte com mais de 35.000 adultos com pólipos na vesícula diagnosticados por USG, 0.053% tiveram câncer de vesícula biliar, semelhante à população sem pólipos (0.054%). [ref]
  • O risco de evolução para neoplasia varia de acordo como o tamanho dos pólipos, ocorrendo em 128/100.000 pessoas para pólipos > 10mm, mas somente em 1.3/100.000 pessoas para pólipos < 6mm.

Fatores de risco estabelecidos para câncer

  • Tamanho do pólipo — A incidência de câncer da vesícula biliar varia de 43 a 77% em pólipos maiores que 1 cm e 100% em pólipos maiores que 2 cm.
  • Pólipo séssil — pólipos sésseis são um fator de risco independente para malignidade, com um risco 7x maior de câncer de vesícula biliar. [ref]
  • Idade > 60 anos: esse é o corte adotado em diretrizes para estratificação de risco e orientação de tratamento.
  • Outros: etnia indiana, colangite esclerosante primária

Condições com risco incerto

  • Cálculos biliares concomitantes
  • Adenomiomatose — Não há evidências de que a presença de adenomiose aumenta o risco de câncer de vesícula biliar. Se o risco for aumentado, a magnitude do aumento parece ser pequena.

DIAGNÓSTICO

Os pólipos na vesícula biliar geralmente são descobertos incidentalmente em exames de ultrassonografia abdominal. Nenhuma das modalidades de imagem disponíveis pode distinguir inequivocamente pólipos benignos de malignos. Isso só pode ser confirmado pelo anatomopatológico após a colecistectomia.

Características dos pólipos da vesícula biliar na ultrassonografia abdominal:

  • Podem ser únicos ou múltiplos
  • Sensibilidade 84% e especificidade 96% (meta-análise com 16.260 pacientes)
  • PÓLIPOS DE COLESTEROL são geralmente múltiplos, homogêneos, polipoides e pediculados, com ecogenecidade maior do que o parênquima hepático.

    • Eles podem ou não conter pontos hiperecogênicos.
    • Os pólipos de colesterol geralmente têm menos de 1 cm.
    • Em contraste com os pólipos de colesterol, a colesterolose difusa não possui achados ultrassonográficos específicos, e seu diagnóstico geralmente é feito após a cirurgia.

  • ADENOMAS são lesões homogêneas, isoecoicas em relação ao parênquima hepático, têm uma superfície lisa e geralmente não têm pedículo.

    • A morfologia séssil e o espessamento focal da parede da vesícula biliar maior do que 4 mm são fatores de risco para malignidade.

  • ADENOCARCINOMAS são estruturas polipoides homogêneas ou heterogêneas que geralmente são isoecoicas em relação ao parênquima hepático.
  • A ADENOMIOMATOSE também pode causar um espessamento difuso com focos anecoicos redondos que representam os divertículos intramurais. Quando localizada no fundo, a adenomiose pode produzir uma projeção de mucosa que pode dar a aparência de um pólipo na ultrassonografia.

Papel da ecoendoscopia (EUS)

A EUS é um método de imagem invasivo que pode ser útil em casos selecionados, especialmente em pacientes com suspeita de pólipos malignos. Oferece a vantagem de obter imagens da vesícula biliar através da parede gástrica, evitando a atenuação prejudicial pela gordura subcutânea ou interferência do gás intestinal.

No entanto, sua precisão em diferenciar pólipos neoplásicos de não neoplásicos é limitada:

  • Em uma meta-análise de quatro estudos que incluíram 1009 participantes, a sensibilidade para detecção de pólipos displásicos/carcinoma foi de 79% e a especificidade foi de 89%.
  • Embora a Contrast-enhanced EUS (ex: com microbolhas) possa ter uma acurácia ligeiramente maior na diferenciação entre pólipos adenomatosos e de colesterol quando comparada à EUS convencional, ainda são necessários mais estudos para estabelecer seu papel definitivo.

Resumo de Pólipos da Vesícula Biliar

Tipo de Pólipo Características Principais Prevalência e Incidência Achados Ultrassonográficos Risco de Malignidade Sintomas e Complicações
Pólipos Benignos Não Neoplásicos
Colesterolose Difusa

Acúmulo de lipídios na mucosa da vesícula biliar.

Prevalência de 9% a 26% em estudos cirúrgicos.

Não apresenta achados ultrassonográficos específicos.

Geralmente baixo. Geralmente assintomática
Pólipos de Colesterol Crescimentos benignos na mucosa da vesícula biliar. Tipicamente diagnosticados por ultrassonografia. Prevalencia estimada >10% Múltiplos, homogêneos, polipoides, mais ecogênicos que o fígado. Baixo. Geralmente assintomática. Podem ter complicações semelhantes a cálculos
Pólipos Inflamatórios Compostos por tecido de granulação e fibroso. Menos comuns entre os pólipos não neoplásicos. Sésseis ou pediculados, geralmente 5 a 10 mm Baixo. Varia de acordo com tamanho
Pólipos Benignos Neoplásicos
Adenomas Tumores epiteliais benignos mais comuns. Menos de 0,5% de incidência.

Isoecogênicos, liso, sem pedículo.

Variável, aumenta com tamanho >10mm. Raramente sintomáticos
Pólipos Malignos
Adenocarcinomas Forma mais comum de pólipos malignos. Incidência mais alta que adenomas malignos. Características avançadas, geralmente diagnosticados tardiamente. Alto. Sintomas avançados e complicações
Carcinomas de Células Escamosas, Cistadenomas Mucinosos e Adenoacantomas Tipos raros de pólipos malignos. Incidência baixa. Características avançadas, exige avaliação e tratamento especializados. Alto. Sintomas avançados e complicações

Referências

  1. Szpakowski JL, Tucker LY. Outcomes of Gallbladder Polyps and Their Association With Gallbladder Cancer in a 20-Year Cohort. JAMA Netw Open. 2020 May 1;3(5):e205143. doi: 10.1001/jamanetworkopen.2020.5143. PMID: 32421183; PMCID: PMC7235691.
  2. Bhatt NR, Gillis A, Smoothey CO, Awan FN, Ridgway PF. Evidence based management of polyps of the gall bladder: A systematic review of the risk factors of malignancy. Surgeon. 2016 Oct;14(5):278-86. doi: 10.1016/j.surge.2015.12.001. Epub 2016 Jan 26. PMID: 26825588.
  3. Foley KG, Lahaye MJ, Thoeni RF, Soltes M, Dewhurst C, Barbu ST, Vashist YK, Rafaelsen SR, Arvanitakis M, Perinel J, Wiles R, Roberts SA. Management and follow-up of gallbladder polyps: updated joint guidelines between the ESGAR, EAES, EFISDS and ESGE. Eur Radiol. 2022 May;32(5):3358-3368. doi: 10.1007/s00330-021-08384-w. Epub 2021 Dec 17. PMID: 34918177; PMCID: PMC9038818.

Como citar este artigo

Martins BC. Pólipos de Vesícula Biliar Gastropedia 2023; vol 2. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/hepatopancreatobiliar/polipos-de-vesicula-biliar




Hemorragia Diverticular: quadro clínico e tratamento

A hemorragia de um divertículo do cólon é a causa mais comum de HDB em doentes com mais de 60 anos, porém menos de 5% dos doentes com diverticulose terá hemorragia gastrointestinal 1.

Nesse artigo revisaremos as causas e quadro clínico do sangramento diverticular. Se quiser saber mais sobre doença diverticular confira esse post: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/doenca-diverticular-do-colon-epidemiologia-e-fisiopatologia/

Fisiopatologia do sangramento diverticular

Com a herniação diverticular no ponto de fraqueza dos vasos, a vasa recta fica mais exposta ao conteúdo do cólon, levando a espessamento da camada íntima e adelgaçamento da camada média, que predispõe a ruptura do vaso para o lumen.

Fisiopatologia do sangramento diverticular

Quadro clínico da hemorragia diverticular

  • Tipicamente apresenta-se como sangramento volumoso e indolor, geralmente autolimitado, mas pode ser fatal.
  • O cólon direito é o foco do sangramento em 50 a 90% dos casos (proximal ao ângulo esplênico).
  • Cerca de 80% destas cessam espontaneamente.
  • A recorrência é comum e ocorre em 25 a 50% dos casos.

            O exame de escolha no diagnóstico da hemorragia diverticular é a colonoscopia, a qual pode ser diagnóstica e terapêutica.  Importante realizar o preparo do cólon mesmo no contexto de sangramento para aumentar a eficácia do exame 2. A anuscopia deve ser realizada mesmo sem preparo de colón para excluir causas de sangramento anorretais. Em casos em que não é possível o preparo do cólon, pode-se realizar a arteriografia, a cintilografia ou a angio tomografia.

Coágulo aderido em um divertículo, indicando local de sangramento recente. Imagem cedida pela Dra. Renata Nobre

Tratamento da hemorragia diverticular

O manejo da hemorragia digestiva baixa aguda de acordo com as recomendações da associação de gastroenterologia americana (ACG) (Strate LL, et al. Am J Gastroenterol. 2016) incluem:

  • Abordagem inicial em casos de HDB: história clínica, exame físico e laboratoriais, simultaneamente com a ressuscitação volêmica.
  • a ressuscitação volêmica tem como meta a normalização da PA e da FC antes do procedimento endoscópico.
  • Pacientes com Hb<7 devem ser transfundidos. Pacientes cardiopatas pode-se estabelecer 9 g/dl como meta de Hb.
  • a COLONOSCOPIA é o melhor método diagnóstico para avalição destes pacientes e deve ser realizada após estabilização hemodinâmica incluindo preparo de cólon para limpeza de coágulos e fezes residuais a fim de permitir a avaliação adequada da mucosa visando encontrar o local do sangramento. É importante a intubação da válvula ileocecal para avaliação de possível sangramento de intestino delgado ou trato digestivo alto.
  • o momento ideal da colonoscopia em pacientes de alto risco ou com sinais de sangramento é a realização de preparo de cólon imediatamente após a ressuscitação volêmica e a realização da colonoscopia em até 24 horas após início do quadro e confirmação de preparo de cólon adequado, o qual aumenta as taxas diagnóstica e de sucesso terapêutico. Entretanto, duas recentes metanálises de estudos randômicos (evidencia 1A) demonstraram que a realização de colonoscopia nas primeiras 24 horas não reduz a mortalidade ou o ressangramento em pacientes com HDB, de forma que a decisão do momento da colonoscopia deve avaliada individualmente 4,5.
  • o TRATAMENTO ENDOSCÓPICO deve ser realizado em pacientes com estigmas de sangramento incluindo sangramento ativo, vaso visível e coágulo aderido.
    • a injeção de adrenalina (1:10000 ou 1:20000) pode ser utilizada como método inicial para redução do sangramento ativo, porém deve ser sempre associada a outro método seja ele mecânico ou térmico.Em sangramento diverticular recomenda-se o tratamento com hemoclips por serem mais seguros que métodos térmicos e mais simples que a ligadura elástica.

    • Em casos de sangramento mais severos em divertículos, a realização de tatuagem após o tratamento pode ser útil em casos de recidivas para facilitar a identificação na reabordagem, seja ela endoscópica ou cirúrgica.

  • a EMBOLIZAÇÃO POR RADIOLOGIA INTERVENCIONISTA deve ser considerada em pacientes com sangramento ativo severo com EDA sem sinais de sangramento os quais não conseguem tolerar o preparo de cólon pois não responderam adequadamente a ressuscitação volêmica. Em pacientes que falharam ao tratamento endoscópico a embolização por angiografia também está indicada.
  • a CIRURGIA está indicada apenas em casos de falha de tratamentos menos invasivos como colonoscopia e angiografia terapêutica.
  • É importante antes da cirurgia localizar o local exato do sangramento a fim de evitar a ressecção de local inadequado ou necessidade de ressecção extensa do cólon. A colectomia total apenas deve ser realizada quando não há correta identificação do local do sangramento. Ressecções em pacientes com hemorragia diverticular com localização do sangramento incerta mostraram uma mortalidade pós-operatória de 43% em comparação com 7% em pacientes com localização bem definida do sangramento 6.

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Referências

  1. Tursi A, Scarpignato C, Strate LL, Lanas A, Kruis W, Lahat A, Danese S. Colonic diverticular disease. Nat Rev Dis Primers. 2020 Mar 26;6(1):20. doi: 10.1038/s41572-020-0153-5.
  2. Pasha SF et al. The role of endoscopy in the patient with lower GI bleeding. Gastrointestinal Endoscopy 79, 875–885 (2014). [PubMed: 24703084]
  3. Strate LL, Gralnek IM. ACG Clinical Guideline: Management of Patients With Acute Lower Gastrointestinal Bleeding. Am J Gastroenterol. 2016 Apr;111(4):459-74. doi: 10.1038/ajg.2016.41.
  4. Tsay C, Shung D, Stemmer Frumento K, Laine L. Early Colonoscopy Does Not Improve Outcomes of Patients With Lower Gastrointestinal Bleeding: Systematic Review of Randomized Trials. Clin Gastroenterol Hepatol. 2020 Jul;18(8):1696-1703.e2. doi: 10.1016/j.cgh.2019.11.061.
  5. Anvari S, Lee Y, Yu J, Doumouras AG, Khan KJ, Hong D. Urgent Versus Standard Colonoscopy for Management of Acute Lower Gastrointestinal Bleeding: A Systematic Review and Meta-Analysis of Randomized Controlled Trials. J Clin Gastroenterol. 2020 Jul;54(6):493-502. doi: 10.1097/MCG.0000000000001329. PMID: 32091447.
  6. Parkes BM, Obeid FN, Sorensen VJ, Horst HM & Fath JJ The management of massive lower gastrointestinal bleeding. Am Surg 59, 676–678 (1993). [PubMed: 8214970]

Como citar este artigo

Martins BC. Hemorragia Diverticular: quadro clínico e tratamento Gastropedia 2023; vol 2. Disponível em:
gastropedia.pub/pt/cirurgia/hemorragia-diverticular-quadro-clinico-e-tratamento/




Live Esofagite Eosinofílica

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Bons estudos!




Doença diverticular do cólon: epidemiologia e fisiopatologia

 

1. INTRODUÇÃO

A doença diverticular do cólon é uma patologia onde pequenos sacos são formados por uma protrusão geralmente no ponto de penetração da artéria nutriente (vasa recta) que irriga a mucosa e a submucosa. É uma doença crônica com um amplo espetro de sintomas abdominais que eventualmente podem agudizar.

A doença diverticular do colón afeta mais da metade dos indivíduos acima dos 60 anos de idade. No entanto, apenas 20% dos doentes desenvolvem sintomas desta condição.

Existe amplo espectro de apresentações clínicas dos divertículos de cólon. O detalhamento do quadro clínico será discutido em outro artigo. Neste artigo, focaremos na fisiopatologia da doença diverticular e de suas complicações. No entanto, é importante entender a diferença de nomenclaturas utilizadas para descrever cada condição. Resumidamente:

  • Diverticulose ou Doença diverticular assintomática: é a simples presença de divertículos no cólon. Pode ser assintomática ou sintomática. A maioria das pessoas com divertículos do cólon permanece assintomática. Sintomas atribuídos a diverticulose aparecem em cerca de 25-30% dos indivíduos. Alguns autores reservam o termo doença diverticular apenas para a diverticulose sintomática, embora no nosso meio esses termos sejam usados como sinônimos.
  • Doença diverticular sintomática pode variar conforme sua apresentação clínica, desde a Doença diverticular sintomática não complicada, que tipicamente manifesta-se por dor abdominal localizada, sensação de gases e alterações do habito intestinal, até a Doença diverticular complicada, como a diverticulite aguda e a hemorragia diverticular.

2. EPIDEMIOLOGIA

A doença diverticular é uma das desordens gastrointestinais mais comuns nos países ocidentais, e acredita-se que sua incidência tenda a aumentar, sendo proporcional com o envelhecimento da população. A diverticulose do cólon é o achado mais comum na colonoscopia.

A distribuição destes divertículos varia com a raça, mas não com o sexo.

No ocidente, 80-90% situam-se no cólon esquerdo. Na população asiática a diverticulose predomina no cólon direito (80%). Frequência de diverticulose a direita tem aumentado no ocidente ultimamente.

A prevalência da diverticulose é menor que 20% na população com menos de 40 anos, comparado com cerca de 60% nos indivíduos com mais de 70 anos de idade.

A diverticulose geralmente cursa sem sintomas ao longo da vida. A diverticulite aguda ocorre em menos de 5% dos doentes com diverticulose e destes, 20% terão diverticulite complicada.

Depois da recuperação do primeiro episódio, 15 a 20% podem apresentar recorrência.

3. FISIOPATOLOGIA

O mecanismo fisiopatológico envolvido na doença diverticular é complexo e não está completamente compreendido. A diverticulose parece estar ligada à formação de divertículos através de altas pressões na mucosa do cólon em locais de fraqueza onde arteríolas penetram a camada muscular circular para fornecer nutrientes à mucosa. Estas arteríolas advêm de colaterais das artérias mesentérica superior e inferior através da arcada de Riolan, da artéria marginal de Drummond e uma série de outras arcadas. As arcadas terminais por fim penetram a camada muscular pela vasa recta para formar o plexo submucoso. Assim, contrações de elevada amplitude associadas a obstipação e elevado conteúdo de gordura nas fezes no lúmen do cólon sigmóide resultam na criação destes divertículos. Os divertículos ocorrem mais frequentemente no cólon sigmoide estando relacionados a pressão e o tipo de conteúdo intraluminal.

Divertículo falso ou verdadeiro? Na população ocidental, os divertículos são causados por inversão das camadas mucosa e submucosa, mas não da camada muscular, portanto, são denominados falsos divertículos ou pseudodivertículos. Na população oriental, a inversão pode envolver todas as camadas da parede do cólon e esses divertículos são, portanto, referidos como divertículos “verdadeiros”.

Existem três fatores principais envolvidos na fisiopatologia da doença diverticular:

  • Alterações da parede do cólon
  • aumento da pressão intracólica (dismotilidade) 
  • Dieta pobre em fibras (fezes endurecidas)

3.1 Alterações na parede:

Existe um espessamento atribuído à deposição de elastina entre as células musculares na taenea, verificando-se um aumento da síntese de colégeno tipo III. Isso leva a um encurtamento das tênias colônicas com espessamento da camada muscular circular e redução do calibre do órgão, processo conhecido como myochosis coli. Verifica-se uma expressão acentuada do inibidor tecidual de metaloproteinases, que regula a deposição de proteínas na matrix extracelular, o que poderá levar ao aumento da elastina e colágeno. Estes achados parecem estar em harmonia com a incidência mais alta da diverticulose nas doenças do tecido conjuntivo.

  • diversos autores referem espessamento da camada muscular como fator que precede o divertículo, pois esta hipertrofia causaria aumento da pressão intracolônica e aumento do número de ondas motoras.

3.2 Distúrbios da motilidade do cólon:

  • Segundo Painter (TEORIA DA SEGMENTAÇÃO NÃO-PROPULSIVA) (Painter NS, et al. Gastroenterology. 1965), o cólon atua em segmentos separados em vez de funcionar como um tubo contínuo. Havendo progressão desta segmentação, as pressões altas são direcionadas à parede do cólon em vez de desenvolver ondas de propulsão para mover o conteúdo intestinal distalmente.
  • Postulou a teoria da segmentação cólica onde a contração da musculatura lisa em sintonia com as pregas semilunares da mucosa levaria ao aparecimento de múltiplas câmaras (que corresponderiam às haustrações) onde a pressão estaria aumentada favorecendo a pulsão da mucosa contra os pontos de fraqueza na parede cólica na entrada dos vasos retos levando então ao aparecimento dos divertículos.
  • A atividade mioelétrica também parece estar alterada na doença. Foi demonstrado em diversos estudos mais atuais que na doença diverticular existem menos células de Cajal e células gliais e uma variabilidade na expressão de certos neuropeptídeos
  • Alterações da motilidade cólica resultam em aumento das pressões de repouso no cólon de indivíduos com doença diverticular.
  • O cólon sigmoide por ter a maior pressão no cólon e ser o segmento mais estreito é o mais acometido.
  • A observação de pressões elevadas de repouso e induzidas no cólon direito de pacientes asiáticos com divertículos proximais também foi publicada, sugerindo que a dismotilidade proximal também exerce papel na origem de divertículos do cólon direito.

3.3 Dieta:

  • A grande variação na prevalência dessa afecção, bem como sua estreita correlação com a dieta ocidental sugerem a existência de um fator etiológico presente na dieta.
  • Painter e Burkitt (Painter NS and Burkitt DP. Brit Medical.1971) observaram em mais de 1.200 habitantes do Reino Unido e de Uganda que os primeiros, ingerindo dieta ocidental pobre em fibra e refinada (massa fecal diária de aproximadamente 110 gramas), exibiam tempo de trânsito intestinal menor do que os africanos que se alimentavam de dieta rica em fibras e tinham massa fecal avaliada em aproximadamente 450 gramas por dia. Postulou-se que tempos de trânsito intestinal prolongado com fezes pouco volumosas resultantes de dieta pobre em fibras levariam a significativo aumento das pressão intraluminal e predisporiam à formação de divertículos.
  • No entanto, quando olhamos para uma população inteiramente ocidental, tais diferenças na composição da dieta e na duração do tempo de trânsito não foram elucidativas. Tampouco estudos de intervenção estão disponíveis para comprovar a evidência epidemiológica.
A principal hipótese para a diverticulose envolve anormalidades neuromusculares, com alteração na composição do colágeno, no sistema neuronal entérico, num cenário de aumento da pressão intraluminal.
A doença diverticular sintomática não complicada pode se instalar num contexto de alteração da microbiota, levando a um processo inflamatório crônico e insidioso, com liberação de mediadores inflamatórios e hipersensibilidade visceral.

4. Fisiopatologia das complicações da doença diverticular

4.1 Fisiopatologia da Diverticulite Aguda

A causa subjacente da diverticulite é a perfuração micro ou macroscópica de um divertículo. Os mecanismos que levam a essa perfuração não são bem elucidados e provavelmente a causa é multifatorial. Anteriormente, acreditava-se que a obstrução dos divertículos (por exemplo, por fecalitos) aumentava a pressão intradiverticular e causava perfuração. No entanto, essa obstrução nem sempre está presente.

Acredita-se que o processo seja multifatorial:

  • Alteração do microbiota levando a disfunção da barreira mucosa
  • Inflamação crônica local
  • Trauma local com erosão da parede diverticular por aumento da pressão intraluminal e fecalitos
  • Seguem inflamação e necrose focal, resultando em perfuração

Recentemente, descobriu-se que também existe uma inflamação de baixo grau contínua no segmento de cólon acometido. Esta inflamação leva a hipertrofia muscular e ao remodelamentodos nervos entéricos levando a hipersensibilidade visceral e alteração da motilidade. Estas mudanças podem ser a razão da dor abdominal recorrente e distúrbios gastrointestinais posteriormente a um episódio de diverticulite.

Outro fator que também parece ter algum papel na fisiopatologia é a microbiota intestinal. Em diversos estudos, na diverticulite a diversidade de Proteobacteria foi maior em relação ao controle. Também apresenta um maior número de macrófagos e uma depleção de Clostridium cluster IV. Na diverticulose sintomática, parece estarem reduzidos o Clostridium cluster IX, Fusobacterium, e Lactobacillaceae, comparados com as pessoas com diverticulose sem sintomas.

Alterações da microbiota, perda da função de barreira, inflamação e trauma causado por fecalito são os principais mecanismos propostos para a diverticulite aguda.

Confira esse artigo: Tratamento da Diverticulite Aguda

4.2 Fisiopatologia do sangramento diverticular

Com relação à FISIOPATOLOGIA DO SANGRAMENTO DIVERTICULAR, após a herniação diverticular no ponto de fraqueza dos vasos, a vasa recta fica mais exposta ao conteúdo colônico, levando a espessamento da camada íntima e adelgaçamento da camada média, que predispõe a ruptura para o lumen.

O sangramento diverticular ocorre em locais com assimetria de vasos perfurantes que encontram-se com calibre aumentado. Obesidade, hipertensão arterial e trauma luminal são considerados fatores de risco para o sangramento diverticular

Confira esse artigo: Hemorragia Diverticular: quadro clínico e tratamento

5. Fatores de risco

Diversos fatores de risco já foram correlacionados com a doença diverticular, incluindo ingesta de carne vermelha, dieta pobre em fibras, sedentarismo, IMC > 25 Kg/m2 e tabagismo. TODOS OS GUIDELINES COLOCAM A OBESIDADE, DIETA POBRE EM FIBRAS E SEDENTARISMO COMO FATORES DE RISCO PARA DOENÇA DIVERTICULAR.

 

REFERÊNCIAS

Tursi A, Scarpignato C, Strate LL, Lanas A, Kruis W, Lahat A, Danese S. Colonic diverticular disease. Nat Rev Dis Primers. 2020 Mar 26;6(1):20. doi: 10.1038/s41572-020-0153-5. PMID: 32218442

Como citar esse artigo

Martins BC. Doença diverticular do cólon: epidemiologia e fisiopatologia. Em Gastropedia 2023, vol 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/doenca-diverticular-do-colon-epidemiologia-e-fisiopatologia




Síndrome de Dumping

A Síndrome de Dumping é uma combinação de sintomas gastrointestinais e vasomotores devido ao esvaziamento gástrico pós-prandial rápido

  • Os sintomas gastrointestinais incluem dor abdominal, saciedade precoce, náusea, vômito, diarreia e distensão abdominal.
  • Os sintomas vasomotores sistêmicos incluem sudorese, taquicardia, palpitações, dor de cabeça e síncope.

Esta síndrome pode se desenvolver após qualquer operação no estômago, mas é mais comum após a gastrectomia parcial com a reconstrução de Billroth II. Também pode ocorrer após gastroplastia redutora (bypass) com incidência entre 10-20%. É menos comum após reconstrução a Billroth I e Gastrectomia Vertical (Sleeve). Ainda não existem dados confiáveis sobre a prevalência exata da síndrome de dumping no pós-operatório. Estima-se que 5 a 10% dos pacientes com Sd dumping apresentam uma forma incapacitante grave.

Fisiopatologia

A Síndrome de Dumping pode ser dividida em precoce e tardia.

A Síndrome de Dumping precoce ocorre dentro de 30 minutos após refeição e é resultado da rápida passagem de alimentos de alta osmolaridade do estômago para o intestino delgado.

Isso ocorre porque a gastrectomia (ou qualquer interrupção do mecanismo do esfíncter pilórico), impede o estômago de preparar o seu conteúdo e entregá-los ao intestino proximal na forma de pequenas partículas em solução isotônica. O bolo alimentar hipertônico passa para o intestino delgado, induzindo:

  • um rápido deslocamento de líquido extracelular para o lúmen intestinal para atingir isotonicidade. O deslocamento do líquido extracelular provoca distensão luminal e induz os sintomas gastrointestinais.
  • liberação de vários hormônios gastrointestinais, como tais como substâncias vasoativas (neurotensina, peptídeo vasoativo intestinal (VIP), incretinas (GIP, GLP1) e moduladores da glicose (insulina, glucagon), que induzem sintomas vasomotores (ver abaixo).
Síndrome de dumping precoce

A Síndrome de Dumping tardia ocorre de 1 a 3 horas após uma refeição e é menos comum (corresponde a 25% das sd dumping). A causa da Síndrome de Dumping tardia também é o esvaziamento gástrico rápido, no entanto, está relacionado especificamente à chegada rápida de carboidratos no intestino proximal.

Quando os carboidratos chegam ao intestino delgado, eles são rapidamente absorvidos, resultando em hiperglicemia, que desencadeia a liberação de grandes quantidades de insulina para controlar o aumento do nível de açúcar no sangue. Essa supercompensação resulta em hipoglicemia, causando sintomas neuroglicopênicos (ver abaixo). A hipoglicemia estimula a glândula adrenal a liberar catecolaminas, resultando em sudorese, tremores, tontura, taquicardia e confusão (reatividade autonômica).

Sintomas

Os sintomas de dumping precoce e tardio apresentam algumas diferenças.

Dumping precoce:

  • ocorre dentro de 1 h, tipicamente 30 min após a ingestão de uma refeição
  • sintomas gastrointestinais: dor abdominal,  distensão abdominal, borborigmo, náuseas, diarreia
  • sintomas vasomotores: fadiga, desejo de deitar-se, rubor, palpitações, transpiração, taquicardia, hipotensão e síncope (raro)

Dumping tardio:

  • 1-3 h após refeição
  • Sintomas neuroglicopenicos: fadiga, fraqueza, confusão, fome e síncope
  • reatividade autonômica: transpiração, palpitações, tremor e irritabilidade

Devido à sobreposição de sintomas na apresentação clínica, muitas vezes é difícil diferenciar entre as duas apresentações, e a co-ocorrência é frequentemente encontrada.

Tratamento

Medidas dietéticas geralmente são suficientes para tratar a maioria dos pacientes.

  • evitar alimentos com grandes quantidades de açúcar
  • alimentar com maior frequência (6/dia) com pequenas refeições ricas em proteínas, gorduras e fibras
  • separar líquidos de sólidos durante a refeição. A ingestão de líquidos deve ser adiada em pelo menos 30 minutos.

Em alguns pacientes sem resposta a medidas dietéticas, tratamentos farmacológicos direcionados a sintomas específicos podem ser eficazes, como loperamida para diarreia e antieméticos para náuseas.

Os anticolinérgicos (diciclomina, hiosciamina, propantelina) podem retardar o esvaziamento gástrico e tratar espasmos.

Análogos da somatostatina podem melhorar a síndrome de dumping por meio de vários mecanismos:

  • retardando o esvaziamento gástrico
  • diminuição do trânsito do intestino delgado
  • diminuição da liberação de hormônios gastrointestinais, incluindo a secreção de insulina
  • inibição da vasodilatação pós-prandial

Análogos da somastotatina (ex: octreotide) podem ser administrados via subcutânea (ação curta) imediatamente antes das refeições (3x/dia) ou através de uma formulação intramuscular de longa duração (cada 2-4 semanas). Octreotide é o medicamento mais bem estudado para a síndrome de dumping e pode ser muito eficaz. No entanto, os peptídeos são caros e, portanto, normalmente não são considerados tratamento de primeira linha.

A acarbose é um inibidor da alfa-glucosidase que diminui a digestão intraluminal de carboidratos no duodeno. Portanto, é usado para tratar a hipoglicemia pós-prandial na síndrome de dumping tardia

Os pacientes com sintomas graves podem necessitar de uma reoperação se o tratamento conservador for malsucedido. A escolha da cirurgia depende da cirurgia gástrica original.

  • Em pacientes com gastrectomia distal é recomendada a conversão de uma gastrojejunostomia em alça para uma reconstrução em Y-de-Roux
  • Para pacientes com gastrojejunostomia sem gastrectomia, a desmontagem da gastrojejunostomia pode ser realizada se a função do piloro estiver mantida

Referência

  1. Mahvi, DA e Mahvi, DM. Em Sabiston: Textbook of Surgery, 21ª. Edição.
  2. Emous M, Wolffenbuttel BHR, Totté E, van Beek AP. The short- to mid-term symptom prevalence of dumping syndrome after primary gastric-bypass surgery and its impact on health-related quality of life. Surg Obes Relat Dis. 2017 Sep;13(9):1489-1500.
  3. Vavricka SR, Greuter T. Gastroparesis and Dumping Syndrome: Current Concepts and Management. J Clin Med. 2019 Jul 29;8(8):1127. doi: 10.3390/jcm8081127. PMID: 31362413; PMCID: PMC6723467.

Como citar este artigo

Martins BC. Síndrome de Dumping. Gastropedia 2023; vol 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/esofago-estomago-duodeno/sindrome-de-dumping/




Patogênese da Doença Celíaca

A doença celíaca é uma doença autoimune causada por uma resposta imunológica anormal aos peptídeos do glúten no intestino delgado superior. É importante entender sua fisiopatologia para saber interpretar os exames sorológicos que auxiliam no diagnóstico da doença celíaca.

O glúten é uma proteina encontrado no trigo, cevada e centeio. No intestino delgado, o glúten é digerido e se decompõe em gliadina.

Glúten (derivado do Latin gluten = cola) é uma proteína amorfa composta pela mistura de cadeias protéicas longas de gliadina e glutenina.

Na doença celíaca, a gliadina consegue atravessar a barreira epitelial no intestino delgado e chegar à lamina própria subjacente. A causa da permeabilidade da gliadina epitelial é incerta, mas pode ser devido a um processo patológico subjacente (por exemplo, infecção) ou alterações nas junções intercelulares (tight junctions).

A Doença Celíaca (DC) resulta da interação do gluten com fatores imunes, genéticos e ambientais.

Resposta imunológica na mucosa

Quando a gliadina entra em contato com a lamina própria, ela é desaminada pela transglutaminase tecidual (TTG). A gliadina desaminada então reage com os receptores HLA-DQ2 ou HLA-DQ8 nas células apresentadoras de antígenos que estimulam a ativação de células T e B, levando à liberação de citocinas, produção de anticorpos e infiltração de linfócitos. Com o tempo, a inflamação causa atrofia vilosa, hiperplasia de criptas nas células epiteliais e linfocitose intraepitelial.

Patogênese da doença celíaca: O glúten é digerido por enzimas luminais e da borda em escova em aminoácidos e peptídeos. Os peptídeos de gliadina induzem mudanças no epitélio por meio do sistema imunológico inato e, na lâmina própria, por meio do sistema imunológico adaptativo. No epitélio, a gliadina danifica as células epiteliais, resultando em aumento da expressão de interleucina-15, que, por sua vez, ativa os linfócitos intraepiteliais. Esses linfócitos se tornam citotóxicos e matam os enterócitos que expressam a proteína de estresse MIC-A em sua superfície. Durante infecções ou como resultado de alterações de permeabilidade, a gliadina entra na lâmina própria, onde é desaminada pela transglutaminase tecidual, permitindo a interação com HLA-DQ2 (ou HLA-DQ8) na superfície de células apresentadoras de antígenos. A gliadina é apresentada aos linfócitos T CD4+ reativos à gliadina por meio de um receptor de célula T, resultando na produção de citocinas que causam danos aos tecidos. Isso leva à atrofia vilosa e hiperplasia de criptas, bem como à ativação e expansão de células B que produzem anticorpos. Figura CCBY4.0 de Kaminarskaya YuА. Celiac disease, wheat allergy, and nonceliac sensitivity to gluten: topical issues of the pathogenesis and diagnosis of gluten-associated diseases. Clinical nutrition and metabolism. 2021;2(3):113–124.

Fatores Genéticos

A ocorrência familiar da doença celíaca sugere que existe uma influência genética na sua patogênese. A doença celíaca não se desenvolve a menos que uma pessoa tenha alelos que codificam para as proteínas HLA-DQ2 ou HLA-DQ8, produtos de dois dos genes HLA.

No entanto, muitas pessoas, a maioria das quais não tem doença celíaca, carregam esses alelos; portanto, sua presença é necessária, mas não suficiente para o desenvolvimento da doença.

Estudos em irmãos e gêmeos idênticos sugerem que a contribuição dos genes HLA para o componente genético da doença celíaca é inferior a 50%.14 Vários genes não HLA que podem influenciar a suscetibilidade à doença foram identificados, mas sua influência não foi confirmada.

Fatores ambientais

Estudos epidemiológicos sugeriram que Fatores ambientais que têm um papel importante no desenvolvimento da doença celíaca . Estes incluem um efeito protetor da amamentação e a introdução de glúten em relação ao desmame. A administração inicial de glúten antes dos 4 meses de idade está associada a um aumento do risco de desenvolvimento da doença, e a introdução de glúten após os 7 meses está associada a um risco marginal. No entanto, a sobreposição da introdução de glúten com a amamentação pode ser um fator protetor mais importante na minimização do risco de doença celíaca.

A ocorrência de certas infecções gastrointestinais, como a infecção por rotavírus, também aumenta o risco de doença celíaca na infância.

Agora entenda como a pesquisa dos autoanticorpos pode ajudar no diagnóstico da doença celíaca: O papel dos autoanticorpos no diagnóstico da doença celíaca

Referências

  1. Green PH, Cellier C. Celiac disease. N Engl J Med. 2007 Oct 25;357(17):1731-43. doi: 10.1056/NEJMra071600. PMID: 17960014.
  2. Kaminarskaya YuА. Celiac disease, wheat allergy, and nonceliac sensitivity to gluten: topical issues of the pathogenesis and diagnosis of gluten-associated diseases. Clinical nutrition and metabolism. 2021;2(3):113–124.

Como Citar esse artigo

Martins BC. Patogênese da Doença Celíaca. Gastropedia, 2023, vol I. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/intestino/patogenese-da-doenca-celiaca




Obesidade: conceito, consequências e classificação

A obesidade é um problema de saúde pública com incidência crescente. Nesse artigo vamos discorrer sobre seu conceito, etiologia, classificação e consequências.

  1. Conceito e epidemiologia
  2. Consequencias da obesidade

    • Síndrome metabólica

  3. Classificação
  4. Etiologia

1. Conceito e epidemiologia

A obesidade pode ser definida pelo acúmulo de tecido gorduroso localizado ou generalizado, provocado por desequilíbrio nutricional, associado ou não a distúrbio genético ou endócrino-metabólico.

Obesidade é uma doença crônica cuja prevalência está aumentando em adultos, crianças e adolescentes e atualmente é considerara uma epidemia global. Antes considerado um problema de países desenvolvidos, a obesidade agora torna-se um problema de saúde importante também em países em desenvolvimento.

Obesidade em adultos está relacionada a redução da expectativa de vida

O sedentarismo associado as dietas com alto teor calórico incluindo não apenas carboidratos, mas também gorduras saturadas, açúcar e sal, tem contribuído para o aumento da obesidade, principalmente após a década de 80.

  • Segundo a WHO, em 2015 haviam 600 milhões de adultos com obesidade.

  • Nos EUA, são obesos mórbidos (classe III), 9.2 % da população (IMC > 40 kg/m2).

  • NO Brasil obesidade acometia 12,2% da população adulta em 2002-2003 e subiu para 26,8% em 2020, segundo IBGE

  • 29,5% das mulheres têm obesidade — praticamente uma em cada três — contra 21,8 dos homens.

  • O sobrepeso, por sua vez, foi encontrado em 62,6% das mulheres e em 57,5% dos homens.


2. Consequências da obesidade

A obesidade grave (tipo III) está associada aumento significativo de morbidade e mortalidade. Por outro lado, a perda de peso está associada a redução da morbidade associada a obesidade.

São estados patológicos agravados pela presença da obesidade e que são melhoradas pelo seu controle, dentre as mais frequentes:

  • HAS
  • DM II
  • Insuficiência vascular periférica
  • Colelitíase
  • Artropatias
  • Insuficiência coronariana
  • Dislipidemias
  • Esteatose hepática
  • Apneia do sono
  • Incontinência urinária
  • DRGE
  • Condições de limitação física e outras.

A mortalidade de obesos graves é 250% maior do que não-graves.

A mortalidade por câncer, principalmente de endométrio, também está aumentada para obesos.

Síndrome metabólica

Síndrome Metabólica corresponde a um conjunto de doenças cuja base é a resistência insulínica. Quando presente, a Síndrome Metabólica está relacionada a uma mortalidade geral duas vezes maior que na população normal e mortalidade cardiovascular três vezes maior.

Segundo Consenso Brasileiro, a Síndrome Metabólica ocorre quando estão presentes três dos cinco critérios abaixo:

  • Obesidade central – circunferência da cintura superior a 88 cm na mulher e 102 cm no homem;
  • Hipertensão Arterial – pressão arterial sistólica ≥ 130 e/ou pressão arterial diatólica ≥ 85 mmHg;
  • Glicemia alterada (glicemia ≥ 110 mg/dl) ou diagnóstico de Diabetes;
  • Triglicerídeos ≥ 150 mg/dl;
  • HDL colesterol ≤ 40 mg/dl em homens e ≤ 50 mg/dl em mulheres

* Se IMC >30, a circunf. abdominal não precisa ser determinada pois a obesidade central está presumida.

                                                        

3. Classificação

O principal índice para medir e classificar o grau da obesidade é o IMC, visto sua facilidade de aplicação e correlação com riscos de morbimortalidade.

Classificação IMC (kg/m2)
Abaixo do Peso < 18,5
Peso Normal 18,5 a 24,9
Sobrepeso 25 a 29,9
Obesidade grau I ou leve 30 – 34,9
Obesidade grau II ou moderada 35 – 39,9
Obesidade grau III ou grave ≥ 40
Superobeso ≥ 50
Classificação de acordo com o índice de massa corpórea (IMC). IMC é calculado dividindo o peso em kg pela altura (em metros) ao quadrado

        

Outra medida útil, especialmente em asiáticos e pacientes com IMC entre 25-35 é a medida da circunferência abdominal, visto que a obesidade central (associada a maiores riscos cardiometabólicos) pode não ser capturada nesses pacientes.

  • CA > 102 cm sexo masculino
  • CA > 88 cm sexo feminino

Obs: pop asiática admite-se > 90 (masc) e >80 (fem)

                                                        

4. Etiologia

Existem múltiplos fatores que podem contribuir com o desenvolvimento da obesidade

  • Genética: criança com um pai obeso apresenta risco 3-4 x maior de desenvolver obesidade. Dois pais obesos, o risco é 10 x maior
  • Idade: tendência a aumento de peso
  • Hábitos e estilo de vida: consumo de alimentos calóricos, gordurosos, sal, açúcar, sedentarismo
  • Medicações: alguns antidepressivos, antipsicoticos, anticonvulsivantes, hipoglicemiantes (insulina e sulfonilureias), hormônios contraceptivos
  • Comorbidades: hipotireoidismo, sd cushing
  • Microbiota intestinal: crescentes evidências do papel do microbiota
Saiba Mais

https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/obesidade/reganho-de-peso-e-perda-de-peso-insuficiente-apos-cirurgia-bariatrica/

Como citar esse artigo

Martins BC. Obesidade: conceito, consequências e classificação. Gastropedia, vol I, 2023. Disponível em: gastropedia.pub/pt/cirurgia/obesidade/obesidade-conceito-consequencia-classificacao




Tumores neuroendócrinos do pancreas

Introdução

A incidência dos tumores neuroendócrinos do pâncreas está crescendo, possivelmente devido à realização com maior frequência exames de imagem e à qualidade destes exames. No entanto, sua prevalência felizmente ainda é rara. Esse post do Endoscopia Terapêutica tem a finalidade de servir como um guia de consulta quando eventualmente nos depararmos com uma dessas situações no dia a dia. Se quiser saber sobre tumores neuroendócrinos duodenais confira esse outro artigo.

Conceitos gerais importantes sobre tumores neuroendócrinos do trato gastrointestinal

Os TNE correspondem a um grupo heterogêneo de neoplasias que se originam de células neuroendócrinas (células enterocromafins-like), com características secretórias.

Todos os TNE gastroenteropancreáticos (GEP) são potencialmente malignos e o comportamento e prognóstico estão correlacionados com os tipos histológicos.

Os TNE podem ser esporádicos (90%) ou associados a síndromes hereditárias (10%), como a neoplasia endócrina múltipla tipo 1 (NEM-1), SD von Hippel-Lindau, neurofibromatose e esclerose tuberosa.

Os TNE são na sua maioria indolentes, mas podem determinar sintomas. Desta forma, podem ser divididos em funcionantes e não funcionantes:

  • Funcionantes: secreção de hormônios ou neurotransmissores ativos: serotonina, glucagon, insulina, somatostatina, gastrina, histamina, VIP ou catecolaminas. Podem causar uma variedade de sintomas
  • Não funcionantes: podem não secretar nenhum peptídeo/ hormônios ou secretar peptídeos ou neurotransmissores não ativos, de forma a não causar manifestações clínicas.

Tumores neuroendócrinos do pâncreas (TNE-P)

Os TNE funcionantes do pâncreas são: insulinoma, gastrinoma, glucagonoma, vipoma e somatostatinoma.

Maioria dos TNE-P são malignos, exceção aos insulinomas e TNE-NF menores que 2 cm.

A cirurgia é a única modalidade curativa para TNE-P esporádicos, e a ressecção do tumor primário em pacientes com doença localizada, regional e até metastática, pode melhorar a sobrevida do paciente.

De maneira geral, TNE funcionantes do pancreas devem ser ressecados para controle dos sintomas sempre que possível. TNE-NF depende do tamanho (ver abaixo).

Tumores pancreáticos múltiplos são raros e devem despertar a suspeita de NEM1.

A SEGUIR VAMOS VER AS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DE CADA SUBTIPO HISTOLÓGICO

INSULINOMAS

  • É o TNE mais frequente das ilhotas pancreáticas.
  • 90% são benignos, porém são sintomáticos mesmo quando pequenos.
  • Cerca de 10% estão associadas a NEM.
  • São lesões hipervascularizadas e solitárias, frequentemente < 2 cm.
  • Tríade de Whipple:

    • hipoglicemia (< 50)
    • sintomas neuroglicopenicos (borramento visual, fraqueza, cansaço, cefaleia, sonolência)
    • desaparecimento dos sintomas com a reposição de glicose

  • insulina sérica > 6 UI/ml
  • Peptídeo C > 0,2 mmol/l
  • Pró-insulina > 5 UI/ml
  • Teste de jejum prolongado positivo (99% dos casos)
  • Saiba mais sobre insulinoma nesse outro artigo

GASTRINOMAS

  • É mais comum no duodeno, mas 30% dos casos estão no pâncreas
  • São os TNE do pâncreas mais frequentes depois dos insulinomas.
  • Estão associados a Sd. NEM 1 em 30%, e nesses casos se apresentam como lesões pequenas e multifocais.
  • Provocam hipergastrinemia e síndrome de Zollinger-Ellison.
  • 60% são malignos.
  • Tratamento: cirúrgico nos esporádicos (DPT).
  • Na NEM 1, há controvérsia na indicação cirúrgica, visto que pode não haver o controle da hipergastrinemia mesmo com a DPT (tumores costumam ser múltiplos)

GLUCAGONOMAS

  • Raros;  maioria esporádicos.
  • Geralmente, são grandes e solitários, com tamanho entre 3-7 cm ocorrendo principalmente na cauda do pâncreas.
  • Sintomas: eritema necrolítico migratório (80%), DM, desnutrição, perda de peso, tromboflebite, glossite, queilite angular, anemia
  • Crescimento lento e sobrevida longa
  • Metástase linfonodal ou hepática ocorre em 60-75% dos casos.

VIPOMAS

  • Extremamente raros
  • Como os glucagonomas, localizados na cauda, grandes e solitários.
  • Maioria maligno e metastático
  • Em 10% dos casos pode ser extra-pancreático.
  • Quadro clínico relacionada a secreção do VIP (peptídeo vasoativo intestinal):

    • diarréia (mais de 3L litros por dia) – água de lavado de arroz
    • Distúrbios hidro-eletrolítico: hipocalemia, hipocloridria, acidose metabólica
    • Rubor

  • Excelente resposta ao tratamento com análogos da somatostatina.

SOMATOSTATINOMAS

  • É o menos comum de todos
  • Somatostatina leva a inibição da secreção endócrina e exócrina e afeta a motilidade intestinal.
  • Lesão solitária, grande, esporádico, maioria maligno e metastatico
  • Quadro clínico:

    • Diabetes (75%)
    • Colelitíase (60%)
    • Esteatorréia (60%)
    • Perda de peso

TNE NÃO FUNCIONANTES DO PÂNCREAS

  • 20% de todos os TNEs do pâncreas.
  • 50% são malignos.
  • O principal diagnóstico diferencial é com o adenocarcinoma

TNE-NF bem diferenciados menores que 2 cm: duas sociedades (ENETS e NCCN) sugerem observação se for bem diferenciado. Entretanto, a sociedade norte-americana NETS recomenda observação em tumores menores que 1 cm e conduta individualizada, entre 1-2 cm.

TNE PANCREÁTICO RELACIONADOS A SINDROMES HEREDITARIAS

  • 10% dos TNE-P são relacionados a NEM-1
  • Frequentemente multicêntricos,
  • Geralmente acometendo pessoas mais jovens.
  • Geralmente de comportamento benigno, porém apresentam potencial maligno
  • Gastrinoma 30-40%; Insulinoma 10%; TNE-NF 20-50%; outros 2%
  • Tto cirúrgico é controverso, pq as vezes não controla a gastrinemia (tumores múltiplos)

Você se recorda das neoplasias neuroendócrinas múltiplas? 

As síndromes de neoplasia endócrina múltipla (NEM) compreendem 3 doenças familiares geneticamente distintas envolvendo hiperplasia adenomatosa e tumores malignos em várias glândulas endócrinas. São doenças autossômicas dominantes.

NEM-1

  • Doença autossômica dominante
  • Predispoe a TU (3Ps): Paratireóide; Pituitária (hipófise); Pâncreas,
  • Geralmente de comportamento benigno, porém apresentam potencial maligno
  • Gastrinoma 30-40%; Insulinoma 10%; TNE-NF 20-50%; outros 2%
  • Tto cirúrgico é controverso, pq as vezes não controla a gastrinemia (tumores múltiplos)
NEM-2A:

  • Carcinoma medular da tireoide,
  • Feocromocitoma,
  • Hiperplasia ou adenomas das glândulas paratireoides (com consequente hiperparatireoidismo).
NEM-2B:

  • Carcinoma medular de tireoide,
  • Feocromocitoma
  • Neuromas mucosos e intestinais múltiplos

Referências:

  1. Pathology, classification, and grading of neuroendocrine neoplasms arising in the digestive system – UpToDate ; 2021
  2. Guidelines for the management of neuroendocrine tumours by the Brazilian gastrointestinal tumour group. ecancer 2017,11:716 DOI: 10.3332/ecancer.2017.716

Como citar esse artigo:

Martins BC, de Moura DTH. Tumores neuroendócrinos do pancreas. Gasstropedia. 2022; vol I.  Disponível em: gastropedia.pub/pt/cirurgia/tumores-neuroendocrinos-do-pancreas