Qual o tratamento atual da colite por Clostridioide difficile em adultos?

A infecção pelo Clostridioide difficile (antigo Clostridium difficile) é uma importante causa de diarreia associada ao uso de antibióticos. Praticamente qualquer antibiótico pode provocar esse distúrbio, mas a clindamicina, as penicilinas (como a ampicilina e a amoxicilina), as cefalosporinas (como a ceftriaxona) e as fluoroquinolonas (como o levofloxacino e ciprofloxacino) estão mais frequentemente envolvidas. 

O tratamento da colite pelo Clostridioide difficile ainda é um desafio na prática clínica. A primeira conduta a se adotar é a interrupção do antibiótico causador da colite.

Inicialmente alguns conceitos precisam estar bem definidos, tais como:

  • Colite grave: quando leucócitos > 15000, creatinina > 1,5 ou temperatura > 38,5°.
  • Colite fulminante: presença de hipotensão ou choque, íleo paralítico ou megacólon tóxico.

As recomendações atuais são:

Primeiro episódio não grave

– Vancomicina VO 125mg 6/6h 10 dias ou
– Fidaxomicina 200mg VO 12/12h 10 dias 
– Na indisponibilidade: Metronidazol 500mg VO 8/8h 10-14 dias

Primeira recorrência não grave

– Vancomicina desmame lento (125mg 6/6h 10-14 dias, 12/12h por 7 dias, 1 x dia por 7 dias e a cada 2-3 dias por 2-8 semanas) ou
– Fidaxomicina 200mg VO 12/12h 10 dias (caso tenha usado vanco) ou
– Vancomicina dose convencional + bezlotoxumabe (10mg/kg IV dose única se: segundo episódio de colite ocorre dentro de 6 meses do episódio inicial e >65 anos e/ou imunodeprimidos)
Segunda recorrência não grave – Transplante de microbiota fecal ou 
– Fidaxomicina pulsado (200mg 12/2h 5 dias e depois 200mg em dias alternados por 20 dias) ou 
– Vancomicina desmame lento ou 
– Fidaxomicina dose convencional ou vancomicina dose convencional + beztoloxumabe 
Primeiro episódio grave – Fidaxomicina ou vancomicina 
– Considerar associar beztoloxumabe se paciente de alto risco (segundo episódio de colite ocorre dentro de 6 meses do episódio inicial, >65 anos e/ou imunossuprimidos)

Colite fulminante

– Vancomicina 500mg VO 6/6h + Metronidazol 500mg 8/8h EV podendo associar com Vancomicina retal (500mg em 100ml de solução salina retal por 6 horas) se presença de íleo paralítico
– Considerar a tigeciclina (100mg IV ataque e 50mg 12/12h)

O que temos observado recentemente é a incorporação da fidaxomicina como primeira linha em casos leves ou graves e o papel do beztoloxumabe (anticorpo monoclonal) na prevenção de recorrência.

O transplante de microbiota fecal desempenha uma importante estratégia na segunda recorrência, mas em casos complicados ainda há dúvidas.

Atualmente ainda não dispomos da fidaxomicina nem do beztoloxumabe no Brasil.

Referência bibliográfica

  1. J Antimicrob Chemother. 2022, Dec 23;78(1):21-30
  2. Clin Microbiol Infect. 2021 Dec;27 Suppl 2:S1-S21

Como citar este artigo

Carlos A. Qual o tratamento atual da colite por Clostridioide difficile em adultos? Gastropedia vol. 1, 2023. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/sem-categoria/strongqual-o-tratamento-atual-da-colite-por-emclostridioide-difficile-em-em-adultos/




Para quais condições gastrintestinais o probiótico está indicado?

O uso de probióticos tem sido estudado em diversas doenças gastrintestinais. O racional é que nossa microbiota intestinal possui cerca de 40 trilhões de bactérias e estas quando em equilíbrio podem ser responsáveis por uma “up regulação” de genes anti-inflamatórios e uma “down regulação” de genes pro-inflamatórios. 

Ao analisarmos as evidências científicas atuais nos deparamos com uma grande heterogeneidade (metodologia, cepa, dose) dos estudos e com ausência de comparações diretas entre os probióticos testados.

Atualmente a indicação de probióticos com maior nível de evidência é o uso na prevenção e/ou tratamento da diarreia associada a antibióticos.

Indicações com evidência moderada são: tratamento da diarreia aguda infecciosa principalmente em crianças e casos de bolsite leve na retocolite ulcerativa (RCU).

Condições com evidência fraca são: prevenção da colite por Clostridioide difficile, erradicação do Helicobacter pylori, síndrome do intestino irritável, constipação intestinal funcional, doença inflamatória intestinal, doença hepática gordurosa não alcoólica e prevenção de câncer colorretal.


Referências bibliográficas

  1. Penumetcha SS et al.Cureus. 2021 Dec 17;13(12):e20483.
  2. Zhang T et al. Front Cell Infect Microbiol. 2022 Apr 1;12:859967.
  3. Zhang L et al. BMC Geriatr. 2022 Jul 6;22(1):562.
  4. SU GL et al. Gastroenterology. 2020 Aug;159(2):697-705.

Como citar este arquivo

Carlos A., Para quais condições gastrintestinais o probiótico está indicado?. Gastropedia 2022. Disponível em: https://gastropedia/gastroenterologia/intestino/para-quais-condicoes-gastrintestinais-o-probiotico-esta-indicado




Transplante de Microbiota Fecal

O transplante de microbiota fecal (TMF) ou transplante fecal consiste na infusão de fezes de um doador saudável no trato gastrointestinal de um paciente que possua alguma doença relacionada a alteração da flora intestinal.

Os primeiros relatos de TMF são de 1700 anos atrás em que um médico chinês administrava suspensões de fezes humanas por via oral a pacientes com intoxicação alimentar e/ou diarreia grave. Em 2013 foi publicado na New England Journal of Medicine o primeiro estudo bem desenhado sobre o sucesso do TMF em infeções por Clostridium difficile e que a partir daí tem motivado inúmeros outros trabalhos relacionados ao tema.

A indicação formal do TMF atualmente é nas infecções recorrentes por Clostridium difficile com uma taxa de cura de até 90%.

Há estudos em andamento de TMF em outras doenças gastrintestinais (doença inflamatória intestinal, síndrome do intestino irritável) assim como em doenças endócrinas (obesidade, síndrome metabólica), neurológicas (Parkinson, esclerose múltipla), hematológicas (PTI, GVHD) e psiquiátricas (autismo).

Para o bom andamento do TMF é necessário uma equipe multidisciplinar (médico assistente quer seja o clínico, gastroclínico ou geriatra, infectologista e o endoscopista) alinhada e com protocolo bem estabelecido no serviço.

ETAPAS DO PROCEDIMENTO

1. ESCOLHA DO DOADOR

O doador pode ser aparentado ou não. Este deverá passar por um screening infeccioso rigoroso e um questionário quanto a presença de outras doenças que possam inviabilizar a doação.

2. COLETA, PREPARO E ADMINISTRAÇÃO DO MATERIAL

O doador deve chegar no laboratório do dia do procedimento e o tempo ideal entre a coleta das fezes e a infusão do material é de 6 horas. O peso fecal deve ser no mínimo de 50g e o volume total da suspensão é de 100 a 200ml, que será infundido a depender da rota escolhida. Há opção também de congelar o material mas é preferível a utilização de fezes frescas (vide imagem abaixo).

3. ROTA DE ADMINISTRAÇÃO

Segundo os artigos publicados até o momento todas as 5 rotas estudadas apresentam resultados semelhantes. Desta maneira o TMF pode ser realizado por:

  • Endoscopia digestiva alta com sonda nasogástrica/nasoenteral
  • Enteroscopia anterógrada
  • Colonoscopia
  • Retosigmoidoscopia
  • Enema

O que vai determinar a escolha do método será a condição clínica do paciente e experiência do endoscopista. Na via alta é sugerido infundir no intestino delgado até 100ml lentamente através da sonda nasoenteral ou pelo próprio canal de acessório ou por um cateter spray. Na rota baixa sugere-se infundir a maior quantidade possível do material (média de 200ml) no íleo terminal e cólon direito.

4. CUIDADOS PRÉ, PERI E PÓS TMF

O preparo do exame é o jejum adequado e nos casos de a rota escolhida ser baixa pode ser realizado preparo intestinal com solução de manitol ou polietilenoglicol.

Alguns cuidados podem ser tomados, no entanto ainda nada consensual, tais como:

  • Uso de inibidores de bomba de prótons
  • Uso de procinéticos
  • Uso de antidiarreicos (loperamida)

É preconizada a infusão de cerca de 100ml do material fecal de forma lenta quando utilizada a via alta ao passo que quando o TMF é feito por via baixa utilizam volumes pouco maiores (cerca de 200ml).

5. EVENTOS ADVERSOS

Os eventos adversos podem ocorrer em até 30% dos casos sendo geralmente nas primeiras 48 horas pós procedimento e tratados conservadoramente. Os mais comuns são febre, diarreia, cólicas abdominais e eructações. Já foram descritos casos raros de óbito por regurgitação com broncoaspiração do material fecal e perfuração por megacolon tóxico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Até o momento a única indicação do TMF com evidência científica comprovada é nas infecções graves por Clostridium difficile. Por conta do aumento na incidência e morbimortalidade relacionada a infecção pelos C difficile o transplante de microbiota fecal tem sido um boa opção terapêutica nos casos selecionados. No Brasil ainda não há um regimento bem definido para o procedimento e são poucos centros que tem feito o TMF. No entanto com as descobertas recentes da influência da microbiota intestinal na resposta imune, pode ser que no futuro novas indicações surjam e o TMF seja um procedimento largamente utilizado no nosso país.

COMO CITAR ESTE ARTIGO

Carlos A. Transplante de Microbiota Fecal. Gastropedia 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/intestino/transplante-de-microbiota-fecal

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Bennet JD, et al. Lancet. 1989 Jan 21;1(8630):164.
  2. Zhang F, et al. Am J Gastroenterol. 2012 Nov;107(11):1755
  3. Van Nood E, et al. N Engl J Med. 2013 Jan 31;368(5):407-15
  4. Cammarota G, et al. Gut 2017;66:569–580
  5. Mullish BH, et al. Gut 2018;0:1–22
  6. Choi HH, et al. Clin Endosc. 2016 May;49(3):257-65