Prevenindo novos episódios de diverticulite aguda: quando tratar clinicamente e quando operar?

Introdução

A diverticulite aguda é um problema gastrointestinal comum e recorrente que se caracteriza pela inflamação de um ou mais divertículos no cólon. Ela pode ocorrer tanto em formas leves quanto graves, podendo causar complicações como fístulas, estenoses e perfurações intestinais. Estudos mostram que o risco de recorrência varia de 20% a 40% e que frequentemente a recorrência acontece nos primeiros 12 meses após o episódio inicial. Desta forma, é importante discutirmos as abordagens de prevenção secundária e indicar quando é apropriado recorrer à cirurgia.

Se quiser saber mais sobre a fisiopatologia da diverticulite aguda e outras compicações da doença diverticular, confira esse post: Doença diverticular do cólon: epidemiologia e fisiopatologia

Se quiser saber mais sobre o tratamento da diverticulite aguda, confira esse post: Tratamento da Diverticulite Aguda

Fisiopatologia da diverticulite aguda
Fisiopatologia da diverticulite aguda: Alterações da microbiota, perda da função de barreira, inflamação e trauma causado por fecalito são os principais mecanismos propostos para a diverticulite aguda.

Intervenções Dietéticas

Fibras Alimentares

A abordagem alimentar é frequentemente considerada a primeira linha de ação na prevenção de novos episódios. As diretrizes da American Gastroenterological Association (AGA) sugerem uma dieta rica em fibras para pacientes com histórico de diverticulite aguda [1]. No entanto, a qualidade da evidência por trás dessa recomendação é baixa. Alguns estudos mostram que a dieta rica em fibras não é eficaz na prevenção de episódios recorrentes ou no tratamento de sintomas gastrointestinais recorrentes em comparação com uma dieta padrão ou pobre em fibras.

Probióticos

Os probióticos são outra intervenção dietética em potencial, embora a falta de evidência sólida impeça sua recomendação para a prevenção secundária de diverticulite. Até o momento, os estudos disponíveis não forneceram dados convincentes sobre sua eficácia.

Terapias Farmacológicas

Mesalazina

A mesalazina, um anti-inflamatório não esteroide, foi extensivamente estudada para sua eficácia na prevenção de episódios recorrentes de diverticulite. Uma meta-análise envolvendo 2.461 pacientes não conseguiu demonstrar uma redução significativa nas taxas de recorrência em comparação com um placebo. No entanto, um estudo de menor escala (DIVA), apontou que a mesalazina poderia ter efeitos benéficos na minimização da gravidade dos sintomas e aceleração da recuperação [3].

Rifaximina

Outra opção terapêutica é a rifaximina, um antibiótico com baixa absorção. Alguns estudos mostraram que a rifaximina, quando usada em conjunto com suplementos de fibra, conseguiu reduzir significativamente o risco de recorrência. A associação de rifaximina com mesalazina parece ter melhor resultado do que a rifaximina sozinha (taxa de recorrência 2,7% vs 13,0%), sugerindo uma potencial sinergia entre as duas drogas.

Tratamento Cirúrgico

A abordagem para a cirurgia eletiva em pacientes com diverticulite aguda tem evoluído ao longo do tempo. Anteriormente, a cirurgia era recomendada principalmente após episódios recorrentes e complicados, como obstrução e formação de fístulas, especialmente após duas crises que necessitavam de hospitalização. No entanto, tanto as diretrizes da ASCRS como alguns estudos recentes, sugerem uma abordagem mais individualizada [6].

O número de episódios já não é mais o único critério para a decisão cirúrgica. Idade, condições médicas coexistentes, gravidade do episódio e sintomas persistentes também devem ser considerados. Esta mudança ocorre porque a maioria dos episódios recorrentes apresenta um curso benigno e somente uma minoria (5%) requer cirurgia urgente. Estes episódios recorrentes parecem apresentar menor risco de perfuração, talvez pela formação de aderências causadas pela inflamação pregressa.

É importante notar que, apesar da morbidade pós-operatória (10-15%) e do risco residual de recorrência da doença, estudos como o ensaio DIRECT demonstraram que a qualidade de vida melhora significativamente após a cirurgia em comparação com o manejo conservador [5]. No entanto, o manejo conservador resulta em mais reinternações devido à recorrência da doença.

A colectomia laparoscópica é o método cirúrgico recomendado, dadas suas vantagens em termos de menor morbidade e recuperação mais rápida. As principais indicações para a cirurgia incluem estenose, fístulas, hemorragia diverticular recorrente, pacientes jovens, pacientes imunossuprimidos e a impossibilidade de excluir carcinoma. Idealmente deve-se aguardar pelo menos 6 semanas após o episódio de agudização para realizar a cirurgia eletiva.

Por fim, é fundamental a discussão multidisciplinar para uma tomada de decisão informada, levando em consideração o perfil de risco cirúrgico, a necessidade de imunossupressão e a preferência do paciente.

Conclusão

A abordagem terapêutica para prevenir novos episódios de diverticulite aguda deve ser individualizada, considerando a gravidade e a frequência dos sintomas, o perfil de risco cirúrgico e as preferências do paciente. Novas pesquisas são necessárias para solidificar as melhores práticas em prevenção secundária, incluindo a eficácia de diferentes regimes farmacológicos e abordagens cirúrgicas.

Referências

  1. Stollman N et al. American Gastroenterological Association Institute Guideline on the Management of Acute Diverticulitis. Gastroenterology 149, 1944–1949 (2015). [PubMed: 26453777]
  2. Khan RMA, Ali B, Hajibandeh S & Hajibandeh S Effect of mesalazine on recurrence of diverticulitis in patients with symptomatic uncomplicated diverticular disease: a meta-analysis with trial sequential analysis of randomized controlled trials. Colorectal Disease 20, 469–478 (2018). [PubMed: 29520987]
  3. Stollman N, Magowan S, Shanahan F, Quigley EMM & DIVA Investigator Group. A randomized controlled study of mesalamine after acute diverticulitis: results of the DIVA trial. J. Clin. Gastroenterol. 47, 621–629 (2013). [PubMed: 23426454]
  4. Tursi A, Brandimarte G & Daffinà R Long-term treatment with mesalazine and rifaximin versus rifaximin alone for patients with recurrent attacks of acute diverticulitis of colon. Digestive and Liver Disease 34, 510–515 (2002). [PubMed: 12236485]
  5. Bolkenstein HE, Consten ECJ, van der Palen J, van de Wall BJM, Broeders IAMJ, Bemelman WA, Lange JF, Boermeester MA, Draaisma WA; Dutch Diverticular Disease (3D) Collaborative Study Group. Long-term Outcome of Surgery Versus Conservative Management for Recurrent and Ongoing Complaints After an Episode of Diverticulitis: 5-year Follow-up Results of a Multicenter Randomized Controlled Trial (DIRECT-Trial). Ann Surg. 2019 Apr;269(4):612-620. doi: 10.1097/SLA.0000000000003033. PMID: 30247329.
  6. Hall J, Hardiman K, Lee S, Lightner A, Stocchi L, Paquette IM, Steele SR, Feingold DL; Prepared on behalf of the Clinical Practice Guidelines Committee of the American Society of Colon and Rectal Surgeons. The American Society of Colon and Rectal Surgeons Clinical Practice Guidelines for the Treatment of Left-Sided Colonic Diverticulitis. Dis Colon Rectum. 2020 Jun;63(6):728-747.
  7. Tursi A, Scarpignato C, Strate LL, Lanas A, Kruis W, Lahat A, Danese S. Colonic diverticular disease. Nat Rev Dis Primers. 2020 Mar 26;6(1):20. doi: 10.1038/s41572-020-0153-5. PMID: 32218442

Como citar este artigo

Martins BC e Camargo MGM. Prevenindo Novos Episódios de Diverticulite Aguda: Quando Tratar Clinicamente e Quando Operar? 2023; vol 2. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/colorretal/prevenindo-novos-episodios-de-diverticulite-aguda-quando-tratar-clinicamente-e-quando-operar/




Atualizações no diagnóstico de DRGE: Consenso de Lyon 2.0 (2023)

Desde 2018, o consenso de Lyon tornou-se a principal referência para definição de critérios para diagnóstico de certeza da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE). Contudo, a ciência está em constante evolução e, portanto, acaba de ser publicada a versão 2.0 deste consenso, atualizando as recomendações conforme os resultados de estudos dos últimos cinco anos. Caso queira acesso a esta nova versão na íntegra, basta clicar aqui. O Gastropedia, contudo, traz aqui os highlights para facilitar sua vida.

Qual a relevância?

A presença de sintomas típicos de DRGE, por vezes, é suficiente para a prescrição de terapia medicamentosa com antissecretores (ex: inibidores de bomba de prótons, bloqueadores ácidos competitivos de potássio). Contudo, um diagnóstico inquestionável de DRGE é recomendado para investigar sintomas não típicos, avaliar adequadamente pacientes com sintomas refratários, justificar o uso prolongado de medicamentos ou indicar terapia invasiva.

Quais as principais mudanças?

  • Esofagite erosiva Los Angeles grau B passa a ser evidência conclusiva para diagnóstico de DRGE, seguindo tendência das publicações dos guidelines de 2022 da AGA (American Gastroenterological Association) e da ACG (American College of Gastroenterology clique aqui e veja resumo que publicamos previamente no Gastropedia!);
  • Definição de métricas para usar na pHmetria prolongada sem fio;
  • Definição de parâmetros para diagnóstico de DRGE refratária em exames realizados em uso de tratamento antissecretor;
  • Reforça que pacientes com sintomas atípicos isolados têm uma menor probabilidade de associação com DRGE e que, portanto, devem preferencialmente ser investigados com endoscopia e monitorização prolongada de refluxo em detrimento de terapia empírica (você pode ler mais sobre o tema clicando aqui);

Quando eu tenho um diagnóstico de certeza de DRGE?

  • Critérios em endoscopia digestiva alta (para maximizar o rendimento diagnóstico, realizar 2 a 4 semanas após suspender terapia antissecretora):

    • Esofagite erosiva graus B, C ou D;
    • Esôfago de Barrett confirmado em biópsia;
    • Estenose esofágica péptica.

  • Critérios em exames de monitorização prolongada de refluxo

    • Tempo de exposição ácida total (AET) > 6%
    • > 80 episódios de refluxo
    • Média noturna basal da impedância (MNBI) < 1500 Ω

  • Quando há evidências limítrofes ou inconclusivas nos exames de endoscopia e de monitorização prolongada de refluxo apoiadas por evidências adjuvantes.

Devo suspender ou não o IBP para realizar a pHmetria?

Na maioria das vezes, o exame de monitorização prolongada do refluxo deve ser realizado após a suspensão da terapia antissecretora por pelo menos 7 dias. Contudo, suspender ou não o IBP irá depender dos exames prévios e do objetivo do exame, conforme descrito a seguir:

  • Exame SEM terapia antissecretora por pelo menos 7 dias: Utilizar quando eu ainda quero confirmar DRGE (no caso, por exemplo, de investigação em paciente com endoscopia sem esofagite erosiva ou com Los Angeles A);
  • Exame EM terapia antissecretora: Utilizar quando eu já tenho certeza de que tem DRGE, mas quero investigar porque os sintomas persistem. Neste caso, o uso de impedâncio-pHmetria pode ser superior, uma vez que possibilita a identificação de refluxos não-ácidos ou fracamente ácidos.

A seguir, segue um resumo dos achados que estabelecem evidência conclusivas para DRGE conforme Consenso de Lyon 2.0.

Figura 1: Definições para diagnóstico de certeza da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) conforme Consenso de Lyon 2.0. Adaptado de Gyawali CP et al, 2023.

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Referências

  1. Gyawali CP, Yadlapati R, Fass R, et al. Updates to the modern diagnosis of GERD: Lyon consensus 2.0. Gut. Epub ahead of print 21 Sep 2023. doi: 10.1136/gutjnl-2023-330616

Como citar este artigo

Lages RB. Atualizações no diagnóstico de DRGE: Consenso de Lyon 2.0 (2023) Gastropedia 2023, vol. 2. Disponível em: gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/esofago/atualizacoes-no-diagnostico-de-drge-consenso-de-lyon-2-0-2023/




Tratamento da Diverticulite Aguda

A doença diverticular do cólon é uma causa importante de internações hospitalares e acarreta custos significativos no sistema de saúde das sociedades ocidentais e industrializadas. A fisiopatologia e epidemiologia da diverticulite já foi abordada anteriormente no Gastropedia nesse outro post. Nesse artigo vamos abordar o tratamento da diverticulite aguda.

A primeira decisão acerca do tratamento de um paciente com diverticulite envolve determinar a necessidade de internação ou não.

A diverticulite aguda apresenta-se de forma leve na maioria dos casos. Pacientes com sintomas leves de dor abdominal, sem queda do estado geral, com trânsito intestinal normal e capazes de aceitar dieta oral e com cognição razoável para entender as explicações sobre as indicações de sofrer reavaliação podem ser tratados sem hospitalização. O tratamento ambulatorial é habitualmente eficaz e menos de 10% dos pacientes são readmitidos.

Quadros leves – pacientes não hospitalizados

O tratamento para pacientes não hospitalizados apresenta algumas divergências entre os guidelines e pode incluir dieta líquida (ou leve), hidratação oral e antibióticos (ou não – leia mais sobre o tema clicando aqui ).

Nossa recomendação:

  • dieta líquida sem resíduos;
  • controle da dor com analgésicos e antiespasmódicos;
  • antibióticos de largo espectro por 7-10 dias. Os antibióticos devem cobrir a flora gastrointestinal de gram-negativos e bactérias anaeróbias;
  • a maioria dos estudos recomenda como primeira linha a combinação de fluroquinolona (ciprofloxacina 200-400mg/12h) e metronidazol (500mg/8h);
  • como alternativa ao metronidazol pode se recorrer à clindamicina (lembrar que estamos falando de ATB vo).

Quando devemos internar?

As seguintes situações reforçam a necessidade de internação hospitalar:

  • Diverticulite complicada (perfuração franca, abscesso, obstrução, fístula, etc);
  • Sinais de sepse: temperatura >38C, FC > 90, FR > 20, Leucocitose ou leucopenia importante, PCR > 15 md/dL;
  • pacientes com maior risco (muito idosos, diabéticos, insuficiência cardíaca, doença renal crônica, doença pulmonar obstrutiva crônica, obesos, com doença do tecido conjuntivo ou imunossuprimidos, aqueles em corticoterapia prolongada);
  • pacientes incapazes de tolerar dieta e hidratação oral;
  • dor abdominal importante, com suspeita de complicações;
  • pacientes sem melhora com tratamento ambulatorial inicial.

Todos os pacientes submetidos a internação devem se submeter a TC e receber ATBterapia.

Tratamento dos pacientes hospitalizados

No tratamento dos pacientes hospitalizados, o jejum (hidratação EV) ou a dieta líquida ou leve são considerados pelos diferentes guidelines a depender do grau da complicação.

Em relação a antibioticoterapia, a via de acesso também é motivo de divergência entre os diversos guidelines, podendo ser utilizado por via oral ou endovenosa. O tempo de uso também varia entre 4 a 10 dias.

Nossa recomendação nos casos não complicados:

  • Antibioticoterapia EV (podendo ser alterada para VO quando boa aceitação da dieta no terceiro ao quarto dia), incluindo cobertura para gram positivos, gram negativos, anaeróbios e aeróbios.
  • Os esquemas antibióticos mais utilizados são ciprofloxacino (ou Ceftraxione) associado a metronidazol, ou ampicilina + gentamicina + metronidazol.
  • Melhora sintomática e laboratorial deve ser esperada em dois a quatro dias quando a dieta pode ser avançada.
  • Pacientes sem complicações e que apresentem boa condição clínica podem receber alta e é sugerido completar o uso de antibiótico por pelo menos 7 dias, se estendendo até 14 dias em casos selecionados.

Abordagem do abscesso diverticular (Hinchey I e II)

  • A escolha do tratamento depende muito do tamanho do abscesso, da sua localização, se está acessível para drenagem percutânea e a apresentação clínica do doente.
  • Abscessos > 3 cm são tratados principalmente com drenagem percutânea, antibioterapia IV, dieta líquida e controle da dor.
  • A melhoria significativa na temperatura, dor abdominal e leucocitose geralmente é observada dentro de 48 horas após o início do tratamento.
  • A intervenção cirúrgica pode tornar-se necessária se o abscesso não for acessível para drenagem ou se os sintomas persistirem ou piorarem, mesmo com a drenagem. Assim, a cirurgia de urgência com ressecção, continua a ser a única opção bem documentada se o doente estiver instável ou se o tratamento clínico falhar.
  • As contraindicações à drenagem percutânea são: peritonite purulenta ou fecal difusa ou coleção sem acesso por abordagem percutânea.
  • A drenagem percutânea trata com sucesso 80% dos doentes.

Abordagem de perfuração livre (Hinchey III e IV)

  • Os doentes com peritonite generalizada purulenta (Hinchey III) ou peritonite fecal (Hinchey IV) são tipicamente doentes com sintomas e sinais de sepse.
  • A fluido terapia agressiva imediata e antibióticos IV de amplo espetro devem ser administrados imediatamente.
  • As taxas de mortalidade relatadas são 6% para peritonite purulenta e 35% para peritonite fecal.
  • A intervenção cirúrgica de emergência é necessária para controlar a origem da sepse.

Indicação do tratamento cirúrgico de URGÊNCIA na diverticulite aguda

  • Falha da terapêutica medicamentosa;
  • Diverticulite complicada (perfuração, peritonite);
  • Instabilidade ou sepse;

A ressecção com anastomose primária com ou sem ostomia de proteção é hoje considerada o método padrão-ouro pois apresenta vantagens como eliminação foco séptico e absorção sistêmica de toxinas, diminuição da mortalidade operatória geral, redução do número de operações e custo hospitalar, ressecção de segmento que pode albergar câncer e o fato de permitir a lavagem e a drenagem da cavidade de forma mais efetiva, de acordo com o último guideline da Sociedade Americana de Cirurgiões Colorretais (ASCRS) (Hall J, et al. Dis Colon Rectum. 2020). Entretanto, a escolha da técnica cirúrgica depende da estabilidade hemodinâmica do paciente, da extensão da contaminação peritoneal e da experiência do cirurgião. Muitos serviços ainda recomendam a cirurgia de Hartmann em casos de peritonite fecal.

Aspectos técnicos da cirurgia

Em relação aos aspectos técnicos da cirurgia, existe uma concordância entre todos os guidelines que a margem proximal da ressecção deve ser em tecido saudável, não havendo a necessidade de retirar todo cólon remanescente apenas porque existem divertículos no mesmo.

Já a margem distal deve ser em reto proximal, abaixo da transição retossigmoide.

A anastomose colorretal deve ser realizada em tecido são, e não deve incluir divertículos na linha de grampeamento (ou de sutura).

A artéria mesentérica inferior deve ser preservada quando não há suspeita de malignidade.

Não há consenso em relação a mobilização da flexura esplênica. Entretanto, na disciplina de Coloprocotolgia do HCFMUSP preconizamos a mobilização de rotina da flexura esplênica para confeccionar a anastomose sem tensão.

É essencial a identificação dos ureteres e dos nervos pré-sacrais, assim como a manutenção da vascularização apropriada, evitando-se a dissecção do mesentério friável.

Dificuldade cirúrgicas na diverticulite aguda:

  • Presença de abscessos, coleções e aderências secundárias ao processo inflamatório e infeccioso
  • Distorções anatômicas
  • Trajetos fistulosos podem estar presentes
  • Friabilidade dos tecidos
  • Os pacientes tendem a ser idosos e com comorbidades associadas
  • Muito dos pacientes são obesos com bastante gordura visceral
Algoritmo para o manejo da diverticulite aguda não complicada: A suspeita clínica de diverticulite aguda precisa ser confirmada por meio de imagens (ultrassom e/ou tomografia computadorizada) e parâmetros laboratoriais (contagem de leucócitos, taxa de sedimentação de eritrócitos e proteína C-reativa, que se correlacionam com a gravidade da doença). No cenário de diverticulite aguda não complicada, leucócitos normais e baixa PCR (juntamente com ausência de febre) caracterizam pacientes como de baixo risco, nos quais o tratamento ambulatorial é viável (considerar fatores como comorbidades, imunossupressão e suporte ambulatorial). Pacientes ambulatoriais devem ser tratados com uma dieta líquida clara (pobre em fibras) e antimicrobianos só devem ser administrados em casos selecionados. Para pacientes que necessitam de internação, líquidos intravenosos e antimicrobianos intravenosos devem ser administrados. Em ambos os pacientes de baixo e alto risco, espera-se melhora dos sintomas em 2–3 dias e, então, a dieta normal pode ser retomada. Se a melhora continuar, os pacientes podem ser liberados para completar um curso de antibióticos de 7–10 dias em casa. A falha do tratamento conservador justifica pesquisa de complicações, consideração de diagnósticos diferenciais e avaliação da equipe cirúrgica.

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Referências

  1. Hall J, Hardiman K, Lee S, Lightner A, Stocchi L, Paquette IM, Steele SR, Feingold DL; Prepared on behalf of the Clinical Practice Guidelines Committee of the American Society of Colon and Rectal Surgeons. The American Society of Colon and Rectal Surgeons Clinical Practice Guidelines for the Treatment of Left-Sided Colonic Diverticulitis. Dis Colon Rectum. 2020 Jun;63(6):728-747.
  2. Tursi A, Scarpignato C, Strate LL, Lanas A, Kruis W, Lahat A, Danese S. Colonic diverticular disease. Nat Rev Dis Primers. 2020 Mar 26;6(1):20. doi: 10.1038/s41572-020-0153-5. PMID: 32218442

Como citar este artigo

Martins BC e Camargo MGM. Tratamento da Diverticulite Aguda Gastropedia 2023; vol 2. Disponível em: gastropedia.pub/pt/cirurgia/tratamento-da-diverticulite-aguda/




Pólipos de Colesterol e Colesterolose

Os pólipos de colesterol e a colesterolose são condições benignas causadas pelo acúmulo de lipídios na mucosa da parede da vesícula biliar. Para ter uma visão geral dos pólipos de vesícula biliar, confira esse outro post: Pólipo de vesícula biliar.

A colesterolose difusa é normalmente diagnosticada incidentalmente durante a colecistectomia, sendo que seu diagnóstico geralmente não é realizado por ultrassonografia e não está incluído no diagnóstico diferencial de pólipos na vesícula biliar.

Os pólipos de colesterol são a forma polipoide da colesterolose, sendo os pólipos mais comuns na vesícula biliar. Geralmente são achados incidentais durante ultrassonografia de abdômen. Geralmente são assintomáticos, mas em alguns casos o pedículo (frágil) pode se romper, resultando em complicações similares às causadas por cálculos biliares.

Epidemiologia

A colesterolose é comum, com prevalência variando de 9 a 26 por cento em séries cirúrgicas. Sua prevalência parece ser semelhante entre homens e mulheres.

Patogênese

A colesterolose resulta de depósitos anormais de triglicerídeos, precursores de colesterol e ésteres de colesterol na mucosa da vesícula biliar. O acúmulo de lipídios cria depósitos amarelos geralmente visíveis a olho nu. Esses depósitos amarelos em um fundo de mucosa hiperêmica levaram à descrição dessa descoberta como “vesícula biliar em morango”. A principal característica microscópica é a presença de macrófagos carregados de gordura dentro de vilosidades alongadas. A vilosidade hiperplásica é preenchida e distendida por essas células, criando pequenos nódulos amarelos sob o epitélio. Em um terço dos casos esses nódulos são maiores do que 1mm e assumem aparência polipoide, dando origem a pólipos de colesterol únicos ou múltiplos que estão ligados à mucosa por um pedículo frágil (cujo núcleo é composto por macrófagos repletos de lipídios). Esses pólipos podem se romper, resultando em complicações semelhantes às causadas por pequenos cálculos biliares, incluindo dor biliar, pancreatite e icterícia obstrutiva.

Pólipos de cholesterol. Adaptado de: Sleisenger and Fordtran’s Gastrointestinal and liver disease 9th ed p 1146 – 1149

Diagnóstico

No USG de abdômen os pólipos de colesterol geralmente são:

  • múltiplos
  • homogêneos
  • polipoides
  • mais ecogênicos do que o parênquima hepático
  • menores que 1 cm.

Obs: A colesterolose difusa não possui achados ultrassonográficos específicos e o diagnóstico geralmente é feito durante a cirurgia.

Resumo sobre Pólipos de Colesterol e Colesterolose na Vesícula Biliar
-Pólipos de Colesterol e Colesterolose: São condições benignas que afetam a vesícula biliar, podendo causar sintomas e complicações.
-Colesterolose: É uma condição benigna caracterizada pelo acúmulo de lipídios na mucosa da parede da vesícula biliar. Pode se apresentar como difusa ou polipoide, sendo frequentemente diagnosticada incidentalmente durante a colecistectomia.
-Pólipos de Colesterol: São a forma polipoide da colesterolose, os pólipos mais comuns na vesícula biliar. São tipicamente detectados por ultrassonografia, muitas vezes assintomáticos, mas podem levar a sintomas semelhantes a cálculos biliares.
-Epidemiologia: A colesterolose é comum, variando de 9% a 26% em estudos cirúrgicos. Sua associação com cálculos biliares é frequente. A prevalência é similar entre homens e mulheres.
-Patogênese: Resulta de depósitos anormais de lipídios na mucosa da vesícula biliar. Em 1/3 dos casos assumem a forma polipoide.
-Forma Polipoide: Depósitos dão origem a pólipos de colesterol, podendo romper-se e causar complicações semelhantes a cálculos biliares, como dor e icterícia.
-Diagnóstico: são frequentemente detectados incidentalmente por USG.
-Ultrassonografia: geralmente são múltiplos, homogêneos e polipoides, mais ecogênicos que o fígado e menores que 1 cm.

Referências

Zakko WF. Gallbladdder polyps. 2023. Disponível em uptodate.com

Como citar este artigo

Martins BC. Pólipos de Colesterol e Colesterolose Gastropedia 2023; vol 2. Disponível em:
https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/hepatopancreatobiliar/polipos-de-colesterol-e-colesterolose/




Resumo da Live: Desvendando as Lesões Císticas do Pâncreas

Caros,

Segue abaixo os slides com as principais mensagens passadas durante nossa live de Lesões Císticas do Pâncreas. 

Se você perdeu a live ou se quiser rever alguns trechos clique nesse link: Desvendando as Lesões Císticas do Pâncreas

Bons estudos!

Neoplasias papililferas intraductais produtoras de mucina




Quando está recomendado o uso de betabloqueador em pacientes com cirrose hepática?

A hipertensão portal é a complicação mais comum da cirrose hepática e é considerada o ponto chave para o desencadeamento de ascite, encefalopatia e varizes de esôfago e, dessa forma, é considerada um marco para tomada de decisões, sendo o seu diagnóstico fundamental no seguimento de pacientes cirróticos.

Como podemos fazer o diagnóstico de hipertensão portal?

O padrão ouro para definição da hipertensão portal é a medida do gradiente venoso de pressão hepática (HPVG). Valores acima acima de 5mmHG definem hipertensão portal. Quando esse gradiente ultrapassa 10mmHg, consideramos que a hipertensão portal é clinicamente significativa (HPCS), estando o paciente propenso ao aparecimento de descompensações. A presença de varizes de esôfago em pacientes com diagnóstico de cirrose, também implica na presença de hipertensão portal clinicamente significante independente da medida do gradiente venoso.

Como a realização da medida do gradiente venoso de pressão hepática não é uma prática rotineira, além de ser um exame invasivo, admite-se que, valores de rigidez hepática ≥ 25 kPa obtidos através da elastografia hepática transitória, são definidores de HPCS, com especificidade e valor preditivo positivo > 90%. Por ser um exame não invasivo, capaz de fornecer tal informação, a elastografia hepática transitória tem sido cada vez mais utilizada no seguimento de pacientes cirróticos compensados a fim de fornecer dados para que possa ser instituído precocemente o tratamento farmacológico da hipertensão portal, sem que haja a necessidade da realização de endoscopias seriadas ou mesmo a medida do gradiente venoso de pressão hepática.

E qual o papel dos betabloqueadores no tratamento do paciente com cirrose hepática?

Os betabloqueadores não-seletivos (propranolol, nadolol e carvedilol), tem sido usado de rotina, com benefícios comprovados na profilaxia primaria de sangramento de varizes de risco e como adjuvante na profilaxia secundária do sangramento varicoso.

São considerados pacientes de alto risco para sangramento aqueles com varizes esofágicas de fino calibre com sinais da cor vermelha, varizes de médio e grosso calibre, varizes gástricas e pacientes descompensados em ascite com variz de qualquer tamanho.

O Carvedilol é um betabloqueador não- seletivo, com atividade alfa-1 bloqueadora e parece ser mais efetivo do que os bebtabloqueadores tradicionais na redução da hipertensão portal, tendo sido recomendado no último consenso de Baveno VII, como o betabloqueador de escolha no tratamento da hipertensão portal. Sua dose atualmente recomendada é de 12,5mg/dia, dividida em duas tomadas e os pacientes devem ser monitorizados em relação aos seus principais efeitos adversos como astenia, dispneia hipotensão arterial (PAS< 90mmHG).

O estudo PREDESCI mostrou que o uso de betabloqueador, especialmente o carvedilol, em pacientes cirróticos com hipertensão portal clinicamente significante (HPVG> 10mmHG) reduziu a chance de descompensação em ascite em até 40% num subgrupo de pacientes com varizes de fino calibre sem sinais da cor vermelha, implicando em melhora de sobrevida.

O uso do betabloqueador em pacientes com hipertensão portal sem varizes não tem benefícios claramente comprovados. A profilaxia pré-primária, isto é, o uso dessa medicação em pacientes cirróticos compensados, não demonstrou benefício no aparecimento de varizes, porém, o uso em pacientes com HPCS, mesmo na ausência de varizes, tem sido uma prática cada vez mais rotineira, sugerida nos últimos consensos, com o intuito de diminuir a descompensação a longo prazo.

Em resumo…

Em pacientes com diagnóstico de cirrose hepática, o uso de betabloqueador, preferencialmente o carvedilol, está indicado em:

  • pacientes sem ascite com varizes de esôfago de fino calibre sem sinais da cor vermelha – para prevenção de descompensação em ascite;
  • pacientes descompensados em ascite com varizes de esôfago de fino calibre sem sinais da cor vermelha – para profilaxia primária de sangramento;
  • varizes de fino calibre com sinais da cor vermelha, varizes de médio e grosso calibre e varizes gástricas– como profilaxia primária;
  • varizes de fino calibre com sinais da cor vermelha, varizes de médio e grosso calibre e varizes gástricas – como profilaxia secundária associado à ligadura elástica;
  • sangramento recorrente por gastropatia hipertensiva portal;
  • pacientes com hipertensão portal clinicamente significante ( LMS ≥ 25 kPa).

Referências

  1. Turco L, Reiberger T, Vitale G, La Mura V. Carvedilol as the new non-selective beta-blocker of choice in patients with cirrhosis and portal hypertension. Liver Int. 2023 Jun;43(6):1183-1194. doi: 10.1111/liv.15559. Epub 2023 Apr 17. PMID: 36897563.
  2. Wong YJ, Zhaojin C, Tosetti G, Degasperi E, Sharma S, Agarwal S, Chuan L, Huak CY, Jia L, Xiaolong Q, Saraya A, Primignani M. Baveno-VII criteria to predict decompensation and initiate non-selective beta-blocker in compensated advanced chronic liver disease patients. Clin Mol Hepatol. 2023 Jan;29(1):135-145. doi: 10.3350/cmh.2022.0181. Epub 2022 Sep 5. PMID: 36064306; PMCID: PMC9845679.
  3. Gralnek IM, Camus Duboc M, Garcia-Pagan JC, Fuccio L, Karstensen JG, Hucl T, Jovanovic I, Awadie H, Hernandez-Gea V, Tantau M, Ebigbo A, Ibrahim M, Vlachogiannakos J, Burgmans MC, Rosasco R, Triantafyllou K. Endoscopic diagnosis and management of esophagogastric variceal hemorrhage: European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Guideline. Endoscopy. 2022 Nov;54(11):1094-1120. doi: 10.1055/a-1939-4887. Epub 2022 Sep 29. PMID: 36174643.
  4. de Franchis R, Bosch J, Garcia-Tsao G, Reiberger T, Ripoll C; Baveno VII Faculty. Baveno VII – Renewing consensus in portal hypertension. J Hepatol. 2022 Apr;76(4):959-974. doi: 10.1016/j.jhep.2021.12.022. Epub 2021 Dec 30. Erratum in: J Hepatol. 2022 Apr 14;: PMID: 35120736.
  5. Katarey D, Jalan R. Non-selective beta blockers in cirrhosis: time to extend the indications? Ann Transl Med. 2019 Dec;7(Suppl 8):S355. doi: 10.21037/atm.2019.09.56. PMID: 32016073; PMCID: PMC6976476.
  6. Villanueva C, Albillos A, Genescà J, Garcia-Pagan JC, Calleja JL, Aracil C, Bañares R, Morillas RM, Poca M, Peñas B, Augustin S, Abraldes JG, Alvarado E, Torres F, Bosch J. β blockers to prevent decompensation of cirrhosis in patients with clinically significant portal hypertension (PREDESCI): a randomised, double-blind, placebo-controlled, multicentre trial. Lancet. 2019 Apr 20;393(10181):1597-1608. doi: 10.1016/S0140-6736(18)31875-0. Epub 2019 Mar 22. Erratum in: Lancet. 2019 Jun 22;393(10190):2492. PMID: 30910320.
  7. Garcia-Tsao G, Abraldes JG, Berzigotti A, Bosch J. Portal hypertensive bleeding in cirrhosis: Risk stratification, diagnosis, and management: 2016 practice guidance by the American Association for the study of liver diseases. Hepatology. 2017 Jan;65(1):310-335. doi: 10.1002/hep.28906. Epub 2016 Dec 1. Erratum in: Hepatology. 2017 Jul;66(1):304. PMID: 27786365

Como citar este artigo

Ramos JSD, Quando está recomendado o uso de betabloqueador em pacientes com cirrose hepática? Gastropedia 2023 Vol 2. Disponível em: gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/quando-esta-recomendado-o-uso-de-betabloqueador-em-pacientes-com-cirrose-hepatica/




Adenomiomatose da Vesícula Biliar

Introdução

A adenomiomatose ou adenomiose (ADM) é uma condição benigna da vesícula biliar caracterizada pelo crescimento excessivo da mucosa, espessamento da parede muscular e presença de divertículos intramurais, conhecidos como sinusoides de Rokitansky-Aschoff (RAS).

Neste artigo vamos revisar as características patológicas, epidemiológicas e de diagnóstico da adenomiomatose, tecendo um breve comentário sobre o tratamento

Para saber mais sobre pólipos da vesícula biliar, confira esse outro artigo:

Epidemiologia

A adenomiomatose é relativamente comum, sendo encontrada em 1-9% das amostras de colecistectomia. Embora possa ocorrer em uma ampla faixa etária, os diagnósticos mais frequentes são em pacientes na faixa dos 50 anos. A incidência aumenta com a idade, provavelmente devido à inflamação prolongada.

A prevalência da adenomiomatose em relação ao gênero varia na literatura. Alguns estudos indicam que é mais comum em mulheres (3:1), enquanto outros afirmam que a prevalência é semelhante entre homens e mulheres. Não há preferência racial conhecida.

A causa da adenomiomatose é desconhecida, embora se acredite que seja uma resposta à inflamação crônica da vesícula biliar. Como os diagnósticos mais frequentes ocorrem na faixa dos 50 anos, a ideia de inflamação crônica como etiologia parece plausível.

Achados Patológicos

A adenomiomatose é uma das colecistoses hiperplásicas, sendo a outra a colesterolose. Nessa condição, ocorre hiperplasia da parede com a formação de sinusóides de Rokitansky-Aschoff (divertículos intramurais revestidos por epitélio mucoso) que penetram na parede muscular da vesícula biliar, com ou sem espessamento da parede. O acúmulo de colesterol na adenomiomatose é intraluminal, já que cristais de colesterol precipitam na bile retida nos sinusóides de Rokitansky-Aschoff.

Os seios de Rokitansky-Aschoff consistem em invaginações do epitélio na camada muscular que produzem pequenos divertículos intramurais. Por si só, essa condição não apresenta significado clínico. Um diagnóstico histológico de adenomiomatose requer que os seios de Rokitansky-Aschoff sejam profundos, ramificados e acompanhados de hipertrofia da camada muscular.
Fonte: Sleisenger and Fordtran’s Gastrointestinal and liver disease 9th ed p 1146 – 1149

Existem três formas macroscópicas de adenomiomatose (Fig. 2):

  • A forma segmentar (> 60%): forma uma espécie de diafragma entre o colo e o fundo da vesícula biliar, separando-a em duas zonas comunicantes.
  • A forma localizada (30%): geralmente ocorre no fundo da vesícula.
  • A forma difusa (mais rara <5%): espessamento parietal que afeta toda a parede da vesícula.
Formas macroscópicas da adenomiomatose

No tipo localizado, a adenomiomatose pode causar um espessamento mucoso focal na parede da vesícula formando um nódulo, geralmente no fundo, que se projeta para o lúmen, dando a aparência de um pólipo na ultrassonografia. A camada muscular na área afetada costuma estar espessada de três a cinco vezes a sua espessura normal.

Quadro Clínico

Geralmente, a adenomiomatose é assintomática, sendo descoberta incidentalmente por exames de imagem ou após colecistectomia, mas pode apresentar sintomas. Em raras situações, pode causar dores semelhantes a cólicas biliares no hipocôndrio direito. No entanto, como metade dos casos de ADM está associada a cálculos biliares, é difícil atribuir especificamente à ADM a causa dessas dores.

Não há evidência de que a presença de adenomiomatose aumente o risco de câncer de vesícula biliar. Porém, a presença de adenomiomatose está associada a casos mais avançados de câncer de vesícula biliar, possivelmente porque sua presença dificulta o diagnóstico precoce por exames de imagem.

Diagnóstico Radiológico

Uma vez que a ADM não apresenta sintomas específicos, a imagem desempenha um papel fundamental no seu diagnóstico diferencial. Cerca de 25% dos casos de espessamento da parede da vesícula biliar (parede > 3 mm) são devidos à ADM.

Atualmente, o diagnóstico baseia-se na ultrassonografia (US) e frequentemente é incidental. A USG apresenta uma sensibilidade de cerca de 65%.

Os sinais sugestivos incluem parede espessada, conteúdo luminal anecoico ou ecogênico (lodo, cálculos), imagens murais pseudocísticas correspondendo aos seios de Rokitansky-Aschoff e artefatos de reverberação acústica (cauda de cometa) devido a concreções de cálcio presas nos RAS.

A ultrassonografia endoscópica melhora a sensibilidade da USG transabdominal, especialmente para o diagnóstico diferencial com câncer da VB.

Ultrassonografia

  • espessamento mural (difuso, focal, anular)

  • artefato de cauda de cometa: focos intramurais ecogênicos dos quais emanam artefatos de reverberação em forma de V são altamente específicos para a adenomiomatose, representando os cristais de colesterol no lumen dos seios de Rokitansky-Aschoff
Espessamento segmentar hipoecoico no fundo da vesícula biliar, medindo 11×5mm,sugestivo de adenomiomatose. Imagem cedida pela Dra. Julia Mayumi Gregorio

Tomografia Computadorizada

  • espessamento anormal da parede da vesícula biliar e realce são características comuns, mas não específicas, da TC para a adenomiomatose
  • os seios de Rokitansky-Aschoff maiores podem ser visualizados
  • foi descrito um sinal de rosário na TC, formado por epitélio realçado dentro de divertículos intramurais cercados pela camada muscular da vesícula biliar hipertrófica relativamente não realçada

Ressonância Nuclear Magnética

A Colangiopancreatografia por Ressonância Magnética (CPRM) é a técnica normalmente empregada para caracterização da vesícula biliar e árvore biliar. As características de imagem incluem:

  • espessamento mural
  • massa focal séssil
  • divertículos intramurais preenchidos com líquido
  • o sinal de colar de pérolas refere-se à disposição curvilínea característica de várias cavidades intramurais arredondadas hiperintensas visualizadas em imagens ponderadas em T2
  • configuração de ampulheta em tipos anulares

Tratamento

Pacientes com características típicas de adenomiomatose na ultrassonografia não requerem vigilância ou colecistectomia.

A colecistectomia pode ser realizada nas seguintes situações:

  • paciente sintomático com dor no quadrante superior direito (geralmente devido a cálculos biliares)
  • aparência (especialmente quando focal) pode ser difícil de distinguir de malignidade.

Galeria de Imagens

Referências

  1. Golse N, Lewin M, Rode A, Sebagh M, Mabrut JY. Gallbladder adenomyomatosis: Diagnosis and management. J Visc Surg. 2017 Oct;154(5):345-353. doi: 10.1016/j.jviscsurg.2017.06.004. Epub 2017 Aug 24. PMID: 28844704.
  2. Ryu Y, Abdeldjalil B, Molinari A, et al. Adenomyomatosis of the gallbladder. Reference article, Radiopaedia.org (Accessed on 24 Aug 2023) https://doi.org/10.53347/rID-7056
  3. Wisam F Zakko, MD. Gallbladder polyps. Disponível em https://www.uptodate.com/contents/gallbladder-polyps

Como citar este artigo

Martins BC. Adenomiomatose da Vesícula Biliar Gastropedia 2023; vol 2. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/hepatopancreatobiliar/adenomiomatose-da-vesicula-biliar/




Pólipos de Vesícula Biliar

Introdução

Os pólipos da vesícula biliar geralmente são achados incidentais diagnosticados durante exames de ultrassom abdominal ou durante colecistectomia. Geralmente não apresentam sintomas, mas ocasionalmente podem causar desconfortos similares aos causados por cálculos biliares.

A maioria dessas lesões não é neoplásica, mas sim hiperplásica ou representa depósitos de lipídios.

Com o uso generalizado da ultrassonografia, as lesões polipoides na vesícula biliar estão sendo cada vez mais detectadas. No entanto, muitas vezes a imagem não é suficiente para excluir a possibilidade de neoplasia ou adenomas pré-malignos. Nesse artigo, revisaremos a importância clínica e o diagnóstico diferencial dos pólipos na vesícula biliar. Para saber sobre o tratamento dos pólipos de vesícula, confira esse outro artigo: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/conduta-nos-polipos-de-vesicula-biliar-quando-fazer-seguimento-e-quando-indicar-a-colecistectomia

Classificação

As lesões polipoides na vesícula biliar podem ser categorizadas como benignas ou malignas. As lesões benignas podem ser subdivididas em neoplásicas e não neoplásicas.

Pólipos benignos não neoplásicos

As lesões não neoplásicas benignas mais comuns são pólipos de colesterol, seguidos por adenomiomatose e pólipos inflamatórios.

  • Pólipos de colesterol e colesterolose:

    • é uma condição benigna caracterizada pelo acúmulo de lipídios na mucosa da parede da vesícula biliar.
    • são os tipos mais comuns de pólipos da vesícula biliar, podendo chegar a 10% ou mais.
    • Pode ser do tipo difuso ou polipoide.
    • O termo colesterolose se refere ao tipo difuso, que é geralmente diagnosticado incidentalmente durante a colecistectomia, causando o aspecto de “vesícula em morango” devido ao contraste que faz com a mucosa da vesícula.
    • Os pólipos de colesterol são a forma polipoide da colesterolose, sendo o pólipo da vesícula biliar mais comum, geralmente diagnosticado incidentalmente em ultrassonografia.
    • Embora geralmente assintomático, em alguns pacientes pode causar sintomas e complicações semelhantes às causadas por cálculos biliares.

  • Adenomiomatose:

    • é uma anormalidade da vesícula biliar caracterizada pelo crescimento excessivo da mucosa, espessamento da parede muscular e divertículos intramurais.
    • A prevalência da adenomiose da vesícula biliar é baixa, mas parece ter uma prevalência maior em mulheres do que em homens.

  • Pólipos inflamatórios

    • Os pólipos inflamatórios são os pólipos não neoplásicos menos comuns.
    • Aparecem como sésseis ou pediculados e são compostos por tecido de granulação e fibroso com células plasmáticas e linfócitos.
    • Os pólipos têm geralmente 5 a 10 mm de diâmetro, embora tenham sido descritos pólipos inflamatórios com mais de 1 cm

Pólipos benignos neoplásicos

  • Adenomas:

    • Pólipos adenomatosos da vesícula biliar são as lesões neoplásicas benignas mais comuns. Embora a verdadeira incidência seja desconhecida, na maioria das séries é inferior a 0,5 por cento.
    • Adenomas da vesícula biliar são tumores epiteliais benignos compostos por células que se assemelham ao epitélio das vias biliares.
    • O risco de câncer aumenta com o tamanho do pólipo, sendo que pólipos adenomatosos com tamanho maior têm um risco de malignidade.

  • Outros — Outras lesões neoplásicas da vesícula biliar como fibromas, lipomas e leiomiomas, são raros. A história natural desses pólipos não está bem definida.

Pólipos malignos:

  • A maioria dos pólipos malignos na vesícula biliar são adenocarcinomas.
  • Os adenocarcinomas da vesícula biliar são muito mais comuns do que os adenomas da vesícula biliar, ao contrário do cólon, onde os adenomas são muito mais comuns do que os adenocarcinomas.
  • Carcinoma escamoso, cistoadenoma mucinoso e adenoacantomas da vesícula biliar são raros

RISCO DE CÂNCER

A maioria dos pólipos na vesícula biliar é benigna, e a maioria dos pólipos benignos, com exceção dos adenomas, não tem potencial maligno. O risco global de câncer de vesícula biliar em pacientes com pólipos na vesícula parece ser baixo.

  • Em um grande estudo de coorte com mais de 35.000 adultos com pólipos na vesícula diagnosticados por USG, 0.053% tiveram câncer de vesícula biliar, semelhante à população sem pólipos (0.054%). [ref]
  • O risco de evolução para neoplasia varia de acordo como o tamanho dos pólipos, ocorrendo em 128/100.000 pessoas para pólipos > 10mm, mas somente em 1.3/100.000 pessoas para pólipos < 6mm.

Fatores de risco estabelecidos para câncer

  • Tamanho do pólipo — A incidência de câncer da vesícula biliar varia de 43 a 77% em pólipos maiores que 1 cm e 100% em pólipos maiores que 2 cm.
  • Pólipo séssil — pólipos sésseis são um fator de risco independente para malignidade, com um risco 7x maior de câncer de vesícula biliar. [ref]
  • Idade > 60 anos: esse é o corte adotado em diretrizes para estratificação de risco e orientação de tratamento.
  • Outros: etnia indiana, colangite esclerosante primária

Condições com risco incerto

  • Cálculos biliares concomitantes
  • Adenomiomatose — Não há evidências de que a presença de adenomiose aumenta o risco de câncer de vesícula biliar. Se o risco for aumentado, a magnitude do aumento parece ser pequena.

DIAGNÓSTICO

Os pólipos na vesícula biliar geralmente são descobertos incidentalmente em exames de ultrassonografia abdominal. Nenhuma das modalidades de imagem disponíveis pode distinguir inequivocamente pólipos benignos de malignos. Isso só pode ser confirmado pelo anatomopatológico após a colecistectomia.

Características dos pólipos da vesícula biliar na ultrassonografia abdominal:

  • Podem ser únicos ou múltiplos
  • Sensibilidade 84% e especificidade 96% (meta-análise com 16.260 pacientes)
  • PÓLIPOS DE COLESTEROL são geralmente múltiplos, homogêneos, polipoides e pediculados, com ecogenecidade maior do que o parênquima hepático.

    • Eles podem ou não conter pontos hiperecogênicos.
    • Os pólipos de colesterol geralmente têm menos de 1 cm.
    • Em contraste com os pólipos de colesterol, a colesterolose difusa não possui achados ultrassonográficos específicos, e seu diagnóstico geralmente é feito após a cirurgia.

  • ADENOMAS são lesões homogêneas, isoecoicas em relação ao parênquima hepático, têm uma superfície lisa e geralmente não têm pedículo.

    • A morfologia séssil e o espessamento focal da parede da vesícula biliar maior do que 4 mm são fatores de risco para malignidade.

  • ADENOCARCINOMAS são estruturas polipoides homogêneas ou heterogêneas que geralmente são isoecoicas em relação ao parênquima hepático.
  • A ADENOMIOMATOSE também pode causar um espessamento difuso com focos anecoicos redondos que representam os divertículos intramurais. Quando localizada no fundo, a adenomiose pode produzir uma projeção de mucosa que pode dar a aparência de um pólipo na ultrassonografia.

Papel da ecoendoscopia (EUS)

A EUS é um método de imagem invasivo que pode ser útil em casos selecionados, especialmente em pacientes com suspeita de pólipos malignos. Oferece a vantagem de obter imagens da vesícula biliar através da parede gástrica, evitando a atenuação prejudicial pela gordura subcutânea ou interferência do gás intestinal.

No entanto, sua precisão em diferenciar pólipos neoplásicos de não neoplásicos é limitada:

  • Em uma meta-análise de quatro estudos que incluíram 1009 participantes, a sensibilidade para detecção de pólipos displásicos/carcinoma foi de 79% e a especificidade foi de 89%.
  • Embora a Contrast-enhanced EUS (ex: com microbolhas) possa ter uma acurácia ligeiramente maior na diferenciação entre pólipos adenomatosos e de colesterol quando comparada à EUS convencional, ainda são necessários mais estudos para estabelecer seu papel definitivo.

Resumo de Pólipos da Vesícula Biliar

Tipo de Pólipo Características Principais Prevalência e Incidência Achados Ultrassonográficos Risco de Malignidade Sintomas e Complicações
Pólipos Benignos Não Neoplásicos
Colesterolose Difusa

Acúmulo de lipídios na mucosa da vesícula biliar.

Prevalência de 9% a 26% em estudos cirúrgicos.

Não apresenta achados ultrassonográficos específicos.

Geralmente baixo. Geralmente assintomática
Pólipos de Colesterol Crescimentos benignos na mucosa da vesícula biliar. Tipicamente diagnosticados por ultrassonografia. Prevalencia estimada >10% Múltiplos, homogêneos, polipoides, mais ecogênicos que o fígado. Baixo. Geralmente assintomática. Podem ter complicações semelhantes a cálculos
Pólipos Inflamatórios Compostos por tecido de granulação e fibroso. Menos comuns entre os pólipos não neoplásicos. Sésseis ou pediculados, geralmente 5 a 10 mm Baixo. Varia de acordo com tamanho
Pólipos Benignos Neoplásicos
Adenomas Tumores epiteliais benignos mais comuns. Menos de 0,5% de incidência.

Isoecogênicos, liso, sem pedículo.

Variável, aumenta com tamanho >10mm. Raramente sintomáticos
Pólipos Malignos
Adenocarcinomas Forma mais comum de pólipos malignos. Incidência mais alta que adenomas malignos. Características avançadas, geralmente diagnosticados tardiamente. Alto. Sintomas avançados e complicações
Carcinomas de Células Escamosas, Cistadenomas Mucinosos e Adenoacantomas Tipos raros de pólipos malignos. Incidência baixa. Características avançadas, exige avaliação e tratamento especializados. Alto. Sintomas avançados e complicações

Referências

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  2. Bhatt NR, Gillis A, Smoothey CO, Awan FN, Ridgway PF. Evidence based management of polyps of the gall bladder: A systematic review of the risk factors of malignancy. Surgeon. 2016 Oct;14(5):278-86. doi: 10.1016/j.surge.2015.12.001. Epub 2016 Jan 26. PMID: 26825588.
  3. Foley KG, Lahaye MJ, Thoeni RF, Soltes M, Dewhurst C, Barbu ST, Vashist YK, Rafaelsen SR, Arvanitakis M, Perinel J, Wiles R, Roberts SA. Management and follow-up of gallbladder polyps: updated joint guidelines between the ESGAR, EAES, EFISDS and ESGE. Eur Radiol. 2022 May;32(5):3358-3368. doi: 10.1007/s00330-021-08384-w. Epub 2021 Dec 17. PMID: 34918177; PMCID: PMC9038818.

Como citar este artigo

Martins BC. Pólipos de Vesícula Biliar Gastropedia 2023; vol 2. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/hepatopancreatobiliar/polipos-de-vesicula-biliar




Elevação do marcador CA 19-9

O ca 19-9 é conhecido por ser um marcador tumoral de neoplasias bilio-pancreáticas e, dentre os marcadores, apresenta uma acurácia aceitável. Em estudos prévios, a sensibilidade para essas neoplasias variou entre 79-95% e a especificidade entre 82-91%. Entretanto, ele é considerado como ferramenta diagnóstica apenas em pacientes que apresentem quadro clínico de dor abdominal, perda de peso ou icterícia. Em pessoas assintomáticas, o valor preditivo positivo da solicitação do marcador como screening para neoplasia bilio-pancreáticas é de apenas 0,9%, mostrando que é não é um teste válido para screening populacional. 

É importante ressaltar que essa glicoproteína é produzida pelas células ductais do pâncreas e vias biliares, e células epiteliais do estômago, cólon, endométrio e glândulas salivares. Por esse motivo, o aumento nos níveis séricos deve ser observado com cautela, pois não necessariamente significa malignidade. 

Além disso, cerca de 6% da população caucasiana (e cerca de 22% entre não caucasianos) não é capaz de produzir o Ca 19-9, e isso está relacionado a variações no tipo sanguíneo do Sistema Lewis (pessoas com genótipo negativo para os antígenos de Lewis não produzem essa glicoproteína).

Se quiser ler sobre aumento de amilase e lipase no sangue clique nesse link

Aumento de enzimas pancreáticas no sangue – como investigar ou conduzir?

Quais as causas para aumento do ca 19-9?

Além da neoplasia pancreática e neoplasia de vias biliares, existem outras doenças neoplásicas que podem cursar com aumento de ca 19-9, como listados na Tabela 1.

Tabela 1 – Neoplasias extra-pancreáticas que podem elevar ca19-9

Além de doenças neoplásicas, existem condições benignas que evoluem com aumento do marcador, e estão listadas na Tabela 2. Destaco, dentre elas, quaisquer processos inflamatórios ou infecciosos do pâncreas e vias biliares.

Tabela 2 – Doenças não neoplásicas que podem cursar com aumento de ca19-9

Também devemos aconselhar o paciente que irá coletar o exame a suspender o uso de biotina (normalmente presente em suplementos para fortalecer cabelos e unhas) alguns dias antes da coleta, pois o uso da vitamina pode elevar os níveis do marcador.

Para quem pedir o marcador Ca 19-9?

No geral, o marcador deve ser solicitado:

  • Em casos suspeitos para neoplasia bilio-pancreática (paciente com quadro clínico sugestivo, como dor abdominal, icterícia e perda de peso inexplicada) – sempre associados ao exame de imagem indicado para o diagnóstico;
  • No momento do diagnóstico da neoplasia pancreática – o valor inicial do ca 19-9 se correlaciona com o prognóstico da neoplasia e com as estratégias de tratamento para cada caso;
  • No seguimento das neoplasias biliopancreáticas, submetidas a algum tipo de tratamento (neoadjuvante, cirúrgico ou adjuvante)
  • No seguimento das neoplasias císticas mucinosas (cistoadenoma mucinoso e IPMN) – alguns estudos tem reportado o aumento do ca 19-9 sérico com risco de progressão dos cistos mucinosos. 

Fora desses contextos, a solicitação do marcador pode trazer mais dúvidas do que esclarecimentos.

Referências

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Como citar este artigo

Marzinotto M. Elevação do marcador CA 19-9 Gastropedia 2023, vol 2. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/pancreas/elevacao-do-marcador-ca-19-9




Síndrome de Gilbert: o que precisamos saber?

A Síndrome de Gilbert (SG) é uma desordem hepática do metabolismo das bilirrubinas com redução na glicuronidação da bilirrubina e consequente hiperbilirrubinemia indireta (não conjugada).

É uma condição comum (3-10% da população), com redução na atividade da UGT1A1 em 25-40%. As mutações ocorrem na sequência da região promotora (TATA box) do gene UGT1A1, a qual tem a função de controlar os níveis da proteína normal produzida. Desta forma, na SG, a proteína produzida é estruturalmente normal, porém em menor quantidade.

Gene UGT1A1
Promove a produção da enzima bilirrubina-UGT, responsável pela conjugação de bilirrubina. Logo, mutações na UGT1A1 geram a produção de uma proteína anormal, com perda completa ou níveis menores de atividade da bilirrubina-UGT.

Apresentação clínico-laboratorial

Clinicamente, os pacientes costumam ser assintomáticos e identificar elevações nos níveis de bilirrubinas totais com predomínio de bilirrubina indireta (<4-5mg/dL), de forma incidental, ou podem apresentar quadros intermitentes de icterícia, em especial, desencadeados por gatilhos como exercício físico intenso, baixa ingestão calórica/jejum, período menstrual, desidratação e infecções.

Laboratorialmente, não há elevação de enzimas hepáticas ou alterações nos demais exames de função hepática (tempo de protrombina e albumina), além de não haver indícios de hemólise ou doença estrutural fígado.

Saiba mais sobre alteração de enzimas hepáticas nesse post:

Diagnóstico diferencial

Distúrbios na captação hepática, armazenamento, conjugação e excreção podem ocasionar hiperbilirrubinemia. Dentre as causas hereditárias de hiperbilirrubinemia indireta, com exames normais de função hepática e sem alteração da histologia hepática, além da SG, faz-se o diagnóstico diferencial com:

  • Síndrome de Crigler-Najar tipo I: condição muito rara com herança autossômica recessiva que se manifesta logo após o nascimento. Pela ausência da atividade UGT1A1 hepática, ocorre icterícia grave (20-45mg/dL ou mais) e risco de dano neurológico e óbito por kernicterus (encefalopatia bilirrubínica) nos primeiros dias após o nascimento. O tratamento precoce para a redução dos níveis de bilirrubina indireta no sangue é a fototerapia, devendo-se considerar a realização de transplante hepático como única terapia curativa.
  • Síndrome de Crigler-Najar tipo II: condição rara com herança autossômica recessiva. Há atividade UGT1A1 hepática de 10% ou menos, com icterícia crônica (6-20mg/dL) e evolução potencialmente benigna. O tratamento com fenobarbital propicia a redução de cerca de 25-30% dos níveis de bilirrubina indireta pela indução da atividade da UGT1A1 residual.

Investigação diagnóstica

Identificada a hiperbilirrubinemia indireta, recomenda-se anamnese e exame físico detalhados, dosagem sérica de enzimas hepáticas (TGO, TGP, fosfatase alcalina e GGT) e função hepática (tempo de protrombina e albumina).

Caso haja alterações nesta primeira etapa de avaliação, direciona-se a investigação para a avaliação de hepatopatias, sendo prudente complementar com exame de imagem/ultrassonografia de abdome superior e demais exames laboratoriais específicos.

Se não forem identificadas alterações na primeira etapa de avaliação, é mandatório descartar hemólise com a dosagem de DHL, haptoglobina e reticulócitos.

Em adolescentes ou adultos, na ausência de hemólise e níveis de bilirrubina indireta <5mg/dL, presume-se o diagnóstico de síndrome de Gilbert. A confirmação é feita pelo teste genético para detectar mutações no gene UGT1A1/TATA box.

Figura 1. Fluxograma de investigação de hiperbulirrubinemia indireta.

Diagnóstico Genético

Diante da possibilidade de reações adversas a algumas drogas metabolizadas pelo UGT1A1, a exemplo do irinotecano e atazanavir, recomenda-se considerar a confirmação da SG pela pesquisa da mutação UGT1A1 pelo método de PCR em tempo real (Imagem 1).

Quando em homozigose, não há necessidade de rastreamento adicional, entretanto, se o paciente possuir apenas um alelo da mutação UGT1A1 ou ambos os alelos forem normais, deve-se pesquisar as mutações G71R e Y486D, as quais também se associam com a SG.

Imagem 1. Resultado do teste genético para Síndrome de Gilbert com homozigose do alelo 28 no gene UGT1A1.

Tratamento

Por ser uma condição benigna, o tratamento é conservador apenas com observação. O prognóstico dos pacientes com SG é excelente e não exige tratamento específico.

Referências

  1. Thoguluva Chandrasekar V, Faust TW, John S. Gilbert Syndrome. 2023 Feb 6. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2023 Jan–. PMID: 29262099.
  2. Singh A, Koritala T, Jialal I. Unconjugated Hyperbilirubinemia. 2023 Feb 20. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2023 Jan–. PMID: 31747203.
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Como citar este artigo

Oti KST, Síndrome de Gilbert: o que precisamos saber? Gastropedia 2023, vol. 2. Disponível em:
https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/figado/sindrome-de-gilbert-o-que-precisamos-saber/