Qual o tratamento atual da colite por Clostridioide difficile em adultos?

A infecção pelo Clostridioide difficile (antigo Clostridium difficile) é uma importante causa de diarreia associada ao uso de antibióticos. Praticamente qualquer antibiótico pode provocar esse distúrbio, mas a clindamicina, as penicilinas (como a ampicilina e a amoxicilina), as cefalosporinas (como a ceftriaxona) e as fluoroquinolonas (como o levofloxacino e ciprofloxacino) estão mais frequentemente envolvidas. 

O tratamento da colite pelo Clostridioide difficile ainda é um desafio na prática clínica. A primeira conduta a se adotar é a interrupção do antibiótico causador da colite.

Inicialmente alguns conceitos precisam estar bem definidos, tais como:

  • Colite grave: quando leucócitos > 15000, creatinina > 1,5 ou temperatura > 38,5°.
  • Colite fulminante: presença de hipotensão ou choque, íleo paralítico ou megacólon tóxico.

As recomendações atuais são:

Primeiro episódio não grave

– Vancomicina VO 125mg 6/6h 10 dias ou
– Fidaxomicina 200mg VO 12/12h 10 dias 
– Na indisponibilidade: Metronidazol 500mg VO 8/8h 10-14 dias

Primeira recorrência não grave

– Vancomicina desmame lento (125mg 6/6h 10-14 dias, 12/12h por 7 dias, 1 x dia por 7 dias e a cada 2-3 dias por 2-8 semanas) ou
– Fidaxomicina 200mg VO 12/12h 10 dias (caso tenha usado vanco) ou
– Vancomicina dose convencional + bezlotoxumabe (10mg/kg IV dose única se: segundo episódio de colite ocorre dentro de 6 meses do episódio inicial e >65 anos e/ou imunodeprimidos)
Segunda recorrência não grave – Transplante de microbiota fecal ou 
– Fidaxomicina pulsado (200mg 12/2h 5 dias e depois 200mg em dias alternados por 20 dias) ou 
– Vancomicina desmame lento ou 
– Fidaxomicina dose convencional ou vancomicina dose convencional + beztoloxumabe 
Primeiro episódio grave – Fidaxomicina ou vancomicina 
– Considerar associar beztoloxumabe se paciente de alto risco (segundo episódio de colite ocorre dentro de 6 meses do episódio inicial, >65 anos e/ou imunossuprimidos)

Colite fulminante

– Vancomicina 500mg VO 6/6h + Metronidazol 500mg 8/8h EV podendo associar com Vancomicina retal (500mg em 100ml de solução salina retal por 6 horas) se presença de íleo paralítico
– Considerar a tigeciclina (100mg IV ataque e 50mg 12/12h)

O que temos observado recentemente é a incorporação da fidaxomicina como primeira linha em casos leves ou graves e o papel do beztoloxumabe (anticorpo monoclonal) na prevenção de recorrência.

O transplante de microbiota fecal desempenha uma importante estratégia na segunda recorrência, mas em casos complicados ainda há dúvidas.

Atualmente ainda não dispomos da fidaxomicina nem do beztoloxumabe no Brasil.

Referência bibliográfica

  1. J Antimicrob Chemother. 2022, Dec 23;78(1):21-30
  2. Clin Microbiol Infect. 2021 Dec;27 Suppl 2:S1-S21

Como citar este artigo

Carlos A. Qual o tratamento atual da colite por Clostridioide difficile em adultos? Gastropedia vol. 1, 2023. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/sem-categoria/strongqual-o-tratamento-atual-da-colite-por-emclostridioide-difficile-em-em-adultos/




Imunodeficiência Comum Variável e Câncer Gástrico

Fatores de risco comumente relacionados com o desenvolvimento do câncer gástrico (CG) incluem a infecção crônica pelo Helicobacter pylori (H. pylori), baixa ingestão de frutas e vegetais, consumo de sal elevado, tabagismo e consumo de álcool.

Outro fator de risco conhecido, porém pouco citado, é a presença de Imunodeficiências primárias (IDP), que além de aumentar o risco de desenvolvimento de CG ocasiona sua manifestação em idades mais precoces do que na população geral.

As IDP são um conjunto de doenças que abrangem mais de 300 defeitos inatos da imunidade, sendo a maioria de causa desconhecida. Portadores de IDP apresentam risco aumentado de infecções recorrentes e crônicas, doenças autoimunes e neoplasias ao longo da vida.

Seguido das infecções, a ocorrência de neoplasias é a segunda causa mais comum de morte nessa população. Estima-se que 4 a 25% dos portadores de IDP desenvolverão alguma neoplasia. Especificamente, o risco de desenvolver CG é em torno de 3 a 4 vezes maior nessa população

Com relação aos pacientes com IDP, a presença de distúrbios gastrointestinais é bastante frequente, podendo ocorrer em 5% a 50% dos casos. Isto ocorre, em parte, porque o intestino é o maior órgão linfóide do corpo humano, contendo a maioria dos linfócitos e produzindo grandes quantidades de Imunoglobulinas. Manifestações gastrointestinais podem ser relacionadas com infecção, inflamação, doenças autoimunes e neoplasias.

Imunodeficiência comum variável (IDCV)

A imunodeficiência comum variável (IDCV) é a forma mais comum das IDP, e sua prevalência é estimada em 1 a cada 25.000 a 50.000 pessoas.

Sua patogênese ainda não foi totalmente esclarecida, entretanto mutações de diversos genes relacionados com o desenvolvimento de células B em plasmócitos produtores de imunoglobulinas e células B de memória foram descritos.

Indivíduos afetados comumente apresentam infecções bacterianas recorrentes do trato respiratório superior e inferior, doenças autoimunes, doença infiltrativa granulomatosa e neoplasias. Os tumores mais comuns são o linfoma, câncer gástrico e o câncer de mama.

O diagnóstico é baseado na redução significativa dos níveis séricos de IgG, IgA e/ou IgM, além da produção reduzida de anticorpos após a aplicação de vacinas. A maioria dos pacientes é diagnosticado entre os 20 e 40 anos, e o tratamento consiste na administração mensal de imunoglobulina.

IDCV e Câncer Gástrico

O aumento do risco de CG em pacientes com IDCV é variável de acordo com a própria taxa de incidência de CG em pacientes sem IDCV no país avaliado. Nesse sentido, um estudo escandinavo estimou um risco aumentado em 10 vezes, enquanto um estudo australiano demonstrou um risco aumentado de 7,23 vezes.

Embora não haja evidência conclusiva, o mecanismo mais aceito para o aumento do risco do CG na presença de IDCV deve-se a redução da produção de IgA gástrica e de ácido clorídrico ― fatores estes que propiciam gastrite crônica e facilitam a colonização por H. pylori, desencadeando o processo de carcinogênese. Esse mecanismo é suportado pela constatação de que pacientes com anemia perniciosa, que também apresentam acloridria e gastrite crônica, têm um risco três vezes maior de desenvolver CG. A diminuição da reposta imune local também é um fator que pode desempenhar um papel no desenvolvimento neoplásico, devido a menor presença de células B na mucosa gástrica de pacientes com IDCV.

A idade do diagnóstico do câncer em pacientes com IDCV costuma ocorrer em idade mais precoce, em média 15 anos mais cedo do que na população geral.

Em relação ao diagnóstico histológico do tumor, o tipo Intestinal de Lauren costuma ser o mais frequente, apresentando grau de diferenciação moderado ou pouco diferenciado. Além disso, pangastrite atrófica com pouca presença de plasmócitos, agregados linfóides nodulares e atividade apoptótica costumam estar presentes devido ao quadro de gastrite autoimune associada.

Figura 1. Pangastrite atrófica intensa em um paciente com IDCV.

Frente às evidências de maior risco de desenvolvimento de CG, é importante que os pacientes com IDCV sejam incluídos em programas de rastreamento. Dados holandeses demonstraram que há uma incidência alta de lesões histológicas e/ou endoscópicas pré-malignas em pacientes com IDCV, tais como gastrite atrófica, metaplasia intestinal e displasia, mesmo naqueles assintomáticos. Até 88% dos pacientes com IDCV sem história gastrointestinal prévia podem apresentar lesões pré-malignas na endoscopia. As taxas de progressão dessas lesões para o CG variam de 0–1,8% por ano na gastrite atrófica; de 0–10% por ano para metaplasia intestinal; e de 0–73% por ano quando já existe presença de displasia.

Intervalos entre os exames de seguimento normalmente empregados podem não ser apropriados para pacientes com IDCV, uma vez que o desenvolvimento do CG pode ocorrer de modo mais rápido. De fato, não existe um protocolo de rastreamento padronizado, e seu emprego deve levar em consideração a incidência de CG regional. Paciente com IDCV podem desenvolver câncer de alto grau de 12 a 14 meses após uma endoscopia sem sinais de displasia. Isso justifica a proposta de no mínimo realizar EDA em todos os pacientes com IDCV no momento do diagnóstico; repeti-la a cada 24 meses em pacientes com histologia normal; a cada 12 meses em pacientes com gastrite atrófica ou metaplasia intestinal; e a cada 6 meses em pacientes com displasia. Recomenda-se ainda a erradicação do H. pylori de rotina.

Tratamento

Não existem protocolos específicos para o tratamento do câncer em pacientes com IDCV. Uma vez realizado o diagnóstico de CG, estes pacientes devem ser submetidos ao tratamento padrão – o mesmo oferecido à população imunocompetente.

Suporte nutricional pré-operatório e administração de Imunoglobulina são medidas recomendadas. Pacientes com IDCV podem receber os mesmos protocolos de quimioterapia utilizados em pacientes imunocompetentes. Entretanto, protocolos de curta duração são preferíveis aos regimes de longa duração, com atenção especial ao controle de infecção. Quando possível, o regime de quimioterapia deve ser adaptado conforme os fatores de risco e tolerância individuais.

Figura 2. Adenocarcinoma em paciente com IDCV e gastrite crônica atrófica de coto gástrico.

Referência

Krein P, Yogolare GG, Pereira MA, Grecco O, Barros MAMT, Dias AR, Marinho AKBB, Zilberstein B, Kokron CM, Ribeiro-Júnior U, Kalil J, Nahas SC, Ramos MFKP. Common variable immunodeficiency: an important but little-known risk factor for gastric cancer. Rev Col Bras Cir. 2021 Dec 15;48:e20213133. English, Portuguese. doi: 10.1590/0100-6991e-20213133. PMID: 34932733.

Como citar este artigo

Ramos MFKP. Imunodeficiência Comum Variável e Câncer Gástrico. Gastropedia 2023 vol. 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/strongimunodeficiencia-comum-variavel-e-cancer-gastrico/




Quando indicar o contraste hepatoespecífico na avaliação de lesões focais hepáticas?

Rotineiramente, na ressonância magnética (RM) de abdome, utiliza-se o contraste extracelular inespecífico (gadolínio), o qual se distribui conforme a distribuição dos vasos e capilares sanguíneos e determina, assim, uma padrão dinâmico de impregnação da lesão focal hepática nas fases arterial, portal (venosa) e equilíbrio.

Em casos selecionados, pode-se indicar os contrastes intracelulares específicos, também denominados de hepatoespecíficos e que podem ser de duas principais classes: (1) óxido de ferro superparamagnérico e (2) hepatobiliares, sendo este último captado especificamente pelas células hepáticas e com excreção renal (50%) e biliar (50%). No Brasil, há a aprovação do contraste hepatobiliar, conhecido como ácido gadoxético (Gd-EOB-DTPA, PrimovistÒ).

Desta forma, além de fornecer os dados habituais do estudo dinâmico, há a etapa final de avaliação hepatobiliar, após cerca de 10 a 20 minutos da injeção endovenosa, na qual há a entrada do contraste nos hepatócitos através dos transportadores de membrana (OATP1, B1/B3) e saída através de proteínas dependentes de ATP multifármaco-resistentes (MRP2, MRP3, MRP4), sendo o transportador MRP2 o encarregado em excretar o contraste no canalículo biliar.

Quais as indicações do contraste hepatoespecífico?

Sabendo-se que o ácido gadoxético é captado pelos hepatócitos e excretado em cerca de 50% pela via biliar, espera-se que um tecido hepático normofuncionante seja impregnado pelo contraste na fase hepatobiliar. Desta forma, a não captação do ácido gadoxético na fase hepatobiliar infere que não há hepatócitos ou canalículos biliares viáveis na lesão avaliada.

Podemos enumerar 3 principais indicações no uso do ácido gadoxético na avaliação de lesões focais hepáticas:

1. Diferenciação entre hiperplasia nodular focal (HNF) e adenoma

Adenoma e HNF são terceiro e segundo tumores hepáticos benignos mais frequentes, respectivamente.

O adenoma é caracterizado por cordões de hepatócitos e ausência de ductos biliares ou tratos portais, logo, na fase hepatobiliar, não apresenta captação na fase hepatobiliar.

Já a HNF caracteriza-se por um aglomerado de hepatócitos hiperplásicos e pequenos canalículos biliares imaturos que não se comunicam com os maiores, o que pode gerar um acúmulo (retenção) de contraste hepatoespecífico na fase hepatobiliar em relação ao parênquima hepático adjacente. Pode-se ainda encontrar uma cicatriz fibrosa central que direciona o padrão da lesão para HNF.

Fonte: arquivo pessoal, em colaboração com Dra Ângela Caiado

Figura 1. Nódulo hipervascularizado no segmento VII hepático medindo 1,2 cm, com padrão de retenção do contraste hepatoespecífico (tardia, 20 minutos), compatível com hiperplasia nodular focal.
.

2. Avaliação de nódulos hepáticos em pacientes cirróticos

  • Nódulos regenerativos e displásicos x neoplásicos (carcinoma hepatocelular, CHC)
  • Identificação de pequenos CHCs (<2cm) e melhor avaliação de lesões focais com comportamento atípico em exame contrastado prévio, com realce inespecífico.

O CHC é o tumor primário do fígado mais comum. No paciente cirrótico, um nódulo igual ou maior que 2,0cm de diâmetro, com padrão típico hipervascular na fase arterial (wash-in) e com clareamento nas fases tardias (wash-out) é diagnosticado como CHC.

Em lesões menores que 2 cm, os achados típicos não costumam ser vistos com frequência, em especial nos CHCs iniciais bem diferenciados. Nesses casos, o estudo com contraste hepatoespecífico pode contribuir com achados adicionais, sendo desafiador a distinção entre nódulo displásico de alto grau e CHC bem diferenciado.

Fonte: arquivo pessoal, em colaboração com Dra Ângela Caiado.

Figura 2. Nódulo na face anterior do segmento II/III, medindo 1,2 cm, com realce na fase arterial, clareamento precoce e sem retenção na fase hepatoespecífica.

3. Avaliação de metástases hepáticas

As lesões metastáticas não possuem hepatócitos ou ductos biliares funcionantes, logo, não há a captação de contraste na fase hepatobiliar. Além disso, a captação do contraste hepatoespecífico pelos hepatócitos do parênquima normal aumenta a diferença de contrastação com as lesões metastáticas (hipointensas), elevando a sensibilidade da detecção das mesmas.

Fonte: arquivo pessoal, em colaboração com Dra Ângela Caiado.

Figura 3. Metástases hepáticas em paciente com neoplasia de cólon. Há sinais de hepatectomia direito com aumento compensatório do lobo esquerdo. Nas lesões metastáticas, nota-se realce arterial periférico com lavagem e ausência de retenção na fase hepatoespecífica.

Em resumo, na Tabela 1, pode-se identificar os padrões típicos das lesões hepáticas focais nas fases contrastadas.

Tabela 1. Características das lesões hepáticas focais nas fases dinâmicas e hepatobiliar

CHC: carcinoma hepatocelular.

Pontos de reflexão sobre o contraste hepatoespecífico

Além do maior custo, é descrito na literatura a maior ocorrência de artefatos respiratórios após a injeção do contraste hepatoespecífico na fase arterial em alguns pacientes, podendo estar relacionado à dificuldade de se sustentar a apnéia e/ou dispneia subjetiva.

Conclusão

O contraste hepatoespecífico aumenta a acurácia diagnóstica na detecção e caracterização de lesões focais hepáticas, em especial nas mencionadas na Tabela 1, e devem ser avaliadas de acordo com o quadro clínico dos pacientes.
Nódulos com padrão atípico nos exames contrastados devem ser avaliados caso a caso, podendo ser indicados a biópsia hepática para adequada elucidação ou exames de imagem periódicos para seguimento.

Referências

  1. Palmucci S. Focal liver lesions detection and characterization: The advantages of gadoxetic acid-enhanced liver MRI. World J Hepatol. 2014 Jul 27;6(7):477-85. doi: 10.4254/wjh.v6.i7.477. PMID: 25067999; PMCID: PMC4110539.
  2. European Association for the Study of the Liver (EASL). EASL Clinical Practice Guidelines on the management of benign liver tumours. J Hepatol. 2016 Aug;65(2):386-98. doi: 10.1016/j.jhep.2016.04.001. Epub 2016 Apr 13. PMID: 27085809.
  3. Hyperintense Liver Masses at Hepatobiliary Phase Gadoxetic Acid–enhanced MRI: Imaging Appearances and Clinical Importance. Nobuhiro Fujita, Akihiro Nishie, Yoshiki Asayama, Kousei Ishigami, Yasuhiro Ushijima, Daisuke Kakihara, Tomohiro Nakayama, Koichiro Morita, Keisuke Ishimatsu, and Hiroshi Honda. RadioGraphics 2020 40:1, 72-94.
  4. Moosavi, B., Shenoy-Bhangle, A.S., Tsai, L.L. et al. MRI characterization of focal liver lesions in non-cirrhotic patients: assessment of added value of gadoxetic acid-enhanced hepatobiliary phase imaging. Insights Imaging 11, 101 (2020). https://doi.org/10.1186/s13244-020-00894-3.
  5. Roberts LR, Sirlin CB, Zaiem F, Almasri J, Prokop LJ, Heimbach JK, Murad MH, Mohammed K. Imaging for the diagnosis of hepatocellular carcinoma: A systematic review and meta-analysis. Hepatology. 2018 Jan;67(1):401-421. doi: 10.1002/hep.29487. Epub 2017 Nov 29. PMID: 28859233.
  6. Koh, DM., Ba-Ssalamah, A., Brancatelli, G. et al. Consensus report from the 9th International Forum for Liver Magnetic Resonance Imaging: applications of gadoxetic acid-enhanced imaging. Eur Radiol 31, 5615–5628 (2021). https://doi.org/10.1007/s00330-020-07637-4.
  7. Glessgen CG, Breit HC, Block TK, Merkle EM, Heye T, Boll DT. Respiratory anomalies associated with gadoxetate disodium and gadoterate meglumine: compressed sensing MRI revealing physiologic phenomena during the entire injection cycle. Eur Radiol. 2022 Jan;32(1):346-354. doi: 10.1007/s00330-021-08114-2. Epub 2021 Jul 29. PMID: 34324024; PMCID: PMC8660712.

Como citar este artigo

Oti, KST. Quando indicar o contraste hepatoespecífico na avaliação de lesões focais hepáticas? Gastropedia 2023, vol. 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/quando-indicar-o-contraste-hepatoespecifico-na-avaliacao-de-lesoes-focais-hepaticas




Terapia biológica em esofagite eosinofílica: onde estamos?

A esofagite eosinofílica (EEo) é uma doença inflamatória imunomediada crônica do esôfago, cuja prevalência tem aumentado rapidamente, atingindo atualmente 1 em 3.000 pessoas nos países ocidentais. Caso não seja tratada adequadamente, a remodelação progressiva do tecido leva a uma progressão para doença fibroestenótica

Os tratamentos atuais de primeira linha (Figura 1) incluem o uso off-label de inibidores da bomba de prótons (IBPs), corticosteroides tópicos reaproveitados de formulações para asma, dietas de eliminação e dilatação esofágica.

Embora sejam modalidades eficazes para o tratamento da EEo, cada um tem eficácia variável e limitações conhecidas, tais como:

  • IBP: Resposta histológica estimada em 50.5% (intervalo de confiança de 95%: 42.2 a 58.7%). Dados são limitados, mas mostram que adultos persistem em remissão após 1 anos de seguimento;
  • Corticóides tópicos: Até o momento, exigem o uso off-label de preparações para asma, tais com engolir propionato de fluticasona de um inalador dosimetrado ou criar uma pasta viscosa com budesonida aquosa e um espessante, como sucralose ou mel.

    • A remissão clínico-histológica é observada em até 68% dos pacientes. Deve-se orientar os pacientes para evitar refeições por 30 a 60 minutos após uso da medicação e sobre o risco de candidíase esofágica em até 10 a 20%.
    • Várias novas formulações de corticosteróides que melhoram a ação tópica no esôfago e minimizam o importuno de criar sua própria pasta estão atualmente sob investigação. O comprimido orodispersível de budesonida, por exemplo, mostrou resultados interessantes (remissão clínico-histológica de 57.6% em 6 semanas e 84.7% em 12 semanas) e foi aprovado para uso na Europa.

  • Dieta:

    • A dieta elementar consiste na ingesta exclusiva de fórmulas com aminoácidos livres e tem resposta histológica de até 91%, mas é algo pouco aplicável na rotina.
    • Por sua vez, a dieta de eliminação de 6 alimentos (6-food elimination diet) é a mais clássica e consiste em retirar os gatilhos mais comuns (laticínios, trigo, ovos, soja, amendoim e nozes, peixes e mariscos) por 6 semanas. A partir de então, realiza-se nova endoscopia com reintrodução sistemática de cada um dos grupos por 6 semanas e nova endoscopia, na tentativa de identificar o alimento associado.

      • Apesar de complexa, estudos demonstram remissão histológica em até 70% dos pacientes, com remissão a longo prazo caso mantenha a restrição de forma adequada.

    • Na tentativa de evitar tantas endoscopias e restrições, há variações desta dieta: 4-food elimination diet (laticínios, trigo, ovos e soja) e 2-food elimination diet (lacticínios e trigo), com taxa de remissão clínico-histológica de 54 e 43%, respectivamente.

Figura 1: Fluxograma de opções para tratamento de esofagite eosinofílica. No contexto apropriado, dilatação endoscópica também pode ser necessária. Adaptado de Beveridge & Falk (2020)[1]

No dia a dia, nos deparamos com alguns casos em que há maior dificuldade de tratamento com estas terapias clássicas e, portanto, biológicos têm sido usados no contexto de ensaios clínicos. Em 2022, o dupilumabe tornou-se a primeira (e atualmente única) terapia biológica aprovada para EEo pelo FDA (Food and Drug Administration) nos Estados Unidos. Vários outros agentes biológicos estão sendo investigados ativamente para este fim. 

Clicando aqui, você consegue checar a lista atualizada de ensaios clínicos em andamento para EEo.

Para entender os potenciais alvos para tratamento da terapia biológica, devemos lembrar que a EEo se caracteriza por resposta imunológica do tipo 2 (Th2), envolvendo células T, eosinófilos, mastócitos e as citocinas interleucina-4, interleucina-5, interleucina-13 e linfopoietina estromal tímica (TSLP)

Os principais biológicos atualmente em estudo na EEo são:

  • Dupilumabe: anticorpo monoclonal que tem como alvo a cadeia de interleucina (IL)-4Rα, interferindo assim na ligação de IL-4 e IL-13 com o receptor. Foi aprovado pelo FDA como tratamento para EEo em maio de 2022. É aprovado pela ANVISA para tratamento de dermatite atópica moderada a grave, asma eosinofílica grave e rinossinusite crônica com pólipos nasais (ATUALIZAÇÃO MAIO/2023: ANVISA aprovou em Abril/2023 o uso de dupilumabe para o tratamento de esofagite eosinofílica em pacientes a partir de 12 anos de idade e com peso corporal igual ou superior a 40 kg – https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/medicamentos/novos-medicamentos-e-indicacoes/dupixent-dupilumabe-nova-indicacao-4 ). Estudo de fase 3 publicado recentemente no New England Journal of Medicine incluiu pacientes refratários a altas doses de IBP e identificou que uma dose semanal subcutânea de dupilumabe 300 mg resultou em melhora clínica e 60% de resposta histológica nas semanas 24 e 52. Embora muitos estudos tenham mostrado melhora endoscópica e histológica, o dupilumabe é o único cujo estudo randomizado duplo-cego mostrou melhora significativa de sintomas até o momento. Os efeitos adversos mais comuns foram reações no local da injeção (até 20%), nasofaringite (até 12%) e cefaleia (até 8%).
  • Benralizumabe: Bloqueio do receptor para IL-5. Estudo de fase 3 em andamento.
  • Reslizumabe e Mepolizumabe: Ligam-se à IL-5, evitando a ativação do receptor de IL-5. Ensaios clínicos até demonstraram melhora de eosinofilia esofágica, mas não houve benefícios clínicos significativos.
  • Omalizumabe: Anti-IgE, utilizado em asma alérgica e urticária espontânea crônica. Ensaios clínicos demonstraram pouca resposta clínica e histológica, que a inflamação na EEo não é mediada por IgE. Não é promissora.
  • Cendakimabe (RPC4046 ou CC-93538): Bloqueio do receptor para IL-13. Estudo de fase 3 em andamento.
  • Lirentelimabe (Antolimabe ou AK002): Anticorpo contra a lectina 8 semelhante a imunoglobulina ligadora de ácido siálico (Siglec-8). Siglec-8 é um receptor de superfície encontrado em eosinófilos e mastócitos humanos. A ligação de um anticorpo neste receptor induz apoptose de eosinófilos ativados e inibe ativação mastocitária. Estudo de fase 2/3 em andamento.
  • Tezepelumabe: Bloqueia a TSLP. Foi aprovado em 2022 pela ANVISA para tratamento de asma grave. Estudo de fase 3 em andamento

Os resultados decepcionantes em termos de resposta clínica até o momento podem ser consequência da complexa fisiopatologia da EEo, que envolve múltiplas vias de sinalização. ​​A perpetuação da resposta inflamatória e da patogênese dos sintomas é determinada por múltiplas células imunes e citocinas, de modo que mesmo quando uma citocina e uma via são interrompidas, vias alternativas e mecanismos compensatórios podem existir para continuar a propagar a inflamação.

Além disso, embora vários estudos demonstrem redução do número de eosinófilos no tecido esofágico, a falta de efeito sobre os sintomas clínicos sugere que os eosinófilos não são os únicos responsáveis ​​pelos sintomas de EEo. Acredita-se que as alterações na remodelação tecidual (como estenose e dismotilidade) sejam as principais responsáveis ​​pelos sintomas graves. A duração do tratamento na maioria dos ensaios de EoE é curta e pode não ser suficiente para reverter estas alterações crônicas.

Conclusão

Ainda há muito o que avançar na terapia biológica em EEo. Devemos sempre questionar também se a EEo, uma doença localizada no esôfago, realmente se beneficiaria de drogas de ação sistêmica. Além disso, é necessário que posicionemos adequadamente estas novas terapias que estão surgindo e surgirão em algoritmos de tratamento para definirmos não apenas o que podemos usar, mas também quando é o melhor momento para utilizá-las.

Saiba mais sobre esofagite eosinofílica na nossa live sobre o assunto. Link para post com os slides

Live Completa sobre Eosfagite Eosinofílica
https://gastropedia.pub/pt/live/esoofagite-eosinofilica-tudo-o-que-voce-queria-saber/

Referência

[1] Beveridge C, Falk GW. Novel Therapeutic Approaches to Eosinophilic Esophagitis. Gastroenterol Hepatol 2020;16:294–301.

[2] Nhu QM, Aceves SS. Current state of biologics in treating eosinophilic esophagitis. Ann Allergy, Asthma Immunol 2023;130:15–20. doi:10.1016/j.anai.2022.10.004.

[3] Zhang S, Assa’ad AH. Biologics in eosinophilic esophagitis. Curr Opin Allergy Clin Immunol 2021;21:292–6. doi:10.1097/ACI.0000000000000741.

[4] Straumann A. Biologics in Eosinophilic Esophagitis — Ready for Prime Time? N Engl J Med 2022;387:2379–80. doi:10.1056/NEJMe2213030.

[5] Dellon ES, Rothenberg ME, Collins MH, Hirano I, Chehade M, Bredenoord AJ, et al. Dupilumab in Adults and Adolescents with Eosinophilic Esophagitis. N Engl J Med 2022;387:2317–30. doi:10.1056/NEJMoa2205982.

Como citar este arquivo

Lages RB. Terapia biológica em esofagite eosinofílica: onde estamos? Gastropedia; vol. 1, 2023. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/sem-categoria/terapia-biologica-em-esofagite-eosinofilica-onde-estamos/




Pancreatite Aguda Recorrente – Etiologia e Diagnóstico

Pancreatite Aguda Recorrente (PAR) é definida como dois ou mais episódios de pancreatite aguda (PA), com intervalo de no mínimo 3 meses entre os eventos, na ausência de sinais de pancreatite crônica (PC). 

  • No geral, a etiologia dos episódios de pancreatite consegue ser elucidada em 70-90% dos casos, com a investigação adequada.
  • Ainda assim, com todas as armas diagnósticas disponíveis hoje, 10-30% dos casos permanecem sem etiologia definida.
  • O risco de recorrência após um episódio de pancreatite aguda é de 11-32%

Etologia

As principais causas de pancreatite aguda de repetição são:

  • Litíase biliar – assim como em episódios únicos, a litíase biliar é a principal causa de PAR, sendo responsável por cerca de 40% dos casos.
  • Álcool: o consumo de álcool é fator de risco para pancreatite aguda, pancreatite aguda recorrente e pancreatite crônica. Nos EUA, estima-se que 30% das PAR sejam causadas por libação alcoólica, geralmente em indivíduos já etilistas.
  • Tabagismo: o tabagismo atualmente é reconhecido como fator de risco independente para PA e PAR
  • Obstruções ductais por neoplasias de pâncreas ou peri-ampulares.
  • Medicações: algumas medicações são causadoras de PA e PAR, embora seja difícil estabelecer a relação causa/efeito. Nos casos suspeitos, é recomendado que se afaste outras etiologias mais frequentes.
  • Hipertrigliceridemia: o aumento de triglicérides séricos (> 1000 mg/dL) está relacionado com episódios únicos ou recorrentes de PA.
  • Pancreatite auto-imune: a PAI tipo II (doença restrita ao pâncreas) pode ser causa de PAR, embora não se saiba a real prevalência. A doença por IgG4 (Pancreatite auto-imune tipo I) raramente é causa de PAR
  • Anormalidades genéticas: a genética envolvida em doenças pancreáticas é bastante complexa. Sabe-se que variantes patogênicas de alguns genes como: CFTR, PRRS-1, CTRC, SPINK-1 estão mais presentes em pacientes com PAR, sugerindo que possam ter relação com o aparecimento do quadro clínico

Possíveis etiologias controversas

  • Pancreas divisum: a variação anatômica de dominância do ducto dorsal é presente em até 10% da população, e 95% não apresenta nenhum sintoma pancreático. Entretanto, ao estudar a população com PAR, a prevalência do pancreas divisum pode chegar a 50%. Ainda assim, não está estabelecido como causa de PAR.
  • Disfunção do esfíncter de Oddi (SOD): a anormalidade está presente em apenas 1,5% da população, entretanto é muito mais frequente nas PAR idiopáticas (até 72%). A suspeita deve ser levantada quando, além da dor e elevação de enzimas pancreáticas, observamos elevação de enzimas canaliculares.

Como investigar

O primeiro passo diante de um quadro de PAR é a exclusão de malignidades e da própria pancreatite crônica. Uma boa história clínica e exame físico podem nos direcionar para alguns fatores de risco, como etilismo e tabagismo ou uso de medicações, ou sintomas sugestivos de pancreatite crônica. 

Uma imagem adequada da glândula, através da ressonância magnética com colangio-pancreato ressonância pode afastar a possibilidade de neoplasias pancreáticas ou peri-ampulares. 

A ecoendoscopia tem acurácia semelhante à RM para exclusão de tumores, entretanto pode auxiliar no diagnóstico de pancreatite crônica precoce, além de afastar o diagnóstico de microlítiase, que pode ser a etiologia da PAR. Em lugares em que há disponibilidade, é interessante realizar o exame. 

A pesquisa genética pode ser realizada nos pacientes com PAR, especialmente se o quadro clínico se der em pacientes jovens ou com histórico familiar de pancreatite. Entretanto deve-se atentar para o real benefício da testagem, visto que não há terapia específica possível no caso de diagnóstico de mutação, e o custo da pesquisa ainda é elevado. 

A manometria do esfíncter de Oddi é o exame adequado para os casos de suspeita de disfunção do esfíncter, entretanto esse exame é pouco disponível no Brasil, além do risco de 25% de pancreatite aguda pós procedimento. Além disso, nos casos de SOD sem dilatação de ductos na imagem (SOD tipo III), a sensibilidade do exame é apenas 42%. 

Abaixo, um algoritmo para investigação de casos de pancreatite aguda recorrente:

Referências Bibliográficas

  1. Guda MN et al. Recurrent Acute Pancreatitis International State-of-the-Science Conference With Recommendations. Pancreas 2018;47: 653–666
  2. Jagannath S, Garg PK. Recurrent Acute Pancreatitis: Current Concepts in the Diagnosis and Management. Curr Treat Options Gastro (2018) 16:449–465. 
  3. Rehman A et al. Sphincter of Oddi dysfunction: an evidence-based review. Curr Treat Options Gastro (2018) 16:449–465. 
  4. Somogyi L et al. Recurrent Acute Pancreatitis: An Algorithmic Approach to Identification and Elimination of Inciting Factors. Gastroenterology 2001;120:708–717
  5. Imagem de macrovector no Freepik

Como citar este artigo

Marzinotto, M. Pancreatite Aguda Recorrente – Etiologia e Diagnóstico. Gastropedia 2023, vol 1. Disponível em: gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/pancreas/pancreatite-aguda-recorrente




Como tratar o Helicobacter pylori? Entendendo como escolher o esquema de primeira linha

O Helicobacter pylori (H. pylori) é a infecção bacteriana crônica mais prevalente do mundo, acometendo mais de metade da população. Associa-se com gastrite crônica, que pode progredir para complicações graves, como úlcera péptica, adenocarcinoma e linfoma MALT. 

Pelas evidências atuais, a sua erradicação tem sido recomendada de forma mais ampla, mesmo na ausência de sintomas em muitas situações. As principais referências que norteiam a conduta do H. pylori em nosso país são:

  • IV Consenso Brasileiro (2018)
  • Consenso Maastricht VI / Florence (2022)

Uma das mais importantes causas de falha à erradicação do H. pylori é o aumento da resistência à claritromicina e levofloxacino. A resistência aos nitroimidazóicos também é comum. Por outro lado, a resistência à amoxicilina e à tetraciclina é baixa e estável. Esses conceitos são importantes tanto quando pensamos em esquemas de primeira linha como em esquema de retratamento.

A escolha do esquema inicial de tratamento para o H pylori considera dois principais aspectos:

  • Taxa local de resistência à claritromicina
  • Histórico de alergia medicamentosa

Seria interessante a realização de teste de susceptibilidade (molecular ou cultura) antes da prescrição de antibióticos, mas sabemos que estes métodos ainda são extremamente escassos (ou mesmo quase inexistentes) na nossa prática diária brasileira.

Em áreas em que há baixa resistência à claritromicina (< 15%), o tratamento empírico de primeira linha deve ser a terapia tripla com claritromicina ou a quádrupla com bismuto. Alguns poucos estudos avaliaram o perfil de resistência do H. pylori no Brasil, identificando resistência de 2.5 a 16.9% à claritromicina, 5 a 23% às fluoroquinolonas, aproximadamente 50% ao metronidazol e duplas resistência à claritromicina e metronidazol de 7.5 a 10%. Diante disso, a tendência do Consenso Brasileiro ainda é considerar o Brasil como uma área de baixa resistência à claritromicina.

Desde o Maastricht V (2017) e o IV Consenso Brasileiro (2018), uma importante mudança nas recomendações de tratamento para o H. pylori foi o aumento da duração de 7 para 14 dias na tentativa de aumentar a taxa de erradicação diante da crescente elevação de resistência bacteriana.

Os esquemas de primeira linha propostos em nosso país, portanto, são os seguintes:

  • Esquema recomendado: OAC – Terapia tripla padrão com claritromicina

  • Esquema alternativo: BOTM – Terapia quádrupla com bismuto

  • Outro esquema alternativo: OACM – Terapia quádrupla concomitante sem bismuto. É uma opção em áreas de maior resistência comprovada à claritromicina quando o bismuto não for disponível.

Por falar em disponibilidade de subcitrato de bismuto coloidal, essa medicação tem sido bem pouco disponível em nosso país. Atualmente, é possível conseguir apenas por meio de manipulação (e mesmo assim com certa dificuldade). Isso nos faz lembrar da furazolidona, que já foi muito utilizada em esquemas para tratamento de H. pylori, mas que não é comercializada há anos em nosso país.

Alergia à penicilina

A erradicação do H. pylori em pacientes com alergia à penicilina (relatada em até 3 a 10% das pessoas) é um desafio. O ideal seria realmente comprovar que essa alergia é verdadeira para ter à disposição os esquemas com amoxicilina.

Pelo Consenso Brasileiro, são dois os esquemas principais:

  • Terapia tripla com levofloxacino em substituição à amoxicilina (OCL)

  • Terapia quádrupla com bismuto (BOTM), conforme já citada previamente

Efeitos adversos

Infelizmente, até 50% dos pacientes apresentam efeitos colaterais com o tratamento do H. pylori. Em menos de 10%, esses efeitos são limitantes e levam à interrupção da terapia. É importante, portanto, sempre orientar bem os pacientes dos efeitos adversos mais comuns para aumentar a adesão:

  • Amoxicilina: Diarreia, rash cutâneo
  • Claritromicina: náuseas, vômitos, dor abdominal, gosto metálico, raramente prolongamento QT

Usar probióticos ajuda?

Os probióticos (como Lactobacilli e Saccharomyces boulardii) reduzem os efeitos adversos associados à terapia de erradicação e, com isso, podem aumentar a adesão. Há estudos sobre efeitos diretos sobre o H. pylori, mas ainda são necessários mais dados.

Preciso fazer controle de cura? Quando?

Sim. Deve ser realizado pelo menos 4 semanas após o tratamento. O ideal é preferir método não invasivos, reservando-se a endoscopia apenas se indicada por outra razão (ex: controle de cura de úlcera gástrica).

Conclusão

O H. pylori é extremamente comum e sua erradicação pode ser muitas vezes um desafio. A terapia tripla padrão (OAC) no Brasil fornece taxas de cura acima de 80% e ainda é a mais utilizada. Devemos, contudo, estar atentos aos crescentes níveis de resistência bacteriana para atualizarmos constantemente nossas recomendações.

Como citar este artigo

Lages RB. Como tratar o Helicobacter pylori? Entendendo como escolher o esquema de primeira linha. Gastropedia 2022. Disponível em https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/estomago/como-tratar-helicobacter-pylori

Referências

[1] Malfertheiner P, Megraud F, Rokkas T, Gisbert JP, Liou JM, Schulz C, et al. Management of Helicobacter pylori infection: the Maastricht VI/Florence consensus report. Gut 2022;71:1724–62. doi:10.1136/gutjnl-2022-327745.
[2] Coelho LGV, Marinho JR, Genta R, Ribeiro LT, Passos M CF, Zaterka S, et al. IVth Brazilian Consensus Conference on Helicobacter pylori infection. Arq Gastroenterol 2018;55:97–121. doi:10.1590/s0004-2803.201800000-20.




Nódulo hepático detectado pela ultrassonografia: passo a passo de quando e como investigar

Ao nos depararmos com uma ultrassonografia (USG) descrevendo uma lesão focal hepática, devemos organizar o raciocínio de quando e como investigar a lesão descrita: trata-se de lesão focal cística, com paredes regulares, conteúdo anecoico e sem sinais de complexidade (septos, calcificações, margens irregulares)?

Se sim e o exame feito por radiologista experiente, não é necessária investigação adicional. Entretanto, se houver lesão focal cística complexa ou lesão focal sólida, estas possuem indicação de investigação com exame de imagem contrastado (tomografia computadorizada ou ressonância magnética de abdome superior).

Figura 1. Ultrassonografia de abdome evidenciando nódulo sólido, hiperecogênico, medindo aproximadamente 1,0 cm, circunscrito, localizado no lobo direito, segmento hepático VII. Fonte: arquivo pessoal.

É fundamental pedir o exame corretamente, isto é, descrever no pedido do exame que é direcionado à investigação de lesão focal hepática. Isso será fundamental para se alinhar o protocolo correto no dia do exame, em especial, de tomografia de abdome com contraste endovenoso (iodo) com protocolo trifásico – além da fase pré-contraste, haverá as fases arterial, portal e equilíbrio.

O exame de ressonância de abdome com contraste endovenoso (gadolíneo) realiza as fases contrastadas (arterial, portal, equilíbrio) habitualmente, além de possuir sequências adicionais que auxiliam na avaliação da lesão focal (sequências T1 pré-contraste; in-phase e out-of-phase para avaliação de gordura; T2 e difusão).

Recomenda-se fortemente que se mencione no pedido do exame os dados clínicos mais significativos do paciente, como idade, sintomas, ausência/presença de doença hepática crônica e/ou cirrose hepática, uso de anabolizantes ou anticoncepcionais e doença oncológica prévia ou atual.

Nota 1: A presença de cirrose hepática é o dado clínico mais relevante e o fator de risco mais significativo para o desenvolvimento de carcinoma hepatocelular (CHC), de forma que a cirrose está presente em aproximadamente 90% dos pacientes com CHC. Logo, um nódulo hepático em fígado cirrótico, a principal suspeita será de CHC; já um nódulo hepático em fígado não-cirrótico, haverá maior chance de lesão focal benigna.

Dentre as lesões focais hepáticas benignas, destacam-se: hemangioma, hiperplasia nodular focal e adenoma. Tais lesões apresentam diferentes padrões de ecogenicidade a USG, podendo ser hiperecogênicos, isoecogênicos ou hipoecogênicos e suas particularidades serão temas de próximos posts

Um diagnóstico diferencial a ser lembrado é a possibilidade de área poupada de esteatose, quando o fígado como um todo se torna hiperecogênico pela deposição de gordura e uma área específica é poupada desta, gerando a falsa impressão de lesão focal nodular hipoecogênica. Há ainda casos de esteatose focal, quando o depósito de gordura ocorre de forma localizada, simulando um nódulo hiperecogênico.

Nota 2: Excetuando-se os cistos hepáticos simples, as lesões focais hepáticas sólidas merecem investigação dinâmica com exame contrastado endovenoso para a avaliação do seu comportamento nas diferentes fases de enchimento e esvaziamento vascular, mesmo que sejam sugestivos de lesão benigna à ultrassonografia de abdome.

            Na maioria das vezes, a identificação de lesão focal hepática benigna será incidental, em exames de rotina, sem repercussão clínica (sintomas ou complicações) e sem alterações laboratoriais. Após o exame contrastado inicial (TC/RM), casos selecionados serão candidatos à ressonância de abdome com contraste hepatoespecífico (ácido gadoxético – Primovist), biópsia do nódulo hepático ou até encaminhados para abordagem cirúrgica.

Desta forma, os médicos de diferentes especialidades devem ter o discernimento de investigar de forma adequada o achado de nódulo hepático em exame de rotina ou optar por encaminhar o paciente para avaliação especializada com gastro-hepatologista.

Saiba mais sobre avaliação das lesões hepáticas nesse outro artigo

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Como citar esse artigo

Oti, KST. Nódulo hepático detectado pela ultrassonografia: passo a passo de quando e como investigar. Gastropedia 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/figado/nodulo-hepatico-detectado-pela-ultrassonografia-passo-a-passo-de-quando-e-como-investigar/

Referências

  1. Haring MPD, Cuperus FJC, Duiker EW, de Haas RJ, de Meijer VE. Scoping review of clinical practice guidelines on the management of benign liver tumours. BMJ Open Gastroenterol. 2021 Aug;8(1):e000592. doi: 10.1136/bmjgast-2020-000592. PMID: 34362758; PMCID: PMC8351490.
  2. Strauss E, Ferreira AdeSP, França AVC, et al. Diagnosis and treatment of benign liver nodules: Brazilian Society of hepatology (SBH) recommendations. Arq Gastroenterol 2015;52:47–54.
  3. Marrero JA, Ahn J, Rajender Reddy K, Reddy RK, et al. Acg clinical guideline: the diagnosis and management of focal liver lesions. Am J Gastroenterol 2014;109:1328–47.
  4. European Association for the Study of the Liver (EASL). EASL clinical practice guidelines on the management of benign liver tumours. J Hepatol 2016;65:386–98.



Neoplasias Papilíferas Intraductais Produtoras de Mucina (IPMN)

Os IPMN são as neoplasias císticas pancreáticas mais frequentes, e em algumas casuísticas a prevalência pode chegar a 25%, com maior incidência nos pacientes de faixas etárias mais avançadas. Na maior parte dos casos o diagnóstico é feito acidentalmente, muitas vezes é um achado de imagem, o paciente é assintomático.
A origem do cisto é o próprio ducto pancreático, embora a patogênese não seja clara até hoje. A principal característica é a produção de mucina, uma proteína densa que se acumula nos ductos, causando ectasia e dilatação dos mesmos.

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Cisto adenoma seroso do pâncreas
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Classificação

Os IPMNs podem ser classificados como:

  • IPMNs de ducto principal: quando a dilatação e ectasia é do próprio ducto de
    Wirsung, podendo acometer o ducto todo ou apenas um segmento;
  • IPMNs de ductos secundários: quando as dilatações acometem os ductos menores
    do pâncreas, podendo ser multifocais em até 67% dos casos;
  • IPMNs mistos: acometem tanto ducto principal quanto os ductos secundários, e se
    comportam como os IPMNs de ducto principal.

Quadro Clínico

A ampla maioria dos pacientes são assintomáticos, especialmente os que têm apenas dilatações de ductos secundários. Os sintomas que podem aparecer são: desconforto abdominal, icterícia e perda de peso. O aparecimento de sintomas,
especialmente icterícia, é considerado um sinal de alarme, muito sugestivo de malignização. Os pacientes sintomáticos deverão ser reavaliados com exame de imagem.

Diagnóstico

O diagnóstico é baseado em alteração de exames de imagem. Como foi dito anteriormente, muitas vezes o diagnóstico é incidental. Apesar disso, ao encontrarmos uma lesão suspeita de IPMN, é necessário o seguimento deste paciente.
Os exames de imagem que auxiliam no diagnóstico e seguimento são:

  • Tomografia computadorizada: a tomografia não é o melhor exame para avaliação de lesões císticas pancreáticas, porém pode ser utilizada para pacientes com contraindicação à Ressonância Magnética. O exame deve ser realizado com administração de contraste endovenoso em protocolo com 2 fases: arterial e venosa. Auxilia no diagnóstico diferencial das dilatações ductais, como no caso de calcificações e tumores pancreáticos.

  • Ressonância Magnética com Colangio Pancreato-ressonância: talvez seja o melhor
    exame para avaliação de IPMNs, pois permite ver a comunicação ductal, determina
    o exato segmento que a lesão se encontra e consegue avaliar sinais de
    preocupação, como componente sólido intracístico, realce na parede da lesão e
    acometimento de ducto principal. A MRCP é o exame de escolha para a avaliação
    do cisto e avaliação de sinais preocupantes ou sinais de alarme.
  • Ecoendoscopia ou Ultrassom endoscópico: é um exame utilizado quando há dúvidas
    diagnósticas (diferenciação entre lesão mucinosa e não mucinosa, por exemplo) ou
    quando há suspeita de transformação maligna, visto que permite a punção do cisto
    com análise bioquímica (dosagem de amilase, CEA e glicose) além de citologia. As
    lesões menores de 1 cm não devem ser puncionadas, pois o risco de já serem
    malignas é muito baixo, além de não conseguir material suficiente para análise
    bioquímica. Para a análise citológica que é realizada em bloco, há uma tendência a
    utilização de agulhas de biópsia (FNB) ao invés de agulhas finas (FNA), o que
    parece melhorar a acurácia dos diagnósticos de displasias.

O exame de ultrassom convencional tem baixa acurácia para diagnóstico de lesões císticas pancreáticas, embora possa ser usado para seguimento das lesões já bem estabelecidas.

Critérios de gravidade

O consenso de Fukuoka, datado de 2012, sugere fatores de alto risco para evolução dos IPMNs.

Os critérios de alarme são:

  • Envolvimento de ducto principal com dilatação > 10 mm
  • Nódulo mural > 5 mm com captação de contraste
  • Icterícia obstrutiva

Os chamados sinais ¨preocupantes¨ são:

  • Pancreatite aguda
  • Cisto > 3cm
  • Espessamento e hipercaptação na parede do cisto
  • Envolvimento do ducto pancreático principal entre 5-9mm
  • Nódulo mural sem realce pelo contraste
  • Transição abrupta de calibre do ducto principal, com atrofia do parênquima distal
  • Crescimento do cisto > 5 mm em 2 anos

Nota: em 2023 houve a publicação do Guideline de Kyoto com atualizações nesses conceitos. Para saber mais confira esses artigos: Guideline de Kyoto – atualizações na abordagem dos IPMNs – Parte I; Guideline de Kyoto – atualizações na abordagem dos IPMNs – Parte I

Condução

Os pacientes com critérios de alarme deverão ser considerados para a cirurgia, caso tenham condições para tal procedimento.
Os pacientes com ¨sinais preocupantes¨devem ser seguidos, e possivelmente puncionados por Ecoendoscopia. Deverão ser seguidos conforme o algoritmo de manejo de pacientes com IPMN (figura 1).
Os consensos para manejo dos IPMNs estão em constante mudança, estabelecendo novos critérios para indicação de ressecção cirúrgica.

Algoritmo para o gerenciamento de suspeita de BD-IPMN. *A pancreatite pode ser uma indicação cirúrgica para alívio dos sintomas. &. O diagnóstico diferencial inclui mucina. A mucina pode se mover com a mudança na posição do paciente, pode ser deslocada com a lavagem do cisto e não tem fluxo Doppler. As características do nódulo tumoral verdadeiro incluem falta de mobilidade, presença de fluxo Doppler e PAAF do nódulo mostrando tecido tumoral. @. A presença de paredes espessadas, mucina intraductal ou nódulos murais é sugestiva de envolvimento do ducto principal. Na sua ausência, o envolvimento do ducto principal é inconclusivo. Abreviaturas: BD-IPMN, neoplasia mucinosa papilar intraductal do ducto secundário; PAAF, aspiração por agulha fina.

Como citar esse artigo

Marzinotto M. Neoplasias Papilíferas Intraductais Produtoras de Mucina. Gastropedia, 2022. Dísponivel em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/pancreas/neoplasias-papiliferas-intraductais-produtoras-de-mucina-ipmn/

Bibliografia

  1. Tanaka, M. et al. International consensus guidelines 2012 for the management of IPMN and MCN of the pancreas Pancreatology 12 (2012) 183e197
  2. van Huijgevoort, NCM et al. Diagnosis and management of pancreatic cystic neoplasms: current evidence and guidelines. Nature Reviews | Gastroenterology & Hepatology, 2019.
  3. Sakorafas, GH et al. Primary pancreatic cystic neoplasms revisited. Part III. Intraductal papillary mucinous neoplasms. Surgical Oncology 20 (2011) e109ee118
  4. Elta, GH et al. ACG Clinical Guideline: Diagnosis and Management of Pancreatic Cysts. Am J Gastroenterol 2018; 113:464–479



O que devemos saber sobre a elastografia hepática transitória e sua aplicação na Doença hepática gordurosa não-alcoólica?

A esteatohepatite não-alcoólica (EHNA) corresponde ao grupo de pacientes com doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) que cursam, além da esteatose predominantemente macrogoticular, com balonização hepatocitária, inflamação lobular, fibrose hepática, cirrose e risco de evolução para carcinoma hepatocelular (CHC). Saiba mais nesse outro artigo.

Cerca de 30-40% dos adultos possuem DHGNA e destes, 3-12% evoluem com EHNA, com prevalência em progressão nos últimos anos, em especial, pela forte associação com fatores metabólicos como a obesidade. Desta forma, a EHNA tornou-se nos últimos anos a principal causa de transplante hepático no mundo

Na avaliação dos pacientes com DHGNA, é fundamental avaliar quais testes não-invasivos (TNI) podem contribuir na investigação. Apesar da ultrassonografia de abdome ser o exame de primeira linha na avaliação inicial dos pacientes com DHGNA, é operador-dependente e apresenta baixa sensibilidade para esteatose hepática leve: tipicamente, a esteatose precisa acometer mais de 30% dos hepatócitos para ser detectável por este método. 

Dentre os TNI disponíveis em nosso meio, a elastografia hepática transitória (FibroScan®, Echosens, Paris, França; TE) é a mais comumente utilizada pelos hepatologistas. A tecnologia foi aprovada em 2013 pela Food and Drug Administration nos Estados Unidos e rapidamente incorporada na avaliação dos pacientes com hepatopatia por diferentes etiologias, incluindo, os portadores de DHGNA.

Vantagens do método

Através da seleção apropriada de uma das sondas (Small, Medium e XL) pela idade, tipo físico e distância pele-fígado, o exame é realizado de forma não invasiva e rápida, permitindo a quantificação da gordura hepática pelo CAP (controlled attenuation parameter) e da fibrose hepática pela avaliação da rigidez hepática (liver stiffness measurement; LSM).

O ponto de referência é guiado pelos marcadores anatômicos (encontro da linha axilar média com linha transversa e paralela aos rebordos costais, ao nível do apêndice xifóide). 

LSM

Através de vibrações de leve amplitude e baixa frequência (50Hz) emitidas pela sonda no ponto de referência, uma onda de cisalhamento se propaga pelo tecido hepático sob uma determinada velocidade (m/s): quanto mais rígido é o tecido, mais veloz será a propagação da onda. A LSM varia de 1,5 a 75 kilopascal (kPa) e avalia a rigidez hepática em volume 100 vezes maior do que uma biópsia hepática.

Os valores de LSM variam de acordo com a etiologia da hepatopatia, sendo reportados na DHGNA, os valores de AUROC para F1, F2, F3 e F4 de 0,82, 0,85, 0,94 e 0,96, respectivamente. Para fibrose avançada (F3-F4), os cut-offs variam de 8-12kPa, com sensibilidade de 84-100% e especificidade de 83-97%.

Nota 1: Alguns estudos transversais e comparação head-to-head indicaram melhor acurácia da elastografia por RM na avaliação da fibrose hepática em relação a TE, na identificação de fibrose (F1-F4) com especificidade (F4, 94,5% vs 75,9%), entretanto, os fatores custo, disponibilidade e tempo de exame (duração) são limitantes da elastoRM na prática clínica.

CAP

É reportada AUROC de 81-84% ≥E1 (esteatose em pelo menos 5-10% dos hepatócitos); 85-88% para ≥E2 (33%) e 86-91% para E3 (66%), com sensibilidade para ≥E1, ≥E2 e E3 de 60-75%, 69-84% e 77-96%, respectivamente. Os cut-offs para CAP é de 248 dB/m para E1, 268 dB/m para E2 e 280 dB/m para E3.

Nota 2: Apesar da ressonância de abdome com fração de gordura por densidade de prótons (RM-PDFF) ter melhor sensibilidade e especificidade para a quantificação da fração de gordura hepática em relação ao CAP, os fatores custo e disponibilidade são os maiores limitantes na prática clínica.

Critérios de confiabilidade

De acordo com as recomendações do fabricante, durante a TE, devem ser obtidas 10 medidas válidas, com taxa de sucesso >60% e um intervalo interquartil (IQR) ≤30%.
Alguns estudos demonstraram que IQR > 40 dB/m do CAP com sonda M associou-se com menor confiabilidade para o diagnóstico de esteatose hepática, porém estudos adicionais são necessários para validação como critério.

Limitações e considerações do método

Um dos maiores desafios da TE é a menor taxa de sucesso em pacientes obesos. Enquanto a sonda M é indicada para adultos com peso normal (IMC <25kg/m2) e a sonda S para crianças e adolescentes, a sonda XL está indicada para pacientes obesos ou naqueles com distância pele-fígado maior que 3,5cm, haja vista que esta sonda permite maior profundidade na avaliação da rigidez hepática (35-75 vs 25-65mm) e do CAP.

Estudos prospectivos indicam que a sonda XL estima maior valor de rigidez hepática do que a sonda M quando aplicada no mesmo paciente, entretanto, o IMC elevado tende a superestimar a LSM, assim, os efeitos da obesidade e da sonda XL tendem a se anular.

Outros fatores que prejudicam a LSM são: congestão hepática, obstrução biliar, amiloidose, lesões focais hepáticas, aumento de transaminases (1-5xLSN) e ascite.

É fundamental orientar o jejum de 3-4 horas antes do exame, pois o aumento do fluxo portal pode aumentar a LSM em 1-5kPa (pico em 20-40 minutos, com duração de até 180 minutos, em média).

Aplicação clínica

Além da avaliação de rigidez hepática e quantificação da esteatose, a TE possui um importante papel em predizer complicações da doença hepática crônica avançada compensada (DHCAc), como varizes de esôfago (VE), CHC e morte relacionada ao fígado.

De acordo com Baveno VII, no geral:

  1. LSM ≤15kPa e plaquetas ≥ 150.000 exclui hipertensão portal clinicamente significativa (HPCS, sensibilidade e valor preditivo negativo >90%) em paciente com DHCAc;
  2. LSM <20kPa e plaquetas > 150.000 permite evitar a realização de EDA rastreamento de VE;
  3. Em pacientes de etiologia viral, alcoólica e EHNA não obesos (IMC <30kgm/2), LSM ≥ 25 é suficiente para excluir HPCS (sensibilidade e valor preditivo positivo >90%).
  4. Nos pacientes com DHCAc por EHNA, o modelo ANTECIPATE pode ser usado para predizer o risco de HPCS, mas validação adicional é necessária.

Recomendações de Guidelines

A TE é um TNI validada e recomendado pelos guidelines da AASLD e EASL e, conforme a sua disponibilidade, deve ser incorporado como ferramenta na avaliação dos pacientes com DHGNA na prática clínica.

Referências

  1. Zhang X, Wong GL, Wong VW. Application of transient elastography in nonalcoholic fatty liver disease. Clin Mol Hepatol. 2020 Apr;26(2):128-141. doi: 10.3350/cmh.2019.0001n. Epub 2019 Nov 8. PMID: 31696690; PMCID: PMC7160347.
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  3. Park CC, Nguyen P, Hernandez C, Bettencourt R, Ramirez K, Fortney L, Hooker J, Sy E, Savides MT, Alquiraish MH, Valasek MA, Rizo E, Richards L, Brenner D, Sirlin CB, Loomba R. Magnetic Resonance Elastography vs Transient Elastography in Detection of Fibrosis and Noninvasive Measurement of Steatosis in Patients With Biopsy-Proven Nonalcoholic Fatty Liver Disease. Gastroenterology. 2017 Feb;152(3):598-607.e2. doi: 10.1053/j.gastro.2016.10.026. Epub 2016 Oct 27. PMID: 27911262; PMCID: PMC5285304.
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Como citar este arquivo

Oti KST., O que devemos saber sobre a elastografia hepática transitória e sua aplicação na Doença hepática gordurosa não-alcoólica?. Gastropedia, 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/figado/o-que-devemos-saber-sobre-a-elastografia-hepatica-transitoria-e-sua-aplicacao-na-doenca-hepatica-gordurosa-nao-alcoolica/




Efeitos adversos associados ao uso prolongado de inibidores de bomba de prótons (IBP)

Desde a introdução do omeprazol em 1989, os inibidores de bomba de prótons (IBPs), também conhecidos como “prazóis”, revolucionaram o tratamento das doenças acido-pépticas. A grande eficiência dessa classe em bloquear a produção de ácido fez com que rapidamente ela caísse no gosto popular e se tornasse um dos medicamentos mais comercializados no mundo.

Com o seu uso crescente, surgiram na última década uma série de preocupações sobre possíveis efeitos colaterais a longo prazo. Contudo, há divulgação em massa de vários estudos sem adequada interpretação, contribuindo para a insegurança dos médicos prescritores e a ansiedade dos pacientes. 

Qual é a verdade afinal? Os “prazóis” causam câncer e demência?

Qual a qualidade da evidência?

A grande maioria das publicações que abordam os efeitos adversos associados ao uso prolongado de IBP é composta por estudos observacionais retrospectivos, baseados em grandes bancos de dados coletados inicialmente por propósitos administrativos.

Esse tipo de estudo torna muito difícil estabelecer relação de causalidade. Afinal, a exposição (usar ou não usar IBP) não é definida aleatoriamente e, por isso, fatores não aleatórios que levaram ao uso ou não de IBP podem impactar a probabilidade de desenvolver um desfecho. Em muitos casos, o motivo pelo qual o paciente está usando o IBP já constitui um fator de risco para o efeito adverso em estudo. Mesmo com as ferramentas estatísticas de regressão multivariada, ainda sobrarão efeitos de confusão residuais devido à presença de diferenças imensuráveis entre os grupos.

Em 1965, Sir Austin Bradford Hill propôs uma lista de 9 critérios para inferir causalidade (Tabela 1). Isso é importante porque a maioria dos estudos epidemiológicos sugere apenas associações e, como tal, é propensa a vários vieses, levando a extrapolações errôneas para a causalidade. 

Tabela 1: Critérios de Bradford Hill para estabelecer causalidade

Por que o IBP causaria efeitos adversos a longo prazo?

Em teoria, a maior parte dos efeitos adversos a longo prazo do IBP estariam associados à hipocloridria.

Apesar de importante para tratamento de doenças pépticas, como as úlceras e o refluxo gastroesofágico, a redução prolongada de ácido gástrico também poderia ocasionar aumento da produção de gastrina, alteração da microbiota intestinal e redução da absorção de alguns nutrientes.

Figura 1: Mecanismos teóricos pelos quais o IBP poderia causar efeitos adversos a longo prazo

ECL = Células enterocromafim-like; GECA = gastroenterocolite aguda; SIBO = Supercrescimento bacteriano do intestino delgado (Small intestinal bacterial overgrowth); PBE = Peritonite bacteriana espontânea; BCP = broncopneumonia; Ca = cálcio; Fe = ferro; Mg = Magnésio

Apesar destes efeitos teóricos, a maior parte destas associações não foi comprovada em estudos.

Quais os riscos de fato?

A maior parte da evidência consiste de estudos observacionais que identificaram associações fracas com risco relativo e odds ratio menor que 2. Além disso, não há consistência, pois existem inúmeros estudos com conclusões opostas.

As evidências mais consistentes são do aumento do risco de pólipos de glândulas fúndicas (que são pólipos benignos que não malignizam), de infecções entéricas e de nefrite intersticial aguda (raro, por efeito idiossincrático).

Uma das maiores preocupações dos médicos e pacientes é, sem dúvidas, um possível risco aumentado de malignidade gástrica. Os estudos disponíveis, contudo, são conflitantes e têm vieses importantes e variáveis ​​de confusão. Um estudo chinês de 2017 foi certamente um dos que mais despertou curiosidade sobre o assunto nos noticiários. Ele foi um estudo observacional baseado em banco de dados para auditoria, que identificou um hazard ratio de 2.44 (intervalo 1.42 a 4.20). Mesmo que desconsiderássemos todos os vieses desse estudo e julgássemos que ele fosse uma verdade absoluta (o que com certeza não é, uma vez que não foi observado se houve cura de H. pylori nos pacientes e o grupo usuário de IBP tinha características com maior risco de câncer – maior idade, mais comorbidades, maior histórico de úlceras, maior tabagismo e maior polifarmácia), ainda sim o aumento absoluto de risco para câncer gástrico em usuários de IBP seria de 4 em 10.000 pessoas-ano (ou seja, aumento absoluto de risco de 0,04% por paciente ao ano).

A Tabela 2 traz um compilado publicado pelo American College of Gastroenterology no guideline de DRGE (2022) quanto aos riscos dos principais efeitos que costumam ser citados como possivelmente associados ao IBP, baseado em estudo randomizado recente. 

Tabela 2: Efeitos adversos associados ao uso prologando de IBP, baseado em estudo randomizado recente. Adaptado de Katz P et al, 2022.

Conclusão

  • Os estudos que identificaram efeitos adversos associados ao uso prolongado de IBPs apresentam falhas, não são considerados definitivos e não estabelecem uma relação de causa e efeito entre os IBPs e as condições adversas. 
  • Apesar de não podermos excluir a possibilidade de que os IBPs possam conferir um pequeno aumento no risco de desenvolver essas condições adversas, isso não justifica a sua suspensão quando bem indicado, uma vez que os benefícios nestes casos superam em muito seus riscos teóricos. 
  • Devemos ser críticos apenas para questionar se a prescrição do IBP está ou não indicada, uma vez que o uso inapropriado gera aumento de custos e exposições desnecessárias. Sempre que possível, outra estratégia adequada é reduzir a prescrição de IBP para a menor dose necessária.

Referências

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Como citar este artigo

Lages RB., EFEITOS ADVERSOS ASSOCIADOS AO USO PROLONGADO DE INIBIDORES DE BOMBA DE PRÓTONS (IBPs). Gastropedia, 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/estomago/efeitos-adversos-associados-ao-uso-prolongado-de-inibidores-de-bomba-de-protons-ibp/