Semaglutida na Esteato-hepatite Metabólica: O que os dados do Estudo ESSENCE Fase 3 nos mostram?
A semaglutida, um agonista receptor do receptor do peptídeo-1 semelhante ao glucagon, tem sido objetivo de estudo na Doença hepática esteatótica metabólica (MASLD) e Esteato-hepatite metabólica (MASH).
Em recente publicação noThe New England Journal of Medicineem 30/04/2025, dados promissores do estudo ESSENCE Fase 3 foram publicados e reforçam a importância da medicação semaglutida e do controle metabólico nos desfechos positivos no tratamento e evolução da MASLD/MASH.
Metodologia do Estudo
Trata-se de estudo em Fase 3 em andamento, multicêntrico, randomizado, duplo cego, placebo-controlado, com 1197 adultos (18 anos ou mais) pacientes com MASH confirmada por biópsia hepática e fibrose estágio 2 ou 3, de acordo com a classificação Nonalcoholic Steatohepatitis Clinical Research Newtwork (NASH CRN), na proporção de 2:1 para receber semaglutida 2,4mg ou placebo uma vez por semana, de forma subcutânea, por 240 semanas.
Os resultados de análise provisória na semana 72 envolvendo os primeiros 800 pacientes foram reportados. Os objetivos primários para a parte 1 eram a resolução da esteatohepatite sem piora da fibrose e redução da fibrose hepática sem piora da esteatohepatite (Tabela 1).
Estudo
Droga
Critério de Inclusão
Participantes estimados
End-point primário
Conclusão prevista
ESSENCE
Semaglutida
MASH comprovado por biópsia
1.200
Parte 1: (72 semanas) Resolução de MASH sem piora da fibrose e melhora da fibrose sem piora do MASH
Parte 2: (240 semanas) sobrevida livre de cirrose
2024 (Parte 1)
2028 (Parte 2)
Tabela 1. Características do Estudo ESSENCE.
Foram excluídos do estudo os pacientes que apresentavam outra etiologia associada de doença hepática crônica, média do consumo de álcool acima de 20g/dia em mulheres e acima de 30g/dia nos homens, descompensação hepática ou MELD>12 na triagem, elevação de TGO ou TGP acima de 5x limite superior da normalidade na triagem, clearance de creatinina menor que 30ml/min, hemoglobina glicada acima de 9,5%, história de pancreatite aguda, uso de medicação comumente usada para MASH que não estivesse em dose estável por 90 dias antes da visita/triagem, recebendo qualquer análogo GLP-1 nos 90 dias antes da triagem ou em uso de medicações para glicemia, dislipidemia ou controle de peso que não estavam em dose estável no período e 90 dias antes da triagem.
Resultados
Resolução de esteato-hepatite sem piora da fibrose ocorreu em 62,9% dos 534 participantes no grupo da semaglutida e em 34,3% dos 266 participantes do grupo placebo (P<0,001);
Redução da fibrose hepática sem piora da esteato-hepatite foi reportada em 36,8% dos participantes do grupo semaglutida e em 22,4% dos pertencentes ao grupo placebo (P<0,001);
Resultados dos 3 desfechos secundários:
Resolução combinada de esteato-hepatite e redução de fibrose hepática ocorreram em 32,7% do grupo semaglutida e em 16,1% do grupo placebo (P<0,001);
A média da mudança no peso corporal foi -10,5% no grupo semaglutida e -2,0% no grupo placebo (P<0.001);
Mudanças médias nas pontuações de dor corporal não diferiram de forma significativa entre os grupos;
Os eventos adversos gastrointestinais – náuseas, diarreia, constipação e vômitos – foram mais comuns no grupo semaglutida.
Limitações
As limitações no estudo incluem a pequeno número de pacientes de raça preta, a falta de biomarcadores de consumo etílico, polimorfismos genéticos como determinantes da resposta terapêutica e mudanças na composição corporal durante a terapia. Há ainda um número pequeno de pacientes magros, de forma que conclusões de benefício definitivo nesta população não podem ser feitas.
Conclusão
Pacientes com MASH e fibrose moderada (F2) ou avançada (F3), apresentaram melhor histológica com o uso de semaglutida 2,4mg uma vez por semana de forma subcutânea (ClinicalTrials.gov bumber, NCT04822181).
Referências
Sanyal AJ, Newsome PN, Kliers I, Østergaard LH, Long MT, Kjær MS, Cali AMG, Bugianesi E, Rinella ME, Roden M, Ratziu V; ESSENCE Study Group. Phase 3 Trial of Semaglutide in Metabolic Dysfunction-Associated Steatohepatitis. N Engl J Med. 2025 Apr 30. doi: 10.1056/NEJMoa2413258. Epub ahead of print. PMID: 40305708.
Qual a diferença entre colangite biliar primária e colangite esclerosante primária?
A colangite biliar primária (CBP) e a colangite esclerosante primária (CEP) são doenças hepáticas crônicas que afetam os ductos biliares, mas apresentam diferenças significativas em termos de patogênese, apresentação clínica e diagnóstico.
A CBP, anteriormente conhecida como cirrose biliar primária, é uma doença autoimune que afeta principalmente os ductos biliares intra-hepáticos. É mais comum em mulheres e frequentemente se apresenta com fadiga e prurido. O diagnóstico é geralmente confirmado pela presença de anticorpos anti-mitocondriais (AMA) em mais de 95% dos pacientes, juntamente com evidências bioquímicas de colestase, como elevação da fosfatase alcalina.[1][2]
Por outro lado, a CEP é caracterizada por inflamação e fibrose dos ductos biliares intra e extra-hepáticos, levando a estenoses multifocais. A CEP está frequentemente associada a doenças inflamatórias intestinais, especialmente a colite ulcerativa, e não possui um marcador sorológico específico como a CBP. O diagnóstico é geralmente feito por colangiografia por ressonância magnética (MRCP), que revela estenoses e dilatações características dos ductos biliares, conferindo uma aparência “em contas”.[3][4][5]
Em termos de complicações, a CEP está associada a um risco aumentado de colangiocarcinoma e outras malignidades, enquanto a CBP pode progredir para cirrose e insuficiência hepática se não tratada.[2][5] O tratamento para CBP inclui o uso de ácido ursodesoxicólico, que pode retardar a progressão da doença, enquanto para CEP, o transplante hepático é a única opção curativa, uma vez que não há tratamentos médicos eficazes disponíveis.[2][4]
Quais são os grupos de pacientes mais afetados por essas condições?
A CBP é uma doença hepática crônica que afeta predominantemente mulheres, com uma proporção de aproximadamente 9:1 em relação aos homens. A maioria dos casos é diagnosticada em mulheres de meia-idade, geralmente entre 40 e 60 anos.[1]
Por outro lado, a CEP é mais comum em homens, com cerca de 60% a 70% dos casos ocorrendo em pacientes do sexo masculino. A idade média de diagnóstico é geralmente entre 30 e 40 anos.[4] A CEP está fortemente associada à doença inflamatória intestinal (DII), especialmente à colite ulcerativa, que está presente em aproximadamente 70% dos pacientes com PSC.[3][6] A prevalência da PSC é maior em populações do norte da Europa e da América do Norte.[6]
Quais são os principais sintomas?
Na colangite biliar primária (CBP), os principais sintomas relatados pelos pacientes incluem fadiga e prurido. Esses sintomas são frequentemente debilitantes e podem impactar significativamente a qualidade de vida dos pacientes, embora não haja uma boa correlação entre a presença desses sintomas e o estágio da doença.[4]
Por outro lado, na colangite esclerosante primária (CEP), muitos pacientes são assintomáticos no momento do diagnóstico, sendo a condição frequentemente identificada por testes de função hepática anormais persistentes. Quando presentes, os sintomas mais comuns incluem fadiga, prurido e icterícia. Outros sintomas podem incluir desconforto abdominal no quadrante superior direito e perda de peso. A CEP também está associada a doenças inflamatórias intestinais, como a colite ulcerativa, o que pode complicar o quadro clínico com sintomas gastrointestinais adicionais.
Quais as opções de tratamento disponíveis para esses pacientes?
Para a colangite biliar primária (CBP), o tratamento de primeira linha é o ácido ursodesoxicólico (UDCA), que melhora os marcadores bioquímicos de colestase e está associado a uma melhor sobrevida livre de transplante hepático.[7][8] No entanto, cerca de um terço dos pacientes não responde adequadamente ao UDCA, necessitando de terapias adicionais. Nesses casos, o ácido obeticólico, um agonista do receptor farnesoide X, pode ser utilizado como terapia de segunda linha.[7][9] Além disso, agonistas do receptor ativado por proliferadores de peroxissoma (PPAR), como o seladelpar, estão sendo investigados e mostram resultados promissores.[9] Fibratos, como bezafibrato e fenofibrato, também são usados off-label para pacientes com resposta inadequada ao UDCA
Para a colangite esclerosante primária (CEP), atualmente não há terapias aprovadas que modifiquem a progressão da doença, além do transplante hepático, que é a única opção curativa.[7][10] O UDCA tem sido utilizado, mas sua eficácia em retardar a progressão da doença ou melhorar a sobrevida não foi comprovada Vários agentes estão em desenvolvimento, incluindo agonistas do receptor farnesoide X, como o ácido obeticólico, cilofexor e tropifexor, além de inibidores de ASTB/IBAP e análogos do fator de crescimento de fibroblastos (FGF)19.[11] A pesquisa continua a explorar novas terapias que possam abordar os mecanismos subjacentes da CEP, incluindo agentes que atuam na microbiota intestinal e nas vias de metabolismo dos ácidos biliares.[11]
Característica
Colangite Biliar Primária (CBP)
Colangite Esclerosante Primária (CEP)
Nome da Doença
Colangite Biliar Primária (CBP)
Colangite Esclerosante Primária (CEP)
Patogênese
Doença autoimune, destruição progressiva dos ductos biliares intra-hepáticos
Inflamação e fibrose progressiva dos ductos biliares intra e extra-hepáticos
Ductos Acometidos
Ductos biliares intra-hepáticos
Ductos biliares intra e extra-hepáticos
Grupo mais afetado
Mulheres, 40-60 anos
Homens, 30-40 anos
Associação com DII
Não associada
Forte associação com colite ulcerativa
Sintomas Principais
Fadiga, prurido
Assintomática no início, fadiga, prurido, icterícia
Ácido ursodesoxicólico (UDCA), ácido obeticólico, fibratos em casos refratários
Transplante hepático (única opção curativa), terapias experimentais em estudo
Tabela 1: comparação entre colangite biliar primária e colangite esclerosante primária.
Referências
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Chapman R, Fevery J, Kalloo A, et al. Diagnosis and Management of Primary Sclerosing Cholangitis. Hepatology (Baltimore, Md.). 2010;51(2):660-78. doi:10.1002/hep.23294.
Lindor KD, Kowdley KV, Harrison ME. ACG Clinical Guideline: Primary Sclerosing Cholangitis. The American Journal of Gastroenterology. 2015;110(5):646-59; quiz 660. doi:10.1038/ajg.2015.112.
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Weismüller TJ, Trivedi PJ, Bergquist A, et al. Patient Age, Sex, and Inflammatory Bowel Disease Phenotype Associate With Course of Primary Sclerosing Cholangitis. Gastroenterology. 2017;152(8):1975-1984.e8. doi:10.1053/j.gastro.2017.02.038.
Bhushan S, Sohal A, Kowdley KV, Agaf FF. Primary Biliary Cholangitis and Primary Sclerosing Cholangitis Therapy Landscape. The American Journal of Gastroenterology. 2024;:00000434-990000000-01424. doi:10.14309/ajg.0000000000003174.
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As doenças hepáticas na gestação compreendem tanto doenças hepáticas específicas gestacionais e desordens hepáticas agudas ou crônicas que ocorrem de forma coincidente com a gestação.
As doenças hepáticas específicas gestacionais afetam 3% das gestantes e incluem:
Pré-eclâmpsia e síndrome HELLP (hemólise, elevação de enzimas hepáticas e plaquetopenia);
Hiperêmese gravídica (HG);
Colestase intra-hepática da gravidez (CIHG);
Esteatose hepática aguda da gravidez (EHAG).
Estas desordens requerem imediata investigação e manejo com o objetivo de reduzir morbimortalidade materna e fetal, de forma que a identificação do tempo gestacional (semanas/trimestre) é fundamental para guiar o raciocínio clínico.
Figura 1. Doenças hepáticas gestacionais de acordo com o período gestacional (trimestre).
Na história clínica, sempre questionar sobre gestações prévias, comportamentos de alto risco, medicações, suplementos e ervas/chás.
Na avaliação das doenças hepáticas na gestação, é necessário estar atento às mudanças fisiológicas e hormonais da gravidez:
Circulação hiperdinâmica, com aumento do débito cardíaco e do volume plasmático circulante;
Redução da resistência vascular periférica;
Hiperestrogenismo, podendo manifestar eritema palmar e nevos/aranhas vasculares;
*Testes incluem hepatites virais (anti-VHA IgM, anti-HCV, HbsAg, anti-HBc, anti-HEV IgM, Epstein-Barr vírus, citomegalovírus e herpes vírus), FAN, anti-músculo liso, IgG, ceruloplasmina; screening de álcool e drogas, incluindo paracetamol; anticorpos para doença celíaca; ultrassonografia de abdome com doppler colorido hepático
Figura 2. Fluxograma de investigação inicial de alteração de exames hepáticos na gestação.
Hiperêmese gravídica
Incomum (0,3-2% das gestações)
Náuseas e vômitos com perda de 5% ou mais do peso pré-gestacional, desidratação e cetose
1º trimestre e tipicamente resolve até a 20ª semana
Fatores de risco: gestação molar, múltiplas gestações, doença trofoblástica, HG prévia e anormalidades fetais (trissomia 21, triploidia e hidropsia fetal)
Laboratorialmente:
Elevação discreta de AST e ALT, porém raramente até 20x limite superior da normalidade (LSN) – 50 a 60% das gestantes hospitalizadas
Riscos ao feto (baixo peso ao nascer, pequeno para a idade gestacional, pré-termo, menor Apgar), porem, prognóstico favorável
Prognóstico materno:
Manejo
Suporte ambulatorial ou sob regime de internação para sintomáticos (antieméticos), reidratação e correção de distúrbios hidroeletrolíticos
Raramente pode-se necessitar de terapia nutricional enteral ou parenteral
Colestase intra-hepática gestacional
0,3-5,6% das gestações ⮕doença hepática gestacional mais frequente
Prurido com predomínio na região palmar/plantar, elevação de transaminases e ácidos biliares; icterícia (25%).
Fatores de risco: idade materna avançada, história de colestase 2ª à anticoncepcionais orais, e história pessoa ou familiar de CIHG
Laboratorialmente:
Elevação de AST e ALT
Diagnóstico de CIHG ⮕ nível de ácidos biliares ≥10µmol/L (valor de referência, normal <10 em jejum)
Ácido biliares maternos podem atravessar a placenta ⮕ acúmulo no feto e líquido amniótico ⮕ maior risco de morte intrauterina, parto prematuro, mecônio e síndrome do desconforto respiratório neonatal
Prognóstico materno: excelente
Manejo:
Terapia de 1ª linha: ácido ursodesoxicólico 10-15mg/kg do peso materno, visando melhora dos sintomas maternos e laboratoriais
Parto até 37 semana é recomendado
Doenças hipertensivas da gestação: pré-eclâmpsia, eclampsia, HELLP
Pré-eclâmpsia/eclampsia (8%) ⮕ até 20% desenvolvem síndrome HELLP
Dor de cabeça, visão embaçada, dor abdominal, náuseas/vômitos e/ou edema
Critérios de Pré-eclâmpsia: hipertensão de início recente (≥140x90mmHg) e proteinúria (≥300mg/24h ou ≥1+ proteína) após 20 semanas de gestação
Pode cursar com envolvimento de múltiplos órgãos maternos:
Circulação: hipertensão, remodelamento cardíaco
Renal: proteinúria e injúria renal aguda
Sistema Nervoso central: dor de cabeça, hiperreflexia, distúrbios visuais, eclampsia
Fígado: dor no quadro superior direito, HELLP, hematoma subcapsular, infarto hepático ou ruptura
Hematológico: HELLP
Eclâmpsia: envolvimento neurológico com convulsões ⮕ sulfato de magnésio (prevenção)
HELLP: anemia hemolítica, aumento de enzimas hepáticas e plaquetopenia
Hipoperfusão placentária ⮕ liberação de citocinas, ativação da cascata de coagulação ⮕ microangiopatia, disfunção e dano endotelial
Microangiopatia hemolítica ⮕ anemia normocítica, elevação de LDH e bilirrubina, redução de haptoglobina
Agregação e aglutinação plaquetária ⮕ redução de plaquetas
Microtrombos na circulação hepática ⮕ dano hepatocitário ⮕ elevação de enzimas hepáticas
Parto = tratamento curativo ⮕ antecipar para 36-37 semanas, individualizar
Esteatose hepática aguda da gravidez
Raro ⮕ 25% podem ocorrer no pós-parto
Desde sintomas inespecíficos (náuseas, vômitos e dor abdominal) até insuficiência hepática aguda (coagulopatia, encefalopatia, ascite)
Quadro pode se sobrepor em variáveis clínicas e bioquímicos com pré-eclâmpsia e HELLP
Fatores de risco: gravidez múltipla e baixo índice de massa corporal
Etiologia não é clara, porém, há influência de anormalidades na oxidação de ácidos graxos, em especial, da deficiência de ácidos graxos de cadeia longa (long-chain fatty acid deficiency – LCHAD)
Feto homozigoto e mãe heterozigota para LCHAD ⮕ redução materna da capacidade de oxidar ácidos graxos ⮕ aumento da lipólise, em especial, no 3º trimestre, além de redução da beta-oxidação de ácidos graxos de cadeia longa ⮕ acúmulo dos metabólitos hepatotóxicos 3-hidroxiacil-coenzima A de cadeia longa desidrogenase produzidos pelo feto ou placenta na circulação materna e fígado (esteatose microvesicular)
Laboratorialmente:
Elevação de AST e ALT
Aumento de bilirrubinas
Injúria renal
Diagnóstico ⮕ Critérios de Swansea (Tabela 1)
Manejo:
Parto imediato
Correspondência de risco de mortalidade fetal com MELD-score ⮕ MELD >30 = maior taxa de complicações
Avaliar necessidade de transplante hepático (raro)
Aconselhamento genético para recém-nascido (RN) – screeningLCHAD
Critérios de Swansea para esteatose hepática aguda gestacional
Diagnóstico: presença de 6 ou mais critérios na ausência de outros causas
Vômitos
Dor abdominal
Polidipsia/poliúria
Encefalopatia
Aumento de bilirrubinas >0,8mg/dL
Hipoglicemia <72mg/dL
Aumento de ácido úrico >5,7mg/dL
Leucocitose >11.000 células/uL
Aumento de transaminases (AST ou ALT) >42UI/L
Aumento da amônia >47µmol/L
Injúria renal; creatinina >1,7mg/dL
Coagulopatia; tempo de protrombina >14 segundos
Ascite ou fígado ecogênico na ultrassonografia
Esteatose microvesicular na biópsia hepática
Tabela 1. Critérios de Swansea para esteatose hepática aguda gestacional
Informações-chave sobre as Doenças hepáticas gestacionais
Doença
Trimestre (semanas)
Quadro clínico possível
Avaliação Inicial
Manejo
HG
1º (0-12)
– Náuseas e vômitos persistentes – Perda de peso >5% do peso pré-gestacional – Elevação ALT 2-5xLSN
– Avaliação de elevação de ALT (Figura 2) – Afastar risco de obstrução intestinal – EDA em casos selecionados
– Hidratação – Correção DHE – Antieméticos – Dieta enteral/parenteral em casos selecionados
CIHG
2º ou 3º (13-28/29-40)
– Prurido generalizado (pode predominar em região palmar e plantar) – Icterícia (raro) – Elevação de ALT 1,5-8xLSN – GGT normal – Elevação de ácidos biliares
– Avaliação de elevação de ALT (Figura 2) – Excluir doenças biliares
– Monitorar ácidos biliares ° ≥ 10µmol/L = CIHG ° ≥ 40µmol/L = maior risco fetal – Considerar AUDC 10-15mg/kg – Manejo do prurido – Considerar antecipação do parto (até 37 semanas) ⮕ risco de óbito fetal (1-2%)
EHAG
3º ou pós-parto (dias)
– Sintomas inespecíficos (náuseas, vômitos, anorexia) – Podem ocorrer sinais e sintomas de IAH (ascite, encefalopatia, coagulopatia) – Elevação de ALT 3-15xLSN – Elevação de bilirrubinas 4-15xLSN – Podem ocorrer: ° Injúria renal ° Hipoglicemia ° Hiperuricemia
– Avaliação de elevação de ALT (Figura 2) – Se sinais de insuficiência hepática aguda, considerar: ° Hepatites virais, incluindo herpes ° Drug-induced liver injury ° Hepatite autoimune ° Doença de Wilson ° Vascular/isquemia – Critérios de Swansea (Tabela 1)
– Parto imediato – Materno: – Monitorar e tratar complicações hepáticas: encefalopatia, ascite, injúria renal – Considerar transferência para serviço/transplante de fígado – Vigiar quadro clínico/piora no pós-parto – RN: – Monitorização para manifestações de deficiência de 3-hidroxiacil-coenzima A de cadeia longa desidrogenase (hipoglicemia e esteatose hepática)
Pré-eclâmpsia/ HELLP
>20 semanas/ >22 semanas
– Dor de cabeça, alteração visual – Dor abdominal – Hipertensão – Elevação de ALT 2-30xLSN – Elevação de bilirrubinas 1,5-10xLSN – Podem ocorrer: ° Proteinúria ° Plaquetopenia ° Injúria renal ° Aumento LDH
– Avaliação de elevação de ALT (Figura 2), plaquetas baixas – Exclusão de doenças hepáticas crônicas e outras causas de insuficiência hepática – Imagem abdominal para avaliar a vascularização e sinais de hipertensão portal
– Monitorar complicações (infarto ou hematoma hepático) – Após 36 semanas, considerar antecipação do parto – HELLP: ° Considerar parto após 34 semanas ° Transfusão de plaquetas para 40-50.000 células antes do parto ° Considerar transplante hepático em casos graves
AUDC, ácido ursodesoxicólico; DHE, distúrbio hidroeletrolítico; EDA, endoscopia digestiva alta; HG, hiperêmese gravídica; CIHG, colestase intra-hepática gestacional; EHAG, esteatose hepática aguda gestacional; HELLP, Hemolysis Elevated Liver enzymes and Low platelet count syndrome; IAH, insuficiência hepática aguda; LSN, limite superior da normalidade Tabela 2. Informações-chave sobre as Doenças hepáticas gestacionais
Referências
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Terrault NA, Williamson C. Pregnancy-Associated Liver Diseases. Gastroenterology. 2022 Jul;163(1):97-117.e1. doi: 10.1053/j.gastro.2022.01.060. Epub 2022 Mar 8. PMID: 35276220
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A insuficiência hepática aguda (IHA) é uma condição rara, aguda e potencialmente reversível, porém, ameaçadora a vida. Define-se como uma disfunção hepática aguda, que se desenvolve em um período de até 26 semanas, em um paciente sem doença hepática pré-existente (com exceção para Hepatite Autoimune, Síndrome de Budd-Chiari e Doença de Wilson), associada a coagulopatia (INR > 1,5) e qualquer grau de encefalopatia hepática.
Uma classificação baseada no intervalo de tempo entre o início da icterícia e início da encefalopatia hepática (EH) fornece pistas sobre a etiologia da disfunção hepática, bem como o prognóstico, mantendo-se apenas suporte clínico como terapia.
Hiperaguda: Esse intervalo é de 7 dias ou menos, são mais associadas a edema cerebral, choque e coagulopatia. Geralmente causado por intoxicação por paracetamol, hepatites virais (A e E) ou isquemia hepática. Melhor prognóstico sem transplante.
Aguda: Entre 1-4 semanas. Pode ser causada por infecção pelo vírus da hepatite B.
Subaguda: Entre 4-12 semanas. Pode ser difícil a diferenciação entre doença hepática crônica. Geralmente causadas por reações a drogas não paracetamol ou etiologia indeterminada, e mesmo tendo encefalopatia e coagulopatia menos acentuadas, com evolução mais insidiosa, apresenta pior prognóstico.
Causas
Viral: Nos países subdesenvolvidos, a hepatite A e E são as principais causas de IHA, ou hepatite B nos países asiáticos ou do Mediterrâneo, tendo um prognóstico pior nos casos de reativação de hepatite crônica B em pacientes submetidos à terapia imunossupressora.
Drogas: Nos Estados Unidos, 50% dos casos de IHA são decorrentes do uso de medicações/drogas, principalmente o paracetamol, sendo essa dose-dependente. Outras medicações são isoniazida, fenitoína, valproato, propiltiouracil, MDMA (3,4-metilenodioxi-n-metilanfetamina, também conhecido como ecstasy), cocaína, chás, entre outras. A IHA é mais rara como lesão idiossincrática a drogas.
Outras causas: Mais raramente a IHA pode ocorrer como lesão isquêmica em paciente após parada cardíaca, insuficiência cardíaca aguda grave, infiltração neoplásica (p.e. linfoma), hepatite autoimune, síndrome de Budd-Chiari, Doença de Wilson, esteatose hepática aguda da gestação, entre outras.
Em alguns casos, a etiologia pode permanecer desconhecida.
Abordagem e manejo
Avaliação inicial e diagnóstica:
Um ponto crítico na abordagem do paciente com suspeita de insuficiência hepática aguda é uma avaliação inicial criteriosa no que se refere à história clínica, início e cronologia dos sintomas, comorbidades prévias, diagnóstico prévio de doenças hepáticas, fatores de risco para hepatites virais, uso de medicações ou drogas, uso de álcool (dose e tempo de uso).
Ao exame físico, deve-se atentar para a presença de sinais que possam sugerir presença de hepatopatia crônica (telangiectasias, ascite, eritema palmar) e também para a presença de encefalopatia hepática, que em contexto clínico e laboratorial adequado, corrobora o diagnóstico de IHA.
Também é de suma importância avaliar os exames prévios realizados, de laboratório, incluindo bioquímica e função hepática, bem como exames de imagem prévios e atuais que possam sugerir a presença de doença hepática crônica.
Essa avaliação inicial é de extrema importância para diferenciação entre insuficiência hepática aguda e acute-on-chronic liver failure (ACLF), cuja evolução e abordagem são distintas. Na tabela 1 estão resumidos os principais exames a serem realizados diante da suspeita de IHA.
– TC de crânio se alteração do nível neurológico – TC de tórax e abdome total (ou USG de abdome com doppler) – Eletrocardiograma, ecocardiograma
Tabela 1 – Propedêutica inicial na suspeita de IHA
Manejo das disfunções orgânicas associadas:
Após uma avaliação clínica e laboratorial detalhada e firmado o diagnóstico de IHA, deve-se realizar contato com equipe de transplante hepático de referência para discussão do caso e manejo, investigação diagnóstica e critérios de transplantabilidade. Ao mesmo tempo, o paciente deve ser transferido para terapia intensiva para monitorização contínua visto risco de rápida deterioração clínica.
Sistema nervoso central: A encefalopatia hepática é necessária para fechar o diagnóstico de IHA, podendo evoluir progressivamente de confusão mental leve até coma e morte por edema cerebral e hipertensão intracraniana. A necessidade de tomografia de crânio deve ser avaliada para se excluir outras causas de alteração do nível de consciência como sangramento e avaliar grau de edema cerebral. O manejo da hipertensão intracraniana (HIC):
Intubação orotraqueal se rebaixamento do nível de consciência;
Sedação contínua;
Cabeceira elevada a 30-45º;
Controle de hipertermia, hipoglicemia e hiponatremia (alvo de sódio entre 145-150), se necessário salina hipertônica ou manitol;
Monitorização dos níveis de amônia – O tratamento com melhor evidência atualmente visando retardar a piora do edema cerebral é a terapia de substituição renal por métodos contínuos com objetivo de filtragem de amônia;
Não está indicada de rotina a monitorização invasiva da pressão intracraniana;
Realização de exames de imagem como doppler transcraniano e bainha do nervo óptico podem ajudam na identificação de sinais de HIC de forma não invasiva.
Respiratório: há o risco de broncoaspiração caso haja evolução com encefalopatia grau III ou IV, bem como quadro de SARA como evolução de quadro de inflamação sistêmica intensa. Priorizar modos de ventilação protetora.
Cardiovascular: Hipotensão associada a vasodilatação, associada ou não à infecção é uma evolução comum em pacientes com IHA, necessitando de suporte com drogas vasoativas, sendo a noradrenalina a droga de primeira escolha.
Hepático: É a disfunção orgânica inicial, caracterizada por elevação dos níveis de bilirrubina e coagulopatia (alargamento do INR > 1,5 e redução dos níveis de fator V). A hipoglicemia é frequentemente vista em razão da redução da gliconeogênese hepática e pode ser manejada com infusão de glicose intravenosa, devendo-se atentar para não administrar em excesso fluidos hipotônicos que possam contribuir com hiponatremia e perpetuar edema cerebral. A hiperlactatemia e hiperamonemia podem estar presentes por perda da capacidade hepática de depuração dessas substâncias.
Renal-metabólico: Disfunção renal pode ocorrer em até metade dos pacientes com IHA. O início precoce de terapia de substituição renal para esses pacientes, leva em consideração não só lesão renal como também a necessidade de redução dos níveis de amônia, para retardar a progressão para HIC. Caso a hemodinâmica permita, deve-se manter aporte calórico adequado, através de nutrição enteral, contribuindo também para redução do risco de translocação bacteriana.
Coagulopatia: não é recomendada a correção rotineira de distúrbios de coagulação, incluindo plaquetas de fibrinogênio, devendo ser reservada apenas antes de procedimentos invasivos.
Sistema imunológico: É bem conhecida a presença de disfunção imunológica do paciente com IHA e a infecção nosocomial tardia pode ocorrer por imunossupressão funcional. Mesmo na ausência de evidências para orientar a prática, o uso de profilaxia com antibióticos frequentemente está indicada quando o paciente fecha critérios para IHA, principalmente para os que são candidatos à transplante hepático.
A despeito das medidas de suporte acima descritas, a maioria dos pacientes com IHA, evoluirão com deterioração clínica e falência orgânica múltipla sem o transplante hepático. Portanto, os candidatos ao transplante hepático devem ser identificados o mais precocemente possível e para este fim, são usados escores prognósticos, sendo os mais utilizados no nosso meio, os critérios de King’s College (tabela 2) e Clichy (tabela 3). A sobrevida pós transplante vem aumentando o longo dos últimos anos, sendo de 79% em 1 ano e 72% em 5 anos. A principal causa de mortalidade após o transplante é infecção nos primeiros 3 meses após o transplante.
Paracetamol
Não paracetamol
– pH < 7,3
Ou todos os critérios abaixo:
– Encefalopatia grau III ou IV – Creatinina > 3,4mg/dl – INR > 6,5
– INR > 6,5
Ou 3 dos 5 critérios:
– Idade < 10 anos ou > 40 anos – Hepatite não A, não B, lesão induzida por drogas ou medicações, causa desconhecida – Intervalo de icterícia e início de EH > 7 dias – Bilirrubina total > 17,5 mg/dl – INR > 3,5
Tabela 2 – Critérios de King’s College
Encefalopatia grau III ou IV e Fator V < 20 em pacientes < 30 anos ou Fator V < 30 em pacientes > 30 anos.
Tabela 3 – Critérios de Clichy
Em conclusão, a insuficiência hepática aguda é uma condição rara, porém potencialmente grave se não identificada e manejada adequadamente, com alta mortalidade. Deve ser avaliada com critério para diferenciação entre ACLF ou cirrose descompensada, uma vez que as condutas são distintas. A partir do diagnóstico firmado de IHA, deve ser prontamente as suas disfunções e o paciente referenciado para centro transplantador o mais breve possível.
Referências
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A deficiência de lipase ácida lisossomal (LAL-D) é uma desordem crônica e progressiva do metabolismo dos lipídeos, agrupada em um grupo com cerca de 70 doenças de depósito lisossômico.
Apresenta um padrão de herança autossômica recessiva, causada por uma mutação no gene da lipase ácida lisossomal – LIPA, que resulta em ausência total ou deficiência significativa na atividade da enzima lipase ácida lisossomal (LAL). Mais de 120 mutações levando à perda de função da proteína já foram descritas no gene LIPA associadas à LAL-D, sendo a mais comum uma mutação em sítio de processamento de RNA mensageiro (splice junction mutation), E8SJM (c.894G>A).
Essa perda de função da proteína leva ao acúmulo de ésteres de colesterol (EC) e triglicérides (TG) dentro dos lisossomos, o que acarreta um desbalanço do metabolismo do colesterol, causando dislipidemia, aterosclerose precoce e disfunção orgânica.
A doença acomete uma ampla faixa etária, de recém-nascidos a adultos, com a maior parte dos casos diagnosticada antes dos 20 anos de idade. Homens e mulheres parecem ser igualmente afetados.
A prevalência exata da LAL-D permanece desconhecida, inicialmente, reportaram como sendo em 1 para cada 40.000 a 300.000 pessoas, dependendo da etnia e localização geográfica.
A suposição de que LAL-D é extremamente rara é baseada nos poucos casos publicados na literatura médica. Entretanto, a frequência de LAL-D nas diferentes populações não é conhecida e a doença, provavelmente, é subdiagnosticada.
Fisiopatologia
A LAL é responsável pela hidrólise de EC e TG, resultando em colesterol livre, ácido graxo livre e glicerol, que são liberados no citoplasma. A homeostase do colesterol é controlada, principalmente, pela concentração plasmática de colesterol livre, que influencia a atividade dos fatores de transcrição nuclear que regulam a síntese do colesterol e TG, expressão de receptores de LDL-c e efluxo do colesterol.
A diminuição ou ausência da atividade da LAL faz com que essa hidrólise de EC e TG fique reduzida, acarretando no acúmulo de colesterol livre e ácido graxo livre no interior dos lisossomos e redução dos seus níveis no citoplasma.
Apresentação Clínico-Laboratorial
LAL-D é uma doença heterogênea e se apresenta com sintomas, características e taxas de progressão que variam entre os indivíduos afetados. Essas diferenças se devem ao tipo de mutação no gene LIPA, o que leva à disparidade de níveis na atividade residual enzimática. O espectro da doença varia entre a forma grave e precoce, com alta mortalidade, que acomete crianças menores que um ano, conhecida por Doença de Wolman (DW), até a forma tardia, menos grave e de apresentação variável, que acomete crianças mais velhas e adultos, conhecida por Doença de Depósito de Éster de Colesterol (DDEC).
Na DDEC, a idade de apresentação varia desde crianças mais jovens até adultos, com a maior parte dos afetados entre 3 e 12 anos. A investigação diagnóstica, muitas vezes, é iniciada devido a quadro de dislipidemia em jovens, a aumento do volume abdominal causado pela hepatomegalia e à detecção ocasional de elevação de transaminases.
As manifestações clínicas mais comuns nesses pacientes são doença hepática e dislipidemia. Hepatomegalia foi descrita em 88-99% dos casos e esplenomegalia em 74-79% dos casos.
Esteatose hepática é comum e indivíduos afetados apresentam risco significativo de desenvolver fibrose e cirrose, com suas complicações, como hipertensão portal, ascite, encefalopatia hepática, varizes de esôfago e CHC. A partir do desenvolvimento dessas complicações, deve-se atentar para a necessidade de transplante hepático.
As manifestações extra-hepáticas mais comuns incluem: diarreia/esteatorreia, epigastralgia, náusea, anemia, colestase, atraso do crescimento e doenças cardiovasculares. Acúmulo de lípides no trato gastrointestinal é um achado frequente, relacionado, muitas vezes, com síndrome de má absorção.
Diagnóstico
O diagnóstico de LAL-D pode ser realizado por meio da redução da atividade da enzima lipase ácida lisossomal, mutação do gene LIPA e/ou biópsia hepática.
Atividade da LAL
Atualmente, o exame mais utilizado para essa avaliação é o método de dried blood spot (DBS).
A atividade é medida utilizando-se um inibidor específico, chamado lalistat 2. Esse método resulta em uma boa separação na atividade da LAL em indivíduos controle normais, homozigotos e heterozigotos.
Mutação do gene LIPA
O sequenciamento completo das regiões de codificação do gene LIPA auxilia no diagnóstico e na caracterização de pacientes em investigação de LAL-D. Embora a maioria dos pacientes com LAL-D seja homozigota ou heterozigota composta para as mutações do gene LIPA, alguns pacientes possuem mutações intrônicas (sequência de nucleotídeos na qual um gene que é removido pelo RNA splicing durante a transcrição do produto final), que passam despercebidas pelo sequenciamento genético.
Biópsia hepática
O procedimento geralmente é realizado durante a suspeita diagnóstica de pacientes com LAL-D.
Macroscopicamente, o fígado de pacientes com LAL-D apresenta-se de coloração alaranjada ou amarelada.
Fonte: Dincsoy et al., Am J Clin Pathol; 1984.
Na histologia, esteatose microvesicular ou mista geralmente está presente, porém esse achado, muitas vezes, não pode ser distinguido de outras causas de doença hepática gordurosa nem de uso de substâncias que podem levar a esse padrão histológico quando as lâminas são coradas com hematoxilina-eosina.Além disso, a luz polarizada pode ser utilizada para identificar cristais de colesterol em hepatócitos e células de Kupfer. Esses cristais birrefringentes podem ser examinados pela microscopia eletrônica e podem ser lisossomais ou citosólicos. A presença deles acredita-se ser patognomônica de LAL-D.
Histologia compatível com doença de depósito de éster de colesterol A – Microscopia óptica: arquitetura lobular preservada. Esteatose microgoticular;B – Microscopia eletrônica: imagens negativas de depósitos de cristais de colesterol nos hepatócitos e histiócitos.
*Paciente do sexo masculino, 16 anos, com diagnóstico de CESD
Fonte: Laboratório de Patologia Clínica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Alterações no trato gastrointestinal são observadas na mucosa e, menos frequentemente, na submucosa do intestino delgado. Macrófagos espumosos infiltrando a lâmina própria podem estar presentes, com distorção arquitetural e alteração na absorção e atividade enzimática dos enterócitos.
Acometimento intestinal secundário ao acúmulo de lípides nas vilosidades intestinais A – Endoscopia digestiva alta, evidenciando polipose duodenal. Laudo: mucosa de bulbo e segunda porção duodenal apresentando edema pontilhado amarelado difuso; múltiplos pólipos sésseis e pediculados em duodeno proximal (biópsias).B – Anátomo patológico de pólipos em endoscopia: mucosa duodenal com acentuado acúmulo de macrófagos xantomizados na lâmina própria (achados compatíveis com histiocitose azul marinho).
*Paciente do sexo feminino, 45 anos, com diagnóstico de DDEC
Fonte: Equipe de Endoscopia do Centro de Diagnóstico em Gastroenterologia (CDG) e Laboratório de Patologia Clínica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Diagnóstico diferencial
Devido à semelhança com outras doenças cardiovasculares, hepáticas e metabólicas, o diagnóstico de LAL-D é desafiador. Sem a investigação apropriada, essas semelhanças podem levar ao diagnóstico errado e ao atraso do manejo apropriado.
Doenças que cursam com dislipidemia, Hiperlipidemia Combinada Familiar (FCH), Hipercolesterolemia Familiar Heterozigota (HeFH) e Hipercolesterolemia Poligênica estão entre os diagnósticos diferenciais.
Alterações hepáticas que se assemelham ao quadro de LAL-D podem incluir DHGNA, EHNA, doença hepática criptogênica e doenças de depósito lisossômico.
Tratamento
Antes da aprovação da terapia de reposição enzimática, com a sebelipase alfa (Kanuma®, Alexion Pharmaceuticals, Inc.), as opções terapêuticas para tratamento da LAL-D eram de suporte, incluindo agentes redutores da lipemia, dieta à base de baixa ingestão de gorduras, transplante de medula óssea e transplante hepático. Nenhum desses tratamentos, exceto a terapia de reposição enzimática (TRE), com a sebelipase alfa, que se demonstrou seguro e efetivo no tratamento da LAL-D.
Redução de fibrose hepática foi observada em 8 de 12 pacientes tratados com sebelipase alfa na semana 52 de tratamento (amostras obtidas pré-tratamento, nas semanas 20 e 52). Essa melhora histológica acompanhou a redução da gordura hepática, dos níveis de ALT e de LDL-c. Em três pacientes, não foi observada alteração do grau de fibrose e, em um paciente, mesmo com uso da TRE, houve progressão da fibrose hepática. A maior duração do tratamento tende a evidenciar melhor redução dos graus de fibrose.
Referências
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Como citar este artigo
FDA aprova a 1ª medicação para NASH (MASH): Resmetirom (Rezdiffra)
Sobre Nash/Mash
A esteatohepatite não-alcoólica (NASH), renomeada como esteatose hepática metabólica (MASH) – (ver nota), caracteriza-se pela presença de 5% ou mais de esteatose hepática com dano hepatocelular e inflamação. Geralmente, está associada às doenças metabólicas como obesidade, diabetes, hipertensão arterial ou dislipidemia. Cerca de 6-8 milhões de pessoas nos EUA possuem NASH/MASH com fibrose moderada à avançada, com uma expectativa de aumento dos casos ao longo dos anos.
NOTA: A esteatoepatite não-alcoólica (NASH) foi renomeada em 2023 como esteatohepatite metabólica (MASH), entretanto, estudos que vinham em andamento com as definições e critérios histológicos de NASH, seguirão sendo publicados com tais terminologias, de forma que a mudança na literatura para a nova terminologia/critérios para MASH será gradativa.
À medida que NASH/MASH progride para fibrose clinicamente significativa, os riscos de desfechos clínicos adversos aumentam consideravelmente.
No início de fevereiro deste ano, foi publicado no The New England Journal of Medicine (NEJM) o trial MAESTRO-NASH Fase 3 com Resmetirom na esteatohepatite não alcoólica com fibrose hepática com dados promissores.
Sobre Maestro-NASH fase 3
O trial MAESTRO-NASH Fase 3, randomizado, duplo cego, controlado por placebo, avaliou 1.759 pacientes adultos (>18 anos) com biópsia confirmando NASH/MASH e estágios de fibrose F1B, F2 ou F3.
Os pacientes foram randomizados na proporção 1:1:1 para receber Resmetirom uma vez ao dia na dose de 80mg ou 100mg ou placebo. Todos os grupos receberam, de forma conjunta, aconselhamento sobre dieta saudável e exercícios.
Os dois endpoints primários na semana 52 foram:
Resolução do NASH/MASH (incluindo a redução do NAFLD activity score em >2 pontos) com não piora da fibrose;
Melhora na fibrose em pelo menos 1 estágio, sem piora do NAFLD activity score.
O endpoint secundário foi a mudança percentual do LDL colesterol, em relação ao basal, na semana 24.
Um total de 26-27% dos pacientes que receberam 80mg de Resmetirom (n=322) e 24-36% dos que receberam 100mg (n=323) evidenciaram resolução do NASH, sem piora da fibrose, comparado a 9-13% do grupo placebo (n=321). Em adição, um total de 25% (grupo 80mg) e 24-28% (grupo 100mg) apresentaram melhora na fibrose hepática, sem piora do NASH, comparado a 13-15% do grupo placebo.
A melhora da fibrose e resolução do NASH/MASH foram consistentes, independente da idade, gênero, status do diabetes mellitus tipo 2 ou estágio da fibrose.
A mudança nos níveis de LDL colesterol do basal até a semana 24 foi de -13,6% no grupo 80mg, -16,3% no grupo 10mg e 0,1% no grupo placebo.
Diarreia e náuseas foram os efeitos colaterais mais frequentes relacionados à medicação.
O FDA (Food and Drug Administration) delineou uma abordagem visando aprovação condicional de um tratamento para NASH/MASH, através da obtenção de qualquer um dos dois desfechos histológicos (melhora no estágio de fibrose hepática ou resolução de NASH), com provável benefício clínico e, para aprovação total, baseado na redução de desfechos clínicos (morte por qualquer causa, transplante de fígado ou eventos de descompensação hepática).
Em 14 de março de 2024, o FDA aprovou o Resmetirom (Rezdiffra; Madrigal Pharmaceuticals) como primeiro tratamento para NASH/MASH com fibrose hepática moderada a avançada, não-cirróticos, a ser usado em combinação com dieta e atividade física.
Sobre Resmetirom (Rezdiffra)
Resmetirom é uma medicação oral, agonista seletivo do receptor do hormônio tireoidiano do tipo (THR-β).
O receptor THR-β é responsável pela regulação de vias metabólicas no fígado e seu funcionamento está frequentemente prejudicado no NASH/MASH, reduzindo a função mitocondrial e β-oxidação de ácidos graxos em associação com o aumento da fibrose.
O uso do Rezdiffra deve ser acompanhado do tratamento padrão comportamental para NASH/MASH, ou seja, em conjunto com o ajuste do padrão alimentar e atividade física regular.
A dosagem recomendada do Rezdiffra é baseada no peso corporal:
Peso <100kg, a dose preconizada é de 80mg oral, 1 vez ao dia;
Peso ≥100kg, a dose recomendada é 100mg oral 1 vez ao dia.
Os efeitos colaterais mais comuns incluem: diarreia, náusea, prurido, dor abdominal, vômitos, tontura e constipação.
Ainda será lançado comercialmente nos EUA, ainda sem previsão no Brasil, porém, a comunidade científica, incluindo a Associação Europeia para o Estudo do Fígado (EASL), vibra com a primeira aprovação de um medicamento para o NASH/MASH e reforça as esperanças de um melhor tratamento para os pacientes portadores da doença.
Oti KST, FDA aprova a 1ª medicação para Nash/Mash: Resmetirom (Rezdiffra) Gastropedia 2024, vol. 1. Disponível em: gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/fda-aprova-a-1a-medicacao-para-nash-mash-resmetirom-rezdiffra/
Ultrassonografia Multiparamétrica Hepática em Cirrose
Introdução
A avaliação multiparamétrica hepática por ultrassom (AMH-US) em pacientes cirróticos consiste na pesquisa minuciosa e periódica de achados ultrassonográficos que cuja detecção impactem diretamente na sobrevida do paciente. Tais achados podem e devem ser investigados ao longo do exame de maneira customizada, a depender da etiologia da cirrose e de suas principais complicações, o CHC e a Hipertensão Portal Clinicamente Significativa (HPCS). Via de regra, faz-se uma avaliação detalhada no modo B e avaliação vascular Doppler, ainda que também possa contemplar, a depender da etiologia da cirrose, a elastografía ARFI (Pointer ou 2D SWE), quantificação gordurosa e inflamatória hepática, bem como no uso do contraste de microbolhas.
O CHC é a complicação de maior impacto na sobrevida de pacientes com doença hepática crônica avançada (HCAc/Cirrose)1. Assim, a sua detecção precoce (Estadio BCLC 0 ou A) é muito importante já que são justamente esses pacientes os candidatos à tratamentos de intenção curativa 2,3.
Como resultado, todas as diretrizes internacionais apoiam a vigilância do CHC nestes pacientes com base no exame semestral de ultrassonografia hepática, associado ou não a dosagem sérica de alfafetoproteína (AFP) 3-5, com uma sensibilidade global variando de 58% a 89% e uma especificidade de 90% 6.
No entanto, estudos prospectivos e meta analises de populações controladas e incluídas em programa de rastreios periódicos de CHC descrevem uma sensibilidade inferior a 30% para a detecção de CHC inicial em certa populações de pacientes cirróticos. Em primeiro lugar, 20-30% dos cirróticos apresentam uma nodularidade e heterogeneidade parenquimatosa que pode dificultar a detecção de CHC precoce por ultrassonografia7. A sensibilidade do US também pode ser reduzida em obesos e/ou pacientes com doença hepática gordurosa associada à disfunção metabólica ou “Metabolic Dysfunction Associated Steatotic Liver Disease (MASLD)” devido à atenuação sonora posterior causada por esta condição8. Finalmente, as competências e conhecimentos técnicos do médico ultrassonografista também impactam diretamente na capacidade diagnóstica do método9,10.
Na tentativa de endereçar estas limitações e melhorar portanto a jornada do paciente no rastreio do CHC, o American College of Radiology (ACR) propôs uma nova diretriz para o rastreio de nódulos em pacientes cirróticos chamado Liver Imaging Reporting And Data System per US (US-LI-RADS®)11.
US-LIRADS
US-LI-RADS® consiste na estruturação do exame de ultrassonografia de rastreio em pacientes cirróticos, propondo um desde um detalhamento técnico da realização do exame até um formato estruturado na comunicação dos resultados e eventuais limitações no relatório do exame. Se trata de:
Um documento dinâmico, a ser expandido e refinado à medida que o conhecimento se acumule e em resposta ao feedback dos usuários.
Desenvolvido para melhorar a comunicação, atendimento ao paciente, educação e pesquisa.
Apoiado e endossado pelo American College of Radiology (ACR)
Desenvolvido por um comitê multidisciplinar de radiologistas e hepatologistas com experiência em ultrassonografia hepatobiliar, com contribuição e aprovação do Comitê de Direção do LI-RADS.
Consiste na estruturação técnica do exame da comunicação entre o médico ultrassonografista e o médico solicitante através de um léxico de terminologia padronizada, atlas ilustrativo e diretrizes para a confecção do laudo.
O US-LI-RADS requer dois tipos de avaliação:
a primeira delas é de comunicar claramente ao médico através de um score de visualização se naquele momento do exame foi possível avaliar com segurança todo o fígado do paciente e/ou se o fígado tem uma condição factível de rastreio de lesões focais por ultrassografia (figura 1). São elas:
A. Limitações mínimas ou nenhuma (figura 2);
B. Limitações moderadas (figura 3)
C. Limitações acentuadas (Figura 4).
É recomendado nas categorias B e especialmente C a complementação do rastreio de CHC com método seccional contrastado (TC/RM) e é onde tem se discutido mais a indicação dos protocolos abreviados de Ressonância Magnética12..
A segunda avaliação trata justamente de categorizar os achados de lesões focais e propõe ainda uma conduta. Três categorias são possíveis:
US-1 Negativo (Sem lesão focal ou achado(s) definitivamente benigno(s), recomendando indicação de novo rastreio por US em 6 meses;
US-2 Sublimiar (Achado(s) < 10 mm de diâmetro e não definitivamente benignos), ), recomendando indicação de novo rastreio por US em 3 meses e
US-3 Positivo (Achado(s) ≥ 10 mm de diâmetro, não definitivamente benigno e /ou trombose venosa nova), por fim, recomendando indicação de estudo seccional com contraste multifásico (Figura 6).
Figura 1: Score de visualização US-Lirads.Figura 2: Score A de visualização: A textura hepática finamente heterogênea e a varredura ultrassonográfica é completaFigura 2: Score A de visualização: A textura hepática finamente heterogênea e a varredura ultrassonográfica é completaFigura 3: Score B de visualização: A textura já é mais grosseira e/ou a varredura ultrassonográfica pode não ser completa, potencialmente, afetando a sensibilidade do método. Recomenda-se complementação com estudo seccional multifásico independentemente dos achados do estudo ultrassonográfico.Figura 3: Score B de visualização: A textura já é mais grosseira e/ou a varredura ultrassonográfica pode não ser completa, potencialmente, afetando a sensibilidade do método. Recomenda-se complementação com estudo seccional multifásico independentemente dos achados do estudo ultrassonográfico.Figura 4: Score C de visualização: Se trata do pior cenário possível, a textura hepática se mostra grosseiramente heterogênea e/ou a barredura é bastante limitada, afetando a senbilidade do método. Recomenda-se complementação com estudo seccional multifásico independentemente dos achados do estudo ultrassonográfico.Figura 4: Score C de visualização: Se trata do pior cenário possível, a textura hepática se mostra grosseiramente heterogênea e/ou a barredura é bastante limitada, afetando a senbilidade do método. Recomenda-se complementação com estudo seccional multifásico independentemente dos achados do estudo ultrassonográfico.
Figura 5: Classificação das lesões identificadas, nos acessos acústicos disponíveis.Figura 6: US-LIrads 3: A. Nódulo hipoecogênico irregular justacapsular no segmentoII. B. Nódulo hiperecogênico em fígado cirrótico > 1,0 cm.
Rastreio vascular e diagnóstico de HPCS
Devemos considerar na avaliação mutiparamétrica hepática por US em pacientes cirróticos o estadiamento vascular. Em primeiro lugar, checar o calibre, permeabilidade e padrão de fluxo das veias hepáticas, sistema portal e artéria hepática é fundamental para que se compreenda o status quo da cirrose e da hipertensão portal, bem como de seu nível de gravidade, além de buscar outras complicações da cirrose como, por exemplo, as tromboses.
Achados indiretos para o diagnóstico de Hipertensão Portal Clinicamente Significativa (HPCS) são de suma importância já que se trata de um importante ponte de corte para o reconhecimento de pacientes que apresentam maior risco de complicações que afetam a sobrevida global, além de ser condição que influencia na tomada de decisão terapêutica em pacientes BCLC 0, A e B 13,14. Os achados ultrassonográficos principais do diagnóstico indireto de HPCS na avaliação multiparamétrica de pacientes cirróticos são: A presença de recanalização da veia paraumbilical e/ ou a presença de circulação colateral abdominal, sendo as varizes no território das veias gástrica esquerda, gástricas curtas e região periesplênica as mais comuns, e, por fim, a detecção de ascite e/ou anastomoses porto sistêmicas14(Figura 7).
Figura 7: Presença de calibrosas varizes periesplênicas e anastomose esplenorrenal espontânea caracterizam o diagnóstico de HPCS, sem a necessidade de investigação complementar com estudo hemodinâmico.Figura 7: Presença de calibrosas varizes periesplênicas e anastomose esplenorrenal espontânea caracterizam o diagnóstico de HPCS, sem a necessidade de investigação complementar com estudo hemodinâmico.
Elastografia 2D SWE
Não só para o diagnóstico não invasivo de hepatopatia crônica avançada a elastografía ARFI tem sido discutida e já amplamente aplicada. Tem sido crescente a discussão do papel da elastografía Point Share Wave e 2DSWE também no acesso à rigidez hepática e esplênica para predição de varizes esofágicas de alto risco15, ainda que estejamos pendentes de validação de pontos de corte e maior consolidação de seu nível de evidência. Por fim, também tem sido discutida a acurácia diagnóstica da elastografía hepática por ultrassom na predição de complicações como CHC e HPCS no paciente cirrótico com hepatite C após tratamento dom DAAs16.
Quantificação gordurosa hepática e acesso a quantificação de inflamação
Nos últimos anos a indústria de tecnologia em ultrassom tem se dedicado ao desenvolvimento e aperfeiçoamento de softwares também dirigidos a quantificação gordurosa para diagnóstico e seguimento da doença hepática gordurosa associada à disfunção metabólica e doença hepática gordurosa alcóolica, além da quantificação também da inflamação hepática nas mais diversas etiologias das doenças hepáticas difusas. Estas novas ferramentas já estão disponíveis e autorizadas para aplicação na prática clínica e parecem bastante promissoras. No entanto, estão pendentes de maior consolidação de seu nível de evidência 17,18.
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Como citar este artigo
Branco CP. “Ultrassonografia Multiparamétrica hepática em cirrose” Gastropedia 2024, vol. 1. Disponível em: Ultrassonografia Multiparamétrica hepática em cirrose
Quando suspeitar de Hepatite autoimune?
A Hepatite autoimune é uma doença de etiologia desconhecida, descrita por Jon Waldenstrom em 1950, em que ocorre destruição progressiva do parênquima hepático e que pode acarretar cirrose com elevada morbimortalidade na ausência de tratamento. A Hepatite autoimune acomete principalmente mulheres jovens, mas pode ser diagnosticada em ambos os sexos, em qualquer faixa etária (1,2). A doença caracteriza-se por hipergamaglobulinemia, reatividade de autoanticorpos circulantes, hepatite de interface ao exame histológico, suscetibilidade genética relacionada a antígenos leucocitários humanos (HLA) específicos e, ainda, pela resposta favorável ao uso de corticoide e imunossupressores (3,4).
O mecanismo patogênico da Hepatite autoimune é multifatorial, com participação de agentes desencadeantes (infecções, drogas, toxinas), predisposição genética e menor tolerância à ativação imunológica e expansão celular efetora (linfócitos T citotóxicos CD4/CD8) (5).
Figura 1 –Mecanismo de lesão hepática na hepatite autoimune Fonte: Falcão, Lydia Teófilo de Moraes. Estudo randomizado de cloroquina versus azatioprina, em associação com prednisona, no tratamento da hepatite autoimune [tese]. São Paulo, Faculdade de Medicina; 2018
A lesão hepática inicia-se com apresentação de autoantígenos pelas células apresentadoras de antígenos (APCs), com estímulo à diferenciação de células T CD4. As Interleucinas IL-6 e IL-1β estimulam a diferenciação na resposta Th17, com secreção de citocinas pró-inflamatórias IL-17 e de IL-6, a qual estimula ainda mais a diferenciação na resposta Th17. A exposição à IL-12 estimula a diferenciação na resposta Th1, com secreção de Interferon-γ e indução de diferenciação de monócitos. A exposição à IL-4 estimula a diferenciação na resposta Th2, que cursa com secreção de IL-13, IL-4 e IL-10, estimulando a maturação de células B em plasmócitos e consequente produção de autoanticorpos.
Quando suspeitar de Hepatite Autoimune?
A hepatite autoimune muitas vezes é subdiagnosticada. Para que haja suspeição, precisamos compreender as formas de apresentação da doença (6-7).
Assintomática: 15-20% dos casos, apenas com elevação de enzimas hepáticas. Ou seja, mesmo na ausência de sintomas, na presença de elevação de enzimas hepáticas, especialmente aminotransferases, deve haver suspeita de HAI e serem solicitados exames para investigação etiológica. (confira mais sobre elevação de enzimas hepáticas neste post)
Hepatite aguda: ocorre em 30% dos casos, sendo caracterizada por sintomas inespecíficos como astenia, anorexia, artralgia, dor abdominal, prurido, icterícia, colúria e acolia fecal. Menos frequentemente, a HAI é diagnosticada no contexto de insuficiência hepática aguda, com surgimento de encefalopatia, ascite, hemorragia digestiva, com indicação de transplante hepático em pacientes previamente assintomáticos.
Insidiosa: caracteriza-se por fadiga progressiva, icterícia flutuante, anorexia, amenorreia e perda ponderal. Os sintomas inespecíficos retardam o diagnóstico e a doença evolui para a forma crônica.
Crônica: caracterizada pelo surgimento de alterações clínico-laboratoriais e histológicas características de hepatopatia avançada, com presença ou não de hipertensão portal.
Dados de uma coorte do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), composta por 268 portadores de HAI, evidenciou hepatite aguda como forma de apresentação mais prevalente (56%), hepatopatia crônica avançada em 25% e diagnóstico na forma assintomática em 10% dos casos (8). Há, ainda, formas atípicas de apresentação, com acometimento de ductos biliares e ausência de reatividade de autoanticorpos circulantes.
Diagnóstico da Hepatite Autoimune
Os critérios para diagnóstico e resposta ao tratamento da hepatite autoimune foram definidos em 1993 e revisados em 1999 pelo Grupo Internacional de Hepatite Autoimune (Figura 2). Apesar dos critérios requererem a exclusão de outras etiologias de hepatopatias crônicas com aspectos clínico-laboratoriais semelhantes, muitas características da HAI podem estar presentes em outras doenças hepáticas, como a colangite biliar primária, colangite esclerosante primária, hepatopatia induzida por drogas, hepatites virais e esteato-hepatite alcoólica ou associada ao metabolismo, tornando muitas vezes o diagnóstico desafiador (9).
Parâmetros
Pontuação
Sexo Feminino
+2
FA/AST ou ALT (X acima do VN)
< 1,5
+2
1,5-3,0
0
>3,0
-2
Gamaglobulina/IgG (número de vezes acima do VN)
>2,0x
+3
1,5-2,0x
+2
1,0-1,5x
+1
<1,0x
0
Autoanticorpos (FAN/AML/LKM1)
>1:80
+3
1:80
+2
1:40
+1
< 1:40
0
Outros marcadores (Anti-SLA/LP, anti-actina, anti-LC1, p-ANCA)
Anti-VHA IgM, AgHBs, anti-HBc IgM ou anti-VHC negativos
+3
Uso recente de drogas hepatotóxicas positiva/negativa
-4/+1
Consumo alcoólico
< 25g/dia
+2
>60g/dia
-2
Outra doença autoimune no paciente ou em familiar de primeiro grau
+2
Histologia:
Hepatite de Interface
+3
Rosetas
+1
Plasmócitos
+1
Nenhuma das alterações acima
-5
Alterações biliares (de CBP e CEP)
-3
Alteração sugestiva de outra etiologia
-3
HLA DR3 ou DR4 DR7 ou DR13 (varaições regionais)
+1
Resposta Terapêutica
Completa
+2
Recidiva durante ou após suspensão do tratamento após resposta completa Inicial
+3
Figura 2 – Critérios Diagnósticos Modificados da HAI pelo Grupo Internacional de Hepatite autoimune. Adaptado (10). Interpretação: Antes do tratamento: > 15: diagnóstico definitivo,≤ 15 – 10: provável, Após tratamento: > 17: diagnóstico definitivo,≤ 17 -12: provável
A suspeição da hepatite autoimune deve ocorrer em todas as formas de apresentação da doença, desde quadros assintomáticos, com elevação de aminotransferases em exames de rotina (Figura 3), até as formas sintomáticas, com presença ou não de hepatopatia crônica avançada. A importância da suspeição e do diagnóstico precoce deve-se ao fato de que o tratamento clínico pode induzir remissão clínico-laboratorial da doença, prevenir fibrogênese hepática e a evolução para hepatopatia crônica avançada.
Figura 3 – Suspeição de hepatite autoimune em pacientes com elevação de aminotransferases (ALT/AST)
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MASLD 2023: descomplicando as novas nomenclaturas para esteatose hepática
Durante o Congresso EASL 2023 (24 de junho, Viena, Áustria), houve a publicação de novos termos e critérios para a Doença hepática gordurosa não-alcoólica (nonalcoholic fatty liver disease, NAFLD) que passou a ser denominada Esteatose hepática metabólica (metabolic dysfunction-associated steatotic liver diasease, MASLD) após painel Delphi e endossada pelas principais sociedades de Hepatologia do mundo.
De forma objetiva, a tabela abaixo lista as terminologias prévias e atuais para melhor compreensão:
Nomenclaturas Anteriores
Nomenclaturas Anteriores
Siglas
Nomenclaturas Atuais
Nomenclaturas Atuais
Siglas
Racional
–
–
–
Esteatose hepática ou Doença hepática esteatótica
Steatotic liver disease
SLD
Termo geral que abrange várias etiologias de esteatose*
Presença de esteatose hepática e, pelo menos, 1 de 5 fatores de risco cardiometabólicos**
Esteato-hepatite não-alcoólica
Nonalcoholic steatohepatitis
NASH
Esteato-hepatite metabólica
Metabolic dysfunction-associated steatohepatitis
MASH
Conceito fisiopatológico mantido e baseado nos critérios anatomopatológicos
Esteatose hepática não-alcoólica
Nonalcoholic fatty liver
NAFL
–
–
–
Terminologia não abordada no Painel Delphi
–
–
–
Esteatose hepática por disfunção metabólica e álcool
–
MetALD
Nova categoria para descrever pacientes com MASLD que consomem álcool acima de 140g/semana (mulheres) e 210g/semana (homens)
–
–
–
Esteatose hepática criptogênica
Cryptogenic steatotic liver disease
Cryptogenic SLD
Nova denominação para pacientes que não apresentam parâmetros metabólicos e não tem causa conhecida
Tabela 1. Principais nomenclaturas e siglas da Doença hepática gordurosa não-alcoólica antes e após o Painel Delphi (junho, 2023).
*Dentre as etiologias: MASLD, MetALD, doença hepática alcoólica (alcoholic liver disease, ALD), etiologias específicas [hepatite medicamentosa, DILI; doenças monogênicas, como deficiência de lipase ácida lisossomal, doença de Wilson, hipobetalipoproteinemia, erros inatos do metabolismo]; miscelânia, incluindo, hepatite C, desnutrição, doença celíaca e HIV] e esteatose hepática criptogênica.
**Fatores de risco cardiometabólicos em adultos: [1] IMC ≥25kg/m2 (23 asiáticos) OU circunferência abdominal >94cm (homem) >80cm (mulher) OU equivalente ajustado pela etnia [2] glicemia de jejum ≥ 100mg/dL OU teste oral de tolerância à glicose ≥140mg/dL OU Hba1c ≥5,7% OU diabetes mellitus tipo 2 (DM2) OU tratamento para DM2; [3] Pressão arterial ≥130/85mmHg U tratamento medicamentoso para hipertensão arterial sistêmica [4] Triglicerídeos ≥150mg/dL OU tratamento com hipolipemiantes [5] HDL-c <40mg/dL (homem) <50mg/dL (mulher) OU tratamento com hipolipemiantes.
Diante do novo racional proposto, os termos “Esteatose hepática não-alcoólica” (nonalcoholic fatty liver, NAFL) e “Doença hepática gordurosa associada à disfunção metabólica” (metabolic dysfunction-associated fatty liver disease, MAFLD) não serão preservados.
A classificação e gravidade que usamos hoje permanecerão as mesmas, isto é, a definição de MASH seguirá sendo baseada nos critérios anatomopatológicos obtidos por biópsia hepática (esteatose hepática, balonização hepatocitária e inflamação lobular, com ou sem fibrose). Conforme a avaliação da fibrose hepática, a doença poderá ser descrita como, por exemplo, MASH com fibrose estadio 3 – nos pacientes biopsiados – ou MASLD com fibrose 3 – na avaliação não invasiva da fibrose.
Na prática, há DUAS perguntas a serem feitas, diante da presença de esteatose hepática (Figura 1):
Há algum fator de risco cardiometabólico**?
Há outras causas de esteatose hepática (etilismo significativo, medicamentosa/DILI, doenças monogênicas)?
Figura 1. Algoritmo de investigação etiológica de esteatose hepática.
**Fatores de risco cardiometabólicos em adultos: [1] IMC ≥25kg/m2 (23 asiáticos) OU circunferência abdominal >94cm (homem) >80cm (mulher) OU equivalente ajustado pela etnia [2] glicemia de jejum ≥ 100mg/dL OU teste oral de tolerância à glicose ≥140mg/dL OU Hba1c ≥5,7% OU diabetes mellitus tipo 2 (DM2) OU tratamento para DM2; [3] Pressão arterial ≥130/85mmHg U tratamento medicamentoso para hipertensão arterial sistêmica [4] Triglicerídeos ≥150mg/dL OU tratamento com hipolipemiantes [5] HDL-c <40mg/dL (homem) <50mg/dL (mulher) OU tratamento com hipolipemiantes
Desta forma, a transição na literatura e nos estudos utilizando os novos termos e critérios será gradativa, sendo fundamental a compreensão da evolução do racional proposto e do impacto da doença no mundo. Os autores ressaltam que a modificação das nomenclaturas não altera a história natural da esteatose hepática (SLD), os ensaios clínicos, os biomarcadores e não prejudica pesquisas futuras nesses campos.
Rinella, Mary E.1; Lazarus, Jeffrey V.2,3; Ratziu, Vlad4; Francque, Sven M.5,6; Sanyal, Arun J.7; Kanwal, Fasiha8,9; Romero, Diana2; Abdelmalek, Manal F.10; Anstee, Quentin M.11,12; Arab, Juan Pablo13,14,15; Arrese, Marco15,16; Bataller, Ramon17; Beuers, Ulrich18; Boursier, Jerome19; Bugianesi, Elisabetta20; Byrne, Christopher21,22; Castro Narro, Graciela E.16,23,24; Chowdhury, Abhijit25; Cortez-Pinto, Helena26; Cryer, Donna27; Cusi, Kenneth28; El-Kassas, Mohamed29; Klein, Samuel30; Eskridge, Wayne31; Fan, Jiangao32; Gawrieh, Samer33; Guy, Cynthia D.34; Harrison, Stephen A.35; Kim, Seung Up36; Koot, Bart37; Korenjak, Marko38; Kowdley, Kris39; Lacaille, Florence40; Loomba, Rohit41; Mitchell-Thain, Robert42; Morgan, Timothy R.43,44; Powell, Elisabeth45,46,47; Roden, Michael48,49,50; Romero-Gómez, Manuel51; Silva, Marcelo52; Singh, Shivaram Prasad53; Sookoian, Silvia C.15,54,55; Spearman, C. Wendy56; Tiniakos, Dina11,57; Valenti, Luca58,59; Vos, Miriam B.60; Wong, Vincent Wai-Sun61; Xanthakos, Stavra62; Yilmaz, Yusuf63; Younossi, Zobair64; Hobbs, Ansley2; Villota-Rivas, Marcela65; Newsome, Philip N66,67; on behalf of the NAFLD Nomenclature consensus group. A multi-society Delphi consensus statement on new fatty liver disease nomenclature. Hepatology ():10.1097/HEP.0000000000000520, June 24, 2023. | DOI: 10.1097/HEP.0000000000000520
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Como citar este artigo
Oti KST, MASLD 2023: descomplicando as novas nomenclaturas para esteatose hepática Gastropedia 2023, vol. 2. Disponível em: gastropedia.com.br/gastroenterologia/masld-2023-descomplicando-as-novas-nomenclaturas-para-esteatose-hepatica/
NAFLD agora é MASLD: entenda a nova nomenclatura
A doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA; nonalcoholic fatty liver disease, NAFLD) foi assim nomeada em 1980 a fim de descrever pacientes com hepatopatia crônica sem consumo de álcool significativo. Apesar de amplamente utilizada, o avanço do entendimento a respeito da fisiopatologia da doença nas últimas décadas tornou evidente a falha em sua nomenclatura ao utilizar o termo “não alcoólica”, não captando com precisão a verdadeira etiologia da doença e se baseando em diagnóstico de exclusão. Além disso, o termo “gordurosa” era considerado estigmatizante por alguns.
Em 2020, um artigo de Eslam e colaboradores trouxe a proposta de usar o termo doença hepática gordurosa metabólica (DHGM/MAFLD) para definir pacientes com esteatose hepática e fatores de risco metabólicos, independentemente da quantidade e do padrão de ingestão de álcool. Embora o termo MAFLD tenha sido aceito por alguns, implicava não somente na mudança da nomenclatura, mas também da definição da doença, incluindo pacientes com consumo etílico significativo sob a mesma definição e mantendo o termo “gordurosa”. Além disso, pacientes com índice de massa corporal normal, classificados com “lean NAFLD”, poderiam não preencher critérios para MAFLD. Todos esses aspectos apresentavam potencial impacto negativo em termos de aplicação dos dados de pesquisa pré-existentes, entendimento da história natural da doença, biomarcadores e desenvolvimento terapêutico.
Considerando todas estas questões, um esforço conjunto das principais sociedades de hepatologia ao redor do mundo, dentre elas Asociación Latinoamericana para el Estudio del Hígado (ALEH), American Association for the Study of Liver Diseases (AASLD) e European Association for the Study of the Liver (EASL), levou ao desenvolvimento da nova nomenclatura da DHGNA/NAFLD, anunciada em junho deste ano. O detalhamento completo do processo que levou à nova nomenclatura, através do método Delphi modificado, foi publicado nas principais revistas de hepatologia do mundo, sendo elas Hepatology, Annals of hepatology e Journal of Hepatology. Recentemente, em comunicado da ALEH, a versão adaptada para o português da respectiva nomenclatura foi disponibilizada, e será adotada neste artigo.
Foram realizados 4 encontros online e 2 encontros híbridos, envolvendo 236 painelistas de 56 países, dentre eles hepatologistas, gastroenterologistas, pediatras, endocrinologistas, patologistas, especialistas em obesidade, representantes da indústria, agências regulatórias e organizações de pacientes. O comitê diretivo do painel Delphi foi liderado por um representante da AASLD e outro da EASL, e composto por outros 34 membros nomeados por suas respectivas associações a fim de garantir representatividade geográfica. As mudanças adotadas foram baseadas em consenso de uma maioria igual ou superior a 67% dos participantes para cada questão abordada, embora apenas 66% dos participantes considerassem estigmatizante o termo “gordurosa” na nomenclatura anterior.
Durante o processo, a maioria dos painelistas consideravam a nomenclatura anterior falha e desejavam uma nova nomenclatura que descrevesse a real etiologia da doença,contendo em seu descritor o termo “doença ou disfunção metabólica”, levando a um maior entendimento por parte dos pacientes a respeito da própria patologia. Tanto o termo abrangente esteatose hepática (EH; Steatotic liver disease,SLD) quanto o termo mais específico, esteatose hepática metabólica (EHM; metabolic dysfunction-associated steatotic liver disease, MASLD), fornecem uma descrição afirmativa e não estigmatizante da condição, ao invés de um diagnóstico de exclusão.
Conheça as principais mudanças da nova nomenclatura:
Esteatose hepática (EH; Steatotic liver disease, SLD) foi escolhido como termo abrangente, englobando as mais diversas etiologias de esteatose hepática (Figura 1).
Figura 1. Esteatose hepática e sua subclassificação. Fonte:Nova nomenclatura esteatose hepática. ALEH, 2023. Disponível em: https://alehlatam.org/wp-content/uploads/2023/08/Nueva-Nomenclatura-SLD-ALEH-Dra.-Graciela-Castro-2023-POR.pdf
O termo esteato-hepatite foi considerado conceito fisiopatológico importante, sendo mantido.
A Doença Hepática Gordurosa Não Alcoólica (DHGNA/NAFLD) associada à disfunção metabólica passou a ser nomeada esteatose hepática metabólica (EHM; metabolic dysfunction-associated steatotic liver disease, MASLD), incluindo pacientes com esteatose hepática e pelo menos um dos cinco fatores de risco cardiometabólicos (figura 2). É importante salientar que o diagnóstico de EHM não exclui outras possíveis etiologias associadas.
Figura 2. Critérios diagnósticos para MASLD. Adaptado de Rinella ME, Lazarus JV, Ratziu V et al.
Um dos maiores destaques da nova nomenclatura, a criação de uma nova categoria denominada Esteatose Hepática Metabólica por disfunção metabólica e álcool (MetALD), foi utilizada para descrever aqueles com MASLD que consomem quantidades semanais de álcool maiores do que aquelas estabelecidas como limite superior de consumo na definição de MASLD pura mas ainda não se enquadram em doença hepática alcoólica (140-350 g/semana para mulheres e 210-420 g/semana para homens).
Dentro da categoria MetALD há um espectro dinâmico onde a condição pode apresentar predominância do componente alcoólico ou metabólico. O fator predominante pode variar ao longo da vida de um mesmo indivíduo.
“MASLD com esteato-hepatite” ou esteato-hepatite metabólica/Metabolic dysfunction-associated steatohepatitis (MASH) é o termo que substitui a esteato-hepatite não alcoólica (NASH).
O termo esteatose hepática também abrange doença hepática associada ao consumo excessivo de álcool (ALD) (>70 g/dia) e outras hepatopatias de etiologia específica como infecção pelo vírus da hepatite C, causas genéticas, dentre outras.
Esteatose hepática criptogênica é o termo utilizado para definircasos que não apresentam fatores de risco cardiometabólicos ou causa conhecida para a esteatose hepática.
Possível MASLD é o termo que pode ser considerado na definição de casos com forte suspeita clínica de disfunção metabólica, na ausência dos fatores de risco cardiometabólicos, até a obtenção de testes adicionais como HOMA-IR e teste oral de tolerância a glicose.
Podemos extrapolar dados de pesquisa prévia em NAFLD para MASLD?
À semelhança de MAFLD, a nova nomenclatura MASLD também implica em mudança de definição da doença, levantando novamente questões quanto à preservação dos dados de pesquisa pré-existentes e ao impacto na validação de biomarcadores para diagnóstico e no desenvolvimento de novas terapias. Análise de dados do consórcio europeu LITMUS demonstrou que 98% dos pacientes registrados com NAFLD preencheriam critérios de MASLD. Da mesma maneira, estudo de Song e colaboradores demonstrou que, dentre 261 pacientes com diagnóstico de DHGNA por espectroscopia por ressonância magnética, apenas 6 (2,3%) não preenchiam critérios para MASLD, enquanto 14 (5,4%) não preenchiam critérios para MAFLD. Conceitualmente, pacientes que antes se enquadravam na definição de NAFLD poderão ser categorizados em MASLD ou possível MASLD. A introdução da subcategoria MetALD traz a oportunidade de gerar novo conhecimento a respeito deste grupo comum de pacientes.
Rinella ME, Lazarus JV, Ratziu V, Francque SM, Sanyal AJ, Kanwal F, Romero D, Abdelmalek MF, Anstee QM, Arab JP, Arrese M, Bataller R, Beuers U, Boursier J, Bugianesi E, Byrne C, Castro Narro GE, Chowdhury A, Cortez-Pinto H, Cryer D, Cusi K, El-Kassas M, Klein S, Eskridge W, Fan J, Gawrieh S, Guy CD, Harrison SA, Kim SU, Koot B, Korenjak M, Kowdley K, Lacaille F, Loomba R, Mitchell-Thain R, Morgan TR, Powell E, Roden M, Romero-Gómez M, Silva M, Singh SP, Sookoian SC, Spearman CW, Tiniakos D, Valenti L, Vos MB, Wong VW, Xanthakos S, Yilmaz Y, Younossi Z, Hobbs A, Villota-Rivas M, Newsome PN; NAFLD Nomenclature consensus group. A multi-society Delphi consensus statement on new fatty liver disease nomenclature. Hepatology. 2023 Jun 24. doi: 10.1097/HEP.0000000000000520. Epub ahead of print. PMID: 37363821.
Eslam M, Newsome PN, Sarin SK, Anstee QM, Targher G, Romero-Gomez M, Zelber-Sagi S, Wai-Sun Wong V, Dufour JF, Schattenberg JM, Kawaguchi T, Arrese M, Valenti L, Shiha G, Tiribelli C, Yki-Järvinen H, Fan JG, Grønbæk H, Yilmaz Y, Cortez-Pinto H, Oliveira CP, Bedossa P, Adams LA, Zheng MH, Fouad Y, Chan WK, Mendez-Sanchez N, Ahn SH, Castera L, Bugianesi E, Ratziu V, George J. A new definition for metabolic dysfunction-associated fatty liver disease: An international expert consensus statement. J Hepatol. 2020 Jul;73(1):202-209. doi: 10.1016/j.jhep.2020.03.039. Epub 2020 Apr 8. PMID: 32278004.
Song SJ, Lai JC, Wong GL, Wong VW, Yip TC. Can we use old NAFLD data under the new MASLD definition? J Hepatol. 2023 Aug 2:S0168-8278(23)05000-6. doi: 10.1016/j.jhep.2023.07.021. Epub ahead of print. PMID: 37541393.
Como citar este artigo
Recuero AM. NAFLD agora é MASLD: entenda a nova nomenclatura Gastropedia 2023, vol. 2. Disponível em: gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/figado/nafld-agora-e-masld-entenda-a-nova-nomenclatura/