Gastroenterite Eosinofílica
Introdução
- A gastroenterite eosinofílica (GEE) é uma condição clínica rara e heterogênea, que pode envolver qualquer segmento do trato gastrointestinal.[1]
- O pico de incidência ocorre entre a terceira e quinta décadas, com discreto predomínio entre mulheres.[1]
- A patogênese ainda não é bem estabelecida, mas há associação com quadros atópicos, como asma, rinite e eczema.[1]
Quadro clínico
- O quadro clínico da GEE é inespecífico e pode mimetizar outras patologias gastrointestinais.[2] Estima-se que há um atraso de 4 a 9 anos entre o início do sintomas e o diagnóstico.[1]
- A apresentação dependerá da localização, extensão e profundidade da doença no trato gastrointestinal. São descritos três principais padrões de acometimento, conforme descrito abaixo: [3–5]
- Envolvimento predominante das camadas mucosa e submucosa: mais comum. Caracteriza-se por dor abdominal, náuseas, vômitos, dispepsia, saciedade precoce, diarreia, anemia, enteropatia perdedora de proteínas, má absorção e perda ponderal; [3,4]
- Envolvimento da camada muscular: segundo mais comum. Pode cursar com espessamento da parede intestinal e sintomas obstrutivos, como distensão e dor abdominais, náuseas e vômitos. [3,4]
- Envolvimento da camada serosa: mais raro. Apresenta-se tipicamente com ascite eosinofílica, podendo ocorrer peritonite e até perfuração em casos mais graves. [3,4]
- O curso da doença pode se apresentar tanto como: [6]
- Surto único em cerca de 40% dos casos
- Sintomas recorrentes (períodos de crises e remissões) em 40%
- Sintomas crônicos (persistentes por mais de 6 meses) em 20%
Diagnóstico
- O Quadro 1 resume critérios sugeridos para o diagnóstico. [7–9]
Critérios diagnósticos para gastroenterite eosinofílica
Deve preencher os 3 critérios |
1.Sintomas gastrointestinais (dor abdominal, diarreia, náuseas, bloating) |
2.Densa infiltração de eosinófilos em um ou mais segmentos do trato gastrointestinal OU alto número de eosinófilos no líquido ascítico |
3.Exclusão de outras causas de eosinofilia (reações a drogas, alergias alimentares, doença celíaca, parasitoses, colagenoses, vasculites, síndrome hipereosinofílica e doença inflamatória intestinal) |
- Os exames laboratoriais apresentam eosinofilia no sangue periférico em 70 a 80% dos casos e aumento de IgE sérico em até dois terços dos pacientes.[10]
- Caso a contagem de eosinófilos periféricos seja maior que 1500 células/μL, deve-se descartar o acometimento cardíaco ou de outros órgãos para excluir a síndrome hipereosinofílica.[9,11]
- Exames radiológicos geralmente são inespecíficos, podendo apresentar espessamento mucoso ou mesmo ascite. [4]
- A principal utilidade da endoscopia é a obtenção de fragmentos de biópsia, uma vez que a mucosa pode ser normal à avaliação endoscópica ou apresentar achados inespecíficos, tais como edema, enantema, erosões e úlceras.[3] Se você não suspeitar clinicamente e não pedir as biópsias endoscópicas, provavelmente o diagnóstico não será realizado.
Até o momento, não há consenso sobre um critério histológico bem estabelecido, sem definição de um ponto de corte para contagem de eosinófilos, uma vez que, com exceção do esôfago, a presença de eosinófilos no nosso trato digestivo pode ser fisiológica.[7] Baseado em estudos em pessoas saudáveis, contagens de eosinófilos > 30 por campo de grande aumento (CGA) no estômago, > 50 no duodeno e > 30 no cólon (dependendo da localização) sugeririam GEE.[12,13] Alguns autores, contudo, sugerem menor ênfase na quantidade de eosinófilos e maior foco nas outras alterações patológicas adicionais.[8] |
Tratamento
- O tratamento da Gastroenterite Eosinofílica é um desafio, uma vez que as recomendações são baseadas apenas em relatos e séries de casos.
- Pacientes com doença leve podem ser tratados inicialmente com sintomáticos, ao passo que os demais necessitam de terapia mais agressiva.
- Em caso de complicações, como estenoses ou perfurações, o tratamento cirúrgico pode ser necessário.[4,8,9] O fluxograma 1 resume uma abordagem sugerida.
De modo análogo à esofagite eosinofílica, as dietas com eliminação de alimentos também são recomendadas como primeira linha de tratamento para a GEE. A retirada empírica dos antígenos alimentares mais comumente implicados como potenciais alérgenos (leite, trigo, soja, ovos, nozes e frutos do mar) é uma opção válida. Por sua vez, a retirada de alimentos baseada em testes alérgicos (prick test e IgE sérico específico para alimentos), apesar de ser teoricamente melhor tolerável, tem resultados controversos.[8]
Os corticoides são a primeira linha de terapia medicamentosa, principalmente em pacientes com sintomas mais relevantes. Prednisona oral 20 a 40 mg ao dia por 2 semanas mostrou induzir remissão na maioria dos pacientes, apesar que doses maiores (0,5 a 1,0 mg/kg) são sugeridas em alguns relatos. Sugere-se manter a medicação por 6 a 8 semanas, com diversos esquemas de desmame.[8,9,14] Pacientes que apresentam recidiva dos sintomas durante ou após o desmame da medicação podem necessitar de terapia de manutenção. A budesonida (3 a 9 mg/dia) pode ser uma alternativa interessante por apresentar menos efeitos sistêmicos.[8]
Outras opções que podem ser utilizadas como adjuvantes (geralmente em combinação com corticoides) são os estabilizadores de mastócitos (cromoglicato de sódio e cetotifeno) e os antagonistas do receptor de leucotrieno (montelucaste). Os estabilizadores de mastócitos bloqueiam a degranulação dos mastócitos e assim estabilizam as células e evitam a liberação de histamina e mediadores relacionados.
- A dose de cromoglicato de sódio varia de 100 a 300 mg três ou quatro vezes ao dia.
- O cetotifeno, por sua vez, que também é um anti-histamínico, é usado na dose de 1 a 2 mg duas vezes ao dia.
- O montelucaste já é comumente utilizado na asma e em doença eosinofílicas e sua dose habitual é de 5 a 10 mg/dia.[4]
No caso de doença recidivante ou refratária, pode haver resposta a imunossupressores (azatioprina, 6-mercaptopurina) e a biológicos, como o infliximabe (anti-TNFα) e o vedolizumabe (antiintegrina α4β7).[4,7,8]
Referências
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Como citar este artigo
Lages RB. Gastroenterite Eosinofílica Gastropedia 2024, Vol. 2. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/gastroenterite-eosinofilica/