Ruptura tumoral no GIST: por que esse achado muda o prognóstico?
Autores: Marcus Fernando Kodama Pertille Ramos; Fernando Furlan Nunes
O tumor estromal gastrointestinal (GIST) é a neoplasia mesenquimal mais frequente do trato digestivo, predominantemente localizada no estômago. Origina-se das células intersticiais de Cajal, situadas na camada muscular, e seu diagnóstico é estabelecido por avaliação histológica associada à imuno-histoquímica — tipicamente KIT (CD117) e DOG1 positivos.
O tratamento de escolha é a ressecção cirúrgica completa, com margens negativas, sem necessidade de linfadenectomia, já que o acometimento linfonodal é raro. Tradicionalmente, o prognóstico é definido por tamanho tumoral, índice mitótico, presença de metástases e localização, que juntos determinam o estadiamento TNM.
Nos últimos anos, outros parâmetros ganharam relevância, especialmente a ruptura tumoral, considerada um dos mais importantes marcadores de alto risco de recorrência peritoneal.
O que é ruptura tumoral no GIST?
A definição de ruptura sempre foi motivo de debate até que Nishida et al. (2019) propuseram critérios objetivos. Segundo os autores, ruptura tumoral significa qualquer perda visível ou presumida da integridade do tumor com exposição de células neoplásicas livres na cavidade abdominal, seja o evento espontâneo ou causado durante o ato cirúrgico.
Situações que configuram ruptura tumoral incluem:
fratura tumoral;
ascite hemorrágica com possível disseminação celular;
perfuração do trato gastrointestinal por aumento de pressão, necrose ou fragilidade;
invasão microscópica de órgãos adjacentes com exposição livre de células tumorais;
ressecção fragmentada ou dissecção intratumoral;
biópsias incisionais, que embora raras, podem levar à disseminação tumoral.
Figura 1. Tipos de ruptura tumoral conforme proposto por Nishida et al.
Impacto prognóstico: por que a ruptura importa?
A ruptura tumoral é um fator independente de alto risco, independentemente do tamanho do tumor ou da taxa mitótica. Dessa forma, todo paciente com GIST rompido deve ser tratado como portador de doença de alto risco — com indicação de terapia adjuvante com imatinibe por 36 meses, conforme diretrizes atuais.
Como a ruptura muitas vezes só é reconhecida durante a operação, é essencial que o cirurgião saiba identificar e registrar adequadamente o achado no intraoperatório.
Outro ponto relevante: cerca de metade das rupturas é iatrogênica, reforçando a necessidade de técnica cirúrgica delicada, evitando manipulação excessiva ou ressecções inadequadas que possam comprometer a cápsula tumoral.
O que não é ruptura tumoral?
Alguns defeitos estruturais podem ocorrer, mas não se enquadram na definição de ruptura e não justificam imatinibe adjuvante. Entre eles:
defeitos mucosos voltados para o lúmen, mesmo com sangramento;
invasão microscópica peritoneal sem extravasamento tumoral;
biópsias por PAAF sem complicações;
ressecções com margens microscópicas positivas (R1).
Esses achados não resultam em liberação de células tumorais para a cavidade abdominal e, portanto, não cumprem os critérios propostos por Nishida et al. (2019).
Referência
Nishida T, Hølmebakk T, Raut CP, Rutkowski P. Defining Tumor Rupture in Gastrointestinal Stromal Tumor.Ann Surg Oncol. 2019;26(6):1669–1675.
V Consenso Brasileiro sobre Helicobacter pylori: O que há de novo?
Diante do avanço contínuo da resistência à claritromicina, torna-se imprescindível atualizar as recomendações terapêuticas para Helicobacter pylori. Na XXIV Semana Brasileira do Aparelho Digestivo (SBAD), realizada de 13 a 15 de novembro de 2025 em São Paulo, o Núcleo Brasileiro para Estudo do H. pylori e Microbiota apresentou as diretrizes do novo consenso brasileiro, cuja publicação oficial está prevista para o primeiro semestre de 2026.
Como superar a resistência aos antibióticos?
O V Consenso Brasileiro irá focar em três pilares para otimizar a eficácia terapêutica:
Adição de bismuto: Auxilia a superar resistência a claritromicina, levofloxacino e metronidazol.
Maior inibição ácida: Uso de bloqueador ácido competitivo de canal de potássio (PCAB) ou aumento da dose e frequência de IBP.
Esquema quádruplo com bismuto, metronidazol e tetraciclina com IBP ou PCAB (quando disponível) por 10 a 14 dias
Terapia tríplice de claritromicina e amoxicilina por 14 dias, otimizada com associação ao bismuto e/ou substituição do IBP pelo PCAB (quando disponível) duas vezes por dia
Na indisponibilidade do bismuto, pode ser empregada a terapia dupla com amoxicilina 3-4 g/dia, em 3 ou 4 tomadas ao dia associada ao IBP (em dose alta, 3 a 4 vezes ao dia), ou preferencialmente ao PCAB (Vonoprazan 20 mg duas vezes ao dia) quando disponível, por 14 dias
A terapia concomitante com IBP ou PCAB (quando disponível) por 14 dias pode ser uma opção.
2ª linha de tratamento
Regra de ouro: não repetir o esquema usado em 1ª linha. Estão indicados:
Esquema quádruplo com bismuto, metronidazol e tetraciclina com IBP ou PCAB (quando disponível) por 10 a 14 dias
Esquema amoxicilina-levofloxacino-bismuto associado a IBP ou PCAB (quando disponível) por 14 dias
Na indisponibilidade do bismuto, pode ser empregada a terapia dupla com amoxicilina 3-4 g/dia, em 3 ou 4 tomadas ao dia associada ao IBP (em dose alta, 3 a 4 vezes ao dia), ou preferencialmente ao PCAB (Vonoprazan 20 mg duas vezes ao dia) quando disponível, por 14 dias
Terapias de resgate
Mais uma vez: não repetir esquemas previamente utilizados. Estão indicados:
Esquema quádruplo com bismuto, metronidazol e tetraciclina com IBP ou PCAB (quando disponível) por 10 a 14 dias
Terapia tripla com rifabutina e amoxicilina, associada a IBP ou PCAB (quando disponível) por 14 dias, especialmente quando a terapia quádrupla com bismuto não estiver disponível ou se já foi utilizada.
Na ausência de bismuto e rifabutina, a terapia dupla com amoxicilina 3-4 g/dia, em 3 ou 4 tomadas ao dia associada ao IBP (em dose alta, 3 a 4 vezes ao dia), ou preferencialmente ao PCAB (Vonoprazan 20 mg duas vezes ao dia) quando disponível, por 14 dias
Alergia a penicilina
1ª linha
Esquema quádruplo com bismuto, metronidazol e tetraciclina com IBP ou PCAB (quando disponível) por 10 a 14 dias
Terapia dupla com tetraciclina e PCAB, quando disponível, por 14 dias
2ª linha: Pode ser utilizada uma das opções anteriores não empregadas, além e terapia tríplice com quinolona e claritromicina por 14 dias.
Quando recomendar testes de sensibilidade antibiótica na prática clínica?
A terapia tríplice de IBP-Amoxicilina-Claritromicina e IBP-Amoxicilina-Levofloxacino idealmente devem ser empregadas após testes de sensibilidade, quando disponíveis
Após três falhas terapêuticas, os testes de sensibilidade deveriam ser empregados, quando disponíveis.
Qual é o papel dos probióticos?
Algumas cepas probióticas específicas podem exercer efeito adjuvante no tratamento de H. pylori, contribuindo tanto para aumentar as taxas de erradicação quanto para reduzir os efeitos colaterais associados ao uso de antibióticos.
No entanto, ainda são necessários estudos adicionais para definir com precisão quais cepas, quais doses, em que momento e por quanto tempo a suplementação deve ser realizada para otimizar esses benefícios
Considerações finais
Em síntese, o novo consenso brasileiro representa um avanço importante e aproxima o país das recomendações internacionais mais recentes para o manejo do H. pylori. O documento reforça o papel da associação de bismuto (ainda dependente das farmácias de manipulação no Brasil, o que restringe sua ampla adoção) e também valoriza o uso, quando disponível, dos PCABs (embora o seu custo ainda limite a aplicação em alguns cenários).
Referência
COELHO, LGZ. V Consenso Brasileiro sobre a infecção por H. pylori. Apresentado em: XXIV Semana Brasileira do Aparelho Digestivo (SBAD); 2025; São Paulo, Brasil.
Neste artigo, revisamos as recomendações sobre o rastreamento do câncer gástrico.
1. Conceitos iniciais
Antes de definir quem rastrear, precisamos diferenciar alguns conceitos:
Rastreamento populacional: busca ativa em pessoas assintomáticas da população geral.
Rastreamento direcionado: feito em grupos de alto risco previamente definidos, como indivíduos com histórico familiar ou síndromes hereditárias.
Rastreamento oportunístico: ocorre durante uma endoscopia realizada por outro motivo, aproveitando o exame para avaliar o risco individual e identificar condições pré-cancerosas (atrofia, metaplasia intestinal).
Vigilância: refere-se ao acompanhamento endoscópico periódico de pacientes que já têm lesões superficiais tratadas ou condições pré-cancerosas que exigem seguimento
2. Rastreamento populacional: em quem faz sentido?
O MAPS III reforça que o rastreamento endoscópico de câncer gástrico não deve ser universal, mas estratificado conforme o risco populacional, de acordo com a ASR (age-standardized rate, isto é, a taxa ajustada pela idade) – vide Tabela 1.
A ASR ajusta as taxas brutas de incidência para a população mundial padrão da OMS, permitindo comparações válidas entre países ao eliminar o efeito da idade. Em outras palavras: a taxa bruta de incidência, apesar de mais prática, é fortemente influenciada pela estrutura etária — regiões com mais idosos terão taxas brutas maiores, mesmo que o risco individual de câncer seja o mesmo. A taxa ajustada (ASR) reflete o risco “puro” de desenvolver a doença, independente do envelhecimento populacional.
Tabela 1: Recomendações do MAPS III para rastreio populacionado de câncer gástrico, conforme ASR (taxa ajustada pela idade de incidência de câncer gástrico).
Categoria de risco
Critério (ASR)
Recomendação do MAPS III
Baixo risco
< 10/100.000 habitantes/ano
Não rastrear
Intermediário
10–20/100.000 habitantes/ano
Rastreio a cada 5 anos (se custo-efetivo e houver recursos)
Alto risco
> 20/100.000
Rastreio endoscópico a cada 2–3
3. Qual é a evidência?
A maior parte das recomendações tem nível de evidência moderado a baixo, refletindo a escassez de estudos randomizados fora da Ásia. Entretanto, dados de coortes e programas populacionais (como o da Coreia do Sul) mostram redução de 20–40% na mortalidade por câncer gástrico em populações submetidas a rastreamento endoscópico periódico. O MAPS III, portanto, busca equilibrar benefício populacional, custo e sustentabilidade da prática endoscópica.
Embora o benefício do rastreamento populacional do câncer gástrico em regiões de risco intermediário ainda não esteja totalmente estabelecido, estudos recentes apontam possível custo-efetividade quando o rastreamento endoscópico é integrado ao rastreamento colorretal.
4. O Brasil é um país de risco baixo, intermediário ou alto?
Sem considerar os tumores de pele não melanoma, o câncer de estômago ocupa a quinta posição entre os tipos de câncer mais frequentes no Brasil e no mundo.
Segundo o INCA (Estimativas 2023-2025), o Brasil apresenta taxa ajustada pela idade (ASR) de 9,51/100.000 em homens e 4,92/100.000 em mulheres, determinando taxa ajustada pela idade geral de 7,08/100.000 habitantes, o que é compatível com risco baixo para câncer gástrico. Caso considerássemos a taxa bruta, teríamos 12,63 em homens, 7,36 em mulheres e 9,94/100.000 na população geral.
Assim, conforme o presente consenso, não se recomenda rastreamento populacional para câncer gástrico no país. Contudo, vivemos em um país continental heterogêneo e, conforme a Tabela 2, podemos observar que em alguns estados há risco intermediário (principalmente na população masculina).
5. Rastreio oportunístico: uma chance que deve ser aproveitada
Um dos pontos mais importantes do MAPS III é a ênfase no rastreamento oportunístico. A recomendação é que toda endoscopia digestiva alta inicial inclua a avaliação endoscópica do risco individual de câncer gástrico — independentemente do país de origem do paciente.
Isso significa que, mesmo em regiões de risco baixo, como o Brasil, o endoscopista deve:
Avaliar atrofia e metaplasia intestinal;
Coletar biópsias em dois sítios anatômicos (antro/incisura e corpo);
Realizar diagnóstico e estratificação de risco conforme OLGA/OLGIM.
Essa abordagem transforma a endoscopia em uma ferramenta de prevenção secundária personalizada.
6. Rastreamento direcionado
O guideline propõe duas estratégias de atenção especial aos familiares de primeiro grau de pacientes com câncer gástrico:
Triagem e erradicação não invasiva de H. pylori entre 20 e 30 anos;
Endoscopia aos 45 anos ou 10 anos antes da idade de diagnóstico do familiar afetado.
Essas recomendações refletem o reconhecimento do componente hereditário e familiar do risco gástrico, reforçando a importância de programas de rastreamento direcionado para esse grupo.
As diretrizes britânicas (BSG) recomendam ainda rastreio endoscópico direcionado em pacientes ≥50 anos com fatores de risco como anemia perniciosa, sexo masculino, tabagismo ou histórico familiar de câncer gástrico.
7. Quando suspender o rastreamento?
O benefício do rastreamento do câncer gástrico diminui com o avanço da idade e a presença de comorbidades, pois ambos reduzem a expectativa de vida e aumentam o risco de complicações associadas a procedimentos invasivos. Quando a expectativa de vida é inferior a 10 anos, o rastreamento é pouco provável de trazer impacto significativo na sobrevida.
Por isso, as diretrizes recomendam que o rastreamento ou vigilância endoscópica seja interrompido — ou nem iniciado — em indivíduos com mais de 80 anos ou cuja expectativa de vida seja claramente menor que 10 anos. Esse limite etário é arbitrário, baseado na expectativa média de vida e na baixa probabilidade de progressão relevante das condições pré-cancerosas após essa idade.
8. Marcadores séricos: o papel do pepsinogênio
Segundo presente consenso, a endoscopia está recomendada em indivíduos com níveis séricos baixos de pepsinogênio I ou relação I/II reduzida, especialmente se sorologia negativa para H. pylori. Esses achados bioquímicos indicam atrofia avançada da mucosa gástrica e, portanto, risco aumentado de câncer, justificando investigação endoscópica. A dosagem destes marcadores, contudo, não é rotineira em nosso país.
Conclusões práticas para o Brasil
O Brasil é um país de risco baixo: rastreamento populacional não é indicado, mas o rastreio oportunístico durante endoscopias deve ser rotina.
Estratificar o risco individual por meio de achados endoscópicos e biópsias dirigidas (OLGA/OLGIM) é fundamental para vigilância
Pacientes com histórico familiar de câncer gástrico merecem atenção especial, com teste e erradicação de H. pylori e EDA direcionada.
Referências
Dinis-Ribeiro M, et al. Management of epithelial precancerous conditions and early neoplasia of the stomach (MAPS III): ESGE/EHMSG/ESP Guideline Update 2025.Endoscopy. 2025. DOI: 10.1055/a-2529-5025
Lages RB. Há evidência para rastreio de câncer gástrico? Quando realizar? Gastropedia 2025, Vol II. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/ha-evidencia-para-rastreio-de-cancer-gastrico-quando-realizar/
ESOPEC e MATTERHORN: dois estudos que devem transformar a prática clínica no tratamento dos tumores esofagogástricos
Recentemente, foram divulgados os resultados de dois grandes estudos com potencial para transformar o paradigma do tratamento dos adenocarcinomas da transição esofagogástrica (TEG) e do estômago. Nesta postagem, discutimos os principais achados dos estudos ESOPEC e MATTERHORN e suas implicações futuras.
O ESOPEC foi desenhado para comparar duas estratégias consagradas no tratamento dos tumores da TEG e do esôfago distal:
CROSS trial: demonstrou benefício da quimiorradioterapia neoadjuvante (carboplatina, paclitaxel e radioterapia 41,4 Gy) seguida de cirurgia, com foco em controle loco-regional. (1)
FLOT4 trial: mostrou que o esquema de quimioterapia perioperatória FLOT era superior ao ECF (Epirrubicina, cisplatina, 5-FU), especialmente em adenocarcinomas gástricos e da TEG, visando o controle sistêmico de micrometástases. (2)
Nota: ECF Foi o esquema usado no MAGIC trial (NEJM, 2006), que demonstrou benefício da quimioterapia perioperatória com ECF em comparação à cirurgia isolada para câncer gástrico e da junção esofagogástrica.
Nota: FLOT: 4 ciclos antes e 4 ciclos após a cirurgia. 5-Fluorouracil (5-FU), Leucovorin, Oxaliplatina, Docetaxel. Ciclo a cada 2 semanas (14 dias).
Com os bons resultados demonstrados no estudo FLOT que foi publicado posteriormente ao CROSS, surgiu a dúvida: ainda é necessário adicionar radioterapia à quimioterapia moderna? Essa questão é ainda mais relevante em tumores Siewert II e III, tratados frequentemente com gastrectomia total, onde a realização da anastomose em campo previamente irradiado pode gerar receios técnicos aos cirurgiões.(3)
1.1 Desenho e resultados do ESOPEC
Estudo de fase III, multicêntrico, com 438 pacientes com adenocarcinoma localmente avançado da TEG (Siewert I–III) ou esôfago distal, randomizados para:
Grupo A (FLOT): 4 ciclos de quimioterapia antes e após a cirurgia.
Grupo B (CROSS): quimiorradioterapia neoadjuvante seguida de cirurgia.
Os resultados foram publicados em janeiro de 2025 no New England Journal of Medicine.(4)
Com mediana de seguimento de 55 meses, a sobrevida global em 3 anos foi de 57,4% no grupo FLOT vs. 50,7% no grupo CROSS (HR = 0,70; IC95%: 0,53–0,92; p= 0,01), favorecendo o FLOT.
1.2 Reflexões após o ESOPEC
O CROSS utiliza doses menos intensas de quimioterapia e, em geral, é mais bem tolerado, podendo ser preferível em pacientes idosos ou frágeis. A tolerância ao FLOT na prática clínica, em pacientes que não são tão bem selecionados quanto os de um estudo clínico, ainda é um desafio.
O CROSS mostrou melhor controle loco-regional, o que pode ser relevante em tumores volumosos — realidade frequente em países como o Brasil.
O estudo TOPGEAR (FLOT/ECF com ou sem radioterapia) não demonstrou ganho significativo de sobrevida com a radioterapia, mas evidenciou aumento na resposta patológica completa e melhor controle local — sugerindo benefício em subgrupos específicos.(5)
O ESOPEC não avaliou o uso de imunoterapia adjuvante (como nivolumabe, aprovado no pós-operatório após CROSS no estudo CheckMate -577). Isso levanta a hipótese: CROSS + imunoterapia poderia superar o FLOT?(6)
Essa dúvida começou a ser respondida com os resultados do MATTERHORN.
2. MATTERHORN
O caminho da imunoterapia no câncer gástrico seguiu a progressão clássica: da doença metastática para cenários adjuvantes e, finalmente, perioperatórios.
Vale destacar que o primeiro grande estudo a avaliar o uso de imunoterapia no cenário perioperatório foi o KEYNOTE-585, que investigou o uso de pembrolizumabe associado à quimioterapia baseada em cisplatina (e não ao esquema FLOT) em pacientes com câncer gástrico ou da junção esofagogástrica ressecável. Esse estudo demonstrou melhor taxa de resposta patológica completa com a adição de pembrolizumabe em comparação ao placebo. No entanto, não houve benefício significativo em sobrevida livre de eventos, o que limitou sua adoção imediata.(7)
2.1 Desenho e resultados do MATTERHORN
O MATTERHORN, estudo de fase III, multinacional e randomizado, testou a adição de durvalumabe ao esquema FLOT no cenário perioperatório e teve seus resultados publicados em maio de 2025 no New England Journal of Medicine.(8)
Desenho do estudo:
Pacientes com adenocarcinoma ressecável de estômago ou TEG.
Randomização 1:1 para:
FLOT + durvalumabe
FLOT + placebo
Resultados:
Resposta patológica completa: 19,2% no grupo durvalumabe vs. 7,2% no grupo placebo (RR = 2,69; IC95%: 1,86–3,90).
Sobrevida livre de eventos em 2 anos: 67,4% com durvalumabe vs. 58,5% com placebo (HR = 0,71; IC95%: 0,58–0,86; p<0,001).
A taxa de eventos adversos de grau 3–4 foi semelhante entre os grupos. Eventos imuno-mediados foram mais frequentes com durvalumabe, mas sem impacto na realização da cirurgia ou tratamento adjuvante.
Um dos pontos fortes do MATTERHORN foi sua abrangência global, incluindo centros na Europa, Américas e Ásia. No Brasil, 8 centros participaram do estudo, o que fortalece sua aplicabilidade na nossa realidade.
Considerações finais
A incorporação da imunoterapia com durvalumabe no cenário perioperatório representa um avanço relevante.
Os resultados do MATTERHORN consolidam a tendência de integração entre quimioterapia e imunoterapia, buscando melhores desfechos oncológicos.
Entretanto, o custo ainda representa um desafio à incorporação dessa estratégia no Brasil.
Referências
van Hagen P, Hulshof MC, van Lanschot JJ, Steyerberg EW, van Berge Henegouwen MI, Wijnhoven BP, et al. Preoperative chemoradiotherapy for esophageal or junctional cancer. N Engl J Med. 2012;366(22):2074-84.
Al-Batran SE, Homann N, Pauligk C, Goetze TO, Meiler J, Kasper S, et al. Perioperative chemotherapy with fluorouracil plus leucovorin, oxaliplatin, and docetaxel versus fluorouracil or capecitabine plus cisplatin and epirubicin for locally advanced, resectable gastric or gastro-oesophageal junction adenocarcinoma (FLOT4): a randomised, phase 2/3 trial. Lancet. 2019;393(10184):1948-57.
Barchi LC, Ramos MFKP, Pereira MA, Dias AR, Ribeiro-Júnior U, Zilberstein B, et al. Esophagojejunal anastomotic fistula: a major issue after radical total gastrectomy. Updates Surg. 2019;71(3):429-38.
Hoeppner J, Brunner T, Schmoor C, Bronsert P, Kulemann B, Claus R, et al. Perioperative Chemotherapy or Preoperative Chemoradiotherapy in Esophageal Cancer. N Engl J Med. 2025;392(4):323-35.
Leong T, Smithers BM, Michael M, Haustermans K, Wong R, Gebski V, et al. Preoperative Chemoradiotherapy for Resectable Gastric Cancer. N Engl J Med. 2024;391(19):1810-21.
Kelly RJ, Ajani JA, Kuzdzal J, Zander T, Van Cutsem E, Piessen G, et al. Adjuvant Nivolumab in Resected Esophageal or Gastroesophageal Junction Cancer. N Engl J Med. 2021;384(13):1191-203.
Shitara K, Rha SY, Wyrwicz LS, Oshima T, Karaseva N, Osipov M, et al. Neoadjuvant and adjuvant pembrolizumab plus chemotherapy in locally advanced gastric or gastro-oesophageal cancer (KEYNOTE-585): an interim analysis of the multicentre, double-blind, randomised phase 3 study. Lancet Oncol. 2024;25(2):212-24.
Janjigian YY, Al-Batran SE, Wainberg ZA, Muro K, Molena D, Van Cutsem E, et al. Perioperative Durvalumab in Gastric and Gastroesophageal Junction Cancer. N Engl J Med. 2025.
Tratamento Quimioterápico dos Tumores Esofagogástricos: do ECF ao FLOT e à Imunoterapia
O manejo dos tumores da transição esofagogástrica (TEG) e do estômago localmente avançados evoluiu significativamente nas últimas duas décadas. Diversos estudos randomizados definiram os esquemas quimioterápicos mais eficazes no cenário perioperatório, estabelecendo o papel da quimiorradioterapia e, mais recentemente, da imunoterapia. A seguir, revisitamos os estudos que moldaram esse panorama:
O que era o ECF?
O esquema ECF combinava:
Epirrubicina
Cisplatina
5-Fluorouracil (5-FU)
Foi o padrão estabelecido após o MAGIC trial, publicado em 2006, que demonstrou melhora da sobrevida com quimioterapia perioperatória em relação à cirurgia isolada.
O estudo MAGIC
Publicação: NEJM, 2006 Desenho: fase III, randomizado População: pacientes com adenocarcinoma gástrico ou da junção esofagogástrica Intervenção: cirurgia isolada vs. quimioterapia perioperatória com ECF (3 ciclos antes e 3 após a cirurgia)
Resultado:
Sobrevida global mediana: 24 meses (ECF) vs. 20 meses (cirurgia isolada)
HR 0,75; p = 0,009
Conclusão: o estudo consolidou o uso da quimioterapia perioperatória como novo padrão na época.
O protocolo CROSS
O CROSS trial (Van Hagen et al., NEJM, 2012) marcou uma virada no tratamento dos tumores do esôfago e da TEG, principalmente do tipo escamoso e adenocarcinomas Siewert I.
Intervenção:
Carboplatina (AUC 2) + Paclitaxel (50 mg/m²), 1x por semana por 5 semanas
Radioterapia: 41,4 Gy em 23 frações
Cirurgia: 4 a 6 semanas após término da RQT
Sem quimioterapia adjuvante
Resultado:
Sobrevida global mediana: 49 meses (RQT + cirurgia) vs. 24 meses (cirurgia isolada)
HR = 0,657; p = 0,003
Conclusão: CROSS estabeleceu a quimiorradioterapia neoadjuvante como padrão para tumores do esôfago distal e TEG proximal.
O esquema FLOT
Diante da baixa eficácia do ECF, o estudo FLOT4-AIO introduziu o esquema FLOT, mais intenso, mas com resultados superiores.
FLOT:
5-FU: 2.600 mg/m² em infusão contínua por 24h (dia 1)
Leucovorin: 200 mg/m² (dia 1)
Oxaliplatina: 85 mg/m² (dia 1)
Docetaxel: 50 mg/m² (dia 1)
Ciclo a cada 14 dias
4 ciclos antes e 4 ciclos após a cirurgia (total de 8)
FLOT4 trial (Lancet, 2019):
Comparou FLOT vs. ECF/ECX
Sobrevida global mediana:
FLOT: 50 meses
ECF: 35 meses
HR = 0,77; p = 0,012
Conclusão: FLOT tornou-se o novo padrão perioperatório para tumores gástricos e da TEG ressecáveis.
TOPGEAR Trial
Estudo fase II/III que avaliou se adicionar quimiorradioterapia ao esquema perioperatório poderia melhorar os resultados em câncer gástrico e TEG.
Braço A: quimioterapia perioperatória (FLOT ou ECF)
Sobrevida livre de eventos em 2 anos: 67,4% (durvalumabe) vs. 58,5% (placebo)
HR = 0,71; p < 0,001
Conclusão: consolida a tendência de integração entre quimioterapia e imunoterapia no cenário perioperatório.
Comparativo dos principais estudos
Estudo
Situação clínica
Intervenção
Resultado relevante
MAGIC
Perioperatório
ECF vs. cirurgia
ECF ↑ sobrevida vs. cirurgia
CROSS
Neoadjuvante
QT + RT → cirurgia
↑ sobrevida global vs. cirurgia
FLOT4-AIO
Perioperatório
FLOT vs. ECF
FLOT superior em SG e resposta patológica
TOPGEAR
Perioperatório
FLOT ± RT
RT ↑ resposta patológica (fase II)
CheckMate-577
Adjuvante
Nivolumabe vs. placebo
↑ sobrevida livre de doença
KEYNOTE-585
Perioperatório
Pembro + QT vs. QT
↑ resposta patológica, sem ganho em SLE
MATTERHORN
Perioperatório
FLOT + durvalumabe vs. FLOT
↑ resposta patológica e sobrevida livre de eventos
Referências
MAGIC Trial – Cunningham D, Allum WH, Stenning SP, et al. Perioperative chemotherapy versus surgery alone for resectable gastroesophageal cancer.N Engl J Med. 2006 Jul 6;355(1):11-20.
CROSS Trial – Van Hagen P, Hulshof MCCM, van Lanschot JJB, et al. Preoperative chemoradiotherapy for esophageal or junctional cancer.N Engl J Med. 2012 May 31;366(22):2074-2084.
FLOT4-AIO Trial -Al-Batran SE, Homann N, Pauligk C, et al. Perioperative chemotherapy with FLOT versus ECF/ECX for resectable gastric or gastro-oesophageal junction adenocarcinoma (FLOT4-AIO): a multicentre, open-label, phase 3 trial.Lancet. 2019 May 25;393(10184):1948–1957.
TOPGEAR Trial (fase II) – Leong T, Smithers BM, Haustermans K, et al. TOPGEAR: a randomized phase II trial of preoperative chemotherapy with or without chemoradiation for resectable gastric cancer.Lancet Oncol. 2021 Jan;22(1):e1-e15.
CheckMate-577 – Kelly RJ, Ajani JA, Kuzdzal J, et al. Adjuvant Nivolumab in Resected Esophageal or Gastroesophageal Junction Cancer.N Engl J Med. 2021 Apr 1;384(13):1191–1203.
KEYNOTE-585 (Interim) – Shitara K, van Cutsem E, Ajani JA, et al. Neoadjuvant and adjuvant pembrolizumab plus chemotherapy in locally advanced gastric or gastro-oesophageal cancer (KEYNOTE-585): an interim analysis of the multicentre, double-blind, randomised phase 3 study.Lancet Oncol. 2024 Feb;25(2):212–224.
MATTERHORN – Janjigian YY, Al-Batran SE, Wainberg ZA, Muro K, Molena D, Van Cutsem E, et al. Perioperative Durvalumab in Gastric and Gastroesophageal Junction Cancer. N Engl J Med. 2025.
Procinéticos: Mecanismo de Ação, Indicações e Segurança
Os procinéticos são uma classe de fármacos utilizados no manejo de distúrbios da motilidade gastrointestinal. Seu mecanismo de ação baseia-se na estimulação das contrações do trato digestivo, favorecendo o esvaziamento gástrico e o trânsito intestinal. No Brasil, os principais representantes dessa classe incluem metoclopramida, domperidona, bromoprida, prucaloprida, neostigmina e eritromicina.
Este post resume o Expert Review da European Society of Neurogastroenterology and Motility em conjunto com The American Neurogastroenterology and Motility Society, que explora suas características farmacológicas, indicações clínicas e segurança.
1. Metoclopramida
A metoclopramida atua como antagonista dos receptores dopaminérgicos D2 e agonista parcial dos receptores serotoninérgicos 5-HT4, aumentando a liberação de acetilcolina no trato gastrointestinal. Esse mecanismo resulta no aumento da motilidade esofágica e gástrica.
Indicações:
Gastroparesia diabética;
Doença do refluxo gastroesofágico (DRGE);
Náuseas e vômitos associados a cirurgias ou quimioterapia.
Efeitos adversos: O uso prolongado da metoclopramida está associado a um risco aumentado de efeitos adversos neurológicos, incluindo discinesia tardia irreversível, parkinsonismo, acatisia e distonia aguda. Esses efeitos extrapiramidais ocorrem devido à sua capacidade de atravessar a barreira hematoencefálica e antagonizar os receptores dopaminérgicos centrais. Além disso, pode causar sedação e sintomas autonômicos, como hipotensão ortostática. Devido a esses riscos, recomenda-se que seu uso contínuo não ultrapasse 12 semanas, conforme diretrizes da FDA.
2. Domperidona
A domperidona é um antagonista D2 que, ao contrário da metoclopramida, não atravessa a barreira hematoencefálica, reduzindo os riscos de efeitos extrapiramidais.
Indicações:
Dispepsia funcional;
DRGE;
Gastroparesia leve a moderada.
Efeitos adversos: A domperidona pode prolongar o intervalo QT e aumentar o risco de arritmias ventriculares, especialmente em pacientes idosos ou com doenças cardiovasculares preexistentes. O risco cardiovascular é dose-dependente e pode ser agravado pelo uso concomitante de outros fármacos que prolongam o intervalo QT, como alguns antibióticos macrolídeos e antidepressivos tricíclicos. Recomenda-se monitoramento cuidadoso em pacientes de alto risco.
3. Bromoprida
A bromoprida compartilha o mesmo mecanismo de ação da metoclopramida, sendo um antagonista D2 com propriedades serotoninérgicas moderadas.
Indicações:
Náuseas e vômitos de diversas etiologias;
Gastroparesia leve;
DRGE.
Efeitos adversos: Entre os efeitos colaterais mais comuns estão sintomas extrapiramidais, sedação e fadiga, o que pode limitar seu uso crônico.
4. Prucaloprida
A prucaloprida é um agonista altamente seletivo dos receptores 5-HT4, estimulando a liberação de acetilcolina no trato gastrointestinal e promovendo um aumento na motilidade intestinal, com maior impacto na motilidade colônica.
Indicações:
Constipação crônica idiopática resistente ao tratamento com laxantes.
Efeitos adversos: Pode causar cefaleia, diarreia e dor abdominal. Seu perfil de segurança cardiovascular é favorável, sem associação relevante com prolongamento do intervalo QT.
5. Neostigmina
A neostigmina é um inibidor da acetilcolinesterase, aumentando os níveis de acetilcolina na junção neuromuscular e promovendo contrações no trato gastrointestinal.
Indicações:
Pseudo-obstrução colônica aguda (síndrome de Ogilvie);
Distúrbios de motilidade intestinal pós-operatórios.
Efeitos adversos: Os efeitos colaterais incluem bradicardia, cólicas abdominais, sudorese excessiva e hipersalivação. O monitoramento cardíaco é recomendado durante sua administração.
6. Eritromicina
Além de sua função antibiótica, a eritromicina atua como um agonista dos receptores de motilina, estimulando contrações gástricas semelhantes às do complexo motor migratório.
Indicações:
Gastroparesia grave, especialmente em pacientes diabéticos;
Esvaziamento gástrico antes de procedimentos endoscópicos;
Pseudo-obstrução intestinal.
Efeitos adversos: Seu uso prolongado pode induzir taquifilaxia, além de interferir na microbiota intestinal e aumentar o risco de resistência bacteriana. Também está associada a prolongamento do intervalo QT em alguns pacientes.
Doses recomendadas:
Metoclopramida: 10 mg via oral, intramuscular ou intravenosa, até 3 vezes ao dia (máximo de 30 mg/dia).
Domperidona: 10 mg via oral, até 3 vezes ao dia (máximo de 30 mg/dia).
Bromoprida: 10 mg via oral ou intramuscular, até 3 vezes ao dia (máximo de 30 mg/dia).
Prucaloprida: 2 mg via oral, uma vez ao dia (1 mg para idosos ou pacientes com insuficiência renal grave).
Neostigmina: 0,5–2 mg intravenoso, administrado lentamente (monitoramento cardíaco recomendado devido ao risco de bradicardia).
Eritromicina: 250–500 mg via oral, a cada 8 horas; ou 3 mg/kg intravenoso a cada 8 horas em casos de gastroparesia severa.
Figura 1: Procinéticos e seus mecanismos de ação. Ref: Bor S, et al. Neurogastroenterol Motil. 2024.
Considerações Finais
Os procinéticos têm um papel fundamental no tratamento de distúrbios da motilidade gastrointestinal, mas seu uso deve ser individualizado conforme o perfil clínico do paciente. Enquanto a metoclopramida, domperidona e bromoprida são indicadas para gastroparesia e DRGE, a prucaloprida é uma opção mais segura para constipação crônica idiopática. A neostigmina e a eritromicina são reservadas para casos graves, como pseudo-obstrução intestinal e gastroparesia severa. A decisão terapêutica deve equilibrar eficácia e segurança, evitando o uso prolongado quando possível.
Referências
Bor S, Kalkan İH, Savarino E, Rao S, Tack J, Pasricha J, Cangemi D, Schol J, Karunaratne T, Ghisa M, Ahuja NK, Lacy B. Prokinetics-safety and efficacy: The European Society of Neurogastroenterology and Motility/The American Neurogastroenterology and Motility Society expert review. Neurogastroenterol Motil. 2024 May;36(5):e14774. doi: 10.1111/nmo.14774. Epub 2024 Mar 10. PMID: 38462678.
Consenso do American College of Gastroenterology para tratamento de Helicobacter pylori: o que temos de novo?
1. Quando tratar?
– A grande questão é que não seria necessário testar H. pylori em todos. A determinação de quando testar e quando tratar deveria ser vista como uma decisão única e não como duas decisões separadas.
– Estaria indicado pesquisar o H. pylori em: queixas dispépticas, úlcera péptica, linfoma MALT, adultos que residem na mesma casa de indivíduos com H. pylori positivo por teste não sorológico (essa indicação não é clássica, mas foi adicionada neste consenso atual – “adult household members of individuals positive for H. pylori by nonserological testing“), uso prolongado de AINEs ou AAS profilático, anemia ferropriva inexplicada, púrpura trombocitopênica idiopática, gastrite atrófica, metaplasia ou displasia gástrica, adenoma ou adenocarcinoma gástricos, histórico de câncer gástrico em familiar de primeiro grau e em populações de alto risco para câncer gástrico.
– No entanto, sabemos que muitas vezes na prática diária os pacientes já nos procuram com exames com H. pylori positivo, mesmo que não encontremos uma clara indicação de pesquisa. Em concordância com o Maastricht VI (2022), o consenso americano sugere que, na ausência de contraindicações, o tratamento do H. pylori deve ser oferecido para todos os pacientes com infecção ativa.
2. Qual tratamento sugerido deprimeira linha?
Pelo guideline americano, a primeira opção é terapia quádupla com bismuto:
BOTM – Subcitrato de Bismuto 120-300 mg ou subsalicilato 300 mg 6/6h + IBP em dose padrão 12/12h + Tetraciclina 500 mg 6/6h + Metronidazol 500 mg 8/8 ou 6/6h) preferencialmente por 14 dias (erradicação de 87% em 14 dias x 77% em 10 dias).
Além disso, NÃO se sugere a substituição de tetraciclina por doxicilina, pois pode reduzir erradicação (70% quando 14 dias com doxiciclina e 67% quando 10 dias com doxiciclina, diferente das taxas de até 87% com tetraciclina por 14 dias).
O uso desse esquema é limitado no Brasil devido à baixa disponibilidade de sais de bismuto. Há preocupação ainda quanto à aderência, pois o paciente precisa utilizar mais comprimidos, doses mais frequentes e costuma apresentar mais efeitos adversos (principalmente gastrointestinais, como náuseas e diarreia).
Apesar do guideline americano sugerir superioridade desta terapia em relação à tríplice com claritromicina devido ao aumento de resistência bacteriana (20 a 30% de resistência a claritromicina e até 40% de resistência a levofloxacino), devemos lembrar que no último consenso brasileiro (2018) tanto esta terapia quádrupla como a tríplice com claritromicina são colocadas como primeira linha. (leia mais aqui)
São sugeridas as seguintes opções como primeira linha:
Terapia tríplice com rifabutina: Não disponível no Brasil. Há uma formulação própria nos Estados Unidos em que UMA cápsula contém Omeprazol 10 mg + Amoxicilina 250 mg + Rifabutina 12.5 mg. A posologia seria 4 cápsulas de 8/8h por 14 dias, isto é, dose equivalente de Omeprazol 40 mg + Amoxicilina 1 g + Rifabutina 50 mg 8/8h.
Terapia tríplice com vonoprazana: Vonoprazana 20 mg 12/12h + Amoxicilina 1 g 12/12h + Claritromicina 500mg 12/12h por 14 dias: O consenso recomenda CONTRA o uso de claritromicina, a não ser que seja possível realizar o teste de susceptibilidade. Contudo, sugere que, caso não tenha acesso ao teste de susceptibilidade para claritromicina, seja preferida a terapia tríplice com vonoprazana e não com IBP (e na nossa realidade infelizmente o teste de susceptibilidade não é um exame facilmente disponível). Evitar em pacientes que já utilizaram macrolídeo para tentar erradicar o H. pylori.
Atentar que, segundo este consenso, a terapia tríplice com claritromicina não é recomendada como primeira linha, a não ser que seja possível realizar o teste de susceptilidade. Contudo, este ainda não é um exame disponível facilmente em nosso país e, diante da também baixa disponibilidade de terapia quádrupla com bismuto no Brasil, devemos considerar que a terapia tríplice ainda tem sim papel na nossa realidade.
Em caso de alergia a penicilina:
Preferir o esquema quádruplo com bismuto
Considerar consulta com alergista para dessensibilização, uma vez que < 1% da população apresenta alergia verdadeira à penicilina mediada por IgE tipo 1
Atentar, porém, que muitas vezes nossos pacientes não terão acesso ao alergista para dessensibilização. Nessa caso, caso não seja possível a dessensibilização, sugerimos seguir o recomendado pelo consenso brasileiro (2018) – BOTM ou OCL, conforme você pode conferir em publicação prévia do nosso site (clique aqui).
3. Como realizar controle de cura após erradicação?
Nada mudou nesse tema. Todos os pacientes devem realizar controle de cura (respiratório, antígeno fecal ou método invasivo) pelo menos 4 semanas após término do tratamento.
4. Tratamento de segunda linha (após falha inicial)
Se disponíveis, testes de suceptibilidade (culturas ou testes moleculares) são indicados tanto antes do primeiro tratamento como após falha terapêutica – contudo usualmente não há disponibilidade no Brasil.
Se não tiver utilizado terapia quádrupla com bismuto, recomenda-se que ela seja utilizada.
Se já utilizou terapia quádrupla com bismuto, recomenda-se terapia tríplice com rifabutina (não disponível no Brasil).
Não repetir macrolídeo se já tiver utilizado.
Terapia tríplice com levofloxacino é uma opção (IBP em dose padrão 12/12h + Levofloxacino 500 mg 1xd + Amoxicilina 1 g 12/12h por 14 dias), principalmente quando disponível teste de susceptibilidade para quinolona.
Ainda não há evidência suficiente na América do Norte para recomendar a favor ou contra o uso de terapia dupla com altas doses de amoxicilinacomo esquema de resgate para pacientes falhados. Isso não significa que não pode ser um tratamento potencial em breve e que não possa ser considerado se as outras opções não estiverem disponíveis.
Na Tabela 1, há um resumo das recomendações. Devemos ficar atentos para adaptar estas recomendações para a nossa realidade local.
5. Uso de probióticos
Segundo este consenso do ACG, não há evidência suficiente que sugira que o uso de probióticos melhore a eficácia ou a tolerância da terapia de erradicação do H. pylori. Por outro lado, lembramos que no último consenso brasileiro (2018), sugeria-se que o uso de probióticos poderia melhorar a tolerância ao tratamento.
Por fim, um resumão deste consenso do ACG…
Tabela 1: Resumo de recomendações para tratamento de H. pylori na América do Norte, conforme American College of Gastroenterology, 2024.
Legenda:
⬆⬆⬆= Recomendado
⬆⬆= Sugerido
? = Pode ser considerado se outros tratamentos não forem opção
No caso de alergia a penicilina: Quando não for possível terapia quádrupla com bismuto, sugere-se avaliação do especialista para teste alérgico e/ou dessensibilização
Obs: Vamos repetir para ficar bem claro. Segundo este consenso, a terapia tríplice com claritromicina não é recomendada como primeira linha, a não ser que seja possível realizar o teste de susceptilidade. Contudo, este ainda não é um exame disponível facilmente em nosso país e, diante da também baixa disponibilidade de terapia quádrupla com bismuto no Brasil, devemos considerar que a terapia tríplice ainda tem sim papel na nossa realidade. Segundo este consenso americano, caso não tenha acesso ao teste de susceptibilidade para claritromicina, seja preferida a terapia tríplice com vonoprazana e não com IBP.
Considerações finais
O novo consenso americano demonstra preocupação com o aumento da resistência bacteriana, principalmente à claritromicina, e por isso prioriza o uso de terapia quádrupla com bismuto. Há ainda destaque para uma nova opção, a terapia dupla com amoxicilina em altas doses + vonoprazana. Por fim, essa publicação novamente reafirma a importância do teste de susceptilidade, reforçando que devemos buscar meios para tornar este método mais disponível em nosso país.
Referências
Malfertheiner P, Megraud F, Rokkas T, Gisbert JP, Liou JM, Schulz C, et al. Management of Helicobacter pylori infection: the Maastricht VI/Florence consensus report. Gut 2022;71:1724–62. doi:10.1136/gutjnl-2022-327745.
Chey WD, Howden CW, Moss SF, Morgan DR, Greer KB, Grover S, et al. ACG Clinical Guideline: Treatment of Helicobacter pylori Infection. Am J Gastroenterol 2024;119:1730–53. doi:10.14309/ajg.0000000000002968.
Terapia dupla com altas doses de amoxicilina: faz sentido utilizar para erradicação de Helicobacter pylori?
Diante da crescente resistência à claritromicina, são necessárias novas estratégias para tentar aumentar as taxas de erradicação do tratamento para Helicobacter pylori. Uma das abordagens possíveis é o uso de terapia dupla com altas doses de amoxicilina, que inclusive já é citada por diversas vezes em um dos principais consensos recentes sobre Helicobacter pylori (Maastricht VI).1
Segundo o Maastricht VI, mais estudos são necessários antes de uma recomendação forte, mas em áreas com alta resistência a claritromicina (> 15%), a terapia com altas doses de amoxicilina já pode inclusive ser considerada um esquema de primeira linha em alternativa à terapia quádrupla com bismuto, principalmente onde o bismuto e a tetraciclina são pouco disponíveis.1
Em uma metanálise que incluiu 4 ensaios randomizados com terapia com altas doses de amoxicilina + inibidor de bomba de prótons em pacientes com pelo menos uma falha terapêutica prévia, a taxa de erradicação foi de 81%.2 Com isso, observa-se que essa também seria uma abordagem possível para tratamento após a primeira linha, com resultados comparáveis a outras terapias.
Neste texto, iremos trazer os resultados de uma interessante publicação japonesa de 2023, onde Furuta e colaboradores revisaram os principais estudos com terapia dupla com amoxicilina para erradicação do Helicobacter pylori.3 Este estudo pode ser acessado na íntegra no seguinte link: https://www.mdpi.com/2077-0383/12/9/3110 .
Terapia dupla com inibidor de bomba de prótons
A terapia dupla com amoxicilina está longe de ser algo novo. Ela já foi bastante utilizada no passado, mas foi substituída após resultados inicialmente satisfatórios da clássica terapia tripla (IBP, amoxicilina e claritromicina). Contudo, com o aumento da resistência à claritromicina, voltamos a olhar estes resultados. Na Tabela 1, temos uma lista de trabalhos que usaram terapia dupla IBP + amoxicilina.
Autor
Ano
Amoxicilina
IBP
Duração
n
Erradicação
Furuta
2001
500 mg 6/6h
Rabeprazol 10 mg 6/6h
14 dias
17
100.0%
Tai
2019
750 mg 6/6h
Esomeprazol 40 mg 8/8h
14 dias
120
91.7%
Shirai
2007
500 mg 6/6h
Rabeprazol 10 mg 6/6h
14 dias
66
90.9%
Bayerdorffer
1995
750 mg 8/8h
Omeprazol 40 mg 8/8h
14 dias
139
90.6%
Furuta
2010
500 mg 6/6h
Rabeprazol 10 mg 6/6h
14 dias
49
87.8%
Miehlke
2003
750 mg 6/6h
Omeprazol 40 mg 6/6h
14 dias
38
83.8%
Furuta
2001
500 mg 8/8h
Rabeprazol 10 mg 12/12h
14 dias
97
81.4%
Schwartz
1998
1000 mg 8/8h
Lansoprazol 30 mg 8/8h
14 dias
51
77%
Miehkle
2006
1000 mg 8/8h
Omeprazol 40 mg 8/8h
14 dias
72
70%
Miyoshi
2001
500 mg 8/8h
Omeprazol 20 mg 12/12h
14 dias
98
66.3%
Nishizawa
2012
500 mg 6/6h
Rabeprazol 10 mg 6/6h
14 dias
46
63.0%
Moiyoshi
2001
500 mg 8/8h
Rabeprazol 10 mg 8/8h
14 dias
101
62.4%
Isomoto
2003
1000 mg 12/12h
Rabeprazol 20 mg 12/12h
14 dias
63
59%
Wong
2000
1000 mg 12/12h
Lansoprazol 30 mg 12/12h
14 dias
75
57%
Attumi
2014
1000 mg 12/12h
Dexlansoprazol 120 mg 12/12h
14 dias
13
53.8%
Schwartz
1998
1000 mg 8/8h
Lansoprazol 30 mg 12/12h
14 dias
49
53%
Koizumi
1998
500 mg 8/8h
Omeprazol 20 mg 1x/d
14 dias
25
52%
Furuta
1998
500 mg 6/6h
Omeprazol 20 mg 1x/d
14 dias
62
50%
Bell
1995
500 mg 8/8h
Omeprazol 40 mg 1x/d
14 dias
60
46%
Cottrill
1997
1000 mg 12/12h
Omeprazol 40 mg 1x/d
14 dias
85
44%
Kagaya
2000
750 mg 12/12h
Lansoprazol 30 mg 1x/d
14 dias
24
43%
Tabela 1: Trabalhos que utilizaram terapia dupla IBP + amoxicilina. Retirado de Furuta T et al (2023). 3
Terapia dupla com bloqueadores ácidos competitivos de potássio
Os bloqueadores ácidos competitivos de potássio (potassium-competitive acid blocker – PCABs) são caracterizados por rápido início de ação e um perfil antissecretor que independe da CYP2C19 ou da ativação de células parietais. Essas características trazem a oportunidade de melhorar a erradicação do tratamento de H. pylori, particularmente simplificando os regimes e desenvolvendo terapia dupla efetiva.
Qual o racional disso? Bom, a amoxicilina exerce sua atividade antibactericida ligando-se à proteína ligadora de penicilina (PLP). Em um pH ácido, em torno de 3.0, o H. pylori prolifera menos e a expressão de PLP é baixa, ao passo que no pH 7.4 o H. pylori prolifera bastante e a expressão de PLP também aumenta.4 Portanto, quando o pH está mais elevado, o número de alvos da amoxicilina aumenta e provavelmente ela se torna mais efetiva e estável. Um bloqueio ácido mais efetivo consequentemente contribui para o sucesso da erradicação.
De fato, o primeiro estudo com terapia dupla e vonoprazana apresentou um taxa de erradicação de 92.9%, que foi semelhante à terapia tripla com vonoprazana + amoxicilina + claritromicina.5 Desde então, foram publicados diversos estudos com esse regime (Tabela 2), utilizando diferentes posologias e tempos de tratamento e obtendo resultados em geral superiores à terapia dupla com IBP (Tabela 1).
Autor
Ano
Amoxicilina
Vonoprazana
Duração
n
Erradicação
Gao
2022
1000 mg 8/8h ou 750 mg 6/6h
10 mg 12/12h
14 dias
43
95.3%
Zuberi
2022
1000 mg 12/12h
20 mg 12/12h
14 dias
92
93.5%
Qian
2022
750 mg 6/6h
20 mg 12/12h
10 dias
125
93.4%
Furuta
2019
500 mg 8/8h
20 mg 12/12h
7 dias
56
92.9%
Gao
2022
1000 mg 8/8h ou 750 mg 6/6h
20 mg 12/12h
14 dias
143
91.6%
Sue
2022
500 mg 6/6h
20 mg 12/12h
7 dias
20
90.0%
Hu
2022
1000 mg 12/12h
20 mg 12/12h
10 dias
37
89.2%
Hu
2022
1000 mg 12/12h
20 mg 12/12h
14 dias
55
89.1%
Hu
2022
1000 mg 8/8h
20 mg 12/12h
14 dias
55
87.3%
Qian
2022
1000 mg 12/12h
20 mg 12/12h
10 dias
125
85.1%
Gotoda
2020
750 mg 12/12h
20 mg 12/12h
7 dias
60
85.0%
Suzuki
2020
750 mg 12/12h
20 mg 12/12h
7 dias
168
84.5%
Hu
2022
1000 mg 8/8h
20 mg 12/12h
10 dias
37
81.1%
Hu
2022
1000 mg 8/8h
20 mg 12/12h
7 dias
21
81.0%
Chey
2022
1000 mg 8/8h
20 mg 12/12h
14 dias
324
78.5%
Hu
2022
1000 mg 12/12h
20 mg 12/12h
7 dias
24
66.7%
Lin
2022
500 mg 6/6h
20 mg 12/12h
7 dias
61
60.7%
Lin
2022
750 mg 6/6h
20 mg 12/12h
7 dias
84
58.3%
Tabela 2: Trabalhos que utilizaram terapia dupla vonoprazana + amoxicilina. Retirado de Furuta T et al (2023). 3
Mensagens finais
O grande mérito da terapia dupla com altas doses de amoxicilina é reduzir os riscos de efeitos adversos e interações medicamentosas, sem reduzir as taxas de erradicação doH. pylori. O uso de vonoprazana parece potencializar estes benefícios. Os dados, contudo, devem idealmente ainda ser replicados na população brasileira.
Referências
Malfertheiner P, Megraud F, Rokkas T, Gisbert JP, Liou JM, Schulz C, et al. Management of Helicobacter pylori infection: the Maastricht VI/Florence consensus report. Gut 2022;71:1724–62. doi:10.1136/gutjnl-2022-327745.
Gao CP, Zhou Z, Wang JZ, et al. Efficacy and safety of high- dose dual therapy for Helicobacter pylori rescue therapy: a systematic review and meta- analysis. J Dig Dis 2016;17:811–9.
Furuta T, Yamade M, Higuchi T, Takahashi S, Ishida N, Tani S, et al. Expectations for the Dual Therapy with Vonoprazan and Amoxicillin for the Eradication of H. pylori. J Clin Med 2023;12. doi:10.3390/jcm12093110.
Marcus, E.A.; Inatomi, N.; Nagami, G.T.; Sachs, G.; Scott, D.R. The effects of varying acidity on Helicobacter pylori growth and the bactericidal efficacy of ampicillin. Aliment. Pharmacol. Ther. 2012, 36, 972–979.
Furuta, T.; Yamade, M.; Kagami, T.; Uotani, T.; Suzuki, T.; Higuchi, T.; Tani, S.; Hamaya, Y.; Iwaizumi, M.; Miyajima, H.; et al. Dual Therapy with Vonoprazan and Amoxicillin Is as Effective as Triple Therapy with Vonoprazan, Amoxicillin and Clarithromycin for Eradication of Helicobacter pylori. Digestion 2019, 101, 743–751.
Laparoscopia diagnóstica e PET-CT para o estadiamento do Câncer Gástrico
O adequado estadiamento de um tumor é fundamental para definição da conduta terapêutica e projeção do prognóstico do paciente. Com relação ao câncer gástrico (CG), a endoscopia com biópsia é o principal exame para o diagnóstico e a tomografia computadorizada (TC) de tórax, abdome e pelve o principal exame para o estadiamento. Um bom exame de tomografia com utilização de contraste IV para fases arterial e portal com adequada distensão da câmara gástrica após ingestão de água VO tem uma boa acurácia para o estadiamento da lesão primária, linfonodos e lesões a distância.
Entretanto, o estadiamento do peritônio sempre foi o “Calcanhar de Aquiles” da tomografia. O CG tem a peculiaridade de frequentemente evoluir com implantes peritoneais que dificilmente são visualizados na TC.
Nesse contexto, a Laparoscopia diagnóstica passou a ser empregado com complementação diagnóstica para os tumores gástricos avançados principalmente quando acometem a serosa. A Literatura sugere que a taxa de identificação de carcinomatose peritoneal oculta com a laparoscopia pode chegar a 20%. Esse valor é bem variável entre os estudos pelo fato de alguns centros realizarem a Laparoscopia de maneira seletiva e outros centros em todos os pacientes com CG. Em recente revisão dos dados do HC-FMUSP, Sakamoto et al. (2022) verificaram que houve até 30% de mudança de conduta com emprego da Laparoscopia seletiva (figura 1).
Figura 1 – Avaliação da mudança de conduta terapêutica com o emprego da laparoscopia diagnóstica em casos selecionados no HC-FMUSP (Sakamoto et. al.,2022). TC= tomografia computadorizada; LD= laparoscopia diagnóstica
Achado importante do estudo foi a identificação dos fatores de risco que foram associados com a identificação de carcinomatose oculta:
Lesão circunferencial
Lesão com aspecto macroscópico de Linitis plastica
Presença de ascite na TC
Presença de nódulos peritoniais da TC
Tipo histológico difuso
Além da Laparoscopia diagnóstica, outro exame que recentemente passou a ser utilizado para o estadiamento do CG é o PET-CT com glicose marcada. O racional desse exame é que os tumores apresentam maior metabolismo que o tecido normal e por isso captariam a glicose marcada “acendendo” durante a realização do PET. Infelizmente esse raciocínio funcionou bem para alguns tipos de tumores, mas apresentou resultados limitados para o CG. Tumores com células pouco coesas em anel de sinete demonstraram baixa captação da glicose marcada em estudos prévios.
Esse breve histórico, introduz o artigo escolhido para apresentação nesse post realizado por Gertsen et al (2021) intitulado “18F-Fluodeoxyglucose-Positron Emission Tomography/Computed Tomography and Laparoscopy for Staging of Locally Advanced Gastric Cancer”. Esse estudo multicêntrico Holandês incluiu 394 pacientes para avaliar a frequência de mudança do tratamento com baseado na adição do PET-CT e Laparoscopia no estadiamento.
A intenção do tratamento mudou de curativa para paliativa em 65 pacientes (16%) com base nos achados adicionais do PET/CT e Laparoscopia.
O PET-CT detectou metástases distantes em 12 pacientes (3%) e a Laparoscopia detectou doença peritoneal ou localmente não ressecável em 73 pacientes (19%), com uma sobreposição de ambos os exames alterados em 7 pacientes (2%).
Outros achados foram encontrados no PET-CT em 83 de 382 pacientes (22%), o que levou a exames adicionais em 65 pacientes (16%).
Como conclusão, os autores sugerem como sendo válido a inclusão da Laparoscopia diagnóstica no estadiamento de tumores gástricos avançados, mas não o PET-CT.
Entretanto, na prática observa-se um emprego cada vez mais frequente do PET-CT em relação a Laparoscopia. A principal justificativa é a facilidade para realização do PET-CT em relação a Laparoscopia que por ser um procedimento cirúrgico com necessidade de anestesia geral muitas vezes demora para ser agendado. De fato, no estudo, a realização da Laparoscopia atrasou em média 18 dias a definição da conduta.
Por outro lado, a realização do PET-CT de maneira indiscriminada também pode atrasar de maneira semelhante o tratamento visto que os pacientes que tiveram achados adicionais no PET-CT tiveram um atraso de 17 dias para início do tratamento pois tiveram que realizar outros exames diagnósticos. Dessa forma indicação individualizada para realização do PET-CT e Laparoscopia persistem sendo a melhor opção na conduta dos casos de CG.
Como perspectiva futura para melhor acurácia dos exames de medicina nuclear surge o PET-FAPI que que é baseado no direcionamento molecular proteína de ativação de fibroblastos (FAP) que é conhecido por ser altamente expresso na principal população de células no estroma tumoral, denominada fibroblastos associados ao câncer principalmente no contexto de tumores com células em anel de sinete.
Referências
TOOL FOR OPTIMAL GASTRIC CANCER MANAGEMENT. Arq Bras Cir Dig. 2023 Jan 9;35:e1700. doi: 10.1590/0102-672020220002e1700. PMID: 36629683; PMCID: PMC9830676.
Gertsen EC, Brenkman HJF, van Hillegersberg R, et al.PLASTIC Study Group. 18F-Fludeoxyglucose-Positron Emission Tomography/Computed Tomography and Laparoscopy for Staging of Locally Advanced Gastric Cancer: A Multicenter Prospective Dutch Cohort Study (PLASTIC). JAMA Surg. 2021 Dec 1;156(12):e215340. doi: 10.1001/jamasurg.2021.5340. Epub 2021 Dec 8. PMID: 34705049; PMCID: PMC8552113.
Mori Y, Dendl K, Cardinale J, Kratochwil C, Giesel FL, Haberkorn U. FAPI PET: Fibroblast Activation Protein Inhibitor Use in Oncologic and Nononcologic Disease. Radiology. 2023 Feb;306(2):e220749. doi: 10.1148/radiol.220749. Epub 2023 Jan 3. PMID: 36594838.
Como citar este artigo
Ramos MFKP, Laparoscopia diagnóstica e PET-CT para o estadiamento do Câncer Gástrico Gastropedia 2025 Vol 1. Disponível em:
Gastroenterite Eosinofílica
Introdução
A gastroenterite eosinofílica (GEE) é uma condição clínica rara e heterogênea, que pode envolver qualquer segmento do trato gastrointestinal.[1]
O pico de incidência ocorre entre a terceira e quinta décadas, com discreto predomínio entre mulheres.[1]
A patogênese ainda não é bem estabelecida, mas há associação com quadros atópicos, como asma, rinite e eczema.[1]
Quadro clínico
O quadro clínico da GEE é inespecífico e pode mimetizar outras patologias gastrointestinais.[2] Estima-se que há um atraso de 4 a 9 anos entre o início do sintomas e o diagnóstico.[1]
A apresentação dependerá da localização, extensão e profundidade da doença no trato gastrointestinal. São descritos três principais padrões de acometimento, conforme descrito abaixo: [3–5]
Envolvimento predominante das camadas mucosa e submucosa: mais comum. Caracteriza-se por dor abdominal, náuseas, vômitos, dispepsia, saciedade precoce, diarreia, anemia, enteropatia perdedora de proteínas, má absorção e perda ponderal; [3,4]
Envolvimento da camada muscular: segundo mais comum. Pode cursar com espessamento da parede intestinal e sintomas obstrutivos, como distensão e dor abdominais, náuseas e vômitos. [3,4]
Envolvimento da camada serosa: mais raro. Apresenta-se tipicamente com ascite eosinofílica, podendo ocorrer peritonite e até perfuração em casos mais graves. [3,4]
O curso da doença pode se apresentar tanto como: [6]
Surto único em cerca de 40% dos casos
Sintomas recorrentes (períodos de crises e remissões) em 40%
Sintomas crônicos (persistentes por mais de 6 meses) em 20%
Diagnóstico
O Quadro 1 resume critérios sugeridos para o diagnóstico. [7–9]
Critérios diagnósticos para gastroenterite eosinofílica
2.Densa infiltração de eosinófilos em um ou mais segmentos do trato gastrointestinal OU alto número de eosinófilos no líquido ascítico
3.Exclusão de outras causas de eosinofilia (reações a drogas, alergias alimentares, doença celíaca, parasitoses, colagenoses, vasculites, síndrome hipereosinofílica e doença inflamatória intestinal)
Quadro 1: Critérios sugeridos para o diagnóstico de GEE [7,8]
Os exames laboratoriais apresentam eosinofilia no sangue periférico em 70 a 80% dos casos e aumento de IgE sérico em até dois terços dos pacientes.[10]
Caso a contagem de eosinófilos periféricos seja maior que 1500 células/μL, deve-se descartar o acometimento cardíaco ou de outros órgãos para excluir a síndrome hipereosinofílica.[9,11]
Exames radiológicos geralmente são inespecíficos, podendo apresentar espessamento mucoso ou mesmo ascite. [4]
A principal utilidade da endoscopia é a obtenção de fragmentos de biópsia, uma vez que a mucosa pode ser normal à avaliação endoscópica ou apresentar achados inespecíficos, tais como edema, enantema, erosões e úlceras.[3] Se você não suspeitar clinicamente e não pedir as biópsias endoscópicas, provavelmente o diagnóstico não será realizado.
Até o momento, não há consenso sobre um critério histológico bem estabelecido, sem definição de um ponto de corte para contagem de eosinófilos, uma vez que, com exceção do esôfago, a presença de eosinófilos no nosso trato digestivo pode ser fisiológica.[7] Baseado em estudos em pessoas saudáveis, contagens de eosinófilos > 30 por campo de grande aumento (CGA) no estômago, > 50 no duodeno e > 30 no cólon (dependendo da localização) sugeririam GEE.[12,13] Alguns autores, contudo, sugerem menor ênfase na quantidade de eosinófilos e maior foco nas outras alterações patológicas adicionais.[8]
Tratamento
O tratamento da Gastroenterite Eosinofílica é um desafio, uma vez que as recomendações são baseadas apenas em relatos e séries de casos.
Pacientes com doença leve podem ser tratados inicialmente com sintomáticos, ao passo que os demais necessitam de terapia mais agressiva.
Em caso de complicações, como estenoses ou perfurações, o tratamento cirúrgico pode ser necessário.[4,8,9] O fluxograma 1 resume uma abordagem sugerida.
Fluxograma 1: Abordagem terapêutica sugerida para GEE. Adaptado de Walker et al., 2018 [8]
De modo análogo à esofagite eosinofílica, as dietas com eliminação de alimentos também são recomendadas como primeira linha de tratamento para a GEE. A retirada empírica dos antígenos alimentares mais comumente implicados como potenciais alérgenos (leite, trigo, soja, ovos, nozes e frutos do mar) é uma opção válida. Por sua vez, a retirada de alimentos baseada em testes alérgicos (prick test e IgE sérico específico para alimentos), apesar de ser teoricamente melhor tolerável, tem resultados controversos.[8]
Os corticoides são a primeira linha de terapia medicamentosa, principalmente em pacientes com sintomas mais relevantes. Prednisona oral 20 a 40 mg ao dia por 2 semanas mostrou induzir remissão na maioria dos pacientes, apesar que doses maiores (0,5 a 1,0 mg/kg) são sugeridas em alguns relatos. Sugere-se manter a medicação por 6 a 8 semanas, com diversos esquemas de desmame.[8,9,14] Pacientes que apresentam recidiva dos sintomas durante ou após o desmame da medicação podem necessitar de terapia de manutenção. A budesonida (3 a 9 mg/dia) pode ser uma alternativa interessante por apresentar menos efeitos sistêmicos.[8]
Outras opções que podem ser utilizadas como adjuvantes (geralmente em combinação com corticoides) são os estabilizadores de mastócitos (cromoglicato de sódio e cetotifeno) e os antagonistas do receptor de leucotrieno (montelucaste). Os estabilizadores de mastócitos bloqueiam a degranulação dos mastócitos e assim estabilizam as células e evitam a liberação de histamina e mediadores relacionados.
A dose de cromoglicato de sódio varia de 100 a 300 mg três ou quatro vezes ao dia.
O cetotifeno, por sua vez, que também é um anti-histamínico, é usado na dose de 1 a 2 mg duas vezes ao dia.
O montelucaste já é comumente utilizado na asma e em doença eosinofílicas e sua dose habitual é de 5 a 10 mg/dia.[4]
No caso de doença recidivante ou refratária, pode haver resposta a imunossupressores (azatioprina, 6-mercaptopurina) e a biológicos, como o infliximabe (anti-TNFα) e o vedolizumabe (antiintegrina α4β7).[4,7,8]
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Referências
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