As esofagites infecciosas mais comuns incluem candidíase, vírus herpes simples (HSV) e citomegalovírus (CMV). Embora seja mais comum em pacientes imunossuprimidos, a esofagite infecciosa também pode ocorrer em indivíduos imunocompetentes. Abaixo, resumimos as principais opções de tratamento.
Agente
1ª linha
Opções
Monilíase esofágica
Fluconazol VO 14-21 dias (**400 mg 1º dia, 200-400 mg demais dias) ** EV se não tolerar VO
Brasil: Formulação oral mais comum em geral 150 mg
Notas: – Nistatina não é suficiente… – Azóis são teratogênicos… – É discutível o tratamento em casos assintomáticos
– Tempo mais prolongado (28 dias) para refratariedade – Itraconazol 200 mg 1x/dia – Voriconazol 200 mg 2x/dia – Anfotericina B lipossomal 3-4 mg/kg/dia – Equinocandinas (caspofungina 50 mg/d)
14-21 dias
Herpes simples
Imunocomprometidos Aciclovir VO 400 mg 5x/dia 14-21 dias
Imunocompetentes Pode ocorrer resolução espontânea em 1-2 semanas Considerar: Aciclovir VO 200 mg 5x/dia ou 400 mg 3xd 7-10 dias
Opções com melhor comodidade posológica, mas mais caras – Valaciclovir 1 g 2x/dia – Fanciclovir 500 mg 2x/dia
14-21 dias se imunossuprimidos
Se via oral indisponível: – Aciclovir 5 mg/kg/dose 8/8h
Citomegalovírus
Imunocomprometidos (3-6 semanas) Ganciclovir EV 5 mg/kg/dose 12/12h Foscarnet EV 60 mg/kg/dose 8/8h (ou 90 mg/kg/dose 12/12h)
Imunocompetentes Observar? Suporte? > 80% precisam tratar em séries de casos Tempo menor?>2 semanas?
Reddy CA, Mcgowan E, Yadlapati R, Peterson K. AGA Clinical Practice Update on Esophageal Dysfunction Due to Disordered Immunity and Infection: Expert Review. Clin Gastroenterol Hepatol. 2024;1–10.
Rosołowski M, Kierzkiewicz M. Etiology, diagnosis and treatment of infectious esophagitis. Prz Gastroenterol. 2013;8(6):333–7.
Papel dos diferentes métodos diagnósticos na abordagem da doença do refluxo gastroesofágico
Embora a DRGE seja uma patologia comum, o seu diagnóstico pode ser desafiador, uma vez que os sintomas são inespecíficos, a apresentação clínica é heterogênea e há sobreposição com outros distúrbios gastrointestinais.1,2 Como para muitos autores não há padrão-ouro, o diagnóstico deve ser baseado em uma combinação de diversos fatores, tais como apresentação clínica, resposta terapêutica, avaliação endoscópica e monitoramento prolongado do refluxo.3,4
O consenso de Lyon (publicado em 2018 e posteriormente atualizado em 2023) buscou orientar sobre as indicações de exames complementares, de modo a definir critérios conclusivos para diagnóstico de DRGE, conforme já resumimos em publicação prévia (clique aqui).5,6 Na Tabela 1, descrevemos as vantagens e desvantagens dos principais métodos diagnósticos disponíveis.
Teste diagnóstico
Comentários
Vantagens
Desvantagens
História clínica
Diagnóstico clínico presuntivo de DRGE pode ser estabelecido se sintomas típicos em pacientes sem sinais de alarme
– Fácil utilização na atenção primária – Sem custos
– Sensibilidade e especificidade limitadas – Sobreposição de queixas com outras afecções esofagogástricas
Teste empírico de supressão ácida
Conduta possível dos pontos de vista terapêutico e diagnóstico. Positivo se sintomas melhoram com uso de inibidor de bombas de prótons
– Fácil utilização na atenção primária – Baixos custos
– Sensibilidade e especificidade limitadas – Outras afecções esofagogástricas também melhoram com supressão ácida
Endoscopia digestiva alta (EDA)
Deve ser realizada em pacientes com sinais de alarme ou sintomas refratários
– Possibilita diagnóstico de esofagite, hérnia de hiato e complicações da DRGE (sangramento, úlceras, estenose, esôfago de Barrett) – Permite diagnóstico diferencial – Elevada especificidade
– Baixa sensibilidade: 70% dos pacientes com DRGE sem tratamento apresentam mucosa normal (não-erosiva) – Exame invasivo – Custo elevado
pHmetria esofágica
Utiliza cateter transnasal (24h). Não é necessária de rotina. Importante em pacientes com sintomas refratários ou avaliação pré-operatória.
– Permite determinar exposição ácida esofágica anormal, frequência do refluxo e associação entre sintomas e episódios de refluxo – Fácil de realizar – Análise automática acurada
– Desconfortável para o paciente, que modifica o comportamento do dia-a-dia – Não se considera variação diária – Requer manometria esofágica
pHmetria esofágica sem fio
Utiliza cápsula sem fio
– Não necessita do uso de cateter transnasal (mais confortável e com isso não modifica comportamentos do dia-a-dia) – Permite monitorização mais prolongada (48-96h) – Análise automática acurada
– Requer EDA para colocação da cápsula – Alguns pacientes podem apresentar disfagia, necessitando da retirada – Cápsula pode se deslocar precocemente – Alto custo e pouca disponibilidade
Impedâncio-pHmetria esofágica
Utiliza cateter transnasal (24h)
– Permite detecção de refluxo não-ácido e aerofagia
– Desconfortável para o paciente – Não se considera variação diária – Requer manometria esofágica – Alto custo e pouca disponibilidade – Análise automática limitada
Manometria esofágica
Recomendada na avaliação pré-operatória da DRGE e em pacientes com queixa de disfagia
– Identifica hipotonia da junção esofagogástrica, hérnia de hiato e hipomotilidade esofágica – Permite descartar outros distúrbios motores do esôfago, como acalásia
– Desconfortável para o paciente – Não confirma o diagnóstico de DRGE
Tabela 1 – Vantagens e desvantagens dos principais métodos diagnósticos utilizados em doença do refluxo gastroesofágico (DRGE).
Fonte: Adaptado de Vaezi e Sifrim (2018)2, Gyawali et al. (2018)5, Fisichella et al. (2017)7, Yadlapati et al (2022)8, Kavitt e Vaezi (2021)9 e Zerbib (2021)10
Comentários adicionais
a) Diagnóstico clínico
Pirose e/ou regurgitação são rotineiramente os sintomas mais confiáveis para o diagnóstico clínico presuntivo de DRGE. Contudo, pode existir sobreposição de queixas com outras afecções esofagogástricas, como gastroparesia, acalasia, pirose funcional e esofagite eosinofílica.2,3 Uma revisão sistemática identificou que tais sintomas apresentavam sensibilidade e especificidade, respectivamente, de 30-76% e 62-96% para a presença de esofagite erosiva.11
Por sua vez, a terapia empírica com IBP para pacientes com sintomas de DRGE sem sinais de alarme é conduta possível tanto do ponto de vista terapêutico como ferramenta diagnóstica. Uma resposta positiva à terapia de supressão ácida confirmaria a suspeita.3,12 Entretanto, uma metanálise prévia sugeriu limitações desta abordagem, com sensibilidade de 78% e especificidade de 54%.13
b) Endoscopia digestiva alta
A endoscopia digestiva alta (EDA) é geralmente o primeiro exame para investigação de DRGE, principalmente em pacientes com sinais de alarme (disfagia, vômitos, perda ponderal, idade maior que 50 anos, anemia) ou sintomas refratários.8,14 Contudo, apesar de apresentar alta especificidade, a endoscopia tem baixa sensibilidade, podendo ser normal em dois terços dos casos sem tratamento.2,15
A EDA contribui para diagnóstico de DRGE ao identificar esofagite, hérnia de hiato e complicações (sangramento, úlceras, estenose, esôfago de Barrett), além de permitir afastar outros diagnósticos diferenciais, tais como malignidades, esofagite eosinofílica e esofagite infecciosa.7 A principal padronização utilizada para definição de esofagite erosiva (EE) é a classificação de Los Angeles, que avalia a extensão de erosões em esôfago distal utilizando os seguintes critérios:16
Grau A: Erosões lineares não confluentes e menores que 5 mm;
Grau B: Erosões lineares não confluentes e maiores que 5 mm;
Grau C: Erosões confluentes que ocupam menos de 75% da circunferência esofágica;
Grau D: Erosões confluentes que ocupam mais de 75% da circunferência esofágica;
No entanto, a esofagite erosiva está presente em apenas 30 a 40% dos pacientes com pirose.5 Em indivíduos em uso de IBP, esse achado passa a ser descrito em menos de 10% das endoscopias.5,17 Um grande estudo de banco de dados identificou esofagite em apenas 17,3% de 280.075 endoscopias, sendo que 79% delas eram graus A ou B de Los Angeles.18 Além disso, existe variação interobservador nos casos de esofagite erosiva grau A de Los Angeles e este achado pode estar presente em até 5,0 a 7,5% de indivíduos assintomáticos.5,19
Segundo o consenso de Lyon publicado inicialmente em 2018, apenas esofagites graus C e D de Los Angeles, estenose péptica e esôfago de Barrett seriam achados confirmatórios de DRGE na EDA.5 Posteriormente em 2022, tanto o consenso sobre DRGE da American Gastroenterological Association (AGA) como do American College of Gastroenterology (ACG) sugeriram que esofagite erosiva grau B de Los Angeles associada a sintomas típicos deveria ser também considerada como achado confirmatório de DRGE.3,8 Nesta mesma direção, a atualização 2.0 do consenso de Lyon (2023) também passou a incluir pacientes com esofagite erosiva grau B como evidência conclusiva para diagnóstico de DRGE, pois estudos de validação evidenciaram que estes casos apresentam AET similar àqueles com esofagite grau C.6,20 Como foi exposto, porém, estas alterações endoscópicas não são frequentes e, por isso, a sensibilidade da EDA é considerada baixa.2,18
c) Manometria esofágica
Embora a manometria esofágica não diagnostique DRGE, tem papel central na avaliação desta patologia, uma vez que avalia a função motora da JEG e a peristalse de corpo esofágico, permitindo descartar distúrbios primários da motilidade esofágica.7,21 Além disso, permite localização da borda superior do EIE para orientar posicionamento adequado do cateter de pHmetria.7
Na última década, a manometria de alta resolução (MAR) tornou-se mais disponível em nosso país.22,23 O cateter da MAR apresenta mais sensores do que a manometria convencional, registrando a pressão esofágica sem lacunas significativas dos dados ao longo do comprimento de todo o esôfago.21,24,25 As pressões obtidas são apresentadas em imagens espaço-temporais das pressões esofágicas codificadas por cores (clouse plots), com análise visualmente intuitiva e simultânea da faringe ao estômago.25
Em relação à manometria convencional, a MAR permite a localização mais fácil e imediata dos marcos anatômicos, tornando o teste mais rápido, menos desconfortável para o paciente pelo tempo reduzido de exame, menos susceptível à variabilidade interobservador e mais fácil de interpretar e compensar os artefatos de movimentos.23,26
d) pHmetria esofágica
A pHmetria esofágica prolongada permite a comprovação da presença de refluxo gastroesofágico patológico.27 Apesar de sua utilidade, é exame desconfortável e deve ser reservado para casos em que os sintomas não respondem adequadamente à terapia empírica com IBP. Quando ainda não houver confirmação diagnóstica pelos achados da EDA (EE graus B, C e D de Los Angeles, Barrett longo ou estenose péptica), deve ser realizado após a suspensão de terapia supressora ácida por pelo menos 7 dias.5,8 Também deve ser realizado antes de procedimentos cirúrgicos, pois é importante preditor de boa resposta terapêutica.3
Classicamente, é realizada por meio de cateter introduzido via transnasal com um ou mais sensores de pH. Posiciona-se sensor distal 5 cm acima da borda superior do EIE, previamente identificado por manometria. O refluxo ácido é definido como queda de pH esofágico abaixo de 4.27–29 A percentagem de tempo de pH < 4 durante o tempo total é denominada de tempo de exposição ácida total (AET, sigla já consagrada para acid exposure time) e é a medida mais confiável para diagnóstico de DRGE.5
A depender da referência utilizada, o limite superior de normalidade do AET é considerado entre 3,7 e 5,8%.28 Buscando maior padronização, o consenso de Lyon convencionou em 2018 que valores de AET acima de 6% são confirmatórios para DRGE e abaixo de 4% excluem esse diagnóstico. Definiu-se, portanto, o intervalo de 4 a 6% como uma “zona cinzenta” que depende de evidências auxiliares para confirmação de DRGE (vide publicação do Consenso de Lyon clicando aqui).5,10
A pHmetria também pode ser realizada sem cateter, utilizando-se cápsula sem fio que é fixada à mucosa esofágica durante endoscopia, 6 cm acima da JEG.30 Desta forma, o paciente não tem desconforto do cateter transnasal e passa a tolerar melhor o exame, permitindo um período mais prolongado de monitorização (até 96 horas). No entanto, o custo elevado acaba limitando o uso desta técnica.8
Jobe BA, Richter JE, Hoppo T, Peters JH, Bell R, Dengler WC, et al. Preoperative Diagnostic Workup before Antireflux Surgery: An Evidence and Experience-Based Consensus of the Esophageal Diagnostic Advisory Panel. J Am Coll Surg. 2013;217(4):586–97.
Vaezi MF, Sifrim D. Assessing Old and New Diagnostic Tests for Gastroesophageal Reflux Disease. Gastroenterology. 2018;154(2):289–301.
Katz PO, Dunbar KB, Schnoll-Sussman FH, Greer KB, Yadlapati R, Spechler SJ. ACG Clinical Guideline for the Diagnosis and Management of Gastroesophageal Reflux Disease. Am J Gastroenterol. 2022;117(1):27–56.
Gyawali CP, Kahrilas PJ, Savarino E, Zerbib F, Mion F, Smout A, et al. Modern diagnosis of GERD: the Lyon Consensus. Gut. 2018;67(7):1351–62.
Gyawali CP, Yadlapati R, Fass R, Katzka D, Pandolfino J, Savarino E, et al. Updates to the modern diagnosis of GERD: Lyon consensus 2.0. Gut. 2023;gutjnl-2023-330616.
Fisichella PM, Andolfi C, Orthopoulos G. Evaluation of Gastroesophageal Reflux Disease. World J Surg. 2017;41(7):1672–7.
Yadlapati R, Gyawali CP, Pandolfino JE, Chang K, Kahrilas PJ, Katz PO, et al. AGA Clinical Practice Update on the Personalized Approach to the Evaluation and Management of GERD: Expert Review. Clin Gastroenterol Hepatol. 2022 May;20(5):984–94.
Kavitt RT, Vaezi MF. New Diagnostic Tests for GERD. In: The Esophagus. Wiley; 2021. p. 208–17
Zerbib F. Diagnosis of GORD: is the ‘grey area’ expanding? Gut. 2021;70(12):2221–2.
Moayyedi P, Talley NJ, Fennerty MB, Vakil N. Can the Clinical History Distinguish Between Organic and Functional Dyspepsia? JAMA. 2006 Apr 5;295(13):1566–76.
Vaezi MF, Pandolfino JE, Vela MF, Shaheen NJ. White Paper AGA: Optimal Strategies to Define and Diagnose Gastroesophageal Reflux Disease. Clin Gastroenterol Hepatol. 2017/03/28. 2017;15(8):1162–72.
Numans ME, Lau J, de Wit NJ, Bonis PA. Short-term treatment with proton-pump inhibitors as a test for gastroesophageal reflux disease: a meta-analysis of diagnostic test characteristics. Ann Intern Med. 2004;140(7):518–27
Fass R. Gastroesophageal Reflux Disease. N Engl J Med. 2022;387(13):1207–16.
Muthusamy VR, Lightdale JR, Acosta RD, Chandrasekhara V, Chathadi K V, Eloubeidi MA, et al. The role of endoscopy in the management of GERD. Gastrointest Endosc. 2015;81(6):1305–10
Lundell LR, Dent J, Bennett JR, Blum AL, Armstrong D, Galmiche JP, et al. Endoscopic assessment of oesophagitis: Clinical and functional correlates and further validation of the Los Angeles classification. Gut. 1999;45(2):172–80.
Zagari RM, Fuccio L, Wallander MA, Johansson S, Fiocca R, Casanova S, et al. Gastro-oesophageal reflux symptoms, oesophagitis and Barrett’s oesophagus in the general population: the Loiano-Monghidoro study. Gut. 2008;57(10):1354–9.
Wang A, Mattek NC, Holub JL, Lieberman DA, Eisen GM. Prevalence of complicated gastroesophageal reflux disease and Barrett’s esophagus among racial groups in a multi-center consortium. Dig Dis Sci. 2009;54(5):964–71.
Yadlapati R. Clinical Spectrum and Diagnosis of GERD Phenotypes. In: The Esophagus. Wiley; 2021. p. 333–46.
Rusu RI, Fox MR, Tucker E, Zeki S, Dunn JM, Jafari J, et al. Validation of the Lyon classification for GORD diagnosis: acid exposure time assessed by prolonged wireless pH monitoring in healthy controls and patients with erosive oesophagitis. Gut. 2021;70(12):2230–7.
Queiroz NSF. Parâmetros da manometria de alta resolução para avaliação da junção esofagogástrica e suas relações com o padrão de refluxo avaliado por monitorização prolongada. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2017.
Domingues GR, Michelsohn NH, Viebig RG, Chinzon D, Nasi A, Andrade CG, et al. Normal values of esophageal high-resolution manometry: A Brazilian multicenter study. Arq Gastroenterol. 2020;57(2):209–15.
da Silva RMB, Herbella FAM, Gualberto D. Normative values for a new water-perfused high resolution manometry system. Arq Gastroenterol. 2018;55(Suppl 1):30–4.
Tack J, Pauwels A, Roman S, Savarino E, Smout A, Akyuz F, et al. European Society for Neurogastroenterology and Motility (ESNM) recommendations for the use of high-resolution manometry of the esophagus. Neurogastroenterol Motil. 2021;33(5):1–14.
Herbella FAM, Nipominick I, Patti MG. From sponges to capsules. The history of esophageal pH monitoring. Dis Esophagus. 2009;22(2):99–103.
Kim GH. How to Interpret Ambulatory 24 hr Esophageal pH Monitoring. J Neurogastroenterol Motil. 2010;16(2):207–10.
Fontes LHS, Navarro-Rodriguez T. Esofagomanometria e pHmetria esofágica: Guia prático. 1st ed. São Paulo: Editora Atheneu; 2012. 176 p.
Nasi A, Queiroz NSF, Michelsohn NH. Prolonged gastroesophageal reflux monitoring by impedance-pHmetry: a review of the subject pondered with our experience with 1,200 cases. Arq Gastroenterol. 2018;55(Suppl 1):76–84.
Em 1991, Silny descreveu técnica para medida da impedância intraluminal esofágica, que permitiu posteriormente o desenvolvimento do cateter de impedâncio-pHmetria.1 Para a compreensão deste exame, é necessário relembrar que impedância é a medida de resistência ao fluxo de uma corrente entre dois eletrodos. Logo, quanto maior é a condutividade do material pelo qual a corrente passa, menor será a resistência e, consequentemente, menor será a impedância.2
O cateter de impedâncio-pHmetria (ZpH) tem o mesmo diâmetro que o cateter convencional de pHmetria (2 mm) e apresenta, além do sensor de pH, anéis metálicos (eletrodos) que são capazes de registrar a resistência ao fluxo (impedância) à corrente entre eles. Desta forma, em cateter padrão, observam-se 6 canais (Z1 a Z6, de proximal a distal), sendo que cada um representa um segmento de impedância elétrica ao redor do cateter no trecho compreendido entre um par de eletrodos, conforme representado na Figura 1.2,3
Figura 1: Representação da estrutura do cateter de impedâncio-pHmetria composto por 8 eletrodos que determinam 6 canais de impedância
A impedância intraluminal esofágica é baseada na medida das variações de resistência elétrica (em Ohms) nestes canais durante a passagem do bolo alimentar. Os líquidos apresentam alta condutividade e, portanto, baixa resistência, sendo detectados pelo decréscimo de 50% da impedância basal. O oposto ocorre com conteúdos gasosos, que são identificados pela elevação da impedância basal em 50% 4,5
A monitorização dessa impedância intraluminal esofágica possibilita a avaliação do transporte do bolo alimentar e de todos os tipos de refluxo, seja ácido ou não.4,6 Na deglutição, observa-se a variação de impedância primeiro em sensores proximais e posteriormente nos distais, ao passo que no caso do refluxo é verificado o oposto devido ao movimento retrógrado do bolo alimentar. Quando a impedância é associada à pHmetria, é possível avaliar se o material refluído é ácido (pH < 4), fracamente ácido (pH entre 4 e 7) ou não-ácido (pH > 7), conforme está representado nas Figuras 2 e 3.3-5
Figura 2: Identificação de refluxo ácido em exame de impedâncio-pHmetriaFigura 3: Identificação de refluxo não-ácido em exame de impedâncio-pHmetria
A avaliação da correlação de sintomas com refluxo é semelhante à utilizada na pHmetria convencional. Um sintoma está associado ao refluxo quando for descrito até 2 minutos após este refluxo.7 Os principais índices utilizados são:
Índice de sintomas (IS): calcula o percentual de episódios de sintomas relacionados a refluxos durante o estudo (= [Número de sintomas relacionados ao refluxo x 100] / Número total de sintomas). Um IS acima de 50% é considerado uma associação positiva entre sintomas e refluxo;3
Probabilidade de Associação de Sintomas (PAS): É calculado dividindo os dados da monitorização de pH de 24 horas em segmentos consecutivos de 2 minutos. Para cada um desses 2 minutos, é determinado se ocorreu refluxo, fornecendo o número total de segmentos de 2 minutos com (R+) ou sem (R-) refluxo. Então, para cada episódio de sintoma, é determinado se ocorreu (S+R+) ou não (S+R-) refluxo no período de dois minutos precedente (Figura 4). A subtração de S+R+ do total R+ resulta em S-R+ e a subtração de S+R- do total de R- resulta em S-R-. Uma tabela 2×2 é então montada, tabulando-se nas colunas o número de segmentos com e sem sintomas e nas linhas o número de segmentos com e sem refluxo (Tabela 1). O teste exato de Fisher é usado para calcular a probabilidade (p) da distribuição ser ao acaso. A PAS é calculada por (1 – p) x 100%. Por convenção estatística, PAS maior ou igual a 95% significa que há uma associação positiva entre sintomas e refluxo. 7,8
Segundo o Roma IV, estes índices têm utilidade na determinação de pacientes com hipersensibilidade esofágica, que seriam aqueles com exposição ácida normal mas associação de sintomas positiva.9 O uso destes escores é, contudo, limitado, pela baixa quantidade de sintomas reportados durante a monitorização ambulatorial e pela variação diária.10
Fonte: Adaptado de Bredenoord et al., 2005.7 Figura 4: Representação esquemática de traçado de pHmetria para cálculo de Probabilidade de Associação de Sintomas (PAS).
Neste exemplo (Figura 4), existem dois momentos em que o paciente pressionou o botão de sintomas. O primeiro deles é precedido de refluxo ácido (S+R+), ao passo que o segundo não tem associação com refluxo (S+R-).
Sintomas (S)
+
–
Refluxo (R)
+
S+R+
S-R+
–
S+R-
S-R-
Fonte: Adaptado de Bredenoord et al, 2005 7 Legenda: S+R+: Sintoma precedido por refluxo; S+R-: Sintoma não precedido por refluxo; S-R+: Refluxo sem presença de sintomas; S-R-: Ausência de refluxo ou de sintoma. Tabela 1 – Tabela 2×2 para cálculo da Probabilidade de Associação de Sintomas
Outras duas métricas que vem ganhando relevância na impedâncio-phmetria são a média noturna basal da impedância (MNBI) e o índice de onda peristáltica induzida por deglutição pós-refluxo (índice PSPW, sigla já consagrada de post-reflux swallow-induced peristaltic wave). Contudo, iremos discutir estes tópicos em outra postagem futura do Gastropedia!
Por fornecer mais informações sobre o refluxo, a impedâncio-pHmetria é considerada o método mais eficiente de monitorização prolongada em DRGE.13,14 No entanto, assim como na pHmetria tradicional, a necessidade de cateter nasal por 24 horas é desagradável para o paciente, acarretando por vezes mudanças nos seus hábitos diários. Existe ainda a possibilidade de variação diária de refluxos e sintomas, reduzindo a sensibilidade do método.2,3
Silny J. Intraluminal Multiple Electric Impedance Procedure for Measurement of Gastrointestinal Motility. J Gastrointest Motil. 1991;3(3):151–62.
Patel DA, Vaezi MF. Utility of esophageal mucosal impedance as a diagnostic test for esophageal disease. Curr Opin Gastroenterol. 2017;33(4):277–84.
Fontes LHS, Navarro-Rodriguez T, Lages RB, Freitas DGV de, Assiratti FS, Teixeira AC de S. Manual prático de impedâncio-pHmetria esofágica. 1st ed. São Paulo: Editora dos Editores; 2020. 88 p.
Herbella FAM, Del Grande JC. Novas técnicas ambulatoriais para avaliação da motilidade esofágica e sua aplicação no estudo do megaesôfago. Rev Col Bras Cir. 2008;35(3):199–202.
Sifrim D, Castell D, Dent J, Kahrilas PJ. Gastro-oesophageal reflux monitoring: review and consensus report on detection and definitions of acid, non-acid, and gas reflux. Gut. 2004;53(7):1024–31.
Bredenoord AJ, Weusten BLAM, Smout AJPM. Symptom association analysis in ambulatory gastro-oesophageal reflux monitoring. Gut. 2005;54(12):1810–7.
Weusten BL, Roelofs JM, Akkermans LM, Van Berge-Henegouwen GP, Smout AJ. The symptom-association probability: an improved method for symptom analysis of 24-hour esophageal pH data. Gastroenterology. 1994;107(6):1741–5.
Aziz Q, Fass R, Gyawali CP, Miwa H, Pandolfino JE, Zerbib F. Esophageal Disorders. Gastroenterology. 2016;150(6):1368–79.
Vaezi MF, Sifrim D. Assessing Old and New Diagnostic Tests for Gastroesophageal Reflux Disease. Gastroenterology. 2018;154(2):289–301.
Frazzoni M, Savarino E, de Bortoli N, Martinucci I, Furnari M, Frazzoni L, et al. Analyses of the Post-reflux Swallow-induced Peristaltic Wave Index and Nocturnal Baseline Impedance Parameters Increase the Diagnostic Yield of Impedance-pH Monitoring of Patients With Reflux Disease. Clin Gastroenterol Hepatol. 2016;14(1):40–6.
Frazzoni L, Frazzoni M, de Bortoli N, Tolone S, Furnari M, Martinucci I, et al. Postreflux swallow-induced peristaltic wave index and nocturnal baseline impedance can link PPI-responsive heartburn to reflux better than acid exposure time. Neurogastroenterol Motil. 2017;29(11):e13116.
Nasi A, Queiroz NSF, Michelsohn NH. Prolonged gastroesophageal reflux monitoring by impedance-pHmetry: a review of the subject pondered with our experience with 1,200 cases. Arq Gastroenterol. 2018;55(Suppl 1):76–84.
Marabotto E, Savarino V, Ghisa M, Frazzoni M, Ribolsi M, Barberio B, et al. Advancements in the use of 24-hour impedance-pH monitoring for GERD diagnosis. Curr Opin Pharmacol. 2022 Aug;65:102264.
O que você precisa saber sobre Espasmo Esofágico Distal
O que é?
É um raro distúrbio motor do esôfago caracterizado por contrações prematuras e rapidamente propagadas ou simultâneas (espásticas)em esôfago distal. Estudos estimam que a prevalência é em torno de 2% a 9% em pacientes com disfagia submetidos a testes de motilidade esofágica, sendo mais comum em mulheres com idade média de 60 anos.
Os sintomas do espasmo esofágico distal foram descritos clinicamente pela primeira vez pelo Dr. Osgood em 1889.[1] Ele descreveu seis pacientes com queixa de dor torácica súbita e disfagia durante a alimentação, com eventual sensação de passagem do alimento para o estômago. Em 1934, Moersch & Camp usaram o termo “espasmo difuso da parte inferior do esôfago” para descrever achados de contrações anormais em oito pacientes com dor torácica e disfagia.[2] Desde então, conforme avanços tecnológicos e melhorias nas técnicas de avaliação diagnóstica, sua definição passou por revisões ao longo do tempo.
Fisiopatologia
O espasmo esofágico distal surge por uma coordenação anormal da musculatura lisa esofágica, provavelmente decorrente de um desequilíbrio entre as vias inibitórias (óxido nítrico – NO) e excitatórias (colinérgicas). A depleção de NO em indivíduos controle, por exemplo, é capaz de induzir contrações esofágicas distais simultâneas, confirmando o papel de uma redução no tônus inibitório. Em contraste, a reposição de NO prolonga a latência distal em pacientes com espasmo.
Essa fisiopatologia parece ser compartilhada pela acalasia, onde a perda de neurônios mioentéricos inibitórios leva ao comprometimento do relaxamento do esfíncter esofágico inferior. Essa relação e alguns relatos de casos questionam se o espasmo poderia progredir para acalasia (principalmente tipo III). No entanto, nestes relatos a avaliação foi realizada primordialmente pela manometria convencional, que, por ter menos canais, pode subdiagnosticar a acalasia devido à possibilidade de pseudorelaxamento do esfíncter inferior do esôfago.
O espasmo esofágico pode estar associado à doença do refluxo gastroesofágico (DRGE). Em pacientes com espasmo, a DRGE foi detectada pela pHmetria ou endoscopia em 38% dos casos. Contudo, ainda não é bem definido a causalidade e o papel da terapia antissecretora nesta situação. O uso de opioides também claramente podem afetar a motilidade esofágica e, portanto, estas medicações devem ser descartadas neste contexto. Além disso, séries de caso demonstram que o espasmo pode estar associado a doenças psiquiátricas.
Como diagnosticar?
Quando suspeitar?
A apresentação clínica é heterogênea e não específica. As queixas mais comuns são disfagia (55%) e dor torácica não cardíaca (29%), mas também pode se apresentar com regurgitação, pirose, perda de peso, náuseas e vômitos. Tipicamente, os sintomas são intermitentes, durando de segundo a minutos, e podem ou não estar relacionados ou não a refeições.
Quais exames pedir?
Endoscopia digestiva alta: Exame inicial fundamental para excluir diagnósticos diferenciais, tais como neoplasia, anéis e membranas, hérnia de hiato, esofagite eosinofílica. Embora a endoscopia não seja realizada para confirmar o espasmo em si, ela pode apresentar comportamentos sugestivos de distúrbio de motilidade, como contrações esofágicas distais espásticas, vigorosas e/ou descoordenadas, com retenção de saliva ou líquido no lúmen esofágico. Estas características, no entanto, podem ser facilmente ignoradas dada a natureza intermitente do espasmo esofágico.
Esofagograma baritado (Raio-X contrastado esôfago-estômago-duodeno, seriografia): É outro método diagnóstico adjuvante na disfagia. A aparência de “saca-rolhas” ou “rosário” é um achado clássico (Figura 1). Além disso, é capaz de determinar anormalidades anatômicas que podem estar associadas ao espasmo, tais como divertículo esofágico.
Figura 1. Vídeo com esofagograma evidenciando “esôfago em saca-rolha”, sugestivo de espasmo esofágico distal
Manometria esofágica: É considerada o padrão-ouro para o diagnóstico. Na manometria de alta resolução, o ponto-chave para diagnóstico de espasmo passou a ser o tempo de latência distal (DL), que é definido como o tempo entre o relaxamento do esfíncter esofágico superior induzido pela deglutição e o ponto de desaceleração contrátil no esôfago distal, onde a velocidade de propagação diminui (Figura 2).
ESE: Esfíncter superior do esôfago; BK: Quebra (Break); DCI: Integral de contratilidade distal (Distal Contractile Integral); DL: Latência distal (Distal latency); IRP: Pressão integral de relaxamento (Integrative Relaxation Pressure); JEG: Junção esofagogástrica.Figura 2. Registro de uma deglutição normal captada por aparelho de manometria de alta resolução com sistema de perfusão, mostrando as marcações dos parâmetros tradicionais da Classificação de Chicago.
Uma contração com DL inferior a 4,5 segundos recebeu o termo “contração prematura” (Figura 3). Este valor de normalidade foi estabelecido para o sistema de estado sólido e é utilizado como referência para a Classificação de Chicago 4.0. Contudo, o sistema de manometria de alta resolução por perfusão ainda é o mais frequentemente usado no Brasil devido à sua maior durabilidade e ao menor custo do cateter e do sistema de transdução de pressão associado.
Buscando valores normativos para este sistema de perfusão em nossa população, trabalhos recentes realizaram manometria em voluntários assintomáticos e identificaram pontos de corte de 5,8 segundos[3] e 6,2 segundos[4], sugerindo que talvez estejamos subdiagnosticando o espasmo ao utilizar o valor de DL de 4,5 segundos em exames com o aparelho de perfusão. No entanto, é necessária a validação destes valores em pacientes para definir se eles realmente conseguem se correlacionar com os sintomas e com os diagnósticos propostos pela Classificação de Chicago 4.0.
Conforme a classificação de Chicago 4.0 (clique aqui), o espasmo esofágico distal é caracterizado pela presença de pelo menos 20% de contrações prematuras em esôfago distal, juntamente com uma pressão normal de relaxamento do esfíncter inferior. Para que o diagnóstico manométrico seja clinicamente relevante, é necessário que existam sintomas compatíveis.
Esta definição de Chicago mudou o foco da velocidade peristáltica para o DL como critério definidor do espasmo. Alguns autores destacam, contudo, que a presença de ondas simultâneas, mesmo com o DL normal, ainda poderia também ser considerada no diagnóstico de espasmo.
Figura 3. Registro de uma contração prematura (DL < 4,5 segundos) captada por aparelho de manometria de alta resolução com sistema de perfusão.
FLIP: Exame ainda pouco disponível no Brasil, que discutimos melhor AQUI. Sua principal utilidade no contexto é avaliar o esfíncter inferior do esôfago e garantir que não há uma obstrução ao fluxo, especialmente porque o espasmo compartilha uma via fisiopatológica comum com a acalasia espástica.
Como tratar?
Devido à falta de ensaios clínicos suficientes e às manifestações heterogêneas, não há uma recomendação muito bem definida para o espasmo esofágico. As opções são:
Tratamento medicamentoso
Inibidores de bomba de prótons: Considerar naqueles pacientes com suspeita de DRGE;
Relaxantes da musculatura lisa: nitratos (ex: dinitrato de isossorbida 5-10 mg sublingual 5 a 10 minutos antes de refeições no caso de disfagia ou sob demanda se dor torácica), inibidores de 5-fosfodiesterase (sildenafil), bloqueadores de canal de cálcio (diltiazem 180 a 240 mg/dia ou nifedipino 10-30 mg aproximadamente 10-15 minutos antes das refeições)
Antidepressivos tricíclicos: Principalmente se a dor torácica for o sintoma principal. Ex: imipramina, trazodona, amitriptilina
Tratamento endoscópico
Miotomia endoscópica peroral (POEM)
Toxina botulínica: 100 UI em cada quadrante do EIE / esôfago distal. A eficácia geralmente é limitada a 6-12 meses.
Dilatação pneumática esofágica: considerar apenas se disfagia associada. Sucesso questionável.
Osgood H. A Peculiar Form of Œsorhagismus. Bost Med Surg J 1889;120:401–5. doi:10.1056/NEJM188904251201701.
Moersch HJ, Camp JD. Diffuse Spasm of the Lower Part of the Esophagus. Ann Otol Rhinol Laryngol 1934;43:1165–73. doi:10.1177/000348943404300425.
Domingues GR, Michelsohn NH, Viebig RG, Chinzon D, Nasi A, Andrade CG, et al. Normal values of esophageal high-resolution manometry: A Brazilian multicenter study. Arq Gastroenterol 2020;57:209–15. doi:10.1590/s0004-2803.202000000-40.
da Silva RMB, Herbella FAM, Gualberto D. Normative values for a new water-perfused high resolution manometry system. Arq Gastroenterol 2018;55:30–4. doi:10.1590/s0004-2803.201800000-40.
Zaher EA, Patel P, Atia G, Sigdel S. Distal Esophageal Spasm: An Updated Review. Cureus 2023;15:1–7. doi:10.7759/cureus.41504.
Valdovinos-Díaz MA, Ortega AJ, Bashashati M, McCallum RW. Esophageal spasm and hypercontractile motility disorders. Handb. Gastrointest. Motil. Disord. Gut-Brain Interact., Elsevier; 2023, p. 47–58. doi:10.1016/B978-0-443-13911-6.00021-9.
Akhtar TS, Nawaz A, Nisar G, Khan AR, Abbas S. Distal esophageal spasm (DES) can be achalasia in evolution: A case report. J Clin Images Med Case Reports 2023;4:2252. doi:www.doi.org/10.52768/2766-7820/2252.
Gorti H, Samo S, Shahnavaz N, Qayed E. Distal esophageal spasm: Update on diagnosis and management inthe era of high-resolution manometry. World J Clin Cases 2020;8:1026–32.
Khalaf M, Chowdhary S, Elias PS, Castell D. Distal Esophageal Spasm: A Review. Am J Med 2018;131:1034–40. doi:10.1016/j.amjmed.2018.02.031.
Lages RB. O que você precisa saber sobre Espasmo Esofágico Distal Gastropedia 2023, vol. 2. Disponível em: gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/esofago/o-que-voce-precisa-saber-sobre-espasmo-esofagico-distal/
Atualizações no diagnóstico de DRGE: Consenso de Lyon 2.0 (2023)
Desde 2018, o consenso de Lyon tornou-se a principal referência para definição de critérios para diagnóstico de certeza da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE). Contudo, a ciência está em constante evolução e, portanto, acaba de ser publicada a versão 2.0 deste consenso, atualizando as recomendações conforme os resultados de estudos dos últimos cinco anos. Caso queira acesso a esta nova versão na íntegra, basta clicar aqui. O Gastropedia, contudo, traz aqui os highlights para facilitar sua vida.
Qual a relevância?
A presença de sintomas típicos de DRGE, por vezes, é suficiente para a prescrição de terapia medicamentosa com antissecretores (ex: inibidores de bomba de prótons, bloqueadores ácidos competitivos de potássio). Contudo, um diagnóstico inquestionável de DRGE é recomendado para investigar sintomas não típicos, avaliar adequadamente pacientes com sintomas refratários, justificar o uso prolongado de medicamentos ou indicar terapia invasiva.
Quais as principais mudanças?
Esofagite erosiva Los Angeles grau B passa a ser evidência conclusiva para diagnóstico de DRGE, seguindo tendência das publicações dos guidelines de 2022 da AGA (American Gastroenterological Association) e da ACG (American College of Gastroenterology – clique aqui e veja resumo que publicamos previamente no Gastropedia!);
Definição de métricas para usar na pHmetria prolongada sem fio;
Definição de parâmetros para diagnóstico de DRGE refratária em exames realizados em uso de tratamento antissecretor;
Reforça que pacientes com sintomas atípicos isolados têm uma menor probabilidade de associação com DRGE e que, portanto, devem preferencialmente ser investigados com endoscopia e monitorização prolongada de refluxo em detrimento de terapia empírica (você pode ler mais sobre o tema clicando aqui);
Quando eu tenho um diagnóstico de certeza de DRGE?
Critérios em endoscopia digestiva alta (para maximizar o rendimento diagnóstico, realizar 2 a 4 semanas após suspender terapia antissecretora):
Esofagite erosiva graus B, C ou D;
Esôfago de Barrett confirmado em biópsia;
Estenose esofágica péptica.
Critérios em exames de monitorização prolongada de refluxo
Tempo de exposição ácida total (AET) > 6%
> 80 episódios de refluxo
Média noturna basal da impedância (MNBI) < 1500 Ω
Quando há evidências limítrofes ou inconclusivas nos exames de endoscopia e de monitorização prolongada de refluxo apoiadas por evidências adjuvantes.
Devo suspender ou não o IBP para realizar a pHmetria?
Na maioria das vezes, o exame de monitorização prolongada do refluxo deve ser realizado após a suspensão da terapia antissecretora por pelo menos 7 dias. Contudo, suspender ou não o IBP irá depender dos exames prévios e do objetivo do exame, conforme descrito a seguir:
Exame SEM terapia antissecretora por pelo menos 7 dias: Utilizar quando eu ainda quero confirmar DRGE (no caso, por exemplo, de investigação em paciente com endoscopia sem esofagite erosiva ou com Los Angeles A);
Exame EM terapia antissecretora: Utilizar quando eu já tenho certeza de que tem DRGE, mas quero investigar porque os sintomas persistem. Neste caso, o uso de impedâncio-pHmetria pode ser superior, uma vez que possibilita a identificação de refluxos não-ácidos ou fracamente ácidos.
A seguir, segue um resumo dos achados que estabelecem evidência conclusivas para DRGE conforme Consenso de Lyon 2.0.
Figura 1: Definições para diagnóstico de certeza da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) conforme Consenso de Lyon 2.0. Adaptado de Gyawali CP et al, 2023.
Gyawali CP, Yadlapati R, Fass R, et al. Updates to the modern diagnosis of GERD: Lyon consensus 2.0. Gut. Epub ahead of print 21 Sep 2023. doi: 10.1136/gutjnl-2023-330616
Como citar este artigo
Lages RB. Atualizações no diagnóstico de DRGE: Consenso de Lyon 2.0 (2023) Gastropedia 2023, vol. 2. Disponível em: gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/esofago/atualizacoes-no-diagnostico-de-drge-consenso-de-lyon-2-0-2023/
Live Esofagite Eosinofílica
Caros,
Segue abaixo os slides com as principais mensagens passadas durante nossa live de esofagite eosinofílica. Se você perdeu a live ou se quiser rever alguns trechos clique nesse link: LIVE ESOFAGITE EOSINOFÍLICA
Bons estudos!
Minha tosse é por causa do refluxo?
Não é incomum o gastroenterologista receber no consultório pacientes encaminhados por queixa de tosse crônica e achado de laringite posterior. Mas você sabe como proceder nestes casos?
Alguns estudos sugerem que a tosse crônica pode de fato ser devido à doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) em 21 a 41% dos casos. Teoricamente, o refluxo pode causar irritação e inflamação da mucosa do trato aerodigestivo superior, seja por contato direto ou por reflexo neuromediado. O diagnóstico, no entanto, pode ser mais desafiador do que parece, pois são sintomas pouco específicos e que se confundem com outras patologias.
Abaixo, seguem algumas dicas chaves para entender melhor a relação tosse x DRGE.
1. A tosse crônica pode ter diversas etiologias
Uma avaliação multidisciplinar deve ser realizada e outras etiologias não devem ser negligenciadas, tais como:
Irritantes ambientais ou ocupacionais
Tabagismo
Uso de IECAs (inibidor da enzima de conversão de angiotensina)
Asma
Síndrome da tosse das vias aéreas superiores (antigamente denominada Síndrome de gotejamento pós-nasal) devido a uma variedade de condições rinossinusais
Bronquite eosinofílica não asmática
Doenças pulmonares supurativas (bronquiectasias e abscessos).
2. Laringite posterior não é sinônimo de refluxo
A inflamação laríngea posterior é classicamente considerada como sinal de refluxo laringofaríngeo. No entanto, outros fatores também poderiam estar implicados com esta inflamação, tais como tabagismo, abuso de álcool, infecções virais ou bacterianas, alergias, sinusite crônica e abuso da voz. Além disso, diferentes estudos enfatizaram que esses sinais são pouco precisos por causa de uma baixa concordância interobservador, variável confiabilidade intra-observador e alta prevalência em indivíduos saudáveis.
Milstein e colaboradores, por exemplo, avaliaram exames de laringoscopia flexível de 52 indivíduos não fumantes e sem sintomas de DRGE e identificaram que 93% deles apresentavam ao menos um sinal de irritação tecidual, com 76,3% revelando edema ou eritema do complexo aritenóideo. Essa alta prevalência de achados em pessoas assintomáticas, levanta, portanto, o questionamento sobre o quão específicos e relevantes estes achados seriam.
3. A monitorização de pH proximal tem resultados controversos
Os primeiros estudos de teste de pH orofaríngeo foram promissores e pareciam prever o sucesso da cirurgia antirrefluxo. No entanto, estudos subsequentes falharam em identificar uma correlação significativa entre eventos de refluxo orofaríngeo e eventos de refluxo na impedâncio-pHmetria, sugerindo que a diminuição do pH orofaríngeo pode ser devido a outros fatores além do refluxo gastroesofágico. Alguns estudos também não identificaram diferenças significativas na exposição ao ácido orofaríngeo entre os pacientes que responderam ao IBP, os que responderam parcialmente e os que não responderam.
4. A resposta ao IBP não é tão satisfatória
Outro ponto importante sobre as manifestações extraesofágicas é que a resposta ao tratamento com inibidores de bomba de prótons (IBPs) não é tão boa. Enquanto é esperado que os sintomas típicos irão resolver em 4 a 8 semanas, a literatura sugere que a melhora da tosse pode demorar até 3 meses. Algumas metanálises inclusive não foram capazes de demonstrar benefícios do tratamento empírico de IBP em pacientes com laringite ou tosse crônica.
Utilizar doses maiores de IBP (isto é, duas vezes ao dia) parece ser mais eficaz para controle de sintomas extraesofágicos. Em um estudo de coorte prospectivo (Park et al, 2005), 54% dos pacientes com sintomas extraesofágicos que não responderam ao IBP uma vez ao dia tiveram melhora dos sintomas após 8 semanas adicionais de IBP duas vezes ao dia.
5.Recomendações gerais
Os algoritmos de diagnóstico para manifestações extraesofágicas são complexos porque elas são heterogêneas e muitas vezes se sobrepõem a outras condições. Conforme os Guidelines do American College of Gastroenterology (2022), as principais recomendações são:
Pacientes com queixas extraesofágicas + sem sintomas típicos DRGE – Realizar algum teste objetivo para DRGE antes da terapia empírica com IBP. Se a endoscopia for normal, considere monitorização prolongada do refluxo.
Pacientes com queixas extraesofágicas + sintomas típicos DRGE – Terapia empírica com IBP em dose dobrada (duas vezes ao dia) por 8 a 12 semanas antes de teste adicional.
Confirmar que existe DRGE não confirma que a DRGE é a causa dos sintomas extraesofágicos.
Os achados da laringoscopia NÃO são suficientes para diagnóstico de refluxo laringofaríngeo. O uso da laringoscopia tem muitas limitações, como visualização de inflamação em voluntários assintomáticos, baixa reprodutibilidade e falta de correlação entre achados e sintomas. Testes adicionais devem, portanto, ser realizados para o correto diagnóstico.
A monitorização de pH em orofaringe ou faringe com sondas de dois canais tem resultados variáveis e não deve ser recomendada de rotina. A dosagem de pepsina salivar também não tem evidências suficientes para ser utilizada.
O fluxograma 2 tenta sistematizar essas diretrizes.
Fluxograma 2: Algoritmo diagnóstico para sintomas extraesofágicos em Doença do Refluxo Gastroesofágico (American College of Gastroenterology, 2022)
Ghisa M, Barberio B, Savarino V, Marabotto E, Ribolsi M, Bodini G, et al. The Lyon Consensus: Does It Differ From the Previous Ones? J Neurogastroenterol Motil 2020;26:311–21. doi:10.5056/jnm20046.
Chen JW, Vela MF, Peterson KA, Carlson DA. AGA Clinical Practice Update on the Diagnosis and Management of Extraesophageal Gastroesophageal Reflux Disease: Expert Review. Clin Gastroenterol Hepatol 2023. doi:10.1016/j.cgh.2023.01.040.
Katz PO, Dunbar KB, Schnoll-Sussman FH, Greer KB, Yadlapati R, Spechler SJ. ACG Clinical Guideline for the Diagnosis and Management of Gastroesophageal Reflux Disease. Am J Gastroenterol 2022;117:27–56. doi:10.14309/ajg.0000000000001538.
Kahrilas PJ, Altman KW, Chang AB, Field SK, Harding SM, Lane AP, et al. Chronic Cough Due to Gastroesophageal Reflux in Adults: CHEST Guideline and Expert Panel Report. Chest 2016;150:1341–60. doi:10.1016/j.chest.2016.08.1458.
Milstein CF, Charbel S, Hicks DM, Abelson TI, Richter JE, Vaezi MF. Prevalence of laryngeal irritation signs associated with reflux in asymptomatic volunteers: Impact of endoscopic technique (rigid vs. flexible laryngoscope). Laryngoscope 2005;115:2256–61. doi:10.1097/01.mlg.0000184325.44968.b1.
Park W, Hicks DM, Khandwala F, Richter JE, Abelson TI, Milstein C, et al. Laryngopharyngeal reflux: Prospective cohort study evaluating optimal dose of proton-pump inhibitor therapy and pretherapy predictors of response. Laryngoscope 2005;115:1230–8. doi:10.1097/01.MLG.0000163746.81766.45
Terapia biológica em esofagite eosinofílica: onde estamos?
A esofagite eosinofílica (EEo) é uma doença inflamatória imunomediada crônica do esôfago, cuja prevalência tem aumentado rapidamente, atingindo atualmente 1 em 3.000 pessoas nos países ocidentais. Caso não seja tratada adequadamente, a remodelação progressiva do tecido leva a uma progressão para doença fibroestenótica.
Os tratamentos atuais de primeira linha (Figura 1) incluem o uso off-label de inibidores da bomba de prótons (IBPs), corticosteroides tópicos reaproveitados de formulações para asma, dietas de eliminação e dilatação esofágica.
Embora sejam modalidades eficazes para o tratamento da EEo, cada um tem eficácia variável e limitações conhecidas, tais como:
IBP: Resposta histológica estimada em 50.5% (intervalo de confiança de 95%: 42.2 a 58.7%). Dados são limitados, mas mostram que adultos persistem em remissão após 1 anos de seguimento;
Corticóides tópicos: Até o momento, exigem o uso off-label de preparações para asma, tais com engolir propionato de fluticasona de um inalador dosimetrado ou criar uma pasta viscosa com budesonida aquosa e um espessante, como sucralose ou mel.
A remissão clínico-histológica é observada em até 68% dos pacientes. Deve-se orientar os pacientes para evitar refeições por 30 a 60 minutos após uso da medicação e sobre o risco de candidíase esofágica em até 10 a 20%.
Várias novas formulações de corticosteróides que melhoram a ação tópica no esôfago e minimizam o importuno de criar sua própria pasta estão atualmente sob investigação. O comprimido orodispersível de budesonida, por exemplo, mostrou resultados interessantes (remissão clínico-histológica de 57.6% em 6 semanas e 84.7% em 12 semanas) e foi aprovado para uso na Europa.
Dieta:
A dieta elementar consiste na ingesta exclusiva de fórmulas com aminoácidos livres e tem resposta histológica de até 91%, mas é algo pouco aplicável na rotina.
Por sua vez, a dieta de eliminação de 6 alimentos (6-food elimination diet) é a mais clássica e consiste em retirar os gatilhos mais comuns (laticínios, trigo, ovos, soja, amendoim e nozes, peixes e mariscos) por 6 semanas. A partir de então, realiza-se nova endoscopia com reintrodução sistemática de cada um dos grupos por 6 semanas e nova endoscopia, na tentativa de identificar o alimento associado.
Apesar de complexa, estudos demonstram remissão histológica em até 70% dos pacientes, com remissão a longo prazo caso mantenha a restrição de forma adequada.
Na tentativa de evitar tantas endoscopias e restrições, há variações desta dieta: 4-food elimination diet (laticínios, trigo, ovos e soja) e 2-food elimination diet (lacticínios e trigo), com taxa de remissão clínico-histológica de 54 e 43%, respectivamente.
Figura 1: Fluxograma de opções para tratamento de esofagite eosinofílica. No contexto apropriado, dilatação endoscópica também pode ser necessária. Adaptado de Beveridge & Falk (2020)[1]
No dia a dia, nos deparamos com alguns casos em que há maior dificuldade de tratamento com estas terapias clássicas e, portanto, biológicos têm sido usados no contexto de ensaios clínicos. Em 2022, o dupilumabe tornou-se a primeira (e atualmente única) terapia biológica aprovada para EEo pelo FDA (Food and Drug Administration) nos Estados Unidos. Vários outros agentes biológicos estão sendo investigados ativamente para este fim.
Clicando aqui, você consegue checar a lista atualizada de ensaios clínicos em andamento para EEo.
Para entender os potenciais alvos para tratamento da terapia biológica, devemos lembrar que a EEo se caracteriza por resposta imunológica do tipo 2 (Th2), envolvendo células T, eosinófilos, mastócitos e as citocinas interleucina-4, interleucina-5, interleucina-13 e linfopoietina estromal tímica (TSLP).
Os principais biológicos atualmente em estudo na EEo são:
Dupilumabe: anticorpo monoclonal que tem como alvo a cadeia de interleucina (IL)-4Rα, interferindo assim na ligação de IL-4 e IL-13 com o receptor. Foi aprovado pelo FDAcomo tratamento para EEo em maio de 2022. É aprovado pela ANVISA para tratamento de dermatite atópica moderada a grave, asma eosinofílica grave e rinossinusite crônica com pólipos nasais (ATUALIZAÇÃO MAIO/2023: ANVISA aprovou em Abril/2023 o uso de dupilumabe para o tratamento de esofagite eosinofílica em pacientes a partir de 12 anos de idade e com peso corporal igual ou superior a 40 kg – https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/medicamentos/novos-medicamentos-e-indicacoes/dupixent-dupilumabe-nova-indicacao-4 ). Estudo de fase 3 publicado recentemente no New England Journal of Medicine incluiu pacientes refratários a altas doses de IBP e identificou que uma dose semanal subcutânea de dupilumabe 300 mg resultou em melhora clínica e 60% de resposta histológica nas semanas 24 e 52. Embora muitos estudos tenham mostrado melhora endoscópica e histológica, o dupilumabe é o único cujo estudo randomizado duplo-cego mostrou melhora significativa de sintomas até o momento. Os efeitos adversos mais comuns foram reações no local da injeção (até 20%), nasofaringite (até 12%) e cefaleia (até 8%).
Benralizumabe: Bloqueio do receptor para IL-5. Estudo de fase 3 em andamento.
Reslizumabe e Mepolizumabe: Ligam-se à IL-5, evitando a ativação do receptor de IL-5. Ensaios clínicos até demonstraram melhora de eosinofilia esofágica, mas não houve benefícios clínicos significativos.
Omalizumabe: Anti-IgE, utilizado em asma alérgica e urticária espontânea crônica. Ensaios clínicos demonstraram pouca resposta clínica e histológica, que a inflamação na EEo não é mediada por IgE. Não é promissora.
Cendakimabe (RPC4046 ou CC-93538): Bloqueio do receptor para IL-13. Estudo de fase 3 em andamento.
Lirentelimabe (Antolimabe ou AK002): Anticorpo contra a lectina 8 semelhante a imunoglobulina ligadora de ácido siálico (Siglec-8). Siglec-8 é um receptor de superfície encontrado em eosinófilos e mastócitos humanos. A ligação de um anticorpo neste receptor induz apoptose de eosinófilos ativados e inibe ativação mastocitária. Estudo de fase 2/3 em andamento.
Tezepelumabe: Bloqueia a TSLP. Foi aprovado em 2022 pela ANVISA para tratamento de asma grave. Estudo de fase 3 em andamento
Os resultados decepcionantes em termos de resposta clínica até o momento podem ser consequência da complexa fisiopatologia da EEo, que envolve múltiplas vias de sinalização. A perpetuação da resposta inflamatória e da patogênese dos sintomas é determinada por múltiplas células imunes e citocinas, de modo que mesmo quando uma citocina e uma via são interrompidas, vias alternativas e mecanismos compensatórios podem existir para continuar a propagar a inflamação.
Além disso, embora vários estudos demonstrem redução do número de eosinófilos no tecido esofágico, a falta de efeito sobre os sintomas clínicos sugere que os eosinófilos não são os únicos responsáveis pelos sintomas de EEo. Acredita-se que as alterações na remodelação tecidual (como estenose e dismotilidade) sejam as principais responsáveis pelos sintomas graves. A duração do tratamento na maioria dos ensaios de EoE é curta e pode não ser suficiente para reverter estas alterações crônicas.
Conclusão
Ainda há muito o que avançar na terapia biológica em EEo. Devemos sempre questionar também se a EEo, uma doença localizada no esôfago, realmente se beneficiaria de drogas de ação sistêmica. Além disso, é necessário que posicionemos adequadamente estas novas terapias que estão surgindo e surgirão em algoritmos de tratamento para definirmos não apenas o que podemos usar, mas também quando é o melhor momento para utilizá-las.
Saiba mais sobre esofagite eosinofílica na nossa live sobre o assunto. Link para post com os slides
[2] Nhu QM, Aceves SS. Current state of biologics in treating eosinophilic esophagitis. Ann Allergy, Asthma Immunol 2023;130:15–20. doi:10.1016/j.anai.2022.10.004.
[4] Straumann A. Biologics in Eosinophilic Esophagitis — Ready for Prime Time? N Engl J Med 2022;387:2379–80. doi:10.1056/NEJMe2213030.
[5] Dellon ES, Rothenberg ME, Collins MH, Hirano I, Chehade M, Bredenoord AJ, et al. Dupilumab in Adults and Adolescents with Eosinophilic Esophagitis. N Engl J Med 2022;387:2317–30. doi:10.1056/NEJMoa2205982.
Highlights sobre diagnóstico de doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) – novo guideline do American College of Gastroenterology (ACG) 2022
“A lot has changed, much remains the same”. Com essa premissa, o American College of Gastroenterology (ACG) publicou o seu mais novo Guideline para diagnóstico e conduta em Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) no início de 2022, atualizando as suas recomendações gerais neste tema após quase 10 anos.
Sabemos que o diagnóstico de certeza de DRGE pode ser desafiador. Não há um padrão-ouro e, portanto, por vezes é necessário que montemos um quebra-cabeça com manifestações clínicas, resposta à terapia, achados endoscópicos e monitorização prolongada do refluxo. A Tabela 1 resume as principais recomendações dessa diretriz, ao passo que o Fluxograma 1 sugere a abordagem sugerida para diagnóstico de DRGE.
Tabela 1: Recomendações diagnosticas
Abordagem diagnóstica
Comentários
Recomendação ACG 2022
Diagnóstico clínico (sintomas + terapia empírica)
– Pirose e regurgitação são os principais sintomas típicos- Manifestações extra-esofágicas incluem rouquidão, pigarro, tosse crônica, globus, laringite, faringite, fibrose pulmonar e exacerbação de asma. A avaliação deles é desafiadora: mesmo em pacientes com diagnóstico estabelecido de DRGE, pode ser difícil estabelecer que a DRGE é realmente a causa desses problemas
– Para pacientes com sintomas típicos sem sinais de alarme*: prescrever terapia empírica com IBP 1x/dia (em jejum) por 8 semanas – Em pacientes com dor torácica não cardíaca sem pirose: recomendado teste objetivo para DRGE** ao invés de terapia empírica – Sintomas extraesofágicos isolados não são suficientes para diagnóstico de DRGE: é necessário realizar teste objetivo**
Esofagograma (EED)
– Em um estudo prospectivo, apenas metade dos pacientes com refluxo anormal no exame baritado apresentavam alteração na pHmetria.
– Não recomendado como teste diagnóstico em DRGE
Endoscopia digestiva alta (EDA)
– Esofagite erosiva (EE) grau A de Los Angeles não é suficiente para diagnóstico – EE grau B pode ser diagnóstica se presença de sintomas típicos e resposta ao IBP – EE graus C e D ou Barrett longo (> 3 cm) confirmam o diagnóstico de DRGE
– Primeiro exame a ser realizado se presença de sinais de alarme* ou em pacientes com múltiplos fatores de risco para Esôfago de Barrett – Realizar se ausência de resposta ao IBP empírico por 8 semanas – Realizar se recidiva dos sintomas após suspensão do IBP – Exame diagnóstico deve ser realizado idealmente 2-4 semanas após suspensão de IBP – Em pacientes com EE graus C e D, deve-se repetir a EDA após terapia para assegurar que houve cicatrização e para avaliar a presença de possível Esôfago de Barrett (que pode ser difícil de detectar em casos de esofagite grave)
Manometria esofágica
– Pode avaliar alterações de motilidade associadas à DRGE (hipotonia da junção esofagogástrica e motilidade esofágica ineficaz), mas não são achados específicos
– Não recomendada como teste diagnóstico em DRGE – Necessária antes de exames de monitorização de refluxo para definir a posição da sonda – Necessária antes de indicar procedimentos antirrefluxo, principalmente para descartar acalásia
Monitorização prolongada de refluxo (pHmetria e impedâncio-pHmetria)
– A variável mais importante é o tempo total de exposição ácida – O uso de sondas de pHmetria com dois canais para documentar o refluxo em esôfago proximal é questionável (resultados muito variáveis)
– Realizar SEM IBP por pelo menos 7 dias se endoscopia sem evidência objetiva de DRGE*** – Realizar EM USO DE IBP se já há evidência objetiva de DRGE*** para avaliar sintomas refratários (preferencialmente a impedâncio-pHmetria, pois permite a avaliação de refluxo não ácido)
*Sinais de alarme: Disfagia, perda de peso, sangramento, vômitos, anemia **Teste objetivo para DRGE: EDA ou monitorização prolongada de refluxo ***Evidência objetiva de DRGE em endoscopia: Esofagite erosiva Los Angeles C ou D, Barrett longo (> 3 cm)
Fluxograma 1: Abordagem diagnóstica para Doença do Refluxo Gastroesofágico (American College of Gastroenterology, 2022)
Classificação de Chicago 4.0: o que há de novo na manometria de alta resolução?
A Classificação de Chicago (CC) busca padronizar a interpretação da manometria de alta resolução (MAR) definindo um fluxograma para classificar os distúrbios motores do esôfago. A primeira versão completa foi publicada em 2009, sendo recentemente atualizada para a 4ª versão. A classificação anterior (3.0 de 2015) já havia sido discutida previamente neste site.
Mas o que muda, de fato, nessa nova atualização?
1. Mudança de protocolo para realização da MAR
A CC 4.0 preconiza a realização de deglutições tanto em posição supina como em posição vertical, bem como de manobras adicionais, como múltiplas deglutições rápidas (MDR, ou multiple rapid swallows – MRS) e desafio de bebida rápida (DBR, rapid drink challenge – RDC).
A recomendação preferencial é pelo sistema de estado sólido, mas sabemos que o seu custo é elevado e que, no Brasil, o sistema de perfusão é muito mais disponível. A classificação de CC 4.0 pode também ser utilizada com o sistema de perfusão, desde que valores normativos tenham sido determinados. Nesse caso, porém, devem-se realizar apenas as deglutições supinas e manobras que sejam possíveis nessa posição.Na prática, caso usemos o sistema de perfusão no nosso dia a dia, seguimos com 10 deglutições úmidas na posição supina, mas recomenda-se realizar pelo menos 1 sequência de MDR.
O Quadro 1 detalha o protocolo padronizado pela CC 4.0 para realização de MAR.
Quadro 1: Protocolo para manometria de alta resolução padronizado conforme CC 4.0
Protocolo MAR – CC 4.0
Jejum de 4 horas;
Assinar termo de consentimento.
Estudo inicial em posição supina
60 segundos para adaptação;
Documentar posição com pelo menos 3 inspirações profundas;
30 segundos de linha de base;
10 deglutições úmidas (5 mL) supinas;
1 sequência MDR (deve ser repetida até 3x se tentativa falha ou resposta anormal).
Mudar posição para vertical (apenas se sistema de estado sólido)
60 segundos para adaptação;
Documentar posição com pelo menos 3 inspirações profundas;
30 segundos de linha de base;
5 deglutições úmidas (5 mL) verticais;
1 DBR.
Se não encontrar nenhum distúrbio motor, considerar:
Se alta probabilidade de OFJEG: testes com deglutições sólidas ou provocação farmacológica, se disponível;
Se suspeita de ruminação: realizar, se possível, impedância pós-prandial.
Se achados ambíguos ou se existe suspeita de obstrução que não preenche critérios para acalásia, considerar outros testes complementares:
Esofagograma baritado cronometrado;
EndoFLIP.
2. Não há mais diferenciação entre distúrbios maiores e menores da peristalse
A CC 4.0 não distingue mais entre distúrbios de motilidade maiores e menores, mas simplesmente separa distúrbios de obstrução da JEG dos distúrbios de peristalse.
A Figura 1 resume a análise hierárquica da motilidade esofágica conforme CC 4.0.
Figura 1: Fluxograma para diagnóstico de distúrbios motores esofágicos segundo Classificação de Chicago 4.0. Integral da pressão de relaxamento (IRP – integrated relaxation pressure); Junção esofagogástrica (JEG); Múltiplas deglutições rápidas (MDR); Desafio de bebida rápida (DBR); Obstrução ao fluxo da JEG (OFJEG).
3. Subtipos de acalásia seguem o padrão da classificação anterior
4. Definição mais criteriosa sobre obstrução ao fluxo da junção esofagogástrica (OFJEG)
Apesar de uma proporção de OFJEG poder evoluir para acalásia ou mesmo representar uma variante de acalásia, observou-se que mais de um terço desses casos são clinicamente irrelevantes ou relacionados a etiologias benignas, como efeitos mecânicos, uso de opioide ou artefatos. Para evitar tratamentos desnecessários, a CC 4.0 foi mais criteriosa nesse tema.
O diagnóstico manométrico de OFJEG é definido pela elevação da IRP (integral da pressão de relaxamento, integrated relaxation pressure) em duas posições + 20% deglutições com pressão intrabolus elevada na posição supina, com evidência de peristalse. A suspeita inicial para o diagnóstico de OFJEG ocorre quando a IRP é alterada, mas não há critérios para acalásia, isto é, há contrações peristálticas.
Por outro lado, o diagnóstico de OFJEG clinicamente relevante requer: diagnóstico manométrico + sintomas relevantes (disfagia ou dor torácica não cardíaca) + investigações adicionais para obstrução (esofagograma ou endoFLIP). Você pode conhecer mais sobre endoFLIP neste outro artigo do Endoscopia Terapêutica.
5. De nada adianta achado manométrico sem clínica compatível
Alguns padrões manométricos podem ser incidentais, não indicando patologia clínica e não justificando uma intervenção. Portanto, uma das principais prioridades na CC 4.0 foi distinguir entre patologia e achados manométricos inespecíficos. Optou-se por manter o esquema de classificação estabelecido com base na fisiologia esofágica, mas a OFJEG, o espasmo esofágico distal e o esôfago hipercontrátil passam a ser considerados padrões com relevância clínica obscura. Um diagnóstico clinicamente relevante desses distúrbios requer achados manométricos conclusivos e sintomas relevantes (disfagia e/ou dor torácica não cardíaca).
6. Jackhammerpassa a ser considerado um subtipo de esôfago hipercontrátil
A CC 4.0 manteve os critérios da CC 3.0 de ≥ 20% de deglutições hipercontráteis, mas revisou a nomenclatura para mudar o Jackhammer para um subtipo e renomear o distúrbio como esôfago hipercontrátil. Essa alteração considerou a heterogeneidade dos padrões de motilidade que atendem à definição, com a identificação de três subgrupos: Jackhammer (britadeira) com contrações prolongadas repetitivas, deglutições hipercontráteis de pico único e deglutições hipercontráteis com uma vigorosa pós-contração do esfíncter inferior do esôfago. Entre os três padrões, o Jackhammer é, normalmente, o mais sintomático e com a maior probabilidade de responder à intervenção.
7. Definição de motilidade esofágica ineficaz (MEI) passou a ser mais rigorosa
A definição da CC 4.0 de MEI é mais rigorosa, exigindo mais de 70% das contrações como ineficazes (em vez de, pelo menos, 50% em classificações anteriores) ou ≥ 50% das contrações falhas. A definição de uma contração ineficaz também passa a abranger deglutições fragmentadas, sendo que o peristaltismo fragmentado não é mais um distúrbio motor.
Yadlapati R, Pandolfino JE, Fox MR, Bredenoord AJ, Kahrilas PJ. What is new in Chicago Classification version 4.0? Neurogastroenterol Motil 2021;33(1):1–7. doi:10.1111/nmo.14053.