Qual a melhor forma de realizar a anastomose esofagojejunal após gastrectomia total minimamente invasiva?
A cirurgia minimamente invasiva, que inclui tanto a videolaparoscopia quanto a robótica, têm sido cada vez mais empregada no tratamento de diversas patologias do trato digestivo. Dessa forma, não é surpresa que cada vez mais seu emprego também tem sido indicado para o tratamento das neoplasias gástricas. Atualmente, já existem evidências concretas de estudos prospectivos randomizados da sua segurança e efetividade para tumores distais tanto precoces quanto avançados.
Entretanto, quando se trata de tumores proximais as evidências ainda não são definitivas. Em termos oncológicos, a extensão da linfadenectomia de uma gastrectomia subtotal para total apresenta pouca variação e não adiciona muita complexidade ao procedimento.
Já a reconstrução com confecção da anastomose esofagojejunal, é considerada o grande diferencial entre as duas cirurgias, e sua maior complexidade de execução é fator limitante para maior disseminação do emprego da cirurgia minimamente invasiva.
Essa situação leva a uma discussão recorrente em diferentes congressos e artigos — Qual a melhor forma de realizar a anastomose esofagojejunal?
Antes de tentar encontrar uma resposta, é importante citar as 3 principais técnicas empregadas nas reconstruções após gastrectomia total.
Anastomose com grampeador circular – essa anastomose é realizada de maneira semelhante a cirurgia convencional. A maior diferença para cirurgia convencional é a introdução da ogiva no esôfago. Esse passo pode ser realizado por meio da abertura do esôfago distal ou estômago proximal, seguida da introdução da ogiva na luz esofágica e exteriorização pela parede do esôfago antes ou após o grampeamento do mesmo. Uma alternativa, é a introdução de uma ogiva especialmente desenvolvida para introdução por via oral. A anastomose circular apresenta a vantagem de ser muito semelhante a realizada na cirurgia convencional e não necessita a realização de nenhuma sutura para fechamento dos orifícios do grampeador. Os inconvenientes incluem o custo do uso de um outro grampeador, dificuldade para introdução da ogiva e do grampeador no abdome e a abertura do esôfago/estômago que teoricamente pode causar maior contaminação local
Anastomose com grampeador linear– também conhecida como “overlap anastomosis” é realizada com o emprego de um grampeador linear normalmente com uma carga de 45 mm. Apresenta a vantagem de não necessitar o emprego de um grampeador circular diminuindo o custo do procedimento, além de ser muito semelhante a anastomose gastrojejunal empregada nas cirurgias bariátricas. A desvantagem é a necessidade de fechamento dos orifícios do grampeador com sutura ou realização de novo grampeamento. Ressecções mais proximais no esôfago também dificultam a mobilização do jejuno para adequada confecção dessa anastomose.
Anastomose manual – o aumento da experiência com a cirurgia laparoscópica e principalmente o emprego da cirurgia robótica trouxe novamente a anastomose manual para a rotina nas reconstruções. Não há dúvida que é a mais difícil de ser realizar e mais demorada além de ter maior ocorrência de estenoses. Entretanto, tem a vantagem permitir ao cirurgião ter o total controle da confecção da anastomose podendo calibrar e corrigir áreas de fraqueza/laceração durante sua execução. Seu emprego também evita eventuais lesões, falso-trajeto, perfurações e lacerações durante a introdução dos grampeadores além das temidas falhas de grampeamento.
Mas então, qual seria a melhor técnica?
O fato é que não existe até o momento a comprovação da superioridade de uma técnica em relação a outra. Existem situações que podem ser mais indicadas para uma delas. Por exemplo, anastomoses mais altas são mais difíceis de serem realizadas com grampeador linear sendo mais indicada o circular. Casos em que há dificuldade de mobilizar o jejuno para confecção da anastomose podem ser mais bem manejados com uma anastomose manual. Indisponibilidade de grampeador circular infelizmente ainda ocorre no nosso meio. Recomenda-se que o cirurgião tenho o conhecimento das 3 técnicas para estar apto a enfrentar qualquer intercorrência no intraoperatório, mas no dia a dia, a escolha final da técnica fica a critério de cada cirurgião.
Atualização das Diretrizes Americanas para Enhanced Recovery After Surgery (ERAS) na Cirurgia Colorretal
A sociedade americana de cirurgia do cólon e reto e a sociedade americana de cirurgia endoscópica e gastrointestinal publicou na primeira edição da revista Diseases of Colon and Rectum de 2023 as atualizações (a última versão era de 2017) das diretrizes para recuperação acelerada no pós-operatório de cirurgia colorretal.
Os protocolos de recuperação avançada são um conjunto de processos perioperatórios padronizados, cujo conteúdo pode variar significativamente, que são aplicados a pacientes submetidos a cirurgias eletivas. São projetados para melhorar os resultados dos pacientes, como aliviar náuseas e dor, retorno precoce da função intestinal e diminuir as taxas de infecção da ferida e tempo de internação. Aqui, falaremos a respeito das principais medidas citadas para melhorar os resultados dos pacientes após ressecções eletivas de cólon e reto.
Como é sabido, a cirurgia colorretal sempre foi associada a tempos de internação mais longos, custos maiores e maiores taxas de infecção de sítio cirúrgico (cerca de 20%) se comparada a procedimentos de outras especialidades. Além disso, altas taxas de náuseas e vômitos (80%), que também retardam a alta hospitalar, e de reinternação (35%). Foi demonstrado que a implementação do ERAS em cirurgia colorretal reduz as taxas de morbidade e diminui o tempo de internação sem aumentar as taxas de readmissão.
INTERVENÇÕES PRÉ-OPERATÓRIAS
Aconselhamento pré-internação
Discussão pré-operatória sobre os objetivos clínicos e critérios de alta deve ser realizada antes da cirurgia. A adesão a um protocolo de recuperação avançada que inclui a educação pré-operatória do paciente está associada à diminuição do tempo de internação e diminuição das taxas de complicações.
Os pacientes que serão submetidos à criação de ileostomia devem receber orientações sobre o manejo do estoma e aconselhamento sobre como para evitar desidratação, o que reduz o tempo de internação e as taxas de readmissão.
Nutrição Pré-Internação e Preparo de cólon
Líquidos claros podem ser continuados até 2 horas antes da anestesia geral. Essa intervenção, de acordo com diversos ensaios clínicos randomizados, é segura e melhora a sensação de bem-estar dos pacientes.
Ingestão de bebidas ricas em carboidratos deve ser incentivada antes da cirurgia em pacientes sem diabetes para atenuar a resistência à insulina induzida por cirurgia e jejum. Os estudos que avaliaram essa medida mostraram redução no tempo de internação, mas não houve diferenças nas taxas de complicações ou outros desfechos.
A suplementação nutricional oral é recomendada em pacientes desnutridos antes da cirurgia colorretal eletiva, visando uma ingestão de proteína de 1,2 a 1,5g/kg/d por um período de 1 a 2 semanas, o que diminuiu complicações pós-operatórias. Por outro lado, a eficácia da imunonutrição, suplementação contendo nutrientes imunomoduladores como arginina, óleo de peixe (ácidos graxos ômega-3), nucleotídeos e glutamina, sobre suplementos nutricionais orais de alta proteína padrão permanece controversa.
Preparo de cólon mecânico combinado a antibióticos orais pré-operatórios é normalmente recomendada antes da cirurgia colorretal eletiva. Uma meta-análise de sete ensaios clínicos randomizados incluindo 1.769 pacientes comparando preparo de cólon com e sem antibióticos orais, mostrou uma redução na infecção de sítio cirúrgico e de ferida operatória. Em uma análise retrospectiva de um banco de dados nacional dos Estados Unidos, o preparo de cólon com antibióticos orais foi associado a diminuição da morbidade geral, infecção de ferida, deiscência de anastomose e infecções intra-abdominais.
Otimização de pré-internação
A pré-habilitação multimodal, que é a melhora das condições clínicas gerais do paciente, antes da cirurgia colorretal eletiva, pode ser considerada para pacientes com múltiplas comorbidades ou com perda de performance significativa, sobretudo em pacientes que serão submetidos a cirurgia aberta.
INTERVENÇÕES PERIOPERATIVAS
Infecção de Sítio Cirúrgico
Deve haver um conjunto de medidas para reduzir a infecção de sítio cirúrgico. Há diversos itens descritos na literatura, mas não há uma padronização universal. As medidas incluem banho de clorexidina, preparo de cólon com administração oral antibióticos, antibióticos intravenosos dentro de uma hora após a incisão e padronização da preparação do campo cirúrgico com clorexidina/álcool. As medidas cirúrgicas incluem o uso de um protetor de ferida, troca de aventais e luvas antes do fechamento da aponeurose, usando uma caixa de instrumentos exclusiva para o fechamento, suturas antimicrobianas, limitação do tráfego de pessoas na sala de cirurgia e manter uma glicemia controlada e normotermia.
Controle da Dor
Um plano de controle da dor multimodal, evitando opioides deve ser implementado antes da indução da anestesia. Vários estudos demonstraram que a minimização de opioides após a cirurgia colorretal está associada ao retorno mais precoce da função intestinal e menor tempo de internação. As medidas incluem o uso de analgésicos simples (dipirona, paracetamol) e antiinflamatórios não-hormonais, sobretudo os seletivos (como os inibidores da ciclooxigenase) e o cetorolaco, bloqueios analgésicos, como quadrado lombar e transverso do abdome, e infiltração da ferida e analgesia espinhal com administração intratecal de morfina.
A analgesia peridural torácica, embora não seja recomendada para uso rotineiro em cirurgia colorretal laparoscópica, é uma opção para cirurgia colorretal aberta se uma equipe dedicada à dor estiver disponível para o tratamento pós-operatório.
Náuseas e Vômitos Perioperatórios
O uso de antieméticos profiláticos e multimodal reduz as náuseas e os vômitos perioperatórios. Os fatores de risco para o desenvolvimento de vômitos no pós-operatório incluem sexo feminino, história prévia de vômitos ou náuseas em pós-operatório, não-tabagista, idade jovem, cirurgia laparoscópica, uso de anestesia respiratória, tempo operatório prolongado e analgesia com opióide. Vários estudos prospectivos e observacionais demonstram que a terapia combinada usando dois ou mais antieméticos para prevenir náusea e vômito é superior a um único agente. Uma meta-análise de nove ensaios clínicos randomizados incluindo 1.089 pacientes, demonstrou que a dexametasona combinada com outros antieméticos forneceu profilaxia significativamente melhor do que um único antiemético, diminuiu a necessidade de terapia de resgate e não aumentou infecções pós-operatórias ou afetou significativamente o controle glicêmico.
Gerenciamento de Fluidos
A administração de fluidos deve ser adaptada para evitar administração excessiva de fluidos e sobrecarga de volume ou restrição indevida de fluidos e hipovolemia. Tanto a sobrecarga de líquidos intravenosos quanto a hipovolemia podem prejudicar significativamente a função dos órgãos, aumentar a morbidade pós-operatória e prolongar a internação hospitalar.
Soluções cristaloides balanceadas com restrição de cloreto devem ser usadas para infusões de manutenção e bôlus de fluidos em pacientes submetidos a cirurgia colorretal. Não há benefício no uso rotineiro de soluções colóides para fluidos em bôlus.
A hipotensão intraoperatória deve ser evitada, pois mesmo períodos curtos de pressão arterial média <65 mmHg estão associados a desfechos adversos, em particular lesão miocárdica e lesão renal aguda.
Em pacientes de alto risco e em pacientes submetidos à cirurgia colorretal com perdas intravasculares significativas antecipadas, recomenda-se o uso de terapia hemodinâmica dirigida por objetivos. Medidas objetivas de hipovolemia, como débito cardíaco, volume sistólico, oferta de oxigênio, extração de oxigênio e saturação venosa mista de oxigênio e índices dinâmicos de responsividade a fluidos (por exemplo, variação da pressão de pulso ou variação do volume sistólico) podem ajudar a decidir se devem ser administrados fluidos intravenosos para fins de ressuscitação.
Na ausência de complicações cirúrgicas ou instabilidade hemodinâmica, os fluidos intravenosos devem ser descontinuados rotineiramente no período pós-operatório imediato.
Abordagem Cirúrgica
Uma abordagem cirúrgica minimamente invasiva deve ser usada quando houver experiência disponível e quando apropriado.
O uso rotineiro de sondas nasogástricas e drenos intra-abdominais para cirurgia colorretal deve ser evitado.
INTERVENÇÕES PÓS-OPERATÓRIAS
Mobilização do paciente
A mobilização precoce e progressiva do paciente está associada a menor tempo de internação.
Prevenção de Íleo Paralítico
Deve-se oferecer aos pacientes uma dieta regular dentro de 24 horas após a cirurgia colorretal eletiva. A alimentação precoce está associada a uma diminuição no tempo de permanência hospitalar, a um retorno mais rápido da função do trato gastrointestinal e a menor tempo para eliminação de flatus e primeira evacuação.
A alimentação simulada (ou seja, mascar chiclete por ≥10min 3–4× ao dia) após a cirurgia colorretal é segura, resulta em pequenas melhorias na recuperação gastrointestinal e pode estar associada a uma redução no tempo de internação.
Cateteres Urinários
Sondas vesicais devem normalmente ser removidas dentro de 24 horas após a ressecção de cólon ou reto alto eletivas, independentemente do uso de analgesia peridural torácica.
Geralmente, as sondas vesicais devem ser removidas dentro de 24 a 48 horas após a ressecção retal média/inferior. A manipulação e dissecção próxima da bexiga e dos nervos pélvicos laterais durante a proctectomia pode aumentar o risco de retenção urinária pós-operatória.
Critérios de alta
A alta hospitalar antes da evacuação pode ser oferecida para pacientes selecionados. Os critérios tradicionais de alta após a cirurgia colorretal incluem presença de evacuação juntamente com a tolerância à ingestão oral, controle adequado da dor com analgesia oral e a capacidade de mobilização na ausência de complicações. Muitos pacientes atendem a esses critérios no primeiro ou segundo dia após a cirurgia. No entanto, há relatos crescentes de alta no mesmo dia da cirurgia, o que depende da viabilidade de dar alta aos pacientes antes do retorno da função intestinal para pacientes muito selecionados, com possibilidade de seguimento próximo e suporte domiciliar adequado. Esta é uma área com evidências limitadas, mas em evolução. As recomendações podem mudar à medida que mais evidências se tornam disponíveis.
Referências
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Como identificar e manejar os pacientes com suspeita de coledocolitíase?
Dez por cento dos americanos são portadores de colelitíase e apresentam sintomas relacionados aos cálculos biliares. No Brasil estudos retrospectivos mostram que a incidência de cálculos na vesícula biliar pode chegar a até 9,3%. Entre os pacientes com colelitíase, dez a vinte por cento podem apresentar coledocolitíase concomitante.
O advento da CPRE transformou o tratamento dos cálculos do colédoco de uma operação de grande porte em um procedimento minimamente invasivo. Porém, este procedimento apresenta uma incidência não desprezível de efeitos adversos como pancreatite, sangramento e perfuração. Devido a isso é importante selecionar de forma correta os pacientes que serão submetidos à CPRE para evitar a realização de exames desnecessários.
O guidelines da ESGE recomenda que os pacientes com colelitíase sintomática em programação de colecistectomia devem realizar a dosagem de enzimas hepáticas e ultrassom de abdome. Estes exames servem como triagem para avaliar o risco de coledocolitíase concomitante e determinar os pacientes que se beneficiariam de uma investigação adicional.
Avaliação do Risco de Coledocolitíase
A ASGE em 2010 publicou um guidelines contento uma lista de preditores para avaliar o risco de coledocolitíase.
Cálculos no colédoco visualizados na ultrassonografia, colangite e bilirrubina maior do que 4 mg/dl eram considerados preditores muito fortes. Dilatação das vias biliares e bilirrubina entre 1,8 e 4 mg/dl considerados com preditores fortes. Alteração de enzimas hepáticas, idade maior do que 55 anos e pancreatite biliar prévia preditores moderados.
Baseado nestes critérios os pacientes eram divididos em risco alto, intermediário e baixo risco. Para os de alto risco a recomendação era ir direto para a CPRE. Os de risco intermediário deveriam investigar melhor através da realização de colangiorressonância ou ecoendoscoscopia antes da decisão terapêutica. Os de baixo risco poderiam ir para colecistectomia direto.
Estudos posteriores utilizando estes critérios demonstraram que a sua acurácia era baixa, variando de 70 a 80%, com até 30% de procedimentos desnecessários.
Devido a isso, tanto a associação Americana (ASGE) quanto a europeia (ESGE) revisaram estes preditores em seus guidelines mais recentes.
Os novos critérios estão resumidos na tabela abaixo:
Preditores de coledocolitíase (ASGE e ESGE). Adaptado de Buxbaum et al 2019 e Manes et al 2019.
Pacientes com quadro de colangite ou cálculo visualizado no ultrassom de abdome ou em tomografia/RNM são considerados como de alto risco. A ASGE inclui um critério a mais, que é a presença de Bilirrubina total maior do que 4 mg/dl associada à dilatação da via biliar como critério de alto risco. Estes pacientes podem ser submetidos a CPRE direto, antes da colecistectomia e sem a necessidade de investigação adicional.
Portadores de alteração de enzimas hepáticas (TGO, TGP, FA, GGT) ou dilatação da via biliar no ultrassom (>6 mm com vesícula in situ) são considerados de risco intermediário. Novamente a ASGE tem um critério a mais que é a idade maior do que 55 anos. O racional para este critério é que pacientes com mais de 55 anos tem uma maior incidência de coledocolitíase não associada à alteração de enzimas hepáticas. Os dois guidelines sugerem que os pacientes com critérios intermediários sejam submetidos à colangiorressonância ou ecoendoscopia para avaliar a presença de coledocolitíase antes da colecistectomia. Na impossibilidade de realizar estes exames, a colangiografia intraoperatória é indicada como alternativa.
Já os pacientes que não apresentam nenhum destes critérios são considerados como de baixo risco e podem realizar a colecistectomia direto, com ou sem colangiografia intraoperatória. Nos critérios de 2010 a pancreatite aguda era um critério de risco intermediário. Porém, estudos confirmaram que a incidência de coledocolitíase residual após um episódio de pancreatite leve varia de apenas 10 a 30%. Devido a isso ela deixou de ser critério de risco. Os pacientes após a resolução da pancreatite aguda devem ser avaliados de acordo com os critérios acima. Se não apresentares critérios de alto
Qual dos critérios é melhor? ASGE ou ESGE
Um estudo incluindo 1042 pacientes comparou os critérios da ASGE e da ESGE para a avaliação da presença de coledocolitíase. Os resultados mostraram que os dois critérios são válidos e muito bons, com especificidade de 96,87% para os da ASGE e 98,24% para os da ESGE.
Comparando os dois o da ESGE é ligeiramente mais específico, com os critérios da ASGE apresentando um número discretamente maior de pacientes falso positivos.
Conclusão
A avaliação da probabilidade pré-teste em pacientes com suspeita de coledocolitíase é essencial. Esta avaliação pode identificar os pacientes que irão se beneficiar da realização da CPRE direto e também os pacientes necessitam uma avaliação mais aprofundada, evitando a realização de procedimentos desnecessários.
Referências
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Insulinoma: Estratégias diagnósticas e detalhes para o tratamento
O insulinoma é o tumor neuroendócrino pancreático funcionante mais frequente (55%), tem seu pico de ocorrência em pacientes na quinta década de vida (entre 40 e 50 anos) e uma discreta predominância entre as mulheres (1,4:1)1.
Os sintomas associados ao tumor se dividem entre adrenérgicos – ansiedade, tremores e agitação – e neuroglicopênicos como desorientação, alterações visuais e convulsões2. Devido a frequente ingestão alimentar para evitar a hipoglicemia acentuada durante o jejum, é frequente que os pacientes se apresentem com obesidade/sobrepeso ao diagnóstico.
Em 1938 foi descrita a tríade de Whipple: hipoglicemia documentada (<50mg/dL), sintomática e aliviada após ingesta calórica. Atualmente, a confirmação diagnóstica se dá com um teste clínico de jejum de 48 a 72 horas em que se coletam exames laboratoriais periodicamente. O perfil laboratorial demonstrará uma glicemia baixa em oposição a elevados níveis de insulina, pro-insulina e peptídeo C3. É fundamental para o diagnóstico se certificar que o paciente não faz uso de antidiabéticos orais como sulfonilureias ou insulina injetável.
A relação do insulinoma em síndromes endócrinas (NEM-1 e esclerose tuberosa) é conhecida e traz particularidades propedêuticas devido a um maior risco de tumores neuroendócrinos múltiplos ou insulinomas malignos4.
Figura 1 – Pancreatectomia caudal em paciente com NEM-1, as setas apontam a ressecção de dois tumores neuroendócrinos.
O tratamento recomendado é a excisão cirúrgica do tumor. A enucleação, bem como as pancreatectomias segmentares, são tratamentos reconhecidos uma vez que a grande maioria dos tumores são benignos. Dessa forma, a linfadenectomia se torna menos relevante que a preservação de parênquima pancreático a fim de evitar insuficiência exócrina ou endócrina1.
Dessa forma, este artigo pretende trazer uma análise dos diferentes exames diagnósticos utilizados nos casos do insulinoma e suas aplicações, além de uma lista de cuidados perioperatórios específicos para esses pacientes.
Métodos diagnósticos por imagem
Os métodos axiais com contraste são os mais utilizados para o estudo anatômico do pâncreas e suas relações vasculares. Dentre eles, a ressonância magnética, quando disponível, se provou mais sensível para localizar os insulinomas que se apresentam como nódulos hipervasculares na fase arterial, com hiperintensidade em T2 e hipointensidade em T1 em relação ao parênquima pancreático. Lesões menores podem ser localizadas mais facilmente nas fases de difusão5.
Figura 2 – Ressonância magnética com achado de lesão hipervascular na cauda do pâncreas, em proximidade com o baçoFigura 3 – Tomografia de abdome com contraste na fase arterial com achado de lesão hipervascular no corpo do pâncreas próxima a veia mesentérica superior.
Um exame específico para tumores neuroendócrinos que se vale de seus receptores de somatostatina, o PET Galio 68 pode auxiliar em casos de suspeita clínica sem diagnóstico pelos métodos acima. É um exame adequado para a localização de insulinomas ectópicos que não foram visualizados no abdome superior5.
Métodos diagnósticos invasivos
Ecoendoscopia: Exame para avaliação do parênquima pancreático em busca de lesões subcentimétricas, usado por alguns autores como o primeiro exame para se localizar o insulinoma. Oferece sensibilidade ainda maior nas lesões da cabeça do pâncreas e processo uncinado.
No laudo de uma suspeita de insulinoma é importante constar, se possível, a mensuração do tumor, sua localização e a distância de estruturas vasculares relevantes (junção espleno-mesentérica), e da proximidade do ducto pancreático principal (auxiliar a decisão operatória de enuclear a lesão).1
Figura 4 – Mensuração de tumor neuroendócrino por meio de ecoendoscopia
A punção por agulha é dispensável na grande maioria dos casos. O paciente sintomático com lesão esporádica não precisa de confirmação anatomopatológica para o tratamento. Nas síndromes endócrinas, tanto os tumores neuroendócrinos funcionantes quanto os não funcionantes podem expressar marcadores imuno-histoquímicos para insulina. Dessa forma, esse exame não é adequado para diferenciá-los. 6
Em lesões não periféricas ou intrapancreáticas de difícil localização, o cirurgião pode solicitar uma tatuagem com azul de metileno para facilitar a localização intraoperatória.
Cateterismo arterial pancreático seletivo (SACS)
O exame consiste no posicionamento de um cateter coletor na veia hepática direita para coleta do nível sanguíneo de insulina após os estímulos arteriais.
Em seguida, após cateterização arterial seletiva, injeta-se gluconato de cálcio nas artérias peripancreáticas com poder de topografar a lesão caso a insulinemia dobre dentro de 3 minutos após a injeção.
Tumor na corpo/cauda do pâncreas: Positivo após injeção na artéria esplênica
Tumor na cabeça pancreática ou processo uncinado: Positivo após injeção na artéria gastroduodenal ou mesentérica superior
Metástase hepática oculta: Positivo após injeção na artéria hepática própria
Figura 5 – Vascularização arterial peripancreática. Na imagem destaca-se a artéria gastroduodenal que irriga a cabeça e processo uncinado do pâncreas. Ilustração de Gray, Henry. Anatomy of the Human Body. Philadelphia: Lea & Febiger. Modificado de: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Gray533.png
O exame é usado sobretudo em casos de síndromes endócrinas e de tumores neuroendócrinos múltiplos em que se deseja identificar qual a lesão metabolicamente ativa.1
Tratamento operatório
A definição de via operatória depende da expertise do cirurgião. É importante destacar que para o acesso laparoscópico, sobretudo de nodulectomias e pancreatectomias distais, é necessário um planejamento detalhado do local da secção pancreática. A conversão para cirurgia aberta está justificada nos casos de imprecisão.7
Figura 6 – Aspecto final e grampeamento de uma pancreatectomia corpo-caudal + esplenectomia por insulinoma.
A ultrassonografia intra-operatória é uma aliada do cirurgião de fígado e pâncreas e que, nesse contexto, certifica a localização tumoral e a proximidade com ducto pancreáticos nos casos em que se aventa enucleação. Dessa forma, o exame proporciona maior segurança ao procedimento, reduzindo risco de fístula pancreática e permitindo preservação de parênquima pancreático quando possível.
Figura 7 – Ultrassonografia intraoperatória mostrando um nódulo hipoecóico no parênquima pancreático passível de enucleação. Foi mensurada uma distância segura de 2,7 mm para o ducto pancreático principal.
Na cirurgia convencional a inspeção e palpação do órgão pode identificar o tumor que tem uma textura e consistência fibroelástica em um parênquima pancreático mais macio. Para os casos em que se planeja a enucleação, a cápsula do tumor pode ser um parâmetro para o plano de dissecção, e o uso de clipes ou ligaduras é encorajado para que se evite lesão térmica do ducto. 1
Cuidados perioperatórios com a glicemia
Devido ao jejum pré-operatório e a possibilidade de motivar sintomas, encorajamos o uso de soro de manutenção calórica para reduzir eventos de hipoglicemia.
Durante o procedimento, um aumento em 30 mg/dL do platô glicêmico ocorre em até 30 minutos após a ressecção do tumor metabolicamente ativo. A alteração glicêmica somada a análise macroscópica da peça durante o intraoperatório pode confirmar o sucesso do procedimento.
Espera-se um aumento da glicemia nas primeiras 24 horas do procedimento, período em que costumeiramente mantêm-se o soro de manutenção calórica. O monitoramento da glicemia é importante durante a hospitalização e nos primeiros dias após a alta médica. Durante as semanas que sucedem a cirurgia, pode acontecer um aumento da glicemia que demande, inclusive, uso temporário de insulina. 1
Alternativas para tratamento
Em pacientes não candidatos a cirurgia, podemos realizar tratamento clínico com diazoxida (dose inicial de 50 – 300 mg/dia) e análogos da somatostatina (octreotide). Devido a efeitos colaterais dessas medicações, a sua prescrição deve ser feita por profissionais com experiência como endocrinologistas ou oncologistas. As mesmas medicações podem ser utilizadas como tratamento sintomático antes do procedimento ou paliativo no contexto de insulinomas malignos irressecáveis ou metastáticos.2
Tratamento radioablativos endoscópicos ou percutâneos tem emergido como possíveis alternativas em caso de pacientes não candidatos a cirurgia devido a condições clínicas, desde que se preserve uma distância mínima de 3 mm em relação ao ducto principal.
Como citar este artigo
Magalhães, DP. Insulinoma: Estratégias diagnósticas e detalhes para o tratamento. Gastropedia 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/insulinoma-estrategias-diagnosticas-e-detalhes-para-o-tratamento
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Câncer Gástrico Difuso Hereditário
No artigo anterior discutiu-se o câncer gástrico (CG) hereditário associado a presença de síndromes que ocasionam quadro de polipose digestiva.1 Nesse artigo será apresentado o Câncer Gástrico Difuso Hereditário (CGDH), a síndrome hereditária mais relevante sem associação com polipose do trato gastrointestinal.
1. CG Difuso Hereditário
O Câncer Gástrico Difuso Hereditário é uma síndrome caracterizada por uma alta prevalência de câncer gástrico difuso e carcinoma lobular de mama. Inicialmente descrita em uma família Maori da Nova Zelândia em 1998, estima-se atualmente que o CGDH tenha uma incidência populacional de aproximadamente 5-10/100.000 nascimentos.
A maioria dos casos confirmados de CGDH é causada por mutações germinativas no gene supressor de tumor CDH1. O CDH1 codifica a E-caderina, uma proteína transmembrana que está localizada nas junções celulares e tem funções de adesão, detecção de tensão e transdução de sinal através da membrana celular. A mutação do CDH1 com posterior alteração da E-caderina ocasiona a perda de coesão celular ocasionando o aspecto clássico de um carcinoma com células pouco coesas ou com células em anel de sinete. Mutações em um segundo gene também relacionado com a adesão celular, a alfa-catenina (CTNNA1), também são encontradas em uma pequena parcela de casos de CGDH.
2. Critérios Diagnósticos
Os critérios de suspeita clínica tanto do indivíduo quando da família foram relaxados principalmente por meio de mudanças nas restrições de idade nas diretrizes de 2020 (Figura 1).2 A ampliação da indicação do teste genético deve equilibrar os custos relacionados à saúde, a aceitação do público e a carga psicológica imposta à população testada contra o benefício de identificar mais indivíduos assintomáticos de alto risco. O fato de o custo do teste estar diminuindo progressivamente também contribuiu para sua maior indicação.
Figura 1 – Critérios familiares e individuais para indicação do teste genético
Por outro lado, a introdução generalizada de painéis de genes de câncer, identificou variantes inesperadas de CDH1 em indivíduos que não apresentam fenótipos sugestivos de CGDH, criando um desafio para pacientes e médicos. Dessa forma, a pesquisa indiscriminada não tem indicação em casos sem suspeita clínica da síndrome. As estimativas de penetrância do para ocorrência de CG das variantes patogênicas de CDH1 são influenciados pelos critérios clínicos usados para indicar o teste genético. Usando famílias que preencheram os critérios clínicos anteriores de 2010, mais restritos para indicação do teste genético, estimou-se o risco cumulativo de CG aos 80 anos em homens e mulheres portadores de 70% e 56%, respectivamente. No entanto, outro relato evidenciou que famílias que atenderam ao critério de CGDH de 2015, menos rigorosos, a penetrância para ocorrência de CG foi 42% para homens e 33% para mulheres. Dessa forma, o risco de CGDH varia entre as famílias e, portanto, a história familiar deve ser considerada ao estimar o risco de penetrância de cada indivíduo.
Em indivíduos que atendam aos critérios clínicos para realização de teste genético, o teste costuma ser oferecido a partir da idade legal de consentimento (18 anos no Brasil). Sempre que possível, o aconselhamento genético para CGDH deve incluir avaliação de um pedigree familiar de três gerações, histórico familiar de lábio leporino ou fissura palatina e confirmação histopatológica do tipo de CG e/ou mama.
O aconselhamento deve ser realizado por profissional capacitado com discussão abrangente e multidisciplinar em torno dos benefícios e riscos da cirurgia gástrica profilática e vigilância do câncer.
Figura 2 – Fluxograma de diagnóstico após o teste genético
3. Gastrectomia Profilática
Quando indicada, a gastrectomia total profilática (GTP) é realizada no início idade adulta, geralmente entre 20 e 30 anos de idade. Dado o aumento dos riscos perioperatórios e recuperação prolongada com a idade, a GTP não é recomendada em pacientes com mais de 70 anos, a menos que haja circunstâncias atenuantes significativas. Antes da cirurgia, os pacientes devem realizar uma endoscopia para garantir que já não haja CG, o que exigiria a realização do estadiamento completo. O exame também identificar outra patologia coincidente, como o esôfago de Barrett e hérnia de hiato, que pode alterar a extensão da ressecção.
A extensão da gastrectomia deve ser total, com confirmação intraoperatória de mucosa escamosa esofágica na margem proximal e mucosa duodenal na margem distal. As metástases linfonodais perigástricas são extremamente incomuns em pacientes submetidos a GTP na ausência tumor gástrico na endoscopia inicial. Dessa forma, uma linfadenectomia D2 estendida deliberada não é necessária e geralmente é desencorajada para minimizar a morbidade pós-operatória. Para evitar o potencial de subestimar o raro evento de um paciente com um tumor gástrico T2 anteriormente não identificado, a realização da linfadenectomia D1 é suficiente.
4. Vigilância Endoscópica
A vigilância deve ser realizada em centros especializados familiarizados com CGDH.
A chance a priori de ter pelo menos uma lesão compatível com carcinoma células em anel de sinete na amostra de gastrectomia total de um portador de mutação CDH1 é de 95%. Consequentemente, a relevância clínica de alguns casos de carcinoma superficiais (estágio T1a) em biópsias endoscópicas são questionáveis, especialmente porque esses focos de carcinoma em lesões superficiais podem exibir um comportamento muito indolente.
Portanto, o objetivo principal da vigilância não é apenas detectar um foco carcinoma superficial. Em pacientes que desejam adiar a cirurgia, outros objetivos da vigilância incluem: excluir lesões infiltrativas mais profundas, detectar grandes ou numerosas lesões T1a, pois esses pacientes provavelmente têm uma chance maior de desenvolver lesões em estágio T mais avançado, e avaliar a mudança histológica e aparência endoscópica que podem sinalizar comportamento mais maligno.
Dessa forma as endoscopias de vigilância devem incluir biópsias direcionadas e aleatórias. O número de biópsias aleatórias recomendadas é 28-30 (três-cinco na cárdia, cinco no fundo, dez no corpo, cinco na zona de transição corpo-antro e cinco no antro). Recomenda-se que as linguetas de tecido gástrico no esôfago sejam registradas, inspecionadas e biopsiadas. Todos os pacientes sob vigilância devem ser totalmente informados sobre as limitações do exame.
Gastrectomia Vertical e risco de Esôfago de Barrett
Paciente de 65 anos, masculino, submetido a Gastrectomia Vertical em 2017 para tratamento de Obesidade Mórbida. Perdeu seguimento durante a pandemia do COVID-19, tendo feito somente uma endoscopia de seguimento no primeiro ano de pós-operatório.
Retorna ao ambulatório com sintomas importantes de pirose e regurgitação diários, com impacto na qualidade de vida e tolerância alimentar. Solicitada EDA, com achado de projeção de mucosa colunar, de coloração rosa-salmão no terço distal do esôfago, medindo cerca de 10 mm circunferencialmente. Realizadas biopsias com confirmação de metaplasia colunar intestinal, compatível com diagnostico de Esôfago de Barett.
Apesar de incomum em nosso meio, o diagnóstico de Esôfago de Barrett após GV tem sido cada vez mais reportado na literatura. Uma meta-analise recente demonstrou prevalência de 11,4%, com taxa agrupada de Barrett em pacientes com sintomas de DRGE de 18,2% (IC 95%, 12,4% – 26%). Tal estudo mostrou também que não havia diferença significativa na probabilidade de ter Barrett baseado nos sintomas de DRGE.
Sendo assim, para realizar o diagnostico precoce de Barrett após Gastrectomia Vertical e manter um acompanhamento clínico e endoscópico adequados, devemos seguir a recomendação da IFSO de realizar endoscopia digestiva alta anualmente em pacientes submetidos a sleeve independente dos sintomas.
Referências
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Brown WA, Johari Halim Shah Y, Balalis G, Bashir A, Ramos A, Kow L, Herrera M, Shikora S, Campos GM, Himpens J, Higa K. IFSO Position Statement on the Role of Esophago-Gastro-Duodenal Endoscopy Prior to and after Bariatric and Metabolic Surgery Procedures. Obes Surg. 2020 Aug;30(8):3135-3153. doi: 10.1007/s11695-020-04720-z. PMID: 32472360.
Autores: Marcus Fernando Kodama Pertille Ramos e Ítalo Beltrão Pereira Simões
A maioria dos casos de câncer gástrico (CG) são esporádicos, mas cerca de 10% apresentam agregação familiar e 1 a 3% possuem uma causa hereditária. O conhecimento das síndromes hereditárias como fator causal do câncer colorretal (CCR) é bem difundido, mas no CG isso é menos divulgado, fato que pode prejudicar o diagnóstico precoce e o seguimento adequado.
A PAF decorre de uma mutação do gene supressor tumoral do gene APC causando um altíssimo risco de CCR.
Cerca de 51 a 88% dos pacientes apresentam pólipos gástricos principalmente de glândulas fúndicas. A incidência é elevada inclusiva na PAF atenuada. Eles costumam ser numerosos, e o termo polipose gástrica pode ser empregado apenas quando mais de 20 estão presentes.
Displasia de baixo grau pode estar presente em até 44% dos pólipos de glândulas fúndicas. Pólipos adenomatosos são detectados em cerca de 20% dos pacientes com PAF.
O rastreamento endoscópico alto é recomendado no momento da manifestação da polipose colônica ou a partir de 25 anos. O intervalo de realização vai depender dos achados e também de acordo com a necessidade de seguimento de adenoma de papila, quando presente, de acordo como escore de Spigelman.
Polipose gástrica em paciente com PAF. Imagens mostram inúmeros pólipos em cárdia, fundo, corpo e antro.
2. SÍNDROME DE PEUTZ-JEGHERS (SPJ)
A SPJ é autossômica dominante, caracterizada pelo desenvolvimento de polipose hamartomatosa gastrointestinal principalmente no jejuno associada a presença de máculas melanocíticas.
O diagnóstico clínico baseia-se na confirmação da presença de pólipos hamartomatosos associado com história familiar positiva e hiperpigmentação de mucosas, dedos e genitália externa.
Pólipos gástricos são detectados em 25% dos casos, comparados com 70-90 % encontrados no intestino delgado e 50% no cólon. O aspecto morfológico do pólipo gástrico na SPJ assemelha-se a um padrão viloso proliferação epitelial hiperplásica sendo difícil distinguir do pólipo juvenil e hiperplásico.
Displasia é raramente detectada nos pólipos mas indivíduos com SPJ tem 29% risco de desenvolver CG principalmente do tipo intestinal.
Rastreamento deve ser iniciado precocemente na infância com endoscopia inicial com periodicidade dependendo dos achados. A partir dos 50 anos, o risco de CG aumenta e a periodicidade deve ser mais frequente entre 1 a 2 anos.
Sequência de imagem mostrando pólipo em região de corpo gástrico em paciente com Síndrome de Peutz-Jeghers, imagens inferiores com magnificação de imagem.
3. SÍNDROME DA POLIPOSE JUVENIL
Síndrome autossômica dominante que leva ao desenvolvimento de pólipos em todo trato gastrointestinal principalmente no cólon e reto.
Critérios para suspeita clínica da síndrome incluem mais de 5 pólipos juvenis colorretais, pólipos juvenis ao longo do trato gastrointestinal ou mais de 1 pólipo juvenil com história familiar positiva. O diagnóstico definitivo é realizado de um dos critérios de suspeita clínica na presença dos genes BMPR1A e SMAD4 no teste genético.
Os pólipos juvenis são pólipos hamartomatosos que se desenvolvem a partir de um tecido normal do trato gastrointestinal. O aspecto endoscópico habitualmente é de um pólipo pediculado, multilobado, macio variando desde pequenos pólipos até pólipos gigantes. Em até 75% dos casos existem outros tipos de pólipos em conjunto. Polipose gástrica severa pode ocorrer causando anemia, hematêmese, enteropatia com perda proteica e sintomas obstrutivos. Progressão para CG ocorre em até 21% dos casos com média de idade de 58 anos.
Rastreamento endoscópico é recomendado a partir da adolescência com endoscopias anuais.
Imagens superiores mostram pólipo juvenil hamartomatoso em região da cárdia em paciente com polipose juvenil. Imagens inferiores mostram os diferentes aspectos e tamanho dos pólipos encontrados na síndrome.
4. POLIPOSE ASSOCIADA AO MUTYH (MAP)
MAP é uma síndrome rara, autossômica recessiva, associada com mutação no gene MUTYH que participa de processos de reparo de DNA. Pacientes com MAP tem predisposição para o CCR, mama e ovário.
Pólipos gástricos são detectados em cerca de 10 a 33% dos casos e a maioria adenomas e PGF.
O risco de CG é baixo (2%) mas ocorre em pacientes mais jovens (mediana de 38 anos). Por outro lado, o risco de câncer duodenal é alto podendo ocorrer em 17% dos casos.
5. ADENOCARCINOMA GÁSTRICO COM POLIPOSE PROXIMAL (GAPPS)
Essa síndrome é caracterizada pelo desenvolvimento de uma polipose gástrica proximal incluindo o fundo e corpo formando um tapete de pequenos pólipos usualmente menores que 1 cm. O tipo histológico dos pólipos é variado podendo ser pólipos de glândulas fúndicas, hiperplásicos, adenomas e mistos.
Os critérios para diagnóstico clínico incluem:
detecção de mais de 100 pólipos ou mais de 30 pólipos com história familiar positiva em parente de primeiro grau,
pólipos restritos ao corpo e fundo sem a presença de pólipos colorretais,
morfologia de glandula fundica com áreas de displasia ou carcinoma,
exclusão de outras síndromes e uso de inibidor de bomba de prótons.
Série de casos relataram incidência de 12,7% de CG, todos do tipo intestinal.
Seguimento endoscópico deve ser realizado, mas em casos com múltiplos pólipos a avaliação de pólipos com sinais de degeneração pode ficar prejudicada sendo indicada a gastrectomia total.
Imagens de GAPPS evidenciando acometimento de corpo e fundo com diminuição progressiva no número de pólipos no estômago distal.Tabela com resumo das principais características das síndromes genéticas relacionadas com o câncer gástrico hereditário, dividindo-as em associadas e não associadas a polipose do trato gastrointestinal.
Referências
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Mahon SM. Hereditary Polyposis Syndromes. Gentics and Genomics 2018; 22(2): 151-6
As Temidas Deiscências de Anastomose. Fatores de Risco, Diagnóstico e Tratamento
Todo cirurgião que faz ressecções intestinais já perdeu o sono preocupado com deiscência de anastomose. A incidência das deiscências de anastomoses intestinais varia de 2 a 21% e sua ocorrência gera uma cascata de outros eventos que levam a prejuízos significativos à qualidade de vida do paciente, aumento da dor, incapacidade em retornar às atividades de rotina por um período prolongado, períodos de internação hospitalar mais longos, maior necessidade de exames e, em alguns casos, óbito.
Na cirurgia colorretal, ainda que sejam adotadas as diretrizes perioperatórias baseadas em evidências, esforços para otimizar os fatores de risco do paciente e que os princípios cirúrgicos sejam respeitados, as deiscências e suas graves consequências ainda ocorrem.
Fatores de Risco
Local da anastomose: menor risco nas anastomoses do intestino delgado e ileocólicas e maior para anastomoses ileorretais e colorretais baixas.
Fatores associados ao paciente: diabetes mellitus, hiperglicemia, hemoglobina glicada alta, sexo masculino, IMC elevado, tabagismo, doença inflamatória intestinal, uso crônico de medicamentos imunossupressores, enterite actínica, desnutrição, hipoalbuminemia e infecção ativa.
Em pacientes com câncer de reto: anastomoses mais baixas, radioterapia pélvica neoadjuvante e estadios mais avançados do tumor.
Fatores intraoperatórios: incapacidade de obter uma anastomose livre de tensão, irrigação insuficiente da anastomose, sangramento intraoperatório e necessidade de hemotransfusões, tempo cirúrgico prolongado, contaminação intraoperatória, além de uso de vários disparos de grampeador no reto (comum em abordagens laparoscópicas e robóticas).
O cirurgião é outro fator de risco potencial, mas as características que aumentariam o risco de uma complicação cirúrgica ainda são pouco conhecidas.
Drenagem
Apesar de muito utilizada, sobretudo em anastomoses extraperitoneais baixas, ainda não há evidências suficientes para concluir que a drenagem de rotina reduza a incidência de deiscência. Em geral, o dreno colocado no sítio da cirurgia não é capaz de controlar de forma efetiva uma sepse pélvica na ocorrência de uma deiscência, com drenagem de pus ou fezes. Por outro lado, como há vários estudos que não mostraram que os drenos aumentam o risco de deiscência, seu uso pode auxiliar no diagnóstico e ele pode ser reposicionado com a ajuda da radiologia intervencionista, se necessário. Além disso, o dreno pode auxiliar no controle de hematomas pélvicos, evitando que aumentem o processo inflamatório local e a pressão sobre a anastomose.
Derivação Intestinal
Seu papel na prevenção de deiscência de anastomose também é assunto ainda em debate. Mas é certo que seu uso reduz o risco de complicações sépticas na ocorrência de deiscência, diminuindo o risco de reoperação e óbito.
Preparo de Cólon e Antibióticos Orais
Há diversos estudos com resultados variados a respeito do papel do preparo de cólon e do uso de antibióticos por via oral no pré-operatório na prevenção de deiscência de anastomose. Recentemente, várias análises estatísticas usando o robusto banco de dados do American College of Surgeons National Surgery Quality Improvement Program (NSQIP) são consistentes com a conclusão de que tanto o preparo mecânico quanto os antibióticos orais estão associados a um menor risco de deiscência de anastomose.
O surgimento de linhas de pesquisa que sugerem que o microbioma intestinal pode ser um outro fator de risco para a deiscência de anastomose pode explicar porque essas intervenções poderiam ser úteis para diminuir a deiscência.
Diagnóstico
Apesar de se supor que ocorram na primeira semana, metade das desicências pode ocorrer após a alta do paciente, com uma proporção não desprezível ocorrendo após um mês da cirurgia.
O diagnóstico da deiscência de anastomose nem sempre é óbvio, portanto, além de estar atento às manifestações clínicas, o cirurgião pode precisar lançar mão de exames laboratoriais e radiológicos para confirmação da deiscência e avaliação de sua magnitude.
Sinais clínicos: febre, leucocitose, aumento da dor, drenagem suspeita da ferida ou do dreno, íleo prolongado e até peritonite e sepse francas.
Deiscências mais tardias tendem a apresentar-se insidiosamente com dor pélvica e retardo na recuperação clínica do paciente.
Tomografia (TC) com contraste oral ou retal: tem a maior sensibilidade e especificidade para detectar deiscência de anastomose (identificação de pneumoperitôneo livre, extravasamento de contraste, defeito na anastomose com líquido livre adjacente ou um abscesso ou coleções com realce).
Proteína C reativa sérica (PCR) elevada e a procalcitonina são biomarcadores que servem como indicadores precoces de deiscência após cirurgia colorretal e podem guiar a alta do paciente.
Tratamento
A estratégia para lidar com a deiscência de anastomose depende de fatores como condição clínica do paciente, momento da fístula, localização da anastomose e da fístula e se a fístula está bloqueada.
O paciente com sepse e peritonite fecal tem indicação de reabordagem cirúrgica, com lavagem e drenagem da cavidade e consideração intraoperatória (condições clínicas do paciente versus condições locais do intestino) de desfazer a anastomose ou drenar e fazer uma derivação proximal. Pacientes submetidos a abordagem minimamente invasiva podem ser reoperados da mesma forma, mas é bastante provável que uma laparotomia seja necessária para uma lavagem da cavidade e controle do foco de forma adequada.
Pacientes com deiscências bloqueadas e abscessos pequenos podem ser submetidos ao tratamento conservador com antibióticos de amplo espectro. Abscessos maiores podem exigir também drenagem percutânea. Para deiscências de anastomoses baixas, pode ser colocado um dreno por via transretal através do defeito da anastomose e na cavidade do abscesso.
Se a deiscência não for bem controlada com drenagem e derivação, o paciente pode precisar ser submetido à ressecção da anastomose. Se possível, é ideal esperar pelo menos 3 meses para reoperar de forma a permitir a resolução de aderências inflamatórias que dificultariam a reoperação.
A colocação endoscópica de esponja a vácuo em cavidades de abscesso pré-sacral, stents cobertos intraluminais e clipes sobre o orifício de vazamento têm tido resultados promissores. O tratamento com vácuo pode ser feito ambulatorialmente, com troca a cada 2-3 dias e geralmente é bem tolerado e seguro. A derivação fecal é comumente parte da estratégia.
Resultados após Deiscência de Anastomose
Risco de mortalidade perioperatória aumenta na presença de fístula de anastomose e varia de 3% a 14%.
Para pacientes com câncer de reto, há associação à diminuição da sobrevida global em 5 anos e sobrevida de 5 anos específica do câncer, aumento de recidiva local e sistêmica em alguns estudos, sendo que os piores resultados oncológicos são atribuídos ao atraso na quimioterapia adjuvante.
Ostomia permanente: quanto mais distal for a anastomose, maior o risco de ostomia permanente.
Resultados funcionais e qualidade de vida piores, principalmente na anastomose pélvica, com aumento da frequência evacuatória e incontinência, disfunção sexual e urinária.
Referências
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Doença do refluxo gastroesofágico no paciente com obesidade
A Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) é bastante comum na população geral, com prevalência de 10 a 20%. Nos pacientes com obesidade essa prevalência chega a ser o dobro.
Os mecanismos envolvidos no aumento do risco de DRGE na obesidade são devidos ao aumento da pressão abdominal, levando a:
Aumento do relaxamento transitório do esfíncter inferior do esôfago
Hérnia de hiato
Diminuição do clearence esofágico
A prevalência da DRGE está diretamente relacionada à gravidade da obesidade e ao IMC (Índice de Massa Corpórea). Pacientes com obesidade (IMC > 30) têm mais episódios de refluxo e pior escore de DeMeester do que aqueles com sobrepeso (IMC > 25). Em candidatos à cirurgia bariátrica, aqueles com IMC > 50 têm esofagite erosiva com maior prevalência aos com IMC > 40 e assim sucessivamente. Apesar disso, é incomum o achado de esofagite grave (C/D) ou até mesmo o diagnóstico de Esôfago de Barrett.
Como deve ser a investigação da DRGE no pré-operatório da cirurgia bariátrica?
Apesar de ser rotina na maioria dos serviços de bariátrica no Brasil, até recente havia grande controvérsia na literatura internacional em relação à Endoscopia Digestiva Alta (EDA) no preparo para a cirurgia bariátrica.
A recomendação atual conforme consenso de sociedade internacional é o seguinte:
EDA deve ser considerada para todos os pacientes com sintomas gastrointestinais que planejam realizar cirurgia bariátrica devido à frequência de achados que podem mudar conduta
EDA deve ser considerada também para aqueles sem sintomas devido à chance de 25% de achados endoscópicos incidentais que podem mudar conduta ou até contraindicar a cirurgia bariátrica
Como a presença de DRGE influencia na escolha técnica da bariátrica?
Atualmente a Gastrectomia Vertical (GV) é a cirurgia bariátrica mais realizada no mundo. Entretanto, com seguimento a longo prazo, temos visto com maior frequência casos com DRGE no pós-operatório. Em algumas situações, muito sintomático e refratário à tratamento clínico, com necessidade de cirurgia revisional para conversão ao Bypass Gástrico em Y-de-Roux (BGYR).
Não há conduto, evidências fortes em relação a fatores de risco no pré-operatório que possam prever quais pacientes vão evoluir com refluxo de novo. Sabemos somente que aqueles com DRGE patológica, conforme critérios de Lyon, tendem a piorar após a GV.
Por tudo isso, a presença de DRGE deve ser ponderada na decisão conjunta com o paciente entre GV ou Bypass. De modo geral, mas não obrigatoriamente, devemos favorecer Bypass Gástrico em caso de:
Ayazi S, Hagen JA, Chan LS, DeMeester SR, Lin MW, Ayazi A, Leers JM, Oezcelik A, Banki F, Lipham JC, DeMeester TR, Crookes PF. Obesity and gastroesophageal reflux: quantifying the association between body mass index, esophageal acid exposure, and lower esophageal sphincter status in a large series of patients with reflux symptoms. J Gastrointest Surg. 2009 Aug;13(8):1440-7.
Derakhshan MH, Robertson EV, Fletcher J, Jones GR, Lee YY, Wirz AA, McColl KE. Mechanism of association between BMI and dysfunction of the gastro-oesophageal barrier in patients with normal endoscopy. Gut. 2012 Mar;61(3):337-43.
Brown WA, Johari Halim Shah Y, Balalis G, Bashir A, Ramos A, Kow L, Herrera M, Shikora S, Campos GM, Himpens J, Higa K. IFSO Position Statement on the Role of Esophago-Gastro-Duodenal Endoscopy Prior to and after Bariatric and Metabolic Surgery Procedures. Obes Surg. 2020 Aug;30(8):3135-3153. doi: 10.1007/s11695-020-04720-z. PMID: 32472360.
Bolckmans, R., Roriz-Silva, R., Mazzini, G.S. et al. Long-Term Implications of GERD After Sleeve Gastrectomy. Curr Surg Rep9, 7 (2021).
Sebastianelli L, Benois M, Vanbiervliet G, Bailly L, Robert M, Turrin N, Gizard E, Foletto M, Bisello M, Albanese A, Santonicola A, Iovino P, Piche T, Angrisani L, Turchi L, Schiavo L, Iannelli A. Systematic Endoscopy 5 Years After Sleeve Gastrectomy Results in a High Rate of Barrett’s Esophagus: Results of a Multicenter Study. Obes Surg. 2019 May;29(5):1462-1469.
Tratamento do Volvo de Cólon e da Pseudo-Obstrução Aguda do Cólon (Síndrome de Ogilvie)
As obstruções de cólon podem ser mecânicas ou não mecânicas e constituem cerca de 25% de todas as obstruções intestinais. Entre as causas mecânicas, as mais comuns são:
tumor obstrutivo no cólon ou reto (60%);
estenose cicatricial por diverticulites prévias (10%);
volvo do cólon (15 a 20%).
O volvo do cólon é a torção de um segmento redundante do cólon em seu mesentério que pode levar à oclusão luminal do segmento torcido e isquemia por rotação do mesocólon e, consequentemente, à perfuração.
Embora o volvo do cólon possa ocorrer em qualquer segmento redundante, envolve mais comumente o sigmóide (60%–75% de todos os casos) e ceco (25%–40% de todos os casos).
O volvo de sigmoide ocorre principalmente durante a 6ª a 8ª décadas de vida, sendo mais comum em homens, pacientes institucionalizados, pacientes com constipação crônica, comprometimento neuropsicológico ou comorbidades descompensadas. Por outro lado, o volvo de ceco, geralmente se apresenta em pacientes mais jovens e tem predominância do sexo feminino.
Já a pseudo-obstrução aguda do cólon, ou síndrome de Ogilvie, é uma causa funcional não mecânica de obstrução que se acredita ser uma consequência da desregulação dos impulsos autônomos da inervação do cólon. Há grande distensão do cólon sem fator obstrutivo, mas que também pode evoluir para isquemia e perfuração. As apresentações clínicas variam de acordo com o grau de distensão, se a válvula ileocecal é competente ou não e a condição clínica do paciente. Mais comumente, a síndrome de Ogilvie afeta pacientes idosos ou pacientes internados por motivos não relacionados, incluindo cirurgia eletiva, trauma ou tratamento de uma condição médica aguda.
Aqui apresentamos algumas recomendações das diretrizes da Sociedade Americana de Cirurgia Colorretal para a condução desses casos.
Volvo de Cólon
Avaliação inicial com história, exame físico e exames laboratoriais básicos. Os sintomas podem incluir cólicas, náuseas, vômitos, desconforto abdominal. O volvo de sigmóide geralmente tem apresentação mais indolente, enquanto o volvo de ceco costuma ter apresentação mais aguda. No exame físico, em geral há distensão abdominal com diferentes graus de dor à palpação, até peritonite. O toque retal revela uma ampola retal vazia. Apresentação na emergência com peritonite e sinais de choque acontecem em 25 a 35% dos casos.
Em pacientes hemodinamicamente estáveis, uma radiografia de abdome auxilia na avaliação inicial (achado de “grão de café” e, em pacientes com válvula ileocecal incompetente, distensão de delgado). Tomografia é usada para confirmar o diagnóstico.
RX de abdomen mostrando o sinal do “grão de café”, indicativo de volvo de cólon
Volvo de Sigmoide
Pacientes hemodinamicamente estáveis, sem sinais de peritonite ou evidência de perfuração devem ser submetidos a retossigmoidoscopia para avaliar a viabilidade do sigmoide, desfazer a torção e descomprimir o cólon, terapia efetiva em 60 a 95% dos casos. É possível manter uma sonda para descompressão após a retossigmoidoscopia. A taxa de recorrência é de 43 a 75% nos casos que não são submetidos a intervenção cirúrgica posterior.
Sigmoidectomia de urgência é indicada quando a distorção endoscópica não é bem-sucedida e nos casos de sofrimento do cólon ou perfuração, assim como em pacientes com sinais de peritonite ou choque séptico. Após a ressecção do segmento torcido, a decisão de realizar uma anastomose primária, colostomia terminal ou anastomose com derivação deve ser individualizada considerando o contexto clínico do paciente no momento da cirurgia, as condições do cólon remanescente e as comorbidades.
Pacientes submetidos à distorção endoscópica bem-sucedida são candidatos à colectomia segmentar durante a mesma internação hospitalar para evitar volvo recorrente e suas complicações. As operações sem ressecção, incluindo apenas distorção, sigmoidopexia e mesosigmoidoplastia, são inferiores à colectomia para a prevenção de volvo recorrente.
A fixação endoscópica do sigmóide pode ser considerada em pacientes selecionados nos quais a intervenção cirúrgica tem risco proibitivo.
Volvo de Ceco
Tentativas de redução endoscópica do volvo de ceco não são recomendadas.
Ressecção segmentar é o tratamento de escolha para pacientes com volvo de ceco. Ceco inviável ou isquêmico está presente em 18% a 44% dos pacientes com volvo de ceco e está associado a uma taxa de mortalidade significativa.
No caso de volvo de ceco com intestino viável, o uso de procedimentos cirúrgicos sem ressecção deve ser limitado a pacientes sem condições clínicas para ressecção.
Pseudo-Obstrução Aguda do Cólon (Síndrome de Ogilvie)
A avaliação inicial deve incluir história e exame físico, exames laboratoriais e diagnóstico por imagem. Na ausência de febre, leucocitose, peritonite, pneumoperitôneo ou diâmetro do ceco > 12 cm, a terapia inicial consiste na correção de distúrbios hidroeletrolíticos, reposição volêmica, evitar ou minimizar uso de opióides, evitar medicamentos anticolinérgicos e identificar e tratar infecções concomitantes. Também é recomendável deambulação, jejum, manobras de posicionamento (genu-peitoral ou prona) para promover a motilidade intestinal e descompressão com sondas nasogástricas e retais. Laxantes osmóticos orais devem ser evitados porque podem piorar a dilatação do cólon. Radiografias de abdome fazem parte da avaliação diária, acompanhado do exame físico.
O tratamento inicial é de suporte clínico e inclui a exclusão ou correção de condições que predispõem os pacientes ao quadro ou prolongam seu curso.
O tratamento farmacológico com neostigmina é indicado quando o quadro não se resolve com terapia de suporte.
A descompressão endoscópica do cólon deve ser considerada em pacientes com Ogilvie nos quais a terapia com neostigmina é contraindicada ou ineficaz.
O tratamento cirúrgico é recomendado nos casos complicados por isquemia ou perfuração do cólon ou refratários a terapias farmacológicas e endoscópicas.
Camargo MGM., Tratamento do Volvo de Cólon e da Pseudo-Obstrução Aguda do Cólon (Síndrome de Ogilvie). Gastropedia, 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/colorretal/tratamento-do-volvo-de-colon-e-da-pseudo-obstrucao-aguda-do-colon-sindrome-de-ogilvie/
Referências:
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