Partição gástrica para tratamento de tumores gástricos distais obstrutivos não ressecáveis
Infelizmente, muitos pacientes no momento do diagnóstico já apresentam tumores gástricos localmente avançados, que não podem ser removidos por meio de procedimento cirúrgico, ou sinais de doença sistêmica. No Brasil, esse número pode representar mais de 25% dos casos. A obstrução gástrica distal (gastric outlet obstruction) ocorre em cerca de 30% dos tumores gástricos distais. Nessas situações, a principal modalidade terapêutica não curativa para o tratamento do CG persiste sendo a ressecção do tumor, mas sem a necessidade de linfadenectomia associada.
No entanto, alguns pacientes apresentam tumores localmente avançados que não podem ser ressecados. A incidência destes varia na literatura de 5 a 30% dos casos de CG. Nesses casos, procedimentos de derivação gastrointestinal ou o emprego de próteses endoscópicas podem ser indicados para melhorar a qualidade de vida, aliviar os sintomas de obstrução gástrica, e assim possibilitar a administração de tratamento paliativo.
O emprego de próteses endoscópicas tem ganhado popularidade para a paliação obstruções do trato digestivo, uma vez que apresenta a vantagem de ser uma opção menos invasiva e sem a necessidade de uso do centro cirúrgico com anestesia geral. Entretanto, o estudo randomizado multicêntrico (Sustent Study) relatou pior resultado a longo prazo com uso da prótese comparado com a gastrojejunostomia. Fatores como migração da prótese, crescimento tumoral causando nova obstrução, e erosão da parede gástrica, são complicações em longo prazo que prejudicam os resultados observados. Outro agravante refere-se ao custo e indisponibilidade imediata das próteses pelo sistema público em nosso país. Atualmente, a prótese é indicada principalmente em pacientes com baixa performance clínica pela escala da Eastern Cooperative Oncology Group (ECOG), e com expectativa de vida inferior a 2 meses.
Com relação aos procedimentos cirúrgicos de derivação, o mais utilizado é a gastrojejunostomia, também chamada de gastroentero anastomose. A gastrojejunostomia consiste na realização de anastomose com ampla extensão da parede posterior do estômago com a primeira alça jejunal que alcança o estômago sem tensão (Figura 1). A anastomose pode ser realizada de maneira manual ou mecânica, com emprego de grampeadores cirúrgicos.
Apesar da simplicidade técnica da execução da gastrojejunostomia, um grande inconveniente observado na prática é a dificuldade de esvaziamento gástrico pela anastomose após a realização do procedimento. Os dados da literatura referem que de 10 a 26 % dos pacientes apresentam essa complicação, conforme demonstrado na Figura 1. Tal ocorrência pode levar ao aumento no tempo de internação e atrasar o início da quimioterapia paliativa, fundamental para prolongar a sobrevida.
Figura 1
Outro inconveniente deste procedimento é a manutenção do tumor em contato com os alimentos ingeridos pelo paciente, uma vez que a exposição do tumor predispõe a ocorrência de sangramento tumoral. Por fim, existe também o risco de obstrução da gastrojejunostomia pelo crescimento do tumor que se encontra próximo à anastomose, podendo deste modo invadi-la. Esse receio pode levar o cirurgião a realizar a anastomose em uma porção mais proximal do corpo gástrico, o que prejudica ainda mais o esvaziamento gástrico.
Com o objetivo de superar esses inconvenientes, a realização de uma partição parcial do estômago associada a gastrojejunostomia na câmara gástrica proximal tem sido indicada para tumores distais obstrutivos não ressecáveis. O racional da realização da partição envolve a criação de uma câmara gástrica de menores dimensões facilitando o esvaziamento pela gastrojejunostomia e a exclusão do tumor na câmara distal diminuindo o risco de sangramento e impedindo a infiltração da anastomose pelo tumor.
Passos técnicos da partição gástrica
Após a identificação dos limites proximais da lesão, um ponto localizado de 3 a 5 cm proximal à lesão na grande curvatura é selecionado para iniciar a partição (Figura 2).
Figura 2. Escolha do local da partição. Tumor está identificado na área rasurada pela caneta de marcação cirúrgica e a linha de partição no estômago definida.
Sonda de Faucher nº 32 ou nasogástrica calibrosa é passada e mantida ao longo da pequena curvatura gástrica para manutenção da comunicação entre as duas câmaras gástricas criadas pela partição (Figura 3). A partição parcial do estômago é realizada com emprego de grampeador linear cortante.
Figura 3. Posicionamento do grampeador. Sonda de Faucher posicionada ao longo da pequena curvatura evitando a secção completa do estômago.
Posteriormente, a gastrojejunostomia é realizada em posição anterior ao cólon, isoperistáltica na parede posterior do estômago com no mínimo 5 cm de extensão, utilizando a primeira alça jejunal a cerca de 30-40 cm do ângulo de Treitz (Figura 4).
Figura 4. Aspecto final após a partição gástrica. Anastomose mecânica realizada ao longo da grande curvatura na parede gástrica posterior.
A anastomose pode ser realizada da maneira manual ou com o emprego de grampeador linear cortante. A via de acesso pode ser convencional ou laparoscópica, de acordo com a preferência do cirurgião.
Importante ressaltar que nos casos de tumores proximais ou com envolvimento da pequena curvatura proximal a incisura angularis a partição deve ser evitada pelo risco de obstrução da comunicação entre as câmaras gástricas.
Figura 5. Critério de exclusão. Tumor proximal à incisura angularis na pequena curvatura gástrica. Sugestão de leitura:
Ramos MFKP, Partição gástrica para tratamento de tumores gástricos distais obstrutivos não ressecáveis. Gastropedia 2023 Vol 1. Disponível em: gastropedia.pub/pt/sem-categoria/particao-gastrica-para-tratamento-de-tumores-gastricos-distais-obstrutivos-nao-ressecaveis/
Doença diverticular do cólon: epidemiologia e fisiopatologia
1. INTRODUÇÃO
A doença diverticular do cólon é uma patologia onde pequenos sacos são formados por uma protrusão geralmente no ponto de penetração da artéria nutriente (vasa recta) que irriga a mucosa e a submucosa. É uma doença crônica com um amplo espetro de sintomas abdominais que eventualmente podem agudizar.
A doença diverticular do colón afeta mais da metade dos indivíduos acima dos 60 anos de idade. No entanto, apenas 20% dos doentes desenvolvem sintomas desta condição.
Existe amplo espectro de apresentações clínicas dos divertículos de cólon. O detalhamento do quadro clínico será discutido em outro artigo. Neste artigo, focaremos na fisiopatologia da doença diverticular e de suas complicações. No entanto, é importante entender a diferença de nomenclaturas utilizadas para descrever cada condição. Resumidamente:
Diverticulose ou Doença diverticular assintomática: é a simples presença de divertículos no cólon. Pode ser assintomática ou sintomática. A maioria das pessoas com divertículos do cólon permanece assintomática. Sintomas atribuídos a diverticulose aparecem em cerca de 25-30% dos indivíduos. Alguns autores reservam o termo doença diverticular apenas para a diverticulose sintomática, embora no nosso meio esses termos sejam usados como sinônimos.
Doença diverticular sintomática pode variar conforme sua apresentação clínica, desde a Doença diverticular sintomática não complicada, que tipicamente manifesta-se por dor abdominal localizada, sensação de gases e alterações do habito intestinal, até a Doença diverticular complicada, como a diverticulite aguda e a hemorragia diverticular.
2. EPIDEMIOLOGIA
A doença diverticular é uma das desordens gastrointestinais mais comuns nos países ocidentais, e acredita-se que sua incidência tenda a aumentar, sendo proporcional com o envelhecimento da população. A diverticulose do cólon é o achado mais comum na colonoscopia.
A distribuição destes divertículos varia com a raça, mas não com o sexo.
No ocidente, 80-90% situam-se no cólon esquerdo. Na população asiática a diverticulose predomina no cólon direito (80%). Frequência de diverticulose a direita tem aumentado no ocidente ultimamente.
A prevalência da diverticulose é menor que 20% na população com menos de 40 anos, comparado com cerca de 60% nos indivíduos com mais de 70 anos de idade.
A diverticulose geralmente cursa sem sintomas ao longo da vida. A diverticulite aguda ocorre em menos de 5% dos doentes com diverticulose e destes, 20% terão diverticulite complicada.
Depois da recuperação do primeiro episódio, 15 a 20% podem apresentar recorrência.
3. FISIOPATOLOGIA
O mecanismo fisiopatológico envolvido na doença diverticular é complexo e não está completamente compreendido. A diverticulose parece estar ligada à formação de divertículos através de altas pressões na mucosa do cólon em locais de fraqueza onde arteríolas penetram a camada muscular circular para fornecer nutrientes à mucosa. Estas arteríolas advêm de colaterais das artérias mesentérica superior e inferior através da arcada de Riolan, da artéria marginal de Drummond e uma série de outras arcadas. As arcadas terminais por fim penetram a camada muscular pela vasa recta para formar o plexo submucoso. Assim, contrações de elevada amplitude associadas a obstipação e elevado conteúdo de gordura nas fezes no lúmen do cólon sigmóide resultam na criação destes divertículos. Os divertículos ocorrem mais frequentemente no cólon sigmoide estando relacionados a pressão e o tipo de conteúdo intraluminal.
Divertículo falso ou verdadeiro? Na população ocidental, os divertículos são causados por inversão das camadas mucosa e submucosa, mas não da camada muscular, portanto, são denominados falsos divertículos ou pseudodivertículos. Na população oriental, a inversão pode envolver todas as camadas da parede do cólon e esses divertículos são, portanto, referidos como divertículos “verdadeiros”.
Existem três fatores principais envolvidos na fisiopatologia da doença diverticular:
Alterações da parede do cólon
aumento da pressão intracólica (dismotilidade)
Dieta pobre em fibras (fezes endurecidas)
3.1 Alterações na parede:
Existe um espessamento atribuído à deposição de elastina entre as células musculares na taenea, verificando-se um aumento da síntese de colégeno tipo III. Isso leva a um encurtamento das tênias colônicas com espessamento da camada muscular circular e redução do calibre do órgão, processo conhecido como myochosis coli. Verifica-se uma expressão acentuada do inibidor tecidual de metaloproteinases, que regula a deposição de proteínas na matrix extracelular, o que poderá levar ao aumento da elastina e colágeno. Estes achados parecem estar em harmonia com a incidência mais alta da diverticulose nas doenças do tecido conjuntivo.
diversos autores referem espessamento da camada muscular como fator que precede o divertículo, pois esta hipertrofia causaria aumento da pressão intracolônica e aumento do número de ondas motoras.
3.2 Distúrbios da motilidade do cólon:
Segundo Painter (TEORIA DA SEGMENTAÇÃO NÃO-PROPULSIVA) (Painter NS, et al. Gastroenterology. 1965), o cólon atua em segmentos separados em vez de funcionar como um tubo contínuo. Havendo progressão desta segmentação, as pressões altas são direcionadas à parede do cólon em vez de desenvolver ondas de propulsão para mover o conteúdo intestinal distalmente.
Postulou a teoria da segmentação cólica onde a contração da musculatura lisa em sintonia com as pregas semilunares da mucosa levaria ao aparecimento de múltiplas câmaras (que corresponderiam às haustrações) onde a pressão estaria aumentada favorecendo a pulsão da mucosa contra os pontos de fraqueza na parede cólica na entrada dos vasos retos levando então ao aparecimento dos divertículos.
A atividade mioelétrica também parece estar alterada na doença. Foi demonstrado em diversos estudos mais atuais que na doença diverticular existem menos células de Cajal e células gliais e uma variabilidade na expressão de certos neuropeptídeos
Alterações da motilidade cólica resultam em aumento das pressões de repouso no cólon de indivíduos com doença diverticular.
O cólon sigmoide por ter a maior pressão no cólon e ser o segmento mais estreito é o mais acometido.
A observação de pressões elevadas de repouso e induzidas no cólon direito de pacientes asiáticos com divertículos proximais também foi publicada, sugerindo que a dismotilidade proximal também exerce papel na origem de divertículos do cólon direito.
3.3 Dieta:
A grande variação na prevalência dessa afecção, bem como sua estreita correlação com a dieta ocidental sugerem a existência de um fator etiológico presente na dieta.
Painter e Burkitt (Painter NS and Burkitt DP. Brit Medical.1971) observaram em mais de 1.200 habitantes do Reino Unido e de Uganda que os primeiros, ingerindo dieta ocidental pobre em fibra e refinada (massa fecal diária de aproximadamente 110 gramas), exibiam tempo de trânsito intestinal menor do que os africanos que se alimentavam de dieta rica em fibras e tinham massa fecal avaliada em aproximadamente 450 gramas por dia. Postulou-se que tempos de trânsito intestinal prolongado com fezes pouco volumosas resultantes de dieta pobre em fibras levariam a significativo aumento das pressão intraluminal e predisporiam à formação de divertículos.
No entanto, quando olhamos para uma população inteiramente ocidental, tais diferenças na composição da dieta e na duração do tempo de trânsito não foram elucidativas. Tampouco estudos de intervenção estão disponíveis para comprovar a evidência epidemiológica.
A principal hipótese para a diverticulose envolve anormalidades neuromusculares, com alteração na composição do colágeno, no sistema neuronal entérico, num cenário de aumento da pressão intraluminal.A doença diverticular sintomática não complicada pode se instalar num contexto de alteração da microbiota, levando a um processo inflamatório crônico e insidioso, com liberação de mediadores inflamatórios e hipersensibilidade visceral.
4. Fisiopatologia das complicações da doença diverticular
4.1 Fisiopatologia da Diverticulite Aguda
A causa subjacente da diverticulite é a perfuração micro ou macroscópica de um divertículo. Os mecanismos que levam a essa perfuração não são bem elucidados e provavelmente a causa é multifatorial. Anteriormente, acreditava-se que a obstrução dos divertículos (por exemplo, por fecalitos) aumentava a pressão intradiverticular e causava perfuração. No entanto, essa obstrução nem sempre está presente.
Acredita-se que o processo seja multifatorial:
Alteração do microbiota levando a disfunção da barreira mucosa
Inflamação crônica local
Trauma local com erosão da parede diverticular por aumento da pressão intraluminal e fecalitos
Seguem inflamação e necrose focal, resultando em perfuração
Recentemente, descobriu-se que também existe uma inflamação de baixo grau contínua no segmento de cólon acometido. Esta inflamação leva a hipertrofia muscular e ao remodelamentodos nervos entéricos levando a hipersensibilidade visceral e alteração da motilidade. Estas mudanças podem ser a razão da dor abdominal recorrente e distúrbios gastrointestinais posteriormente a um episódio de diverticulite.
Outro fator que também parece ter algum papel na fisiopatologia é a microbiota intestinal. Em diversos estudos, na diverticulite a diversidade de Proteobacteria foi maior em relação ao controle. Também apresenta um maior número de macrófagos e uma depleção de Clostridium cluster IV. Na diverticulose sintomática, parece estarem reduzidos o Clostridium cluster IX, Fusobacterium, e Lactobacillaceae, comparados com as pessoas com diverticulose sem sintomas.
Alterações da microbiota, perda da função de barreira, inflamação e trauma causado por fecalito são os principais mecanismos propostos para a diverticulite aguda.
Com relação à FISIOPATOLOGIA DO SANGRAMENTO DIVERTICULAR, após a herniação diverticular no ponto de fraqueza dos vasos, a vasa recta fica mais exposta ao conteúdo colônico, levando a espessamento da camada íntima e adelgaçamento da camada média, que predispõe a ruptura para o lumen.
O sangramento diverticular ocorre em locais com assimetria de vasos perfurantes que encontram-se com calibre aumentado. Obesidade, hipertensão arterial e trauma luminal são considerados fatores de risco para o sangramento diverticular
Diversos fatores de risco já foram correlacionados com a doença diverticular, incluindo ingesta de carne vermelha, dieta pobre em fibras, sedentarismo, IMC > 25 Kg/m2 e tabagismo. TODOS OS GUIDELINES COLOCAM A OBESIDADE, DIETA POBRE EM FIBRAS E SEDENTARISMO COMO FATORES DE RISCO PARA DOENÇA DIVERTICULAR.
REFERÊNCIAS
Tursi A, Scarpignato C, Strate LL, Lanas A, Kruis W, Lahat A, Danese S. Colonic diverticular disease. Nat Rev Dis Primers. 2020 Mar 26;6(1):20. doi: 10.1038/s41572-020-0153-5. PMID: 32218442
Rastreamento de neoplasia intraepitelial anal e prevenção de câncer de ânus
Incidência de câncer de ânus e canal anal
O carcinoma espinocelular de ânus e canal anal possui uma baixa incidência na população geral (1-2/100.000 pessoas-ano). Porém, quando associados a fatores de risco como a co-infecção com o HIV, homens que fazem sexo com homens (HSH), presença de lesões de alto grau ou carcinoma nos genitais e imunossupressão, esse risco pode aumentar consideravelmente:
Gráfico de incidência de câncer de ânus. Clifford et al (1)
O câncer de ânus e canal anal pode ser rastreado com um exame proctológico completo, com inspeção e toque retal, seguido de anuscopia com biópsia em lesões suspeitas (3).
As lesões intra-epiteliais anais de alto grau (NIA de alto grau), assim como ocorre no colo do útero, podem ser identificadas por meio de exames como a citologia oncótica ou a genotipagem para HPV de alto risco oncogênico obtida por meio do esfregaço anal (Anal-Pap).
Quando esses resultados vierem alterados, o paciente deve ser encaminhado para realização de um exame de anuscopia de alta resolução ou anuscopia com magnificação de imagem, que se assemelha a um exame de colposcopia da região do ânus e do canal anal. Por meio desse exame, é possível identificar lesões suspeitas para NIA de alto grau, que, quando identificadas por meio de uma biópsia, devem ser tratadas, por meio de cauterização química ou eletrocauterização ou com laser de infravermelho (4)
Esfregaço anal (Anal-PAP) para citologiaAnuscopia de alta resoluçã
ANCHOR trial
Até recentemente, não havia um grau de evidência robusta para se indicar o rastreio e tratamento das lesões intraepiteliais anais de alto grau como método de prevenção para o câncer de ânus e canal anal (2).
Entretanto, em 2022 foi publicado no NEJM os resultados do ANCHOR trial, (Anal Cancer HSIL Outcomes Research) (5) um estudo prospectivo multicêntrico randomizado que avaliou 4446 pessoas que vivem com HIV que foram acompanhadas com exames de citologia e anuscopia de alta resolução.
Quando identificadas lesões intraepiteliais anais de alto grau (NIA 2 p16+ ou NIA3), os participantes foram randomizados em dois grupos: um no qual essas lesões seriam tratadas e outro no qual essas lesões seriam acompanhadas a cada 6 meses.
A taxa de progressão para câncer de ânus foi 53% menor no grupo tratado do que no grupo apenas acompanhado (p= 0,03).
Curva Kaplan-Meier da progressão de câncer de ânus – ANCHOR trial. Palefsky et al (5)
Conclusão
O câncer de ânus e canal anal é bastante raro e não deve ser rastreado na população em geral.
Sua incidência aumenta bastante em certas populações como: pessoas que vivem com HIV, homens que fazem sexo com homens, mulheres com histórico de câncer ou lesões de alto grau nos genitais e doenças ou tratamentos que cursem com imunossupressão, o que justifica o rastreio nesses grupos.
A identificação e o tratamento de lesões intraepiteliais anais de alto grau em pessoas que vivem com HIV se mostrou eficiente na prevenção do câncer de ânus e canal anal.
Referências
Clifford, Gary M., et al. “A meta‐analysis of anal cancer incidence by risk group: toward a unified anal cancer risk scale.” International journal of cancer 148.1 (2021): 38-47.
Stewart, David B., et al. “The American Society of Colon and Rectal Surgeons clinical practice guidelines for anal squamous cell cancers (revised 2018).” Diseases of the Colon & Rectum 61.7 (2018): 755-774.
Hillman, Richard John, et al. “International Anal Neoplasia Society guidelines for the practice of digital anal rectal examination.” Journal of lower genital tract disease 23.2 (2019): 138-146.
Hillman, Richard John, et al. “2016 IANS international guidelines for practice standards in the detection of anal cancer precursors.” Journal of lower genital tract disease 20.4 (2016): 283-291
Palefsky, Joel M., et al. “Treatment of anal high-grade squamous intraepithelial lesions to prevent anal cancer.” New England Journal of Medicine 386.24 (2022): 2273-2282.
A Síndrome de Dumping é uma combinação de sintomas gastrointestinais e vasomotores devido ao esvaziamento gástrico pós-prandial rápido
Os sintomas gastrointestinais incluem dor abdominal, saciedade precoce, náusea, vômito, diarreia e distensão abdominal.
Os sintomas vasomotores sistêmicos incluem sudorese, taquicardia, palpitações, dor de cabeça e síncope.
Esta síndrome pode se desenvolver após qualquer operação no estômago, mas é mais comum após a gastrectomia parcial com a reconstrução de Billroth II. Também pode ocorrer após gastroplastia redutora (bypass) com incidência entre 10-20%. É menos comum após reconstrução a Billroth I e Gastrectomia Vertical (Sleeve). Ainda não existem dados confiáveis sobre a prevalência exata da síndrome de dumping no pós-operatório. Estima-se que 5 a 10% dos pacientes com Sd dumping apresentam uma forma incapacitante grave.
Fisiopatologia
A Síndrome de Dumping pode ser dividida em precoce e tardia.
A Síndrome de Dumpingprecoce ocorre dentro de 30 minutos após refeição e é resultado da rápida passagem de alimentos de alta osmolaridade do estômago para o intestino delgado.
Isso ocorre porque a gastrectomia (ou qualquer interrupção do mecanismo do esfíncter pilórico), impede o estômago de preparar o seu conteúdo e entregá-los ao intestino proximal na forma de pequenas partículas em solução isotônica. O bolo alimentar hipertônico passa para o intestino delgado, induzindo:
um rápido deslocamento de líquido extracelular para o lúmen intestinal para atingir isotonicidade. O deslocamento do líquido extracelular provoca distensão luminal e induz os sintomas gastrointestinais.
liberação de vários hormônios gastrointestinais, como tais como substâncias vasoativas (neurotensina, peptídeo vasoativo intestinal (VIP), incretinas (GIP, GLP1) e moduladores da glicose (insulina, glucagon), que induzem sintomas vasomotores (ver abaixo).
Síndrome de dumping precoce
A Síndrome de Dumping tardia ocorre de 1 a 3 horas após uma refeição e é menos comum (corresponde a 25% das sd dumping). A causa da Síndrome de Dumping tardia também é o esvaziamento gástrico rápido, no entanto, está relacionado especificamente à chegada rápida de carboidratos no intestino proximal.
Quando os carboidratos chegam ao intestino delgado, eles são rapidamente absorvidos, resultando em hiperglicemia, que desencadeia a liberação de grandes quantidades de insulina para controlar o aumento do nível de açúcar no sangue. Essa supercompensação resulta em hipoglicemia, causando sintomas neuroglicopênicos (ver abaixo). A hipoglicemia estimula a glândula adrenal a liberar catecolaminas, resultando em sudorese, tremores, tontura, taquicardia e confusão (reatividade autonômica).
Sintomas
Os sintomas de dumping precoce e tardio apresentam algumas diferenças.
Dumping precoce:
ocorre dentro de 1 h, tipicamente 30 min após a ingestão de uma refeição
sintomas gastrointestinais: dor abdominal, distensão abdominal, borborigmo, náuseas, diarreia
sintomas vasomotores: fadiga, desejo de deitar-se, rubor, palpitações, transpiração, taquicardia, hipotensão e síncope (raro)
Dumping tardio:
1-3 h após refeição
Sintomas neuroglicopenicos: fadiga, fraqueza, confusão, fome e síncope
reatividade autonômica: transpiração, palpitações, tremor e irritabilidade
Devido à sobreposição de sintomas na apresentação clínica, muitas vezes é difícil diferenciar entre as duas apresentações, e a co-ocorrência é frequentemente encontrada.
Tratamento
Medidas dietéticas geralmente são suficientes para tratar a maioria dos pacientes.
evitar alimentos com grandes quantidades de açúcar
alimentar com maior frequência (6/dia) com pequenas refeições ricas em proteínas, gorduras e fibras
separar líquidos de sólidos durante a refeição. A ingestão de líquidos deve ser adiada em pelo menos 30 minutos.
Em alguns pacientes sem resposta a medidas dietéticas, tratamentos farmacológicos direcionados a sintomas específicos podem ser eficazes, como loperamida para diarreia e antieméticos para náuseas.
Os anticolinérgicos (diciclomina, hiosciamina, propantelina) podem retardar o esvaziamento gástrico e tratar espasmos.
Análogos da somatostatina podem melhorar a síndrome de dumping por meio de vários mecanismos:
retardando o esvaziamento gástrico
diminuição do trânsito do intestino delgado
diminuição da liberação de hormônios gastrointestinais, incluindo a secreção de insulina
inibição da vasodilatação pós-prandial
Análogos da somastotatina (ex: octreotide) podem ser administrados via subcutânea (ação curta) imediatamente antes das refeições (3x/dia) ou através de uma formulação intramuscular de longa duração (cada 2-4 semanas). Octreotide é o medicamento mais bem estudado para a síndrome de dumping e pode ser muito eficaz. No entanto, os peptídeos são caros e, portanto, normalmente não são considerados tratamento de primeira linha.
A acarbose é um inibidor da alfa-glucosidase que diminui a digestão intraluminal de carboidratos no duodeno. Portanto, é usado para tratar a hipoglicemia pós-prandial na síndrome de dumping tardia
Os pacientes com sintomas graves podem necessitar de uma reoperação se o tratamento conservador for malsucedido. A escolha da cirurgia depende da cirurgia gástrica original.
Em pacientes com gastrectomia distal é recomendada a conversão de uma gastrojejunostomia em alça para uma reconstrução em Y-de-Roux
Para pacientes com gastrojejunostomia sem gastrectomia, a desmontagem da gastrojejunostomia pode ser realizada se a função do piloro estiver mantida
Referência
Mahvi, DA e Mahvi, DM. Em Sabiston: Textbook of Surgery, 21ª. Edição.
Emous M, Wolffenbuttel BHR, Totté E, van Beek AP. The short- to mid-term symptom prevalence of dumping syndrome after primary gastric-bypass surgery and its impact on health-related quality of life. Surg Obes Relat Dis. 2017 Sep;13(9):1489-1500.
Vavricka SR, Greuter T. Gastroparesis and Dumping Syndrome: Current Concepts and Management. J Clin Med. 2019 Jul 29;8(8):1127. doi: 10.3390/jcm8081127. PMID: 31362413; PMCID: PMC6723467.
O câncer gástrico (CG) é o quinto câncer mais comum no mundo. Estima-se que mais de um milhão de novos casos de CG ocorram anualmente.
O câncer do remanescente gástrico, ou do coto gástrico, foi definido como um tumor que se desenvolve no remanescente gástrico mais de 5 anos após gastrectomia prévia.
Sua incidência relatada na literatura varia entre 2 a 6% de todos os pacientes com CG. Pode ocorrer no estômago remanescente seja após ressecção prévia por lesão benigna ou maligna. No entanto, esses tumores parecem ter comportamentos e etiologias diferentes. Devido à sua raridade e diversidade, as características do câncer do remanescente gástrico, os fatores de prognóstico e sobrevida, permanecem incertos.
Contexto
A ressecção gástrica para doença benigna foi comumente realizada até o final da década de 1980 e criou uma grande coorte de pacientes com remanescente gástrico com risco de desenvolvimento de tumores. A introdução de antagonistas dos receptores H2 e inibidores da bomba de prótons na década de 1980 reduziu drasticamente o número de ressecções gástricas devido à doença péptica. No entanto, como o período de desenvolvimento da doença é longo, a ocorrência de tumores do remanescente ainda faz parte da realidade atual devido ao uso passado de ressecção gástrica para tratamento de úlcera péptica. Por outro lado, a melhora nos resultados do tratamento do CG aumentou a sobrevida dos pacientes submetidos à ressecção gástrica, aumentando também a população suscetível ao desenvolvimento de nova neoplasia no remanescente gástrico. Portanto, mudança nesta proporção de benigna/maligna relacionada às indicações anteriores de ressecção gástrica é esperada no futuro.
A vigilância endoscópica a longo prazo é recomendada para detecção precoce de lesões em pacientes submetidos a gastrectomia distal prévia. Mesmo com essas recomendações, há um senso comum de que tumores do remanescente geralmente se apresentam em estágio clínico mais avançado e com pior prognóstico. O maior período de efeito carcinogênico após a ressecção, bem como a percepção dos pacientes de que eram portadores de doença benigna, torna-os menos propensos a continuar acompanhando o remanescente gástrico para detecção precoce.
Carcinogênese
A carcinogênese do CG é um processo de várias etapas que envolve a interação de vários fatores genéticos, epigenéticos e ambientais. Os fatores de risco comumente associados ao desenvolvimento do CG incluem infecção crônica por H. pylori, baixa ingestão de frutas e vegetais, alta ingestão de sal, tabagismo e consumo de álcool.
Após ressecção gástrica prévia por doença maligna, esse efeito carcinogênico cumulativo na mucosa gástrica é mantido. Por esta razão, pacientes com gastrectomia prévia por câncer desenvolvem tumores no remanescente em um período significativamente mais curto do que pacientes com lesões benignas prévias.
Após ressecção gástrica por doença benigna, mudanças ambientais começam a induzir danos crônicos em uma mucosa gástrica normal anterior do remanescente, iniciando uma via carcinogênica de novo com um período mais longo para o desenvolvimento do tumor no remanescente. O tempo relatado necessário para transformar essa mucosa inflamada remanescente em um epitélio neoplásico é superior a 20 anos.
Outro fator que contribui para a carcinogênese remanescente é a vagotomia realizada no procedimento anterior, que causa denervação da mucosa gástrica levando a hipocloridria. Por outro lado, a frequência de infecção por H. pylori diminui na mucosa remanescente, levando a um efeito protetor.
Se essas alterações realmente levam a uma maior incidência de CG na mucosa remanescente, ou apenas refletem o risco normal de CG na população em geral, ainda está em discussão. Essa discrepância nos relatórios pode resultar da diferença nas taxas de incidência de CG na população geral de diferentes países. Regiões com baixa incidência de CG tendem a ter uma proporção maior de tumores de remanescentes em comparação com regiões com alta incidência de CG.
Tipo de reconstrução e risco de carcinogênese
A relação entre tipo de reconstrução e risco de RGC permanece incerta.
A reconstrução Billroth I (BI) mantém o fluxo do alimento ingerido do estômago remanescente para o duodeno, mas devido à ressecção no piloro o refluxo biliar duodeno-gástrico é aumentado.
A reconstrução Billroth II (BII) permite o influxo da bile do ramo jejunal aferente para o estômago remanescente. Esse fluxo constante torna a gastrite alcalina mais comum e grave após a BII. Isso leva à inflamação e regeneração da mucosa, que pode estar associada a um maior risco de tumores no remanescente. Apesar de alguns relatos na literatura, essa associação ainda não é um consenso.
Por outro lado, a reconstrução em Y de Roux evita o refluxo biliar para o estômago remanescente, mas raramente é realizada para ressecções benignas.
Na maioria dos casos o tumor do remanescente localiza-se na anastomose prévia (Figura 1). Os pacientes costumam ter idade mais avançada o que reflete o longo período de gastrite inflamatória necessária para induzir a carcinogênese na mucosa gástrica. Embora o sistema TNM seja aplicado a todos os tumores gástricos, o sistema de estadiamento para tumores no remanescente não foi estabelecido. Para um estadiamento patológico final adequado, recomenda-se a recuperação de pelo menos 15 linfonodos para evitar a migração do estágio por subestimação.
Tratamento cirúrgico
A gastrectomia total completa com linfadenectomia radical é a pedra angular do tratamento dos tumores do remanescente. A adesão a órgãos adjacentes e o deslocamento de estruturas anatômicas são dificuldades comuns durante o procedimento, tornando-o mais longo e mais propenso a combinar reparo ou ressecção de outros órgãos. Normalmente, o procedimento cirúrgico é realizado por abordagem aberta convencional, mas recentemente as abordagens laparoscópicas e robóticas minimamente invasivas estão aumentando (acesse videoteca cirúrgica gastropedia).
Tem sido sugerido que as características da metástase linfonodal nos tumores do remanescente são diferentes devido à interrupção da via linfática no primeiro procedimento. O tipo de reconstrução e a indicação prévia da primeira gastrectomia não parecem influenciar na incidência de metástase linfonodal, mas sim na sua localização. Isso pode levar a um maior envolvimento da artéria esplênica, hilo esplênico, mediastino inferior e mesentério jejunal. No entanto, a extensão padrão da linfadenectomia ainda não está definida. Semelhante ao CG, a linfadenectomia do hilo esplênico é indicada apenas se o tumor invadir a curvatura maior.
A presença de metástase linfonodal no mesentério jejunal tem um prognóstico ruim. Sabe-se que a linfadenectomia estendida na área pode afetar gravemente a qualidade de vida pós-operatória. Portanto, a extensão da linfadenectomia no mesentério deve ser determinada com base na extensão do envolvimento linfonodal, considerando um equilíbrio entre risco e benefício.
Figura 1. Imagens endoscópicas de tumores do remanescente junto à gastrojejunostomia prévia.
Referências
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ECCO 2023 – Algumas reflexões sobre o tratamento cirúrgico da Doença de Crohn
Na primeira semana de março, aconteceu o congresso da European Crohn’s and Colitis Organization, em Copenhague, na Dinamarca.
A maior parte da programação aborda os aspectos clínicos, pesquisas de base e tratamento clínico da retocolite ulcerativa e doença de Crohn. Mas algumas sessões tiveram foco nos aspectos cirúrgicos do tratamento dessas doenças.
Nesse post, vou falar um pouco sobre a questão da ressecção do mesentério e mesorreto e a anastomose ileocólica na doença de Crohn conforme abordado no congresso.
Ressecar o mesentério ou não?
Nos últimos 50 anos, o tratamento cirúrgico da doença de Crohn se baseava na premissa de que não era necessário fazer a ressecção do mesentério, como no câncer. Até porque o mesentério, nos pacientes com Crohn, é extremamente espesso e vascularizado, de forma que sua secção aumenta consideravelmente o sangramento intraoperatorio.
Porém, essa conduta passou a ser questionada após uma publicação de Coffey et al. em 2018. Nesse estudo retrospectivo, concluiu-se que a inclusão do mesentério na ressecção ileocólica na doença de Crohn foi associada a redução da recorrência com necessidade de reoperação (p=0,003). Esse estudo também mostrou, nas peças ressecadas, a correlação das áreas de espessamento mesenterial com fat wrapping à doença luminal (p=0,001) e de que o fat wrapping foi fator de risco independente para recorrência com necessidade cirúrgica (p=0,003).
Mas será que essas conclusões são definitivas? Agora devemos mudar a forma de operar Crohn e não precisamos mais discutir sobre esse assunto?
Olhando mais a fundo no estudo, além da limitação de ser retrospectivo, há duas populações bem diferentes entre si. A primeira, operada de 2004 a 2010, da forma convencional, com a maior parte dos pacientes com doença não fistulizante e não estenosante. A segunda, grupo operado com ressecção do mesentério a partir de 2010, com a maior parte dos pacientes com doença fistulizante ou estenosante. Outro problema do estudo é que não foram apresentados os critérios para indicação de cirurgia para as recidivas. Além disso, na população da cirurgia conservadora, houve uma predominância de margens comprometidas microscopicamente (79% x 16%). Hoje já temos diversos estudos demonstrando que isso aumenta o risco de recorrência cirúrgica na doença de Crohn.
Os autores atentam para a necessidade de estudos prospectivos randomizados para a confirmação dos resultados e mudança de conduta. Há, no momento, sete estudos randomizados em andamento pelo mundo, sendo dois deles já finalizados, porém ainda sem os resultados.
Há alguns outros aspectos na cirurgia de Crohn que vão contra os achados sobre a ressecção do mesentério, como, por exemplo, as estenoplastias. Nessas técnicas, não há nenhum tipo de ressecção mesenterial e os resultados nas séries publicadas não são ruins.
Outra técnica, bastante comentada recentemente, é a anastomose Kono-S, uma nova forma de fazer anastomose ileocólica que também demonstrou-se reduzir a recorrência pós-operatória. Na descrição da técnica, destaca-se a preservação do meso da área ressecada como uma forma de melhorar a vascularização local e evitar ressecções extensas.
Mas, então, qual técnica devemos escolher fazer na hora de fazer uma ressecção ileocecal na doença de Crohn?
Numa aula brilhante do francês Prof. Yves Panis, ele conclui que o “cirurgião moderno” pode associar as duas técnicas, como descrito em uma publicação de 2022 da Cleveland Clinic. Por ora, ainda não temos evidências que suportam a mudança de conduta para assumir alguma das técnicas, mas ambas são seguras reprodutíveis.
Quando mudamos o foco para o reto, por muitos anos se evitou fazer a excisão total do mesorreto (ETM) nos pacientes com Crohn pelo risco de deixar um oco pélvico que pudesse ser fonte de sangramento com formação de hematomas e abscessos. Mas, em 2019, um estudo de Amsterdã comparando pacientes que foram submetidos a proctectomia por Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa com ou sem ETM, mostrou que pacientes com Crohn, e não com retocolite, que tiveram o mesorreto ressecado tiveram menos complicações perineais precoces e tardias e menor tempo para cicatrização do períneo. O estudo mostrou que, apenas nos pacientes com Crohn, o tecido mesorretal, mas não o omental, continha um número aumentado de macrófagos CD14+ produtores de fator de necrose tumoral α, com menos expressão do marcador de cicatrização de feridas CD206.
Em conclusão:
Mesentério e anastomose Kono-S: são necessários mais estudos randomizados para concluirmos se essas técnicas trazem menores índices de recorrência e devem se tornar padrão na cirurgia para a doença de Crohn ileocecal.
Mesorreto: a ETM deve ser proposta durante a ressecção abdominoperineal para Doença de Crohn, talvez com exceção de pacientes jovens do sexo feminino com desejo reprodutivo para diminuir aderências pélvicas. Os resultados do estudo de Amsterdã foram convincentes e a técnica não aumenta a morbidade pós-operatória, além de melhorar cicatrização perineal.
Referências
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Luglio G, Rispo A, Imperatore N, Giglio MC, Amendola A, Tropeano FP, Peltrini R, Castiglione F, De Palma GD, Bucci L. Surgical Prevention of Anastomotic Recurrence by Excluding Mesentery in Crohn’s Disease: The SuPREMe-CD Study – A Randomized Clinical Trial. Ann Surg. 2020 Aug;272(2):210-217. doi: 10.1097/SLA.0000000000003821. PMID: 32675483.
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Existe um conflito na literatura quanto à definição de perda de peso insuficiente e reganho de peso, pois a maioria dos relatos não diferencia essas duas condições.
Perda de peso insuficiente (PPI) pode ser definida como menos de 20% de perda de peso total após 2 anos de cirurgia, geralmente relacionada à recidiva de doenças associadas.
Reganho de peso (RP) é o ganho ponderal progressivo após atingir a perda de peso nadir bem-sucedida (> 20% de perda de peso total).
Alguns defendem que o RP só deve ser definido se houver recidiva concomitante de comorbidades. A falta de padronização nas definições significa que os dados sobre a prevalência de PPI e RP são desconhecidos.
Causas
As causas de PPI e RP são multifatoriais e estão resumidas na figura 1.
Figura 1 – Potenciais causas de reganho de peso e perda de peso insuficiente. RP= reganho de peso; PPI= perda de peso insuficiente
Estratégias de tratamento
Identificação de não-respondedores
Como todas as doenças crônicas, a obesidade tem diferentes respostas biológicas individuais ao tratamento. O alto grau de variabilidade na perda ponderal pode ser secundário a uma predisposição genética. Provavelmente num futuro próximo, marcadores vão auxiliar na definição da reposta a diversas opções de tratamento para a obesidade. Estudos mostram que pacientes com perda de peso menor que 500 g/semana entre 3 e 6 meses de pós-operatório provavelmente não chegarão a 20% de perda de peso total. Portadores de índice de massa corpórea acima de 50 kg/m2 também tem uma forma clínica de obesidade mais grave. Ambas as situações podem necessitar de tratamento farmacológico adjuvante precocemente no pós-operatório.
Escolha da intervenção primária
Indicar o procedimento bariátrico mais adequado é crucial para melhores resultados. A escolha deve ser baseada na maior probabilidade de perda ponderal e melhor controle metabólico a longo prazo. Dada a heterogeneidade da população afetada e seu impacto individual, talvez nunca possamos identificar uma única operação que seja melhor para todos. As cirurgias mais realizadas mundialmente são a gastrectomia vertical (GV) e a derivação gastrojejunal em Y de Roux (DGJYR). A GV tem números mais altos de RP e PPI em estudos randomizados e controlados e séries de casos quando comparada com a DGJYR. A GV é frequentemente associada ao refluxo gastroesofágico levando a um número significativo de cirurgias revisionais. Uma seleção adequada e personalizada do paciente para o procedimento é obrigatória para os melhores resultados possíveis a longo prazo.
Intervenções dietéticas e comportamentais
São ainda pouco exploradas para prevenção do RP ou mitigação da PPI. Não há estudos que determinem a melhor estratégica dietética naqueles que apresentam reganho ou PPI. Poucos estudos mostram que o tratamento de comportamentos inadequados, como “beliscar “alimentos” podem influenciar os resultados, porém carecem de evidências científicas robustas. Assim como intervenções dietéticas e comportamentais, não há evidência de relação causal direta entre o impacto da atividade física nos resultados pós-operatórios relativos à perda de peso.
Farmacoterapia
A chegada das novas medicações (análogos do GLP1 ou estimuladores do duplo receptor GLP1/GIP) deve mudar o panorama de tratamento dos pacientes com PPI ou reganho de peso. A dúvida é o momento ideal da introdução da medicação. Será que deve ser rotineira em IMCs >50 kg/m2? Ou esperar o platô da perda ponderal? Ou ainda esperar o reganho de peso? São necessários estudos de nível elevado de evidência, porém é importante destacar a eficácia destas medicações no tratamento clínico da obesidade e das doenças associadas, como o diabetes tipo 2, e como esses resultados devem ser semelhantes em pacientes operados.
Cirurgia revisional e intervenções endoscópicas
Se indicadas, os pacientes devem ser avaliados pela equipe multidisciplinar e estudos radiológicos e endoscópicos para estudo da anatomia e diagnóstico de eventuais complicações corrigíveis, como as raras fístulas gastro-gástricas.
Cirurgia revisional e opções endoscópicas após GV e DGJYR
O reganho de peso ou perda de peso insuficiente são mais comuns após a GV do que após DGJYR.
Múltiplas alternativas cirúrgicas para revisar uma GV foram propostas.
Refazer a GV ou realizar uma plicatura da mesma não tem resultados significantes.
Embora ainda sem resultados a longo prazo, há mais dados mostrando a maior eficácia da conversão de GV em DGJYR.
Não há dados suficientes sobre a conversão de GV para novas técnicas propostas, como o bypass de uma anastomose (OAGB) ou a duodenoileostomia de anastomose única (SADI-S)
Conversões de RYGB em outras operações são anedóticas. Com a nova farmacoterapia, a cirurgia revisional por PPI/RP tende a ter seu número reduzido
Dentre as opções endoscópicas, há propostas de sutura para diminuir o diâmetro da anastomose gastrojejunal após DGJYR ou plicatura endoscópica de uma GV. Os resultados são modestos e ainda com acompanhamento de curto prazo.
Figura 2 – Estratégias de tratamento para perda de peso insuficiente/Reganho de peso após cirurgia bariátrica. PPI = perda de peso insuficiente; IMC = índice de massa corpórea
Referências
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Metástase hepática colorretal sincrônica – Como programar o tratamento?
O tumor colorretal possui grande impacto na saúde da população mundial e, segundo dados do INCA, ocupou o segundo lugar em incidência em ambos os sexos em nosso país em 2020. As complicações decorrentes do tumor colorretal ocupam o segundo lugar em mortalidade por câncer no mundo6. Ao diagnóstico, cerca de 20% desses pacientes já se apresentam com metástases hepáticas.4
Com o avanço dos tratamentos oncológicos e melhor compreensão da doença, estão disponíveis um maior número de tratamentos para esses pacientes, incluindo: cirurgia, quimioterapia, imunoterapia, radioterapia e tratamentos radio intervencionistas. Embora pacientes com metástases hepáticas sejam considerados com estádio IV, seguem sendo casos passíveis de tratamento curativo.
Diante de várias opções terapêuticas e com o aumento da sobrevida, casos complexos tornaram-se mais comuns, o que demanda de nós aprofundado conhecimento das diferentes opções terapêuticas. Reconhecendo essa dificuldade, os hospitais oncológicos organizam comitês multidisciplinares especializados que discutem as particularidades de cada paciente na intenção de obter os melhores resultados. São nessas reuniões em que traçamos o planejamento terapêutico e melhor momento para reavaliação e atuação de cada equipe.
Figura 1 – Realização de ablação por radiofrequência guiada por ultrassonografia simultânea a cirurgia hepática para tratamento multimodal de metástases de tumor colorretal
Diante da importância epidemiológica do diagnóstico que se apresenta com frequência nos consultórios e em situações de urgência – onde nem sempre temos acesso a opinião multidisciplinar em tempo hábil – esse artigo pretende mostrar os benefícios e desvantagens de cada estratégia disponível para oferecer ao paciente com tumor colorretal e metástase hepática sincrônica.
Os estudos sobre metástases hepáticas de tumores colorretais são numerosos e frequentemente há uma diferença regional de terminologia no assunto. Esse artigo se aplica a pacientes com metástase hepática já existente ou identificada logo ao estadiamento do tumor primário.
Figura 2 – Ressonância magnética demonstrando metástase hepática (seta amarela) sincrônica a um adenocarcinoma de cólon direito (seta azul).
Pacientes com tumor colorretal assintomáticos e metástases hepáticas ressecáveis
A maior parte dos especialistas clínicos e cirúrgicos recomenda a realização de quimioterapia pré-operatória – por cerca de 02 meses – seguida de tratamento cirúrgico caso boa resposta1. A cirurgia pode envolver a ressecção do primário em associação com hepatectomia desde que os cirurgiões estejam habilitados para tal e que as duas sejam cirurgias de médio porte. Casuísticas já demonstraram maior taxa de complicações perioperatórias e mortalidade em casos de cirurgia combinada envolvendo hepatectomias maiores2.
Pode-se, também, realizar ressecção do primário seguida de quimioterapia no intervalo entre as cirurgias; com ressecção hepática prevista para após cerca de 2 a 3 meses. Durante a primeira cirurgia a avaliação de doença hepática e confirmação anatomopatológica de metástases pode ser realizada, se necessário.
Figura 3 – Ultrassonografia laparoscópica intraoperatória. Recurso válido na identificação e planejamento intraoperatório de ressecções hepáticas.
Não houve diferença de sobrevida no período de 5 anos quando analisadas as opções; entretanto, destacamos que são dados de estudos retrospectivos em que pode ter havido viés de indicação de cirurgia do primário para pacientes com melhor performance e menor volume de doença oncológica. Por isso, o consenso entre os centros especializados é indicar a quimioterapia como primeiro tratamento1.
Pacientes com tumor colorretal assintomáticos e metástases hepáticas irressecáveis
É frequente que casos de tumores colorretais em pacientes com boa performance sejam submetidos a cirurgia como primeiro tratamento independente da presença de metástases hepáticas. Contudo, observa-se que o fator limitante para o possível tratamento curativo desses pacientes é a doença sistêmica manifestada no fígado3.
Dessa forma, orienta-se a realização de quimioterapia como primeiro tratamento, com reavaliação da resposta após 2 meses e programação da hepatectomia, se factível. Em 1996, Bismuth já demonstrou uma taxa de conversão de metástases hepáticas irressecáveis para ressecáveis em 16% com impacto em prognóstico (taxa de sobrevivência de 40% em 05 anos). Resultados mais recentes demonstram taxas de conversão de até 30%2.
A literatura demonstra que o desfecho dos pacientes que, ao final, foram submetidos às duas cirurgias é similar seja para os que iniciaram o tratamento com quimioterapia, seja para os que iniciaram com colectomia. Esse dado nos dá segurança para mantermos a lesão primária em tratamento com a quimioterapia e, ao mesmo tempo, perseguirmos a possibilidade de tratamento cirúrgico – simultâneo ou em etapas – de todas as lesões1.
Figura 4 – Além da redução das dimensões após a quimioterapia, observa-se alteração de sinal (aspecto cicatricial) e melhor delimitação dos limites da lesão; fatores que favorecem o procedimento cirúrgico
Pacientes com tumor colorretal sintomático e metástases hepáticas
Estima-se que cerca de 20 % de casos de tumor colorretal possuem seu diagnóstico e tratamento iniciado na urgência.5 Nesse contexto, é importante destacar o impacto do estadiamento completo frente a suspeita clínica de tumor colorretal. Caso seja seguro para o paciente, a realização de tomografia de abdome e tórax com contraste e a dosagem de antígeno carcinoembrionário antes de uma possível ressecção do tumor primário serão fundamentais durante o planejamento terapêutico oncológico.
As principais complicações que levam o paciente com tumor colorretal a urgência são obstrução intestinal, perfuração ou sangramento. Ainda que diante de um paciente metastático, precisamos considerar o paciente como potencialmente tratável e, portanto, oferecer uma cirurgia com princípios oncológicos ou uma derivação que permita adiar o tratamento com intenções curativas1.
Há consenso entre os especialistas que durante o contexto sintomático com obstrução ou perfuração não há espaço para envolver qualquer abordagem das metástases hepáticas.1
O sangramento no tumor colorretal raramente demanda cirurgia de urgência. Em geral, o sangramento pode ser solucionado com terapia transfusional seguido de quimioterapia precoce com boa resposta. Uma vez solucionado o sangramento, esses pacientes podem ser manejados conforme as estratégias acima.
As diferentes estratégias de tratamento cirúrgico
Tradicional
A estratégia da abordagem tradicional consiste na realização de colectomia como primeiro tratamento, seguida de quimioterapia e cirurgia hepática em 2-3 meses2. De um lado, esse caminho é mais seguro com a redução do risco de complicações do tumor primário. Por outro lado, é importante atentarmos para o risco de complicação durante a cirurgia de ressecção do primário que pode, e muitas vezes supera, o risco de intercorrências caso o mantenhamos sob tratamento quimioterápico.
Uma complicação perioperatória adiará o tratamento das metástases sistêmicas do paciente que é o que, de fato, definirá o seu prognóstico. Por isso, em casos de lesão hepática irressecável considerar fortemente início com quimioterapia que poderá proporcionar a oportunidade de um tratamento completo1.
Cirurgia simultânea
Há claros benefícios de se oferecer um tratamento combinado durante apenas um ato cirúrgico. Ser submetido a um único ato anestésico e um menor tempo de internação é uma possibilidade convidativa para o cirurgião e para o paciente. Entretanto, o tempo operatório prolongado e um maior risco de complicações perioperatórias são desvantagens já demonstradas e que, quando ocorrem, anulam esses benefícios.
Atualmente, a ressecção combinada está reservada para casos de colectomia simples e hepatectomias menores que podem ser realizadas em mesmo tempo cirúrgico por abordagem convencional ou videolaparoscópica. A incisão subcostal direita da hepatectomia permite a realização de colectomia direita oncológica, sendo essa a indicação mais frequente. Para casos de colectomia esquerda, a abordagem laparoscópica com ressecção de nódulos menores e periféricos é a mais empregada.
Já foi demonstrada maior mortalidade e morbidade na associação de colectomias oncológicas de grande porte (abordagem de mesorreto ou multiviscerais) e/ou hepatectomias maiores (ressecção de mais de 3 segmentos); sugerindo os limites desse tipo de estratégia.5
Figura 5 – A abordagem simultânea de tumor primário (cólon direito) e metástase hepática.
Liver-first ou Abordagem reversa
Abordagem é cada vez mais empregada e reservada para casos em que o tratamento oncológico completo dependerá de uma ressecção hepática maior e/ou resposta das lesões a quimioterapia.
Muito aplicada em casos de tumores de reto médio/baixo em que se realizará quimioterapia e radioterapia neoadjuvantes. Nesse intervalo, é possível iniciar o tratamento da doença hepática ao longo do tempo de resposta do primário a quimiorradioterapia1.
A desvantagem dessa estratégia é a atenção e acompanhamento dos sintomas do tumor primário ou de suas complicações, como obstrução intestinal e perfuração. Estudos mostram que a incidência dessas complicações locais nos pacientes assintomáticos em vigência de quimioterapia é baixa, mas não é nula.7
Referências
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Obesidade: conceito, consequências e classificação
A obesidade é um problema de saúde pública com incidência crescente. Nesse artigo vamos discorrer sobre seu conceito, etiologia, classificação e consequências.
Conceito e epidemiologia
Consequencias da obesidade
Síndrome metabólica
Classificação
Etiologia
1. Conceito e epidemiologia
A obesidade pode ser definida pelo acúmulo de tecido gorduroso localizado ou generalizado, provocado por desequilíbrio nutricional, associado ou não a distúrbio genético ou endócrino-metabólico.
Obesidade é uma doença crônica cuja prevalência está aumentando em adultos, crianças e adolescentes e atualmente é considerara uma epidemia global. Antes considerado um problema de países desenvolvidos, a obesidade agora torna-se um problema de saúde importante também em países em desenvolvimento.
Obesidade em adultos está relacionada a redução da expectativa de vida
O sedentarismo associado as dietas com alto teor calórico incluindo não apenas carboidratos, mas também gorduras saturadas, açúcar e sal, tem contribuído para o aumento da obesidade, principalmente após a década de 80.
Segundo a WHO, em 2015 haviam 600 milhões de adultos com obesidade.
Nos EUA, são obesos mórbidos (classe III), 9.2 % da população (IMC > 40 kg/m2).
NO Brasil obesidade acometia 12,2% da população adulta em 2002-2003 e subiu para 26,8% em 2020, segundo IBGE
29,5% das mulheres têm obesidade — praticamente uma em cada três — contra 21,8 dos homens.
O sobrepeso, por sua vez, foi encontrado em 62,6% das mulheres e em 57,5% dos homens.
2. Consequências da obesidade
A obesidade grave (tipo III) está associada aumento significativo de morbidade e mortalidade. Por outro lado, a perda de peso está associada a redução da morbidade associada a obesidade.
São estados patológicos agravados pela presença da obesidade e que são melhoradas pelo seu controle, dentre as mais frequentes:
A mortalidade de obesos graves é 250% maior do que não-graves.
A mortalidade por câncer, principalmente de endométrio, também está aumentada para obesos.
Síndrome metabólica
Síndrome Metabólica corresponde a um conjunto de doenças cuja base é a resistência insulínica. Quando presente, a Síndrome Metabólica está relacionada a uma mortalidade geral duas vezes maior que na população normal e mortalidade cardiovascular três vezes maior.
Segundo Consenso Brasileiro, a Síndrome Metabólica ocorre quando estão presentes três dos cinco critérios abaixo:
Obesidade central – circunferência da cintura superior a 88 cm na mulher e 102 cm no homem;
Glicemia alterada (glicemia ≥ 110 mg/dl) ou diagnóstico de Diabetes;
Triglicerídeos ≥ 150 mg/dl;
HDL colesterol ≤ 40 mg/dl em homens e ≤ 50 mg/dl em mulheres
* Se IMC >30, a circunf. abdominal não precisa ser determinada pois a obesidade central está presumida.
3. Classificação
O principal índice para medir e classificar o grau da obesidade é o IMC, visto sua facilidade de aplicação e correlação com riscos de morbimortalidade.
Classificação
IMC (kg/m2)
Abaixo do Peso
< 18,5
Peso Normal
18,5 a 24,9
Sobrepeso
25 a 29,9
Obesidade grau I ou leve
30 – 34,9
Obesidade grau II ou moderada
35 – 39,9
Obesidade grau III ou grave
≥ 40
Superobeso
≥ 50
Classificação de acordo com o índice de massa corpórea (IMC). IMC é calculado dividindo o peso em kg pela altura (em metros) ao quadrado
Outra medida útil, especialmente em asiáticos e pacientes com IMC entre 25-35 é a medida da circunferência abdominal, visto que a obesidade central (associada a maiores riscos cardiometabólicos) pode não ser capturada nesses pacientes.
CA > 102 cm sexo masculino
CA > 88 cm sexo feminino
Obs: pop asiática admite-se > 90 (masc) e >80 (fem)
4. Etiologia
Existem múltiplos fatores que podem contribuir com o desenvolvimento da obesidade
Genética: criança com um pai obeso apresenta risco 3-4 x maior de desenvolver obesidade. Dois pais obesos, o risco é 10 x maior
Idade: tendência a aumento de peso
Hábitos e estilo de vida: consumo de alimentos calóricos, gordurosos, sal, açúcar, sedentarismo
Medicações: alguns antidepressivos, antipsicoticos, anticonvulsivantes, hipoglicemiantes (insulina e sulfonilureias), hormônios contraceptivos
Comorbidades: hipotireoidismo, sd cushing
Microbiota intestinal: crescentes evidências do papel do microbiota
Diverticulite aguda não complicada – dar antibiótico ou não, eis a questão?
Por muito tempo, acreditou-se que microperfuração e infecção são as causas da diverticulite e a antibioticoterapia era um dogma dos cirurgiões lidando com essa afecção.
O mecanismo fisiopatológico geralmente aceito foi questionado porque novas evidências sugerem que a diverticulite é principalmente um processo inflamatório primário que pode resultar em microperfuração, em vez de uma complicação da própria microperfuração.
Diverticulite não complicada é caracterizada por uma inflamação aguda do cólon limitada à parede colônica e tecidos adjacentes, sem pneumoperitôneo livre, abscesso pélvico, fístula ou obstrução. Microperfuração com pneumopetirôneo localizado, na ausência de resposta inflamatória sistêmica, é considerada diverticulite não complicada.
Atualmente, há dois ensaios clínicos randomizados de qualidade com seguimento em longo prazo, além de revisões sistemáticas (vide referências abaixo), mostrando que os antibióticos não são necessários para tratamento da diverticulite não complicada.
Um desses ensaios clínicos randomizados foi o estudo sueco AVOD (sigla em sueco para “antibióticos na diverticulite não complicada”).
Nesse ensaio, 623 pacientes de dez centros, internados com diverticulite não complicada de cólon esquerdo confirmada por tomografia, foram divididos aleatoriamente em dois grupos:
1) reposição volêmica intravenosa somente
2) reposição volêmica intravenosa e antibióticos.
Os autores não encontraram diferenças entre os grupos em relação a progressão para complicações, falha de tratamento, dor, recorrência em um ano, tempo de internação ou tempo de recuperação.
Este grupo de estudo publicou recentemente um acompanhamento de longo prazo desta coorte, com média de 11 anos de seguimento, e não foram vistas diferenças significativas entre os dois grupos em termos de recorrência (ambos ~ 31%), complicações, necessidade de cirurgia ou qualidade de vida.
O segundo ensaio clínico randomizado controlado (DIABOLO) mais recente do The Dutch Diverticular Disease Collaborative Study Group comparou a eficácia do tratamento de pacientes que apresentam seu primeiro episódio de diverticulite sigmoide com antibióticos versus observação.
Foram incluídos 528 pacientes com diverticulite não complicada comprovada por tomografia e aleatoriamente designados para um curso de dez dias de amoxicilina com clavulanato (48 horas de tratamento intravenoso seguido de administração oral) ou observação ambulatorial e o desfecho primário foi tempo para recuperação.
O tempo médio de recuperação para o grupo de tratamento com antibióticos foi de 12 dias (IQR 7–30) versus 14 dias no grupo de observação (IQR 6–35; p = 0,15).
Não houve diferenças significativas entre os grupos com relação a ocorrência de eventos adversos leves ou graves, mas o grupo antibiótico teve uma taxa maior de eventos adversos relacionados a antibióticos (0,4% versus 8,3%; p = 0,006).
Após 24 meses de acompanhamento, o grupo publicou um novo estudo mostrando que não houve diferenças significativas entre os dois grupos em relação à mortalidade, diverticulite recorrente (complicada ou não complicada), reinternação, eventos adversos ou necessidade de cirurgia.
Uma revisão Cochrane também não encontrou diferenças significativas nos resultados entre pacientes com diverticulite não complicada tratados com ou sem antibióticos. Esses estudos sugerem que uma proporção de pacientes com diverticulite não complicada pode ser tratada sem antibióticos.
É importante enfatizar que quase todos os pacientes incluídos nesses estudos eram relativamente saudáveis e apresentavam doença diverticular em estágio inicial (Hinchey I e Ia). Portanto, o uso de antibióticos continua a ser apropriado em todos os outros estágios da doença. O uso de antibióticos continua sendo apropriado para pacientes de alto riscocom comorbidades significativas, sinais de infecção sistêmica ou imunossupressão.
Embora os ensaios acima mencionados forneçam evidências de nível I para o tratamento não antibiótico da diverticulite não complicada, ainda não há um amplo consenso na prática atual. A diretriz combinada SAGES/EAES, obtida através de voto de especialistas a respeito de determinado tópico, não obteve consenso.
Conclusão
Baseado em estudos de qualidade, em casos diverticulite não complicada é seguro fazer o tratamento sem antibióticos.
Nesses pacientes, os estudos não demonstraram benefícios de curto ou longo prazo no uso de antibióticos.
A decisão terapêutica deverá ser feita baseado nas necessidades individuais de cada paciente.
O tempo necessário para que mudemos nossas condutas baseados em evidências científicas de qualidade é tópico para outra discussão…
Hall J, Hardiman K, Lee S, Lightner A, Stocchi L, Paquette IM, Steele SR, Feingold DL; Prepared on behalf of the Clinical Practice Guidelines Committee of the American Society of Colon and Rectal Surgeons. The American Society of Colon and Rectal Surgeons Clinical Practice Guidelines for the Treatment of Left-Sided Colonic Diverticulitis. Dis Colon Rectum. 2020 Jun;63(6):728-747. doi: 10.1097/DCR.0000000000001679. PMID: 32384404.
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