Fluxograma de tratamento do câncer gástrico

A associação japonesa de câncer gástrico (JGCA) publica periodicamente suas diretrizes para o tratamento do câncer gástrico (CG). A sexta e última edição foi publicada em inglês no periódico Gastric Cancer em 2022.(1) A figura abaixo demonstra essas diretrizes de forma adaptada incorporando algumas diretrizes ocidentais.

Alguns pontos merecem destaque:

Não houve mudança dos critérios de indicação para tratamento endoscópico e os critérios de cura endoscópica (eCURA) incorporados na 5ª edição continuam presentes. Maiores detalhes sobre os critérios eCURA podem ser consultados no post de nossa colega Renata Nobre – Critérios de indicação e cura do ESD gástrico (eCura) (2)

Outro ponto interessante foi a possibilidade da quimioterapia de conversão para doença oligometastática. A definição de doença oligometastática ainda é controversa. Na diretriz japonesa foi considerado a possibilidade de conversão para acometimento dos linfonodos cadeias 16a2 e 16b1, metástase hepática ressecável, citologia oncótica peritoneal positiva e carcinomatose peritoneal restrita (p1). Recentemente um grupo de trabalho Europeu definiu o CG oligometastático quando restrito à um órgão com ≤ 3 metástases ou 1 sítio de metástase linfonodal a distância.(3) O real benefício da cirurgia de conversão para esses pacientes provavelmente será esclarecido pelo estudo alemão prospectivo randomizado FLOT5 que ainda está em andamento. Esse estudo compara um grupo submetido a tratamento quimioterápico exclusivo com um grupo submetido a quimioterapia de conversão seguida por gastrectomia.(4) Saiba mais sobre terapia de conversão no CG nesse outro artigo (clique aqui).

Por fim, vale destacar a quimioterapia neoadjuvante para tumores avançados e/ou com metástases linfonodais. Nas diretrizes japonesas a indicação de quimioterapia neoadjuvante ocorre apenas na presença de “bulky” linfonodal. Entretanto, no ocidente é cada vez mais comum e indicação de neoadjuvancia/pré-operatória mesmo nos casos sem bulky linfonodal.

Referências

  1. Japanese Gastric Cancer Treatment Guidelines 2021 (6th edition). Gastric Cancer. 2023;26(1):1-25.
  2. Moura RN. Você sabe quais os critérios de indicação e cura do ESD gástrico (eCura)? Endoscopia Terapêutica; 2022.  Disponível em: endoscopiaterapeutica.com.br/assuntosgerais/criterios-esd-gastrico-ecura
  3. Kroese TE, van Laarhoven HWM, Schoppman SF, Deseyne P, van Cutsem E, Haustermans K, et al. Definition, diagnosis and treatment of oligometastatic oesophagogastric cancer: A Delphi consensus study in Europe. Eur J Cancer. 2023;185:28-39.
  4. Al-Batran SE, Goetze TO, Mueller DW, Vogel A, Winkler M, Lorenzen S, et al. The RENAISSANCE (AIO-FLOT5) trial: effect of chemotherapy alone vs. chemotherapy followed by surgical resection on survival and quality of life in patients with limited-metastatic adenocarcinoma of the stomach or esophagogastric junction – a phase III trial of the German AIO/CAO-V/CAOGI. BMC Cancer. 2017;17(1):893.

Como citar este artigo

Ramos MFKP, Fluxograma de tratamento do câncer gástrico Gastropedia 2023 Vol 2. Disponível em:
gastropedia.pub/pt/cirurgia/fluxograma-de-tratamento-do-cancer-gastrico/




Prevenindo novos episódios de diverticulite aguda: quando tratar clinicamente e quando operar?

Introdução

A diverticulite aguda é um problema gastrointestinal comum e recorrente que se caracteriza pela inflamação de um ou mais divertículos no cólon. Ela pode ocorrer tanto em formas leves quanto graves, podendo causar complicações como fístulas, estenoses e perfurações intestinais. Estudos mostram que o risco de recorrência varia de 20% a 40% e que frequentemente a recorrência acontece nos primeiros 12 meses após o episódio inicial. Desta forma, é importante discutirmos as abordagens de prevenção secundária e indicar quando é apropriado recorrer à cirurgia.

Se quiser saber mais sobre a fisiopatologia da diverticulite aguda e outras compicações da doença diverticular, confira esse post: Doença diverticular do cólon: epidemiologia e fisiopatologia

Se quiser saber mais sobre o tratamento da diverticulite aguda, confira esse post: Tratamento da Diverticulite Aguda

Fisiopatologia da diverticulite aguda
Fisiopatologia da diverticulite aguda: Alterações da microbiota, perda da função de barreira, inflamação e trauma causado por fecalito são os principais mecanismos propostos para a diverticulite aguda.

Intervenções Dietéticas

Fibras Alimentares

A abordagem alimentar é frequentemente considerada a primeira linha de ação na prevenção de novos episódios. As diretrizes da American Gastroenterological Association (AGA) sugerem uma dieta rica em fibras para pacientes com histórico de diverticulite aguda [1]. No entanto, a qualidade da evidência por trás dessa recomendação é baixa. Alguns estudos mostram que a dieta rica em fibras não é eficaz na prevenção de episódios recorrentes ou no tratamento de sintomas gastrointestinais recorrentes em comparação com uma dieta padrão ou pobre em fibras.

Probióticos

Os probióticos são outra intervenção dietética em potencial, embora a falta de evidência sólida impeça sua recomendação para a prevenção secundária de diverticulite. Até o momento, os estudos disponíveis não forneceram dados convincentes sobre sua eficácia.

Terapias Farmacológicas

Mesalazina

A mesalazina, um anti-inflamatório não esteroide, foi extensivamente estudada para sua eficácia na prevenção de episódios recorrentes de diverticulite. Uma meta-análise envolvendo 2.461 pacientes não conseguiu demonstrar uma redução significativa nas taxas de recorrência em comparação com um placebo. No entanto, um estudo de menor escala (DIVA), apontou que a mesalazina poderia ter efeitos benéficos na minimização da gravidade dos sintomas e aceleração da recuperação [3].

Rifaximina

Outra opção terapêutica é a rifaximina, um antibiótico com baixa absorção. Alguns estudos mostraram que a rifaximina, quando usada em conjunto com suplementos de fibra, conseguiu reduzir significativamente o risco de recorrência. A associação de rifaximina com mesalazina parece ter melhor resultado do que a rifaximina sozinha (taxa de recorrência 2,7% vs 13,0%), sugerindo uma potencial sinergia entre as duas drogas.

Tratamento Cirúrgico

A abordagem para a cirurgia eletiva em pacientes com diverticulite aguda tem evoluído ao longo do tempo. Anteriormente, a cirurgia era recomendada principalmente após episódios recorrentes e complicados, como obstrução e formação de fístulas, especialmente após duas crises que necessitavam de hospitalização. No entanto, tanto as diretrizes da ASCRS como alguns estudos recentes, sugerem uma abordagem mais individualizada [6].

O número de episódios já não é mais o único critério para a decisão cirúrgica. Idade, condições médicas coexistentes, gravidade do episódio e sintomas persistentes também devem ser considerados. Esta mudança ocorre porque a maioria dos episódios recorrentes apresenta um curso benigno e somente uma minoria (5%) requer cirurgia urgente. Estes episódios recorrentes parecem apresentar menor risco de perfuração, talvez pela formação de aderências causadas pela inflamação pregressa.

É importante notar que, apesar da morbidade pós-operatória (10-15%) e do risco residual de recorrência da doença, estudos como o ensaio DIRECT demonstraram que a qualidade de vida melhora significativamente após a cirurgia em comparação com o manejo conservador [5]. No entanto, o manejo conservador resulta em mais reinternações devido à recorrência da doença.

A colectomia laparoscópica é o método cirúrgico recomendado, dadas suas vantagens em termos de menor morbidade e recuperação mais rápida. As principais indicações para a cirurgia incluem estenose, fístulas, hemorragia diverticular recorrente, pacientes jovens, pacientes imunossuprimidos e a impossibilidade de excluir carcinoma. Idealmente deve-se aguardar pelo menos 6 semanas após o episódio de agudização para realizar a cirurgia eletiva.

Por fim, é fundamental a discussão multidisciplinar para uma tomada de decisão informada, levando em consideração o perfil de risco cirúrgico, a necessidade de imunossupressão e a preferência do paciente.

Conclusão

A abordagem terapêutica para prevenir novos episódios de diverticulite aguda deve ser individualizada, considerando a gravidade e a frequência dos sintomas, o perfil de risco cirúrgico e as preferências do paciente. Novas pesquisas são necessárias para solidificar as melhores práticas em prevenção secundária, incluindo a eficácia de diferentes regimes farmacológicos e abordagens cirúrgicas.

Referências

  1. Stollman N et al. American Gastroenterological Association Institute Guideline on the Management of Acute Diverticulitis. Gastroenterology 149, 1944–1949 (2015). [PubMed: 26453777]
  2. Khan RMA, Ali B, Hajibandeh S & Hajibandeh S Effect of mesalazine on recurrence of diverticulitis in patients with symptomatic uncomplicated diverticular disease: a meta-analysis with trial sequential analysis of randomized controlled trials. Colorectal Disease 20, 469–478 (2018). [PubMed: 29520987]
  3. Stollman N, Magowan S, Shanahan F, Quigley EMM & DIVA Investigator Group. A randomized controlled study of mesalamine after acute diverticulitis: results of the DIVA trial. J. Clin. Gastroenterol. 47, 621–629 (2013). [PubMed: 23426454]
  4. Tursi A, Brandimarte G & Daffinà R Long-term treatment with mesalazine and rifaximin versus rifaximin alone for patients with recurrent attacks of acute diverticulitis of colon. Digestive and Liver Disease 34, 510–515 (2002). [PubMed: 12236485]
  5. Bolkenstein HE, Consten ECJ, van der Palen J, van de Wall BJM, Broeders IAMJ, Bemelman WA, Lange JF, Boermeester MA, Draaisma WA; Dutch Diverticular Disease (3D) Collaborative Study Group. Long-term Outcome of Surgery Versus Conservative Management for Recurrent and Ongoing Complaints After an Episode of Diverticulitis: 5-year Follow-up Results of a Multicenter Randomized Controlled Trial (DIRECT-Trial). Ann Surg. 2019 Apr;269(4):612-620. doi: 10.1097/SLA.0000000000003033. PMID: 30247329.
  6. Hall J, Hardiman K, Lee S, Lightner A, Stocchi L, Paquette IM, Steele SR, Feingold DL; Prepared on behalf of the Clinical Practice Guidelines Committee of the American Society of Colon and Rectal Surgeons. The American Society of Colon and Rectal Surgeons Clinical Practice Guidelines for the Treatment of Left-Sided Colonic Diverticulitis. Dis Colon Rectum. 2020 Jun;63(6):728-747.
  7. Tursi A, Scarpignato C, Strate LL, Lanas A, Kruis W, Lahat A, Danese S. Colonic diverticular disease. Nat Rev Dis Primers. 2020 Mar 26;6(1):20. doi: 10.1038/s41572-020-0153-5. PMID: 32218442

Como citar este artigo

Martins BC e Camargo MGM. Prevenindo Novos Episódios de Diverticulite Aguda: Quando Tratar Clinicamente e Quando Operar? 2023; vol 2. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/colorretal/prevenindo-novos-episodios-de-diverticulite-aguda-quando-tratar-clinicamente-e-quando-operar/




Tratamento da Diverticulite Aguda

A doença diverticular do cólon é uma causa importante de internações hospitalares e acarreta custos significativos no sistema de saúde das sociedades ocidentais e industrializadas. A fisiopatologia e epidemiologia da diverticulite já foi abordada anteriormente no Gastropedia nesse outro post. Nesse artigo vamos abordar o tratamento da diverticulite aguda.

A primeira decisão acerca do tratamento de um paciente com diverticulite envolve determinar a necessidade de internação ou não.

A diverticulite aguda apresenta-se de forma leve na maioria dos casos. Pacientes com sintomas leves de dor abdominal, sem queda do estado geral, com trânsito intestinal normal e capazes de aceitar dieta oral e com cognição razoável para entender as explicações sobre as indicações de sofrer reavaliação podem ser tratados sem hospitalização. O tratamento ambulatorial é habitualmente eficaz e menos de 10% dos pacientes são readmitidos.

Quadros leves – pacientes não hospitalizados

O tratamento para pacientes não hospitalizados apresenta algumas divergências entre os guidelines e pode incluir dieta líquida (ou leve), hidratação oral e antibióticos (ou não – leia mais sobre o tema clicando aqui ).

Nossa recomendação:

  • dieta líquida sem resíduos;
  • controle da dor com analgésicos e antiespasmódicos;
  • antibióticos de largo espectro por 7-10 dias. Os antibióticos devem cobrir a flora gastrointestinal de gram-negativos e bactérias anaeróbias;
  • a maioria dos estudos recomenda como primeira linha a combinação de fluroquinolona (ciprofloxacina 200-400mg/12h) e metronidazol (500mg/8h);
  • como alternativa ao metronidazol pode se recorrer à clindamicina (lembrar que estamos falando de ATB vo).

Quando devemos internar?

As seguintes situações reforçam a necessidade de internação hospitalar:

  • Diverticulite complicada (perfuração franca, abscesso, obstrução, fístula, etc);
  • Sinais de sepse: temperatura >38C, FC > 90, FR > 20, Leucocitose ou leucopenia importante, PCR > 15 md/dL;
  • pacientes com maior risco (muito idosos, diabéticos, insuficiência cardíaca, doença renal crônica, doença pulmonar obstrutiva crônica, obesos, com doença do tecido conjuntivo ou imunossuprimidos, aqueles em corticoterapia prolongada);
  • pacientes incapazes de tolerar dieta e hidratação oral;
  • dor abdominal importante, com suspeita de complicações;
  • pacientes sem melhora com tratamento ambulatorial inicial.

Todos os pacientes submetidos a internação devem se submeter a TC e receber ATBterapia.

Tratamento dos pacientes hospitalizados

No tratamento dos pacientes hospitalizados, o jejum (hidratação EV) ou a dieta líquida ou leve são considerados pelos diferentes guidelines a depender do grau da complicação.

Em relação a antibioticoterapia, a via de acesso também é motivo de divergência entre os diversos guidelines, podendo ser utilizado por via oral ou endovenosa. O tempo de uso também varia entre 4 a 10 dias.

Nossa recomendação nos casos não complicados:

  • Antibioticoterapia EV (podendo ser alterada para VO quando boa aceitação da dieta no terceiro ao quarto dia), incluindo cobertura para gram positivos, gram negativos, anaeróbios e aeróbios.
  • Os esquemas antibióticos mais utilizados são ciprofloxacino (ou Ceftraxione) associado a metronidazol, ou ampicilina + gentamicina + metronidazol.
  • Melhora sintomática e laboratorial deve ser esperada em dois a quatro dias quando a dieta pode ser avançada.
  • Pacientes sem complicações e que apresentem boa condição clínica podem receber alta e é sugerido completar o uso de antibiótico por pelo menos 7 dias, se estendendo até 14 dias em casos selecionados.

Abordagem do abscesso diverticular (Hinchey I e II)

  • A escolha do tratamento depende muito do tamanho do abscesso, da sua localização, se está acessível para drenagem percutânea e a apresentação clínica do doente.
  • Abscessos > 3 cm são tratados principalmente com drenagem percutânea, antibioterapia IV, dieta líquida e controle da dor.
  • A melhoria significativa na temperatura, dor abdominal e leucocitose geralmente é observada dentro de 48 horas após o início do tratamento.
  • A intervenção cirúrgica pode tornar-se necessária se o abscesso não for acessível para drenagem ou se os sintomas persistirem ou piorarem, mesmo com a drenagem. Assim, a cirurgia de urgência com ressecção, continua a ser a única opção bem documentada se o doente estiver instável ou se o tratamento clínico falhar.
  • As contraindicações à drenagem percutânea são: peritonite purulenta ou fecal difusa ou coleção sem acesso por abordagem percutânea.
  • A drenagem percutânea trata com sucesso 80% dos doentes.

Abordagem de perfuração livre (Hinchey III e IV)

  • Os doentes com peritonite generalizada purulenta (Hinchey III) ou peritonite fecal (Hinchey IV) são tipicamente doentes com sintomas e sinais de sepse.
  • A fluido terapia agressiva imediata e antibióticos IV de amplo espetro devem ser administrados imediatamente.
  • As taxas de mortalidade relatadas são 6% para peritonite purulenta e 35% para peritonite fecal.
  • A intervenção cirúrgica de emergência é necessária para controlar a origem da sepse.

Indicação do tratamento cirúrgico de URGÊNCIA na diverticulite aguda

  • Falha da terapêutica medicamentosa;
  • Diverticulite complicada (perfuração, peritonite);
  • Instabilidade ou sepse;

A ressecção com anastomose primária com ou sem ostomia de proteção é hoje considerada o método padrão-ouro pois apresenta vantagens como eliminação foco séptico e absorção sistêmica de toxinas, diminuição da mortalidade operatória geral, redução do número de operações e custo hospitalar, ressecção de segmento que pode albergar câncer e o fato de permitir a lavagem e a drenagem da cavidade de forma mais efetiva, de acordo com o último guideline da Sociedade Americana de Cirurgiões Colorretais (ASCRS) (Hall J, et al. Dis Colon Rectum. 2020). Entretanto, a escolha da técnica cirúrgica depende da estabilidade hemodinâmica do paciente, da extensão da contaminação peritoneal e da experiência do cirurgião. Muitos serviços ainda recomendam a cirurgia de Hartmann em casos de peritonite fecal.

Aspectos técnicos da cirurgia

Em relação aos aspectos técnicos da cirurgia, existe uma concordância entre todos os guidelines que a margem proximal da ressecção deve ser em tecido saudável, não havendo a necessidade de retirar todo cólon remanescente apenas porque existem divertículos no mesmo.

Já a margem distal deve ser em reto proximal, abaixo da transição retossigmoide.

A anastomose colorretal deve ser realizada em tecido são, e não deve incluir divertículos na linha de grampeamento (ou de sutura).

A artéria mesentérica inferior deve ser preservada quando não há suspeita de malignidade.

Não há consenso em relação a mobilização da flexura esplênica. Entretanto, na disciplina de Coloprocotolgia do HCFMUSP preconizamos a mobilização de rotina da flexura esplênica para confeccionar a anastomose sem tensão.

É essencial a identificação dos ureteres e dos nervos pré-sacrais, assim como a manutenção da vascularização apropriada, evitando-se a dissecção do mesentério friável.

Dificuldade cirúrgicas na diverticulite aguda:

  • Presença de abscessos, coleções e aderências secundárias ao processo inflamatório e infeccioso
  • Distorções anatômicas
  • Trajetos fistulosos podem estar presentes
  • Friabilidade dos tecidos
  • Os pacientes tendem a ser idosos e com comorbidades associadas
  • Muito dos pacientes são obesos com bastante gordura visceral
Algoritmo para o manejo da diverticulite aguda não complicada: A suspeita clínica de diverticulite aguda precisa ser confirmada por meio de imagens (ultrassom e/ou tomografia computadorizada) e parâmetros laboratoriais (contagem de leucócitos, taxa de sedimentação de eritrócitos e proteína C-reativa, que se correlacionam com a gravidade da doença). No cenário de diverticulite aguda não complicada, leucócitos normais e baixa PCR (juntamente com ausência de febre) caracterizam pacientes como de baixo risco, nos quais o tratamento ambulatorial é viável (considerar fatores como comorbidades, imunossupressão e suporte ambulatorial). Pacientes ambulatoriais devem ser tratados com uma dieta líquida clara (pobre em fibras) e antimicrobianos só devem ser administrados em casos selecionados. Para pacientes que necessitam de internação, líquidos intravenosos e antimicrobianos intravenosos devem ser administrados. Em ambos os pacientes de baixo e alto risco, espera-se melhora dos sintomas em 2–3 dias e, então, a dieta normal pode ser retomada. Se a melhora continuar, os pacientes podem ser liberados para completar um curso de antibióticos de 7–10 dias em casa. A falha do tratamento conservador justifica pesquisa de complicações, consideração de diagnósticos diferenciais e avaliação da equipe cirúrgica.

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Referências

  1. Hall J, Hardiman K, Lee S, Lightner A, Stocchi L, Paquette IM, Steele SR, Feingold DL; Prepared on behalf of the Clinical Practice Guidelines Committee of the American Society of Colon and Rectal Surgeons. The American Society of Colon and Rectal Surgeons Clinical Practice Guidelines for the Treatment of Left-Sided Colonic Diverticulitis. Dis Colon Rectum. 2020 Jun;63(6):728-747.
  2. Tursi A, Scarpignato C, Strate LL, Lanas A, Kruis W, Lahat A, Danese S. Colonic diverticular disease. Nat Rev Dis Primers. 2020 Mar 26;6(1):20. doi: 10.1038/s41572-020-0153-5. PMID: 32218442

Como citar este artigo

Martins BC e Camargo MGM. Tratamento da Diverticulite Aguda Gastropedia 2023; vol 2. Disponível em: gastropedia.pub/pt/cirurgia/tratamento-da-diverticulite-aguda/




Pólipos de Colesterol e Colesterolose

Os pólipos de colesterol e a colesterolose são condições benignas causadas pelo acúmulo de lipídios na mucosa da parede da vesícula biliar. Para ter uma visão geral dos pólipos de vesícula biliar, confira esse outro post: Pólipo de vesícula biliar.

A colesterolose difusa é normalmente diagnosticada incidentalmente durante a colecistectomia, sendo que seu diagnóstico geralmente não é realizado por ultrassonografia e não está incluído no diagnóstico diferencial de pólipos na vesícula biliar.

Os pólipos de colesterol são a forma polipoide da colesterolose, sendo os pólipos mais comuns na vesícula biliar. Geralmente são achados incidentais durante ultrassonografia de abdômen. Geralmente são assintomáticos, mas em alguns casos o pedículo (frágil) pode se romper, resultando em complicações similares às causadas por cálculos biliares.

Epidemiologia

A colesterolose é comum, com prevalência variando de 9 a 26 por cento em séries cirúrgicas. Sua prevalência parece ser semelhante entre homens e mulheres.

Patogênese

A colesterolose resulta de depósitos anormais de triglicerídeos, precursores de colesterol e ésteres de colesterol na mucosa da vesícula biliar. O acúmulo de lipídios cria depósitos amarelos geralmente visíveis a olho nu. Esses depósitos amarelos em um fundo de mucosa hiperêmica levaram à descrição dessa descoberta como “vesícula biliar em morango”. A principal característica microscópica é a presença de macrófagos carregados de gordura dentro de vilosidades alongadas. A vilosidade hiperplásica é preenchida e distendida por essas células, criando pequenos nódulos amarelos sob o epitélio. Em um terço dos casos esses nódulos são maiores do que 1mm e assumem aparência polipoide, dando origem a pólipos de colesterol únicos ou múltiplos que estão ligados à mucosa por um pedículo frágil (cujo núcleo é composto por macrófagos repletos de lipídios). Esses pólipos podem se romper, resultando em complicações semelhantes às causadas por pequenos cálculos biliares, incluindo dor biliar, pancreatite e icterícia obstrutiva.

Pólipos de cholesterol. Adaptado de: Sleisenger and Fordtran’s Gastrointestinal and liver disease 9th ed p 1146 – 1149

Diagnóstico

No USG de abdômen os pólipos de colesterol geralmente são:

  • múltiplos
  • homogêneos
  • polipoides
  • mais ecogênicos do que o parênquima hepático
  • menores que 1 cm.

Obs: A colesterolose difusa não possui achados ultrassonográficos específicos e o diagnóstico geralmente é feito durante a cirurgia.

Resumo sobre Pólipos de Colesterol e Colesterolose na Vesícula Biliar
-Pólipos de Colesterol e Colesterolose: São condições benignas que afetam a vesícula biliar, podendo causar sintomas e complicações.
-Colesterolose: É uma condição benigna caracterizada pelo acúmulo de lipídios na mucosa da parede da vesícula biliar. Pode se apresentar como difusa ou polipoide, sendo frequentemente diagnosticada incidentalmente durante a colecistectomia.
-Pólipos de Colesterol: São a forma polipoide da colesterolose, os pólipos mais comuns na vesícula biliar. São tipicamente detectados por ultrassonografia, muitas vezes assintomáticos, mas podem levar a sintomas semelhantes a cálculos biliares.
-Epidemiologia: A colesterolose é comum, variando de 9% a 26% em estudos cirúrgicos. Sua associação com cálculos biliares é frequente. A prevalência é similar entre homens e mulheres.
-Patogênese: Resulta de depósitos anormais de lipídios na mucosa da vesícula biliar. Em 1/3 dos casos assumem a forma polipoide.
-Forma Polipoide: Depósitos dão origem a pólipos de colesterol, podendo romper-se e causar complicações semelhantes a cálculos biliares, como dor e icterícia.
-Diagnóstico: são frequentemente detectados incidentalmente por USG.
-Ultrassonografia: geralmente são múltiplos, homogêneos e polipoides, mais ecogênicos que o fígado e menores que 1 cm.

Referências

Zakko WF. Gallbladdder polyps. 2023. Disponível em uptodate.com

Como citar este artigo

Martins BC. Pólipos de Colesterol e Colesterolose Gastropedia 2023; vol 2. Disponível em:
https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/hepatopancreatobiliar/polipos-de-colesterol-e-colesterolose/




Adenomiomatose da Vesícula Biliar

Introdução

A adenomiomatose ou adenomiose (ADM) é uma condição benigna da vesícula biliar caracterizada pelo crescimento excessivo da mucosa, espessamento da parede muscular e presença de divertículos intramurais, conhecidos como sinusoides de Rokitansky-Aschoff (RAS).

Neste artigo vamos revisar as características patológicas, epidemiológicas e de diagnóstico da adenomiomatose, tecendo um breve comentário sobre o tratamento

Para saber mais sobre pólipos da vesícula biliar, confira esse outro artigo:

Epidemiologia

A adenomiomatose é relativamente comum, sendo encontrada em 1-9% das amostras de colecistectomia. Embora possa ocorrer em uma ampla faixa etária, os diagnósticos mais frequentes são em pacientes na faixa dos 50 anos. A incidência aumenta com a idade, provavelmente devido à inflamação prolongada.

A prevalência da adenomiomatose em relação ao gênero varia na literatura. Alguns estudos indicam que é mais comum em mulheres (3:1), enquanto outros afirmam que a prevalência é semelhante entre homens e mulheres. Não há preferência racial conhecida.

A causa da adenomiomatose é desconhecida, embora se acredite que seja uma resposta à inflamação crônica da vesícula biliar. Como os diagnósticos mais frequentes ocorrem na faixa dos 50 anos, a ideia de inflamação crônica como etiologia parece plausível.

Achados Patológicos

A adenomiomatose é uma das colecistoses hiperplásicas, sendo a outra a colesterolose. Nessa condição, ocorre hiperplasia da parede com a formação de sinusóides de Rokitansky-Aschoff (divertículos intramurais revestidos por epitélio mucoso) que penetram na parede muscular da vesícula biliar, com ou sem espessamento da parede. O acúmulo de colesterol na adenomiomatose é intraluminal, já que cristais de colesterol precipitam na bile retida nos sinusóides de Rokitansky-Aschoff.

Os seios de Rokitansky-Aschoff consistem em invaginações do epitélio na camada muscular que produzem pequenos divertículos intramurais. Por si só, essa condição não apresenta significado clínico. Um diagnóstico histológico de adenomiomatose requer que os seios de Rokitansky-Aschoff sejam profundos, ramificados e acompanhados de hipertrofia da camada muscular.
Fonte: Sleisenger and Fordtran’s Gastrointestinal and liver disease 9th ed p 1146 – 1149

Existem três formas macroscópicas de adenomiomatose (Fig. 2):

  • A forma segmentar (> 60%): forma uma espécie de diafragma entre o colo e o fundo da vesícula biliar, separando-a em duas zonas comunicantes.
  • A forma localizada (30%): geralmente ocorre no fundo da vesícula.
  • A forma difusa (mais rara <5%): espessamento parietal que afeta toda a parede da vesícula.
Formas macroscópicas da adenomiomatose

No tipo localizado, a adenomiomatose pode causar um espessamento mucoso focal na parede da vesícula formando um nódulo, geralmente no fundo, que se projeta para o lúmen, dando a aparência de um pólipo na ultrassonografia. A camada muscular na área afetada costuma estar espessada de três a cinco vezes a sua espessura normal.

Quadro Clínico

Geralmente, a adenomiomatose é assintomática, sendo descoberta incidentalmente por exames de imagem ou após colecistectomia, mas pode apresentar sintomas. Em raras situações, pode causar dores semelhantes a cólicas biliares no hipocôndrio direito. No entanto, como metade dos casos de ADM está associada a cálculos biliares, é difícil atribuir especificamente à ADM a causa dessas dores.

Não há evidência de que a presença de adenomiomatose aumente o risco de câncer de vesícula biliar. Porém, a presença de adenomiomatose está associada a casos mais avançados de câncer de vesícula biliar, possivelmente porque sua presença dificulta o diagnóstico precoce por exames de imagem.

Diagnóstico Radiológico

Uma vez que a ADM não apresenta sintomas específicos, a imagem desempenha um papel fundamental no seu diagnóstico diferencial. Cerca de 25% dos casos de espessamento da parede da vesícula biliar (parede > 3 mm) são devidos à ADM.

Atualmente, o diagnóstico baseia-se na ultrassonografia (US) e frequentemente é incidental. A USG apresenta uma sensibilidade de cerca de 65%.

Os sinais sugestivos incluem parede espessada, conteúdo luminal anecoico ou ecogênico (lodo, cálculos), imagens murais pseudocísticas correspondendo aos seios de Rokitansky-Aschoff e artefatos de reverberação acústica (cauda de cometa) devido a concreções de cálcio presas nos RAS.

A ultrassonografia endoscópica melhora a sensibilidade da USG transabdominal, especialmente para o diagnóstico diferencial com câncer da VB.

Ultrassonografia

  • espessamento mural (difuso, focal, anular)

  • artefato de cauda de cometa: focos intramurais ecogênicos dos quais emanam artefatos de reverberação em forma de V são altamente específicos para a adenomiomatose, representando os cristais de colesterol no lumen dos seios de Rokitansky-Aschoff
Espessamento segmentar hipoecoico no fundo da vesícula biliar, medindo 11×5mm,sugestivo de adenomiomatose. Imagem cedida pela Dra. Julia Mayumi Gregorio

Tomografia Computadorizada

  • espessamento anormal da parede da vesícula biliar e realce são características comuns, mas não específicas, da TC para a adenomiomatose
  • os seios de Rokitansky-Aschoff maiores podem ser visualizados
  • foi descrito um sinal de rosário na TC, formado por epitélio realçado dentro de divertículos intramurais cercados pela camada muscular da vesícula biliar hipertrófica relativamente não realçada

Ressonância Nuclear Magnética

A Colangiopancreatografia por Ressonância Magnética (CPRM) é a técnica normalmente empregada para caracterização da vesícula biliar e árvore biliar. As características de imagem incluem:

  • espessamento mural
  • massa focal séssil
  • divertículos intramurais preenchidos com líquido
  • o sinal de colar de pérolas refere-se à disposição curvilínea característica de várias cavidades intramurais arredondadas hiperintensas visualizadas em imagens ponderadas em T2
  • configuração de ampulheta em tipos anulares

Tratamento

Pacientes com características típicas de adenomiomatose na ultrassonografia não requerem vigilância ou colecistectomia.

A colecistectomia pode ser realizada nas seguintes situações:

  • paciente sintomático com dor no quadrante superior direito (geralmente devido a cálculos biliares)
  • aparência (especialmente quando focal) pode ser difícil de distinguir de malignidade.

Galeria de Imagens

Referências

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  2. Ryu Y, Abdeldjalil B, Molinari A, et al. Adenomyomatosis of the gallbladder. Reference article, Radiopaedia.org (Accessed on 24 Aug 2023) https://doi.org/10.53347/rID-7056
  3. Wisam F Zakko, MD. Gallbladder polyps. Disponível em https://www.uptodate.com/contents/gallbladder-polyps

Como citar este artigo

Martins BC. Adenomiomatose da Vesícula Biliar Gastropedia 2023; vol 2. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/hepatopancreatobiliar/adenomiomatose-da-vesicula-biliar/




Pólipos de Vesícula Biliar

Introdução

Os pólipos da vesícula biliar geralmente são achados incidentais diagnosticados durante exames de ultrassom abdominal ou durante colecistectomia. Geralmente não apresentam sintomas, mas ocasionalmente podem causar desconfortos similares aos causados por cálculos biliares.

A maioria dessas lesões não é neoplásica, mas sim hiperplásica ou representa depósitos de lipídios.

Com o uso generalizado da ultrassonografia, as lesões polipoides na vesícula biliar estão sendo cada vez mais detectadas. No entanto, muitas vezes a imagem não é suficiente para excluir a possibilidade de neoplasia ou adenomas pré-malignos. Nesse artigo, revisaremos a importância clínica e o diagnóstico diferencial dos pólipos na vesícula biliar. Para saber sobre o tratamento dos pólipos de vesícula, confira esse outro artigo: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/conduta-nos-polipos-de-vesicula-biliar-quando-fazer-seguimento-e-quando-indicar-a-colecistectomia

Classificação

As lesões polipoides na vesícula biliar podem ser categorizadas como benignas ou malignas. As lesões benignas podem ser subdivididas em neoplásicas e não neoplásicas.

Pólipos benignos não neoplásicos

As lesões não neoplásicas benignas mais comuns são pólipos de colesterol, seguidos por adenomiomatose e pólipos inflamatórios.

  • Pólipos de colesterol e colesterolose:

    • é uma condição benigna caracterizada pelo acúmulo de lipídios na mucosa da parede da vesícula biliar.
    • são os tipos mais comuns de pólipos da vesícula biliar, podendo chegar a 10% ou mais.
    • Pode ser do tipo difuso ou polipoide.
    • O termo colesterolose se refere ao tipo difuso, que é geralmente diagnosticado incidentalmente durante a colecistectomia, causando o aspecto de “vesícula em morango” devido ao contraste que faz com a mucosa da vesícula.
    • Os pólipos de colesterol são a forma polipoide da colesterolose, sendo o pólipo da vesícula biliar mais comum, geralmente diagnosticado incidentalmente em ultrassonografia.
    • Embora geralmente assintomático, em alguns pacientes pode causar sintomas e complicações semelhantes às causadas por cálculos biliares.

  • Adenomiomatose:

    • é uma anormalidade da vesícula biliar caracterizada pelo crescimento excessivo da mucosa, espessamento da parede muscular e divertículos intramurais.
    • A prevalência da adenomiose da vesícula biliar é baixa, mas parece ter uma prevalência maior em mulheres do que em homens.

  • Pólipos inflamatórios

    • Os pólipos inflamatórios são os pólipos não neoplásicos menos comuns.
    • Aparecem como sésseis ou pediculados e são compostos por tecido de granulação e fibroso com células plasmáticas e linfócitos.
    • Os pólipos têm geralmente 5 a 10 mm de diâmetro, embora tenham sido descritos pólipos inflamatórios com mais de 1 cm

Pólipos benignos neoplásicos

  • Adenomas:

    • Pólipos adenomatosos da vesícula biliar são as lesões neoplásicas benignas mais comuns. Embora a verdadeira incidência seja desconhecida, na maioria das séries é inferior a 0,5 por cento.
    • Adenomas da vesícula biliar são tumores epiteliais benignos compostos por células que se assemelham ao epitélio das vias biliares.
    • O risco de câncer aumenta com o tamanho do pólipo, sendo que pólipos adenomatosos com tamanho maior têm um risco de malignidade.

  • Outros — Outras lesões neoplásicas da vesícula biliar como fibromas, lipomas e leiomiomas, são raros. A história natural desses pólipos não está bem definida.

Pólipos malignos:

  • A maioria dos pólipos malignos na vesícula biliar são adenocarcinomas.
  • Os adenocarcinomas da vesícula biliar são muito mais comuns do que os adenomas da vesícula biliar, ao contrário do cólon, onde os adenomas são muito mais comuns do que os adenocarcinomas.
  • Carcinoma escamoso, cistoadenoma mucinoso e adenoacantomas da vesícula biliar são raros

RISCO DE CÂNCER

A maioria dos pólipos na vesícula biliar é benigna, e a maioria dos pólipos benignos, com exceção dos adenomas, não tem potencial maligno. O risco global de câncer de vesícula biliar em pacientes com pólipos na vesícula parece ser baixo.

  • Em um grande estudo de coorte com mais de 35.000 adultos com pólipos na vesícula diagnosticados por USG, 0.053% tiveram câncer de vesícula biliar, semelhante à população sem pólipos (0.054%). [ref]
  • O risco de evolução para neoplasia varia de acordo como o tamanho dos pólipos, ocorrendo em 128/100.000 pessoas para pólipos > 10mm, mas somente em 1.3/100.000 pessoas para pólipos < 6mm.

Fatores de risco estabelecidos para câncer

  • Tamanho do pólipo — A incidência de câncer da vesícula biliar varia de 43 a 77% em pólipos maiores que 1 cm e 100% em pólipos maiores que 2 cm.
  • Pólipo séssil — pólipos sésseis são um fator de risco independente para malignidade, com um risco 7x maior de câncer de vesícula biliar. [ref]
  • Idade > 60 anos: esse é o corte adotado em diretrizes para estratificação de risco e orientação de tratamento.
  • Outros: etnia indiana, colangite esclerosante primária

Condições com risco incerto

  • Cálculos biliares concomitantes
  • Adenomiomatose — Não há evidências de que a presença de adenomiose aumenta o risco de câncer de vesícula biliar. Se o risco for aumentado, a magnitude do aumento parece ser pequena.

DIAGNÓSTICO

Os pólipos na vesícula biliar geralmente são descobertos incidentalmente em exames de ultrassonografia abdominal. Nenhuma das modalidades de imagem disponíveis pode distinguir inequivocamente pólipos benignos de malignos. Isso só pode ser confirmado pelo anatomopatológico após a colecistectomia.

Características dos pólipos da vesícula biliar na ultrassonografia abdominal:

  • Podem ser únicos ou múltiplos
  • Sensibilidade 84% e especificidade 96% (meta-análise com 16.260 pacientes)
  • PÓLIPOS DE COLESTEROL são geralmente múltiplos, homogêneos, polipoides e pediculados, com ecogenecidade maior do que o parênquima hepático.

    • Eles podem ou não conter pontos hiperecogênicos.
    • Os pólipos de colesterol geralmente têm menos de 1 cm.
    • Em contraste com os pólipos de colesterol, a colesterolose difusa não possui achados ultrassonográficos específicos, e seu diagnóstico geralmente é feito após a cirurgia.

  • ADENOMAS são lesões homogêneas, isoecoicas em relação ao parênquima hepático, têm uma superfície lisa e geralmente não têm pedículo.

    • A morfologia séssil e o espessamento focal da parede da vesícula biliar maior do que 4 mm são fatores de risco para malignidade.

  • ADENOCARCINOMAS são estruturas polipoides homogêneas ou heterogêneas que geralmente são isoecoicas em relação ao parênquima hepático.
  • A ADENOMIOMATOSE também pode causar um espessamento difuso com focos anecoicos redondos que representam os divertículos intramurais. Quando localizada no fundo, a adenomiose pode produzir uma projeção de mucosa que pode dar a aparência de um pólipo na ultrassonografia.

Papel da ecoendoscopia (EUS)

A EUS é um método de imagem invasivo que pode ser útil em casos selecionados, especialmente em pacientes com suspeita de pólipos malignos. Oferece a vantagem de obter imagens da vesícula biliar através da parede gástrica, evitando a atenuação prejudicial pela gordura subcutânea ou interferência do gás intestinal.

No entanto, sua precisão em diferenciar pólipos neoplásicos de não neoplásicos é limitada:

  • Em uma meta-análise de quatro estudos que incluíram 1009 participantes, a sensibilidade para detecção de pólipos displásicos/carcinoma foi de 79% e a especificidade foi de 89%.
  • Embora a Contrast-enhanced EUS (ex: com microbolhas) possa ter uma acurácia ligeiramente maior na diferenciação entre pólipos adenomatosos e de colesterol quando comparada à EUS convencional, ainda são necessários mais estudos para estabelecer seu papel definitivo.

Resumo de Pólipos da Vesícula Biliar

Tipo de Pólipo Características Principais Prevalência e Incidência Achados Ultrassonográficos Risco de Malignidade Sintomas e Complicações
Pólipos Benignos Não Neoplásicos
Colesterolose Difusa

Acúmulo de lipídios na mucosa da vesícula biliar.

Prevalência de 9% a 26% em estudos cirúrgicos.

Não apresenta achados ultrassonográficos específicos.

Geralmente baixo. Geralmente assintomática
Pólipos de Colesterol Crescimentos benignos na mucosa da vesícula biliar. Tipicamente diagnosticados por ultrassonografia. Prevalencia estimada >10% Múltiplos, homogêneos, polipoides, mais ecogênicos que o fígado. Baixo. Geralmente assintomática. Podem ter complicações semelhantes a cálculos
Pólipos Inflamatórios Compostos por tecido de granulação e fibroso. Menos comuns entre os pólipos não neoplásicos. Sésseis ou pediculados, geralmente 5 a 10 mm Baixo. Varia de acordo com tamanho
Pólipos Benignos Neoplásicos
Adenomas Tumores epiteliais benignos mais comuns. Menos de 0,5% de incidência.

Isoecogênicos, liso, sem pedículo.

Variável, aumenta com tamanho >10mm. Raramente sintomáticos
Pólipos Malignos
Adenocarcinomas Forma mais comum de pólipos malignos. Incidência mais alta que adenomas malignos. Características avançadas, geralmente diagnosticados tardiamente. Alto. Sintomas avançados e complicações
Carcinomas de Células Escamosas, Cistadenomas Mucinosos e Adenoacantomas Tipos raros de pólipos malignos. Incidência baixa. Características avançadas, exige avaliação e tratamento especializados. Alto. Sintomas avançados e complicações

Referências

  1. Szpakowski JL, Tucker LY. Outcomes of Gallbladder Polyps and Their Association With Gallbladder Cancer in a 20-Year Cohort. JAMA Netw Open. 2020 May 1;3(5):e205143. doi: 10.1001/jamanetworkopen.2020.5143. PMID: 32421183; PMCID: PMC7235691.
  2. Bhatt NR, Gillis A, Smoothey CO, Awan FN, Ridgway PF. Evidence based management of polyps of the gall bladder: A systematic review of the risk factors of malignancy. Surgeon. 2016 Oct;14(5):278-86. doi: 10.1016/j.surge.2015.12.001. Epub 2016 Jan 26. PMID: 26825588.
  3. Foley KG, Lahaye MJ, Thoeni RF, Soltes M, Dewhurst C, Barbu ST, Vashist YK, Rafaelsen SR, Arvanitakis M, Perinel J, Wiles R, Roberts SA. Management and follow-up of gallbladder polyps: updated joint guidelines between the ESGAR, EAES, EFISDS and ESGE. Eur Radiol. 2022 May;32(5):3358-3368. doi: 10.1007/s00330-021-08384-w. Epub 2021 Dec 17. PMID: 34918177; PMCID: PMC9038818.

Como citar este artigo

Martins BC. Pólipos de Vesícula Biliar Gastropedia 2023; vol 2. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/hepatopancreatobiliar/polipos-de-vesicula-biliar




Terapia de conversão no câncer gástrico

Recentemente, a terapia de conversão surgiu como uma nova possibilidade de tratamento para pacientes com câncer gástrico (CG). Ela consiste na administração de quimioterapia (QT) seguida de cirurgia, ainda com intenção curativa, em pacientes com CG estádio clínico (EC) IV. É também descrita como a combinação de QT de indução e cirurgia “adjuvante”. Pode ser indicada para tratar lesões irressecáveis ​​ou marginalmente ressecáveis, pacientes com metástases linfonodais (LN) à distância ou mesmo aqueles com doença metastática ou disseminação peritoneal. 

A terapia de conversão tem se destacado nos últimos anos, visto que o desenvolvimento e aprimoramento de esquemas quimioterápicos e a terapia-alvo baseada em marcadores moleculares têm melhorado dramaticamente as taxas de resposta. Assim, tornou-se cada vez mais comum para os cirurgiões reavaliarem pacientes inicialmente rotulados como não candidatos à ressecção curativa que apresentam uma doença completamente diferente após a QT paliativa/conversão inicial. Esse novo cenário deu à terapia de conversão grande destaque nas discussões atuais sobre o tratamento do CG.

A definição da terapia de conversão passa pela presença de um tumor irressecável. Entretanto, é extremamente difícil definir o que é um tumor marginalmente ressecável ou até mesmo irressecável e isso varia muito, mesmo entre os cirurgiões. Outra situação que pode ser englobada na terapia de conversão é a presença de LN acometidos fora do território de dissecção da linfadenectomia D2 habitual. Tecnicamente, as metástases linfonodais para-aórticas não são irressecáveis, mas também podem ser incluídos no grupo de conversão por serem considerados marginais do ponto de vista de cura.

Essas dificuldades foram em parte superadas com a proposta de Yoshida et al. para classificar os pacientes ECIV em 4 categorias. A divisão é baseada na presença de doença peritoneal, metástase sistêmica, metástase linfonodal e ressecabilidade do tumor (Figura 1).

Figura 1. Categorias de câncer gástrico ECIV propostas por Yoshida et al
.

Categorias de Câncer Gástrico estádio IV proposta por Yoshida

Categoria 1

Metástases potencialmente ressecáveis – inclui pacientes com metástase hepática única, citologia oncótica positiva (CY1) ou metástases para os LN para-aórticos nos níveis 16a2 e/ou 16b1. São definidos oncologicamente como tumores ECIV, mas com metástases tecnicamente ressecáveis ​​sem a necessidade de qualquer regime de QT para a citorredução do tumor e sua metástase. Nesse grupo, os pacientes têm lesões que podem ser ressecáveis mesmo antes da administração de QT. 

Categoria 2

Metástases marginalmente ressecáveis – inclui pacientes com mais de duas metástases hepáticas, metástase hepática maior que 5 cm localizada próxima à veia porta e/ou artéria hepática e metástases para LN em sítios distantes como estações para-aórticas 16a1 e/ou 16b2, cadeia mediastinal, fossas supraclavicular ou axilar. Metástases para outros órgãos distantes também podem ser incluídos nessa categoria (como exemplo, pulmão). 

Categoria 3

Essa categoria inclui pacientes com doença peritoneal detectada em exames de estadiamento, laparoscopia diagnóstica ou durante a laparotomia. Não há metástases em outros órgãos. Quando os implantes peritoneais apresentam boa resposta à QT de conversão, o tumor primário e os implantes podem ser removidos totalmente. Nesses casos, a cirurgia é considerada por alguns autores como citorredutora pois a maioria dos pacientes irá recidivar no peritônio visto que a remoção completa da doença peritoneal é improvável.  

Categoria 4

Pacientes com doença peritoneal macroscópica e metástases em outros órgãos. Dificilmente algum paciente desse grupo será candidato à terapia de conversão sendo a QT paliativa a modalidade de escolha na grande maioria dos casos. (Confira: Partição gástrica para tratamento de tumores gástricos distais obstrutivos não ressecáveis)

O conhecimento de fatores prognósticos relacionados com o resultado é importante para seleção adequada dos pacientes que serão submetidos à terapia de conversão sem prejudicar o tratamento. A taxa de pacientes que completaram com sucesso a QT de conversão, e são operados, varia entre 26 e 32,4%. Entretanto, como a maioria dos estudos são retrospectivos existe um grande viés de seleção dessas populações.

Dentre os fatores, o de mais fácil avaliação e maior impacto na resposta à terapia e na sobrevida seria a presença de mais de um fator de incurabilidade: a presença de doença metastática em dois ou mais sítios. O estado geral do paciente (performance status) e à resposta à QT inicial são outros importantes fatores que impactam a sobrevida. O esquema de QT aplicado, incluída aí a via de administração (sistêmica e/ou intraperitoneal) também influencia os resultados.

Doença localmente avançada – Yoshida categorias 1 e 2

Os tumores das categorias 1 e 2 ​​são provavelmente a indicação mais favorável para a terapia de conversão.

O estudo multicêntrico de fase II alemão FLOT 3 comparou três grupos de pacientes que foram inicialmente submetidos a quatro ciclos de QT (fluorouracil, leucovorin, oxaliplatina e docetaxel).

  • grupo A (n=51 pacientes) incluiu pacientes ressecáveis (QT neoadjuvante);
  • grupo B (n=60) envolveu pacientes com doença oligometastática em sítio único (linfonodos retroperitoneais, fígado, pulmão, doença peritoneal localizada ou outros sítios);
  • grupo C (n=127) contava com pacientes com doença metastática extensa.

A maior parte do grupo B incluiu a doença nodal retroperitoneal (27 dos 60 pacientes). Após a QT inicial, 96,1% dos pacientes do grupo A, 60% do grupo B e 11,8% do grupo C foram submetidos à ressecção cirúrgica. No grupo B, que representou a terapia de conversão, a cirurgia foi possível em 18 dos 27 pacientes com doença nodal extensa (66,7%), em seis dos 11 com metástase hepática (54,5%), em seis dos 10 com metástase pulmonar (60%) e em quatro de oito com outras metástases (50%). Nesse grupo, a sobrevida mediana global foi de 31,3 meses dentre os pacientes que foram submetidos à cirurgia vs. 15,9 meses nos não ressecados. Segundo o relato dos autores, os pacientes com doença nodal extensa obtiveram o melhor prognóstico.

Além dos tumores localmente avançados, vale destacar que os casos com citologia peritoneal positiva também são considerados na categoria 1. Kim et al. avaliaram o efeito da QT de conversão nesse grupo de pacientes com câncer gástrico e citologia positiva num estudo retrospectivo. De 43 pacientes, 18 foram submetidos à cirurgia (10 procedimentos curativos) após QT de conversão e os outros 25 seguiram com a QT exclusiva. A sobrevida em 3 anos no primeiro grupo foi de 16,3%. Nenhum paciente sobreviveu 3 anos no grupo da QT exclusiva.

Doença peritoneal – Yoshida categorias 3 e 4

As metástases peritoneais sincrônicas são as mais comuns no câncer gástrico ECIV e têm prognóstico reservado. Recentemente, o uso de QT intraperitoneal (IP) normotérmica, HIPEC e PIPAC tem sido empregado na tentativa de melhorar os resultados nessa população.

O uso do taxano por via IP e sistêmica mostrou ser um esquema terapêutico viável e bastante efetivo para pacientes com doença peritoneal, quer seja ascite, citologia positiva ou implante neoplásico, sendo observada a redução e, eventualmente, o desaparecimento da expressão peritoneal, o que permite ser realizada a gastrectomia de conversão em um número relevante de casos.

  •  Um recente estudo analisou a QT IP repetida em 222 pacientes portadores de doença peritoneal tratados em 20 instituições japonesas. Foi possível realizar a ressecção em 99 pacientes e a sobrevida global foi de 26 meses comparada com 12 meses para os pacientes não operados (Ishigami et al.).

Infelizmente, até o momento, não há evidências definitivas da efetividade da QT IP empregando HIPEC e PIPAC. Definição do melhor esquema de drogas, duração da terapia e perfil dos pacientes ainda são necessárias. Diversos estudos estão em andamento nesse sentido e seus resultados podem aumentar a indicação e o número de casos candidatos à terapia de conversão no cenário da carcinomatose peritoneal.

Concluindo, a terapia de conversão pode oferecer a possibilidade de ressecção cirúrgica com sobrevida em longo prazo para um grupo de pacientes considerados inicialmente fora das possibilidades terapêuticas. Os avanços do tratamento sistêmico e das terapias IP ampliarão essa possibilidade. O cirurgião que atua na área do CG deve estar atento a essas possibilidades sempre levando em consideração o balanço entre o risco e benefício do tratamento.

Referências

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  2. Ishigami H,Fujiwara Y,Fukushima R et al. Phase III Trial Comparing Intraperitoneal and Intravenous Paclitaxel Plus S-1 Versus Cisplatin Plus S-1 in Patients With Gastric Cancer With Peritoneal Metastasis: PHOENIX-GC Trial. J Clin Oncol, 36, n. 19, p. 1922-1929, Jul 1 2018.
  3. Kim SW. The result of conversion surgery in gastric cancer patients with peritoneal seeding. J Gastric Cancer, 14, n. 4, p. 266-270, Dec 2014.
  4. Morgagni P,Solaini L,Framarini M et al. Conversion surgery for gastric cancer: A cohort study from a western center. In: Int J Surg. England: © 2018. Published by Elsevier Ltd., 2018. v. 53, p. 360-365.
  5. Ramos MFKP,Pereira MA,Charruf AZ et al. Conversion Therapy For Gastric Cancer: Expanding The Treatment Possibilities. Arq Bras Cir Dig, 32, n. 2, p. e1435, 2019.

Como citar este artigo

Ramos MFKP, Terapia de conversão no câncer gástrico Gastropedia 2023 Vol 2. Disponível em: gastropedia.pub/pt/cirurgia/terapia-de-conversao-no-cancer-gastrico/




Hemorragia Diverticular: quadro clínico e tratamento

A hemorragia de um divertículo do cólon é a causa mais comum de HDB em doentes com mais de 60 anos, porém menos de 5% dos doentes com diverticulose terá hemorragia gastrointestinal 1.

Nesse artigo revisaremos as causas e quadro clínico do sangramento diverticular. Se quiser saber mais sobre doença diverticular confira esse post: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/doenca-diverticular-do-colon-epidemiologia-e-fisiopatologia/

Fisiopatologia do sangramento diverticular

Com a herniação diverticular no ponto de fraqueza dos vasos, a vasa recta fica mais exposta ao conteúdo do cólon, levando a espessamento da camada íntima e adelgaçamento da camada média, que predispõe a ruptura do vaso para o lumen.

Fisiopatologia do sangramento diverticular

Quadro clínico da hemorragia diverticular

  • Tipicamente apresenta-se como sangramento volumoso e indolor, geralmente autolimitado, mas pode ser fatal.
  • O cólon direito é o foco do sangramento em 50 a 90% dos casos (proximal ao ângulo esplênico).
  • Cerca de 80% destas cessam espontaneamente.
  • A recorrência é comum e ocorre em 25 a 50% dos casos.

            O exame de escolha no diagnóstico da hemorragia diverticular é a colonoscopia, a qual pode ser diagnóstica e terapêutica.  Importante realizar o preparo do cólon mesmo no contexto de sangramento para aumentar a eficácia do exame 2. A anuscopia deve ser realizada mesmo sem preparo de colón para excluir causas de sangramento anorretais. Em casos em que não é possível o preparo do cólon, pode-se realizar a arteriografia, a cintilografia ou a angio tomografia.

Coágulo aderido em um divertículo, indicando local de sangramento recente. Imagem cedida pela Dra. Renata Nobre

Tratamento da hemorragia diverticular

O manejo da hemorragia digestiva baixa aguda de acordo com as recomendações da associação de gastroenterologia americana (ACG) (Strate LL, et al. Am J Gastroenterol. 2016) incluem:

  • Abordagem inicial em casos de HDB: história clínica, exame físico e laboratoriais, simultaneamente com a ressuscitação volêmica.
  • a ressuscitação volêmica tem como meta a normalização da PA e da FC antes do procedimento endoscópico.
  • Pacientes com Hb<7 devem ser transfundidos. Pacientes cardiopatas pode-se estabelecer 9 g/dl como meta de Hb.
  • a COLONOSCOPIA é o melhor método diagnóstico para avalição destes pacientes e deve ser realizada após estabilização hemodinâmica incluindo preparo de cólon para limpeza de coágulos e fezes residuais a fim de permitir a avaliação adequada da mucosa visando encontrar o local do sangramento. É importante a intubação da válvula ileocecal para avaliação de possível sangramento de intestino delgado ou trato digestivo alto.
  • o momento ideal da colonoscopia em pacientes de alto risco ou com sinais de sangramento é a realização de preparo de cólon imediatamente após a ressuscitação volêmica e a realização da colonoscopia em até 24 horas após início do quadro e confirmação de preparo de cólon adequado, o qual aumenta as taxas diagnóstica e de sucesso terapêutico. Entretanto, duas recentes metanálises de estudos randômicos (evidencia 1A) demonstraram que a realização de colonoscopia nas primeiras 24 horas não reduz a mortalidade ou o ressangramento em pacientes com HDB, de forma que a decisão do momento da colonoscopia deve avaliada individualmente 4,5.
  • o TRATAMENTO ENDOSCÓPICO deve ser realizado em pacientes com estigmas de sangramento incluindo sangramento ativo, vaso visível e coágulo aderido.
    • a injeção de adrenalina (1:10000 ou 1:20000) pode ser utilizada como método inicial para redução do sangramento ativo, porém deve ser sempre associada a outro método seja ele mecânico ou térmico.Em sangramento diverticular recomenda-se o tratamento com hemoclips por serem mais seguros que métodos térmicos e mais simples que a ligadura elástica.

    • Em casos de sangramento mais severos em divertículos, a realização de tatuagem após o tratamento pode ser útil em casos de recidivas para facilitar a identificação na reabordagem, seja ela endoscópica ou cirúrgica.

  • a EMBOLIZAÇÃO POR RADIOLOGIA INTERVENCIONISTA deve ser considerada em pacientes com sangramento ativo severo com EDA sem sinais de sangramento os quais não conseguem tolerar o preparo de cólon pois não responderam adequadamente a ressuscitação volêmica. Em pacientes que falharam ao tratamento endoscópico a embolização por angiografia também está indicada.
  • a CIRURGIA está indicada apenas em casos de falha de tratamentos menos invasivos como colonoscopia e angiografia terapêutica.
  • É importante antes da cirurgia localizar o local exato do sangramento a fim de evitar a ressecção de local inadequado ou necessidade de ressecção extensa do cólon. A colectomia total apenas deve ser realizada quando não há correta identificação do local do sangramento. Ressecções em pacientes com hemorragia diverticular com localização do sangramento incerta mostraram uma mortalidade pós-operatória de 43% em comparação com 7% em pacientes com localização bem definida do sangramento 6.

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Referências

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  6. Parkes BM, Obeid FN, Sorensen VJ, Horst HM & Fath JJ The management of massive lower gastrointestinal bleeding. Am Surg 59, 676–678 (1993). [PubMed: 8214970]

Como citar este artigo

Martins BC. Hemorragia Diverticular: quadro clínico e tratamento Gastropedia 2023; vol 2. Disponível em:
gastropedia.pub/pt/cirurgia/hemorragia-diverticular-quadro-clinico-e-tratamento/




Neoplasia periampular com metástase hepática isolada: o que você faria?

Atender e cuidar de um paciente oncológico deve ir além do conhecimento de alta complexidade e baseado em evidências que se atualizam a cada dia. Espera-se uma sólida relação médico-paciente com manejo de expectativas e de muita confiança.

A situação que desejo colocar aqui é a de um paciente com síndrome colestática devido a neoplasia maligna periampular não biopsiada. Apresentava um status muito bom, um atleta totalmente independente para as atividades diárias e com pouca perda de peso mesmo na presença dos sintomas de intolerância alimentar.

Não preenchendo critérios para neoadjuvância (borderline)1 e sem evidências de lesões metastáticas no estadiamento realizado, foi optada por uma ressecção como primeiro tratamento (upfront) que se deu cerca de 1 mês após o primeiro contato com o cirurgião.

Exponho a foto do intra-operatório:

Figura 1: Paciente com serosas ictéricas, fígado em bom aspecto com lesão única, em segmento lateral esquerdo.

A lesão subcentimétrica  destacada foi ressecada e enviada para biópsia de congelação. O achado foi de neoplasia maligna na amostra enviada.

Existem vários fatores nesse momento de decisão que nos induzem a prosseguir com a cirurgia: a falibilidade da congelação intraoperatória, o fato desse paciente – a exceção da maioria dos casos atendidos nesse contexto – estar tão física e nutricionalmente apto a cirurgia, a confiança e otimismo transmitido em consulta para o paciente e família diante da precocidade do tratamento cirúrgico, a experiência de casos anteriores que foram “bem sucedidos”.

Por essa razão compartilho os seguintes estudos que tiveram como objetivo definir o real prognóstico desse paciente.

O que dizem os estudos?

No primeiro2 foram analisados retrospectivamente pacientes submetidos a pancreatectomias associadas a ressecções de metástases hepáticas em um centro internacionalmente renomado. 

O tamanho da amostra (22 pacientes) é criticável e provavelmente é consequência da alta seleção de pacientes. Essa seleção também é comprovada nos detalhes da amostra: tamanho médio da metástase (0.6 cm), ressecções hepáticas foram em sua maioria nodulectomias. Além disso, todos os casos foram semelhantes ao nosso, um achado incidental intraoperatório.

Para controle foram designados dois grupos: 1 – ressecção convencional com mesmo sítio primário sem associação a metástase hepática e 2 – cirurgia paliativa realizada diante da metástase hepática (derivação biliodigestiva + alimentar). A comparação demonstrou resultados interessantes, mas não inesperados: a um custo de maior taxa de complicações, sangramento e tempo de internação não houve benefício na sobrevida desses pacientes a longo prazo comparados a cirurgia paliativa. Vale destacar que, a exemplo da nossa situação, estamos comparando um grupo selecionado pelo otimismo, pela expectativa de melhor evolução frente ao habitual.

Destaco, ainda, essa revisão sistemática3 mais recente demonstrando uma sobrevida semelhante entre pacientes que realizaram a cirurgia combinada no contexto proposto e pacientes encaminhados para quimioterapia paliativa após detecção metástase no estadiamento (não submetidos a cirurgia). Em pacientes selecionados, após quimioterapia e controle sistêmico, a sobrevida proporcionada pela mesma cirurgia foi de 3 a 4 vezes maior.

Conclusão

Como visto acima, não nos faltam exemplos que em poucos pacientes a cirurgia pensada inicialmente (ressecção de metástase hepática + duodenopancreatectomia) pode trazer benefício em sobrevida4. Porém, no momento da cirurgia esse indivíduo ainda não passou por essa seleção do tratamento sistêmico e, por isso, não sabemos ainda se ele é –  ou melhor –  será um desses casos. Por isso, nesse dia, procedemos com a derivação biliodigestiva – solucionando assim a obstrução biliar – associada a derivação alimentar devido aos sintomas alimentares alegados.

Para aqueles que optariam por prosseguir com o procedimento, os convido a reflexão: por mais otimista que seja nossa expectativa, a nossa intenção e atitude permanecem submissas aos dados e estatísticas. Nossa função principal durante a jornada do nosso paciente é aconselhá-lo a tomar o caminho mais vantajoso e não apenas torcer pelo melhor resultado. 

Afinal, existem cirurgias menos arriscadas que aliviam os sintomas e proporcionam um tratamento sistêmico sem intercorrências para nosso paciente. Dessa forma, à luz do conhecimento atual, ele permanecerá com maior qualidade de vida e por mais tempo fora do ambiente hospitalar. Lembrando que o tratamento definitivo não deixará de ser opção caso se prove adequado ao longo de sua evolução.

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Referências

  1. Isaji, S. et al. International consensus on definition and criteria of borderline resectable pancreatic ductal adenocarcinoma 2017. Pancreatology 18, 2–11 (2018).
  2. Gleisner, A. L. et al. Is resection of periampullary or pancreatic adenocarcinoma with synchronous hepatic metastasis justified? Cancer 110, 2484–2492 (2007).
  3. Crippa, S. et al. A systematic review of surgical resection of liver-only synchronous metastases from pancreatic cancer in the era of multiagent chemotherapy. Updates Surg. 72, 39–45 (2020).
  4. Nagai, M. et al. Oncologic resection of pancreatic cancer with isolated liver metastasis: Favorable outcomes in select patients. J. Hepatobiliary. Pancreat. Sci. 1–11 (2023) doi:10.1002/jhbp.1303.

Como citar este artigo

Magalhães DP. Neoplasia periampular com metástase hepática isolada: o que você faria? Gastropedia, vol. 2 Disponível em: gastropedia.pub/pt/cirurgia/neoplasia-periampular-com-metastase-hepatica-isolada-o-que-voce-faria/




Técnicas combinadas para ressecção localizada de espessura total da parede do trato gastrointestinal – “Laparoscopic and Endoscopic Cooperative Surgery” (LECS)

Introdução

A combinação da endoscopia e da laparoscopia para ressecções localizadas de espessura total do trato gastrointestinal foi descrita pela primeira vez em 2008 por Hiki et al [1]. Essa combinação une as vantagens das duas vias de acesso em um único procedimento. Surgiu como uma alternativa à gastrectomia em cunha, e ao evitar a ressecção de margens excessivas, ampliou a capacidade de ressecções localizadas, evitando gastrectomias desnecessárias [2]. Desde então vem sendo cada vez mais difundida e aplicada a outros órgãos além do estômago [3].

Após a publicação de Hiki et al [1] relatando o “Laparoscopic and Endoscopic Cooperative Surgery” (LECS), diversas variações técnicas foram descritas, cada uma com suas vantagens e desvantagens. Essas variações permitiram ampliar ainda mais as indicações da abordagem conjunta.

Atualmente, o termo LECS tem sido utilizado genericamente para se referir ao conjunto de técnicas combinadas. A técnica originalmente descrita por Hiki et al está sendo chamada de LECS clássico e as outras de LECS modificado [3].

Indicações

As técnicas combinadas permitem realizar a ressecção localizada de espessura total da parede do trato gastrointestinal evitando margens excessivas, e consequentemente deformidades obstrutivas (Figuras 1a e 1b). Essas técnicas não contemplam a linfadenectomia regional.

Dessa forma, são indicadas para as lesões com necessidade de ressecção de espessura total, quando se deseja evitar margens excessivas, desde que tenham baixo risco de metástase para linfonodos.

Lesões com necessidade de ressecção de espessura total [4]:

  • Profundas, com origem ou acometimento da camada muscular própria;
  • Superficiais, localizadas nas camadas mucosa e/ou submucosa na falha das técnicas endoscópicas convencionais (mucosectomia e a dissecção endoscópica da submucosa).

No LECS clássico ocorre a exposição da lesão e do conteúdo luminal para a cavidade peritoneal, não estando indicado para lesões epiteliais ou ulceradas. Com a evolução, técnicas sem exposição foram descritas ampliando a indicação da abordagem combinada para estes tipos de lesões [3].

Descrição das principais técnicas – vantagens e limitações

As principais técnicas combinadas começam pelo acesso laparoscópico à lesão. Os vasos da face serosa devem ser ligados, permitindo uma boa exposição da área a ser ressecada. Em seguida, é feito a marcação interna (mucosa) e externa (serosa e muscular própria) dos limites da lesão utilizando corrente de coagulação. Caso os limites da lesão não sejam nítidos em alguma de suas faces, eles podem ser apontados através de compressão (Figura 3).

Com objetivo de afastar a mucosa da muscular própria, para proporcionar uma dissecção mais precisa e evitar uma perfuração inadvertida, o endoscopista realiza a injeção da submucosa ao redor da lesão. A solução utilizada deve ser eletrolítica e com maior osmolaridade, permitindo a condução da corrente elétrica com maior permanência na submucosa. Um corante pode ser adicionado para facilitar a diferenciação das camadas. Neste momento, não se tem uma precisa visibilização endoscópica dos limites da lesão, enfatizando a importância de uma adequada marcação na mucosa (Figura 4).

Figura 3 – Marcação combinada e precisa dos limites da lesão.
Figura 4 – Lesão subepitelial gástrica após a marcação e a injeção da submucosa. Observar a perda da precisão na identificação dos limites da lesão.

Laparoscopic and Endoscopic Cooperative Surgery” (LECS) clássico

No LECS clássico, guiado pela marcação na mucosa e com auxílio da injeção da submucosa, o endoscopista realiza a secção da parede ao redor da lesão, plano a plano até a perfuração intencional. Deve-se evitar a perfuração precoce, uma vez que o escape aéreo pode dificultar a insuflação do órgão, com consequente perda da visibilidade pelo endoscopista. Essa dissecção endoscópica é auxiliada pela laparoscopia, principalmente em suas fases finais, até a completa liberação da lesão.

Lesões menores que 3 cm podem ser retiradas pela endoscopia por via oral, já as maiores devem ser retiradas pela laparoscopia por via abdominal. O defeito é fechado pela laparoscopia, seja com sutura manual ou mecânica.

Vantagens:

  • Evita margens excessivas;
  • Aplicável para a maior parte das localizações das lesões.

Limitação:

  • Exposição da lesão e do conteúdo luminal à cavidade peritoneal devendo ser evitada em lesões ulceradas ou epiteliais.

Laparoscopic and Endoscopic Cooperative Surgery” (LECS) modificado – técnicas sem exposição

Após a marcação e a injeção da submucosa, nas técnicas sem exposição é feita a secção das camadas serosa e muscular própria ao redor da lesão, seguida da dissecção submucosa (Vídeo 1). A lesão fica presa apenas pela mucosa, a qual é elástica e redundante, permitindo uma maior amplitude na sua invaginação para a luz do órgão ou eversão para a cavidade peritoneal.

Vídeo 1 – Abertura inicial das camadas serosa e muscular própria, com a exposição da submucosa, corada em azul. Esta abertura é realizada utilizando corrente de corte. Após a secção circunferencial das camadas serosa e muscular própria, a submucosa é dissecada utilizando a corrente de coagulação. Após a dissecção, observa-se a grande mobilidade da lesão para a luz do estômago ou para a cavidade peritoneal.

Combination of Laparoscopic and Endoscopic Approaches to the Treatment of Neoplasia with a Nonexposure Technique” (CLEAN-NET)

Dois pontos de reparo podem ser passados nas margens da lesão, facilitando sua manipulação, inclusive durante a dissecção da submucosa. Nesta técnica, a lesão é evertida para a cavidade peritoneal e com um grampeador laparoscópico linear, a ressecção de espessura total é completada. Esse grampeamento pode englobar toda a espessura da parede, técnica originalmente descrita, ou apenas a mucosa, sendo chamada de CLEAN-NET modificada (Figura 5). Nesta, após o grampeamento, é feito o fechamento manual da camada seromuscular (Figura 6) [5,6].

Vantagens:

  • Evita margens excessivas;
  • Sem exposição da lesão e do conteúdo luminal à cavidade peritoneal;
  • Maior facilidade nas lesões com crescimento extra luminal.

Limitações:

  • Maior dificuldade nas lesões com crescimento intraluminal.
Figura 5 – Posicionamento do grampeador linear na mucosa da área de dissecção ao redor da lesão.
Figura 6 – Aspecto endoscópico final na pequena curvatura do corpo alto, após o grampeamento da mucosa e a sutura manual das camadas serosa e muscular própria (seta verde).

Nonexposed Endoscopic Wall-inversion Surgery” (NEWS)

Com a lesão presa apenas pela mucosa, o cirurgião faz o fechamento com sutura manual das camadas serosa e muscular própria ao redor da área de dissecção, recobrindo a lesão. Para melhor localização pelo endoscopista da área dissecada, um anteparo (esponja) é interposto (Figura 7).

Após, utilizando a técnica da dissecção endoscópica da submucosa, o endoscopista guiado pela marcação na mucosa e pelo anteparo, secciona toda a mucosa ao redor da lesão, completando a ressecção. A lesão é retirada por via luminal, e um segunda plano de sutura e/ou o fechamento da mucosa com clipes podem ser realizados [7,8,9].

Vantagens:

  • Evita margens excessivas;
  • Sem exposição da lesão e do conteúdo luminal à cavidade peritoneal;
  • Maior facilidade nas lesões com crescimento intraluminal;
  • Grande precisão nas margens laterais de ressecção da mucosa.

Limitações:

  • Lesões maiores que 3 cm (não são passíveis de retirada por via oral);
  • Necessita de proficiência na técnica de dissecção endoscópica da submucosa;
  • Maior dificuldade nas lesões com crescimento extra luminal.
Figura 7 – Camadas serosa e muscular própria fechadas por sutura manual recobrindo a lesão, com anteparo interposto. As setas indicam o local em que o endoscopista fará a incisão circunferencial da mucosa para a completa liberação da lesão.

Combined Gastric Full-Thickness Tumor Resection”

Após a dissecção laparoscópica da submucosa, utilizando uma pinça, o cirurgião empurra a lesão para luz do órgão. Neste momento o endoscopista apreende a lesão, juntamente com todas as camadas da parede, em uma alça (Figura 8). Pela laparoscopia é possível confirmar se a serosa e a muscular própria da lesão estão completamente apreendidas pela alça (o ponto de fechamento da alça fica nítido e não se observa as camadas serosa e muscular própria junto dele).

Com a lesão apreendida pelo endoscopista, o cirurgião faz o fechamento com sutura manual da parede ao redor da área dissecada (Figura 9). Completado o fechamento, utilizando corrente de corte aplicada à alça, a mucosa ao redor da lesão é seccionada liberando a peça. Esta é retirada por via luminal, e um segundo plano de sutura e/ou o fechamento da mucosa com clipes podem ser realizados.

Vantagens:

  • Evita margens excessivas;
  • Sem exposição da lesão e do conteúdo luminal à cavidade peritoneal;
  • Maior facilidade nas lesões com crescimento intraluminal;
  • Não requer proficiência em dissecção endoscópica da submucosa.

Limitações:

  • Lesões maiores que 3 cm (não são passíveis de retirada por via oral);
  • Menor precisão nas margens laterais de ressecção da mucosa;
  • Maior dificuldade nas lesões com crescimento extra luminal.

Considerações finais e perspectivas futuras

As lesões com indicação de ressecção de espessura total da parede não são comuns na prática clínica, e ainda apresentam diversas variáveis que influenciam na técnica para sua ressecção. Dentre estas variáveis, destacam-se o tamanho, a localização, o padrão de crescimento (intraluminal ou extra luminal), o acometimento da mucosa, dentre outras. Dessa forma, estudos comparativos entre as técnicas com alto nível de evidência dificilmente serão realizados.

A escolha da técnica deve basear-se em suas vantagens e limitações, aplicadas às particularidades de cada caso, bem como na experiência da equipe. Diversas séries e relatos de casos vem sendo publicados sugerindo serem técnicas seguras e reprodutíveis. Exceto a “Combined Gastric Full-Thickness Tumor Resection”, que apesar de já ser realizado por nossa equipe, ainda não há publicação em humanos.

As técnicas puramente endoscópicas de ressecção de espessura total têm demonstrado eficácia semelhante às técnicas combinadas, com possível menor tempo de procedimento e menor tempo de internação [11]. Elas vêm ganhando cada vez mais destaque na literatura, porém ainda apresentam muitas limitações. Destacam-se a dificuldade de visibilidade após a perfuração intencional do órgão, além da deficiência dos acessórios endoscópicos disponíveis para o fechamento de defeitos maiores. Assim, devem fazer parte do arsenal terapêutico para este tipo de ressecção, porém atualmente não são capazes de substituir as técnicas combinadas.

Tem se estudado a combinação do LECS com o mapeamento de linfonodos sentinelas. Tal associação poderá melhorar o resultado do tratamento das lesões com risco de metástase para linfonodos, como o adenocarcinoma [3]. Conhecendo de forma mais precisa o estadiamento N, muitos pacientes se beneficiarão de um tratamento oncologicamente correto e menos invasivo, ou ainda da necessidade de uma cirurgia mais ampla com linfadenectomia para maior probabilidade de cura.

Referências

  1. Hiki N, Yamamoto Y, Fukunaga T, Yamaguchi T, Nunobe S, Tokunaga M, Miki A, Ohyama S, Seto Y. Laparoscopic and endoscopic cooperative surgery for gastrointestinal stromal tumor dissection. Surg Endosc. 2008 Jul;22(7):1729-35.
  2. Komatsu S, Ichikawa D, Kosuga T, Okamoto K, Konishi H, Shiozaki A, Fujiwara H, Dohi O, Yagi N, Otsuji E. Clinical Impact of Laparoscopy and Endoscopy Cooperative Surgery (LECS) on Gastric Submucosal Tumor After its Standardization. Anticancer Res. 2016 Jun;36(6):3041-7.
  3. Hiki N, Nunobe S. Laparoscopic endoscopic cooperative surgery (LECS) for the gastrointestinal tract: Updated indications. Ann Gastroenterol Surg. 2019 Feb 19;3(3):239-246. doi: 10.1002/ags3.12238. PMID: 31131352; PMCID: PMC6524076.
  4. ASGE Technology Committee, Aslanian HR et al. ASGE guideline for endoscopic full-thickness resection and submucosal tunnel endoscopic resection. VideoGIE. 2019 Jun 29;4(8):343-350.
  5. Inoue H, Ikeda H, Hosoya T, Yoshida A, Onimaru M, Suzuki M, Kudo SE. Endoscopic mucosal resection, endoscopic submucosal dissection, and beyond: full-layer resection for gastric cancer with nonexposure technique (CLEAN-NET). Surg Oncol Clin N Am. 2012 Jan;21(1):129-40.
  6. Onimaru M, Inoue H, Ikeda H, Abad MRA, Quarta Colosso BM, Shimamura Y, Sumi K, Deguchi Y, Ito H, Yokoyama N. Combination of laparoscopic and endoscopic approaches for neoplasia with non-exposure technique (CLEAN-NET) for gastric submucosal tumors: updated advantages and limitations. Ann Transl Med. 2019 Oct;7(20):582. doi: 10.21037/atm.2019.09.19. PMID: 31807563; PMCID: PMC6861760.
  7. Goto O, Takeuchi H, Sasaki M, Kawakubo H, Akimoto T, Fujimoto A, Ochiai Y, Maehata T, Nishizawa T, Kitagawa Y, Yahagi N. Laparoscopy-assisted endoscopic full-thickness resection of gastric subepithelial tumors using a nonexposure technique. Endoscopy. 2016 Nov;48(11):1010-1015.
  8. Mitsui T, Yamashita H, Aikou S, Niimi K, Fujishiro M, Seto Y. Non-exposed endoscopic wall-inversion surgery for gastrointestinal stromal tumor. Transl Gastroenterol Hepatol. 2018 Mar 16;3:17. doi: 10.21037/tgh.2018.03.02.
  9. Aoyama J, Goto O, Kawakubo H, Mayanagi S, Fukuda K, Irino T, Nakamura R, Wada N, Takeuchi H, Yahagi N, Kitagawa Y. Clinical outcomes of non-exposed endoscopic wall-inversion surgery for gastric submucosal tumors: long-term follow-up and functional results. Gastric Cancer. 2020 Jan;23(1):154-159.
  10. Morita FHA, Sakai CM, Kawamoto FM, de Moura EGH, Sakai P. An innovative laparoscopic and endoscopic technique in an animal model: combined gastric full-thickness tumor resection. Endosc Int Open. 2019 Apr;7(4):E440-E445.
  11. Kahaleh M, Bhagat V, Dellatore P, Tyberg A, Sarkar A, Shahid HM, Andalib I, Alkhiari R, Gaidhane M, Kedia P, Nieto J, Kumta NA, Dixon RE, Salameh H, Mavrogenis G, Bassioukas S, Abe S, Arentes VN, Morita FH, Sakai P, de Moura EG. Subepithelial tumors: How does endoscopic full-thickness resection & submucosal tunneling with endoscopic resection compare with laparoscopic endoscopic cooperative surgery? Endosc Int Open. 2022 Nov 15;10(11):E1491-E1496.

Como citar este artigo

Morita FHA, Técnicas combinadas para ressecção localizada de espessura total da parede do trato gastrointestinal – “Laparoscopic and Endoscopic Cooperative Surgery” (LECS). Gastropedia 2023, vol 2. Disponível em:
gastropedia.pub/pt/cirurgia/esofago-estomago-duodeno/tecnicas-combinadas-para-resseccao-localizada-de-espessura-total-da-parede-do-trato-gastrointestinal-laparoscopic-and-endoscopic-cooperative-surgery-lecs/