Cirurgia cooperativa laparoscópica e endoscópica (LECS) para ressecção de GIST gástrico
Autores: Henrique Lopardi Passos, Annita Cavalcante Farias Leoncio Cardoso, Eduardo Rullo Maranhão Dias, Pedro Henrique de Freitas Amaral, Sergio Roll, Bruno da Costa Martins
Introdução
A gastrectomia parcial laparoscópica para tumores gástricos submucosos é um procedimento simples, seguro e bem difundido. Entretanto, a visão somente laparoscópica, da superfície serosa, pode tornar difícil a localização de tumores no lúmen gástrico, resultando em uma ressecção extensa da parede gástrica que, por sua vez, pode levar a deformidades e obstrução do trânsito do órgão. Também há vários relatos de margens de ressecção positivas e recorrência local pós-operatória devido ao desconhecimento do local preciso da lesão.
Vídeo apresentando ressecção videolaparoscópica de GIST gástrico em parede posterior de corpo alto, próximo à cárdia, com o auxílio da endoscopia digestiva alta. A lesão media 26,5 x 19,1 mm, tendo diagnóstico através de punção ecoendoscópica, confirmado por imuno-histoquímica, sem metástases ao exame tomográfico. Devido ao tamanho da lesão e por se tratar de um tumor de baixo grau, foi indicada ressecção local por via laparoscópica. No procedimento, por se tratar de um tumor de difícil localização para ressecção local, em corpo alto, próximo à cárdia, em parede posterior, foi solicitado auxílio da endoscopia digestiva alta no intraoperatório, realizando um procedimento combinado (LECS).
A equipe de endoscopia realizou injeção de Voluven com azul de metileno para elevação da submucosa, permitindo a dissecção do tumor pela equipe de cirurgia e ressecção total da lesão por via videolaparoscópica e possibilitando uma menor área de grampeamento, com mínima deformidade do órgão. Não houve abertura da mucosa ou sangramento durante o procedimento. O tempo cirúrgico foi de 70 minutos. Três dias após a cirurgia, a paciente recebeu alta hospitalar, sem dor e aceitando bem dieta líquida.
No laudo anatomopatológico, foi confirmado o diagnóstico de tumor estromal de baixo grau, medindo 4,1 cm no maior eixo, com 1 mitose por 5 mm2, margens livres, sem invasão angiolinfática e pT2. Paciente se encontra em seguimento ambulatorial, assintomática.
Tumor Estromal Gastrointestinal (GIST)
Este tumor é uma rara neoplasia mesenquimal do trato gastrointestinal (TGI), apresentando-se tipicamente como uma lesão subepitelial do estômago e do intestino delgado. A maior parte destes tumores apresenta mutações características nos genes KIT ou PDGFRA, representando 1 a 2 % dos tumores primários do TGI, além de serem os tumores mesenquimais mais comumente encontrados nesta localização.
Muitas vezes os GISTs são detectados acidentalmente em pacientes assintomáticos por exames endoscópicos ou de imagem, mas algumas vezes os pacientes apresentam sinais e sintomas, como sangramento, disfagia, icterícia obstrutiva, constipação ou obstrução intestinal. O diagnóstico é estabelecido por histopatologia, imunohistoquímica e identificação de mutações específicas.
O diagnóstico diferencial inclui tumores subepiteliais benignos e malignos, muitos deles similares aos GISTs.
Como tratamento para os GISTs não metastáticos, temos a ressecção cirúrgica como padrão-ouro, com o objetivo de atingir uma ressecção R0.
Referências
Hiki N, Nunobe S. Laparoscopic endoscopic cooperative surgery (LECS) for the gastrointestinal tract: Updated indications. Ann Gastroenterol Surg. 2019;3:239–246. https://doi.org/10.1002/ags3.12238
Chandrajit P Raut et al. Clinical presentation, diagnosis, and prognosis of gastrointestinal stromal tumors. Uptodate 2023. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/clinical-presentation-diagnosis-and-prognosis-of-gastrointestinal-stromal-tumors.
Situações especiais da linfadectomia para o tratamento do câncer gástrico
O princípio da gastrectomia é a ressecção do tumor com margens adequadas e remoção dos linfonodos regionais com potencial de acometimento metastático. (Um fluxograma completo de tratamento do câncer gástrico pode ser acessado neste outro artigo: Fluxograma de tratamento do câncer gástrico).
As cadeias, ou estações, linfonodais que drenam o estômago são numeradas e definidas de acordo com o vaso que estão acompanhando. Os níveis de linfadenectomias D1 ou D2 foram definidos baseado nos dados do registro japonês, que realizou uma divisão dos linfonodos abdominais em cadeias, apresentando um mapeamento de probabilidade de metástases em cada uma das cadeias, de acordo com a localização do tumor primário.(1)
Assim, na linfadenectomia D1, tanto os linfonodos perigástricos quanto ao longo da artéria gástrica esquerda são removidos. Na linfadenectomia D2, por sua vez, além da remoção dos linfonodos D1, também são removidos os linfonodos ao longo das artérias hepática comum, hepática própria e esplênica, bem como aqueles ao longo do tronco celíaco. (Tabela 1)
Tabela 1. Cadeias linfonodais ressecadas de acordo com extensão da ressecção e linfadenectomia.
Gastrectomia Subtotal
D1
1, 3, 4sb, 4d, 5, 6, 7
D2
cadeias da D1 + 9, 11p, 12a
Gastrectomia Total
D1
1 a 7
D2
cadeias da D1 + 8a, 9, 11p, 11d, 12a
Entretanto, existem algumas situações em que a linfadenectomia pode englobar outras cadeias linfonodais além das previamente citadas.
Tumores da transição esofagogástrica
Nos casos de tumores com invasão do esôfago distal inferior a 2 cm a gastrectomia total pode ser indicada e as cadeias 19, 20 e 110 devem ser removidas (Figura 1). Tumores com invasão entre 2 e 4 cm podem ser tratados tanto com esofagectomia quanto com gastrectomia. Nos casos com mais de 4 cm de invasão do esôfago, a esofagectomia com linfadenectomia das cadeias mediastinais é obrigatória.(2, 3)
Linfadenectomia da cadeia 10
A cadeia 10 do hilo esplênico deve ser removida durante a linfadenectomia D2 nos casos de tumores proximais com invasão da grande curvatura submetidos a gastrectomia total. A linfadenectomia pode ser associada ou não a realização de esplenectomia. Durante muitos anos debateu-se a necessidade de esplenectomia de rotina nos pacientes submetidos a gastrectomia total. Em 2007 foram publicados os resultados do estudo clínico randomizado (RCT) JCOG0110 que incluiu 505 pacientes em 36 instituições japonesas sem demonstrar benefício na realização da esplenectomia de rotina.(4)
Linfadenectomia cadeia 14v
Nos casos em que há metástases na cadeia 6 infrapilórica está indicada a remoção da cadeia 14v localizada na veia mesentérica superior próxima a borda inferior do pâncreas (Figura 2).
Linfadenecomia cadeia 13
Os linfonodos da cadeia 13 localizados na região posterior da cabeça pancreática podem ser removidos nos casos de tumores gástricos invadindo o duodeno como parte da linfadenectomia D2 sem serem considerados metastáticos. Nos casos de acometimento da cadeia 13 em tumores sem invasão duodenal, essa disseminação já é considerada como metastática (M1).
Linfadenectomia para-aórtica
A linfadenectomia para-aórtica (PAND) anteriormente era considerada como a linfadenectomia D3. Gastrectomia com linfadenectomia D2 associada a PAND profilática sem evidências de acometimento das cadeias para-aórticas não está mais indicada.(5) Entretanto, nos casos em que havia acometimento das cadeias para-aórticas e o paciente apresentou resposta clínica com emprego de quimioterapia de conversão a gastrectomia com linfadenectomia D2 + PAND pode ser realizada.(6)
Omentectomia
Para tumores T1 e T2 a remoção de apenas 3 cm de omento além da arcada gastroepiplóica já é suficiente. Para tumores T3 e T4 a omentectomia ainda faz parte da gastrectomia padrão, mas sua realização foi pouco recomendada no último consenso japonês com nível de evidência C. (7)
Bursectomia
A bursectomia peritoneal é o procedimento de dissecção do revestimento peritoneal que cobre o pâncreas e o folheto anterior do mesocólon transverso. Desde a década de 1960, no Japão, a bursectomia tem sido recomendada como parte da gastrectomia radical para o CG avançado, especialmente para tumores que invadem a serosa da parede gástrica posterior. Teoricamente, a bursectomia pode promover a dissecção completa dos linfonodos infrapilóricos da cadeia 6 e a inclusão de potenciais micrometástases da retrocavidade (bolsa omental menor) na ressecção. No entanto, o benefício da realização da bursectomia na sobrevida não foi confirmado RCT em grande escala (JCOG1001), inclusive para o subgrupo de pacientes com tumores T4a e localizados na parede posterior do estômago.(8)
Referências
Japanese Gastric Cancer Treatment Guidelines 2021 (6th edition). Gastric Cancer. 2023;26(1):1-25.
Takeda FR, Ramos M, Pereira MA, Sallum RAA, Ribeiro Junior U, Nahas SC, et al. Tumor size predicts worse prognosis in esophagogastric junction adenocarcinoma. Updates Surg. 2022;74(6):1871-9.
Kurokawa Y, Takeuchi H, Doki Y, Mine S, Terashima M, Yasuda T, et al. Mapping of Lymph Node Metastasis From Esophagogastric Junction Tumors: A Prospective Nationwide Multicenter Study. Ann Surg. 2021;274(1):120-7.
Sano T, Sasako M, Mizusawa J, Yamamoto S, Katai H, Yoshikawa T, et al. Randomized Controlled Trial to Evaluate Splenectomy in Total Gastrectomy for Proximal Gastric Carcinoma. Ann Surg. 2017;265(2):277-83
Sano T, Sasako M, Yamamoto S, Nashimoto A, Kurita A, Hiratsuka M, et al. Gastric cancer surgery: morbidity and mortality results from a prospective randomized controlled trial comparing D2 and extended para-aortic lymphadenectomy–Japan Clinical Oncology Group study 9501. J Clin Oncol. 2004;22(14):2767-73.
Ramos MFKP, Pereira MA, Charruf AZ, Dias AR, Castria TB, Barchi LC, et al. CONVERSION THERAPY FOR GASTRIC CANCER: EXPANDING THE TREATMENT POSSIBILITIES. Arq Bras Cir Dig. 2019;32(2):e1435.
Barchi LC, Ramos MFKP, Dias AR, Yagi OK, Ribeiro-Júnior U, Zilberstein B, et al. TOTAL OMENTECTOMY IN GASTRIC CANCER SURGERY: IS IT ALWAYS NECESSARY? Arq Bras Cir Dig. 2019;32(1):e1425
Kurokawa Y, Doki Y, Mizusawa J, Yoshikawa T, Yamada T, Kimura Y, et al. Five-year follow-up of a randomized clinical trial comparing bursectomy and omentectomy alone for resectable gastric cancer (JCOG1001). Br J Surg. 2022;110(1):50-6.
Como citar este artigo
Ramos MFKP, Situações especiais da linfadectomia para o tratamento do câncer gástrico Gastropedia 2024 Vol 1. Disponível em: gastropedia.pub/pt/cirurgia/situacoes-especiais-da-linfadectomia-para-o-tratamento-do-cancer-gastrico/
Fluxograma de tratamento do câncer gástrico
A associação japonesa de câncer gástrico (JGCA) publica periodicamente suas diretrizes para o tratamento do câncer gástrico (CG). A sexta e última edição foi publicada em inglês no periódico Gastric Cancer em 2022.(1) A figura abaixo demonstra essas diretrizes de forma adaptada incorporando algumas diretrizes ocidentais.
Alguns pontos merecem destaque:
Não houve mudança dos critérios de indicação para tratamento endoscópico e os critérios de cura endoscópica (eCURA) incorporados na 5ª edição continuam presentes. Maiores detalhes sobre os critérios eCURA podem ser consultados no post de nossa colega Renata Nobre – Critérios de indicação e cura do ESD gástrico (eCura) (2)
Outro ponto interessante foi a possibilidade da quimioterapia de conversão para doença oligometastática. A definição de doença oligometastática ainda é controversa. Na diretriz japonesa foi considerado a possibilidade de conversão para acometimento dos linfonodos cadeias 16a2 e 16b1, metástase hepática ressecável, citologia oncótica peritoneal positiva e carcinomatose peritoneal restrita (p1). Recentemente um grupo de trabalho Europeu definiu o CG oligometastático quando restrito à um órgão com ≤ 3 metástases ou 1 sítio de metástase linfonodal a distância.(3) O real benefício da cirurgia de conversão para esses pacientes provavelmente será esclarecido pelo estudo alemão prospectivo randomizado FLOT5 que ainda está em andamento. Esse estudo compara um grupo submetido a tratamento quimioterápico exclusivo com um grupo submetido a quimioterapia de conversão seguida por gastrectomia.(4) Saiba mais sobre terapia de conversão no CG nesse outro artigo (clique aqui).
Por fim, vale destacar a quimioterapia neoadjuvante para tumores avançados e/ou com metástases linfonodais. Nas diretrizes japonesas a indicação de quimioterapia neoadjuvante ocorre apenas na presença de “bulky” linfonodal. Entretanto, no ocidente é cada vez mais comum e indicação de neoadjuvancia/pré-operatória mesmo nos casos sem bulky linfonodal.
Referências
Japanese Gastric Cancer Treatment Guidelines 2021 (6th edition). Gastric Cancer. 2023;26(1):1-25.
Moura RN. Você sabe quais os critérios de indicação e cura do ESD gástrico (eCura)? Endoscopia Terapêutica; 2022. Disponível em: endoscopiaterapeutica.com.br/assuntosgerais/criterios-esd-gastrico-ecura
Kroese TE, van Laarhoven HWM, Schoppman SF, Deseyne P, van Cutsem E, Haustermans K, et al. Definition, diagnosis and treatment of oligometastatic oesophagogastric cancer: A Delphi consensus study in Europe. Eur J Cancer. 2023;185:28-39.
Al-Batran SE, Goetze TO, Mueller DW, Vogel A, Winkler M, Lorenzen S, et al. The RENAISSANCE (AIO-FLOT5) trial: effect of chemotherapy alone vs. chemotherapy followed by surgical resection on survival and quality of life in patients with limited-metastatic adenocarcinoma of the stomach or esophagogastric junction – a phase III trial of the German AIO/CAO-V/CAOGI. BMC Cancer. 2017;17(1):893.
Como citar este artigo
Ramos MFKP, Fluxograma de tratamento do câncer gástrico Gastropedia 2023 Vol 2. Disponível em: gastropedia.pub/pt/cirurgia/fluxograma-de-tratamento-do-cancer-gastrico/
Terapia de conversão no câncer gástrico
Recentemente, a terapia de conversão surgiu como uma nova possibilidade de tratamento para pacientes com câncer gástrico (CG). Ela consiste na administração de quimioterapia (QT) seguida de cirurgia, ainda com intenção curativa, em pacientes com CG estádio clínico (EC) IV. É também descrita como a combinação de QT de indução e cirurgia “adjuvante”. Pode ser indicada para tratar lesões irressecáveis ou marginalmente ressecáveis, pacientes com metástases linfonodais (LN) à distância ou mesmo aqueles com doença metastática ou disseminação peritoneal.
A terapia de conversão tem se destacado nos últimos anos, visto que o desenvolvimento e aprimoramento de esquemas quimioterápicos e a terapia-alvo baseada em marcadores moleculares têm melhorado dramaticamente as taxas de resposta. Assim, tornou-se cada vez mais comum para os cirurgiões reavaliarem pacientes inicialmente rotulados como não candidatos à ressecção curativa que apresentam uma doença completamente diferente após a QT paliativa/conversão inicial. Esse novo cenário deu à terapia de conversão grande destaque nas discussões atuais sobre o tratamento do CG.
A definição da terapia de conversão passa pela presença de um tumor irressecável. Entretanto, é extremamente difícil definir o que é um tumor marginalmente ressecável ou até mesmo irressecável e isso varia muito, mesmo entre os cirurgiões. Outra situação que pode ser englobada na terapia de conversão é a presença de LN acometidos fora do território de dissecção da linfadenectomia D2 habitual. Tecnicamente, as metástases linfonodais para-aórticas não são irressecáveis, mas também podem ser incluídos no grupo de conversão por serem considerados marginais do ponto de vista de cura.
Essas dificuldades foram em parte superadas com a proposta de Yoshida et al. para classificar os pacientes ECIV em 4 categorias. A divisão é baseada na presença de doença peritoneal, metástase sistêmica, metástase linfonodal e ressecabilidade do tumor (Figura 1).
Figura 1. Categorias de câncer gástrico ECIV propostas por Yoshida et al .
Categorias de Câncer Gástrico estádio IV proposta por Yoshida
Categoria 1
Metástases potencialmente ressecáveis – inclui pacientes com metástase hepática única, citologia oncótica positiva (CY1) ou metástases para os LN para-aórticos nos níveis 16a2 e/ou 16b1. São definidos oncologicamente como tumores ECIV, mas com metástases tecnicamente ressecáveis sem a necessidade de qualquer regime de QT para a citorredução do tumor e sua metástase. Nesse grupo, os pacientes têm lesões que podem ser ressecáveis mesmo antes da administração de QT.
Categoria 2
Metástases marginalmente ressecáveis – inclui pacientes com mais de duas metástases hepáticas, metástase hepática maior que 5 cm localizada próxima à veia porta e/ou artéria hepática e metástases para LN em sítios distantes como estações para-aórticas 16a1 e/ou 16b2, cadeia mediastinal, fossas supraclavicular ou axilar. Metástases para outros órgãos distantes também podem ser incluídos nessa categoria (como exemplo, pulmão).
Categoria 3
Essa categoria inclui pacientes com doença peritoneal detectada em exames de estadiamento, laparoscopia diagnóstica ou durante a laparotomia. Não há metástases em outros órgãos. Quando os implantes peritoneais apresentam boa resposta à QT de conversão, o tumor primário e os implantes podem ser removidos totalmente. Nesses casos, a cirurgia é considerada por alguns autores como citorredutora pois a maioria dos pacientes irá recidivar no peritônio visto que a remoção completa da doença peritoneal é improvável.
O conhecimento de fatores prognósticos relacionados com o resultado é importante para seleção adequada dos pacientes que serão submetidos à terapia de conversão sem prejudicar o tratamento. A taxa de pacientes que completaram com sucesso a QT de conversão, e são operados, varia entre 26 e 32,4%. Entretanto, como a maioria dos estudos são retrospectivos existe um grande viés de seleção dessas populações.
Dentre os fatores, o de mais fácil avaliação e maior impacto na resposta à terapia e na sobrevida seria a presença de mais de um fator de incurabilidade: a presença de doença metastática em dois ou mais sítios. O estado geral do paciente (performance status) e à resposta à QT inicial são outros importantes fatores que impactam a sobrevida. O esquema de QT aplicado, incluída aí a via de administração (sistêmica e/ou intraperitoneal) também influencia os resultados.
Doença localmente avançada – Yoshida categorias 1 e 2
Os tumores das categorias 1 e 2 são provavelmente a indicação mais favorável para a terapia de conversão.
O estudo multicêntrico de fase II alemão FLOT 3 comparou três grupos de pacientes que foram inicialmente submetidos a quatro ciclos de QT (fluorouracil, leucovorin, oxaliplatina e docetaxel).
grupo A (n=51 pacientes) incluiu pacientes ressecáveis (QT neoadjuvante);
grupo B (n=60) envolveu pacientes com doença oligometastática em sítio único (linfonodos retroperitoneais, fígado, pulmão, doença peritoneal localizada ou outros sítios);
grupo C (n=127) contava com pacientes com doença metastática extensa.
A maior parte do grupo B incluiu a doença nodal retroperitoneal (27 dos 60 pacientes). Após a QT inicial, 96,1% dos pacientes do grupo A, 60% do grupo B e 11,8% do grupo C foram submetidos à ressecção cirúrgica. No grupo B, que representou a terapia de conversão, a cirurgia foi possível em 18 dos 27 pacientes com doença nodal extensa (66,7%), em seis dos 11 com metástase hepática (54,5%), em seis dos 10 com metástase pulmonar (60%) e em quatro de oito com outras metástases (50%). Nesse grupo, a sobrevida mediana global foi de 31,3 meses dentre os pacientes que foram submetidos à cirurgia vs. 15,9 meses nos não ressecados. Segundo o relato dos autores, os pacientes com doença nodal extensa obtiveram o melhor prognóstico.
Além dos tumores localmente avançados, vale destacar que os casos com citologia peritoneal positiva também são considerados na categoria 1. Kim et al. avaliaram o efeito da QT de conversão nesse grupo de pacientes com câncer gástrico e citologia positiva num estudo retrospectivo. De 43 pacientes, 18 foram submetidos à cirurgia (10 procedimentos curativos) após QT de conversão e os outros 25 seguiram com a QT exclusiva. A sobrevida em 3 anos no primeiro grupo foi de 16,3%. Nenhum paciente sobreviveu 3 anos no grupo da QT exclusiva.
Doença peritoneal – Yoshida categorias 3 e 4
As metástases peritoneais sincrônicas são as mais comuns no câncer gástrico ECIV e têm prognóstico reservado. Recentemente, o uso de QT intraperitoneal (IP) normotérmica, HIPEC e PIPAC tem sido empregado na tentativa de melhorar os resultados nessa população.
O uso do taxano por via IP e sistêmica mostrou ser um esquema terapêutico viável e bastante efetivo para pacientes com doença peritoneal, quer seja ascite, citologia positiva ou implante neoplásico, sendo observada a redução e, eventualmente, o desaparecimento da expressão peritoneal, o que permite ser realizada a gastrectomia de conversão em um número relevante de casos.
Um recente estudo analisou a QT IP repetida em 222 pacientes portadores de doença peritoneal tratados em 20 instituições japonesas. Foi possível realizar a ressecção em 99 pacientes e a sobrevida global foi de 26 meses comparada com 12 meses para os pacientes não operados (Ishigami et al.).
Infelizmente, até o momento, não há evidências definitivas da efetividade da QT IP empregando HIPEC e PIPAC. Definição do melhor esquema de drogas, duração da terapia e perfil dos pacientes ainda são necessárias. Diversos estudos estão em andamento nesse sentido e seus resultados podem aumentar a indicação e o número de casos candidatos à terapia de conversão no cenário da carcinomatose peritoneal.
Concluindo, a terapia de conversão pode oferecer a possibilidade de ressecção cirúrgica com sobrevida em longo prazo para um grupo de pacientes considerados inicialmente fora das possibilidades terapêuticas. Os avanços do tratamento sistêmico e das terapias IP ampliarão essa possibilidade. O cirurgião que atua na área do CG deve estar atento a essas possibilidades sempre levando em consideração o balanço entre o risco e benefício do tratamento.
Referências
Al-Batran SE,Homann N,Pauligk C et al. Effect of Neoadjuvant Chemotherapy Followed by Surgical Resection on Survival in Patients With Limited Metastatic Gastric or Gastroesophageal Junction Cancer: The AIO-FLOT3 Trial. JAMA Oncol, 3, n. 9, p. 1237-1244, Sep 1 2017.
Ishigami H,Fujiwara Y,Fukushima R et al. Phase III Trial Comparing Intraperitoneal and Intravenous Paclitaxel Plus S-1 Versus Cisplatin Plus S-1 in Patients With Gastric Cancer With Peritoneal Metastasis: PHOENIX-GC Trial. J Clin Oncol, 36, n. 19, p. 1922-1929, Jul 1 2018.
Kim SW. The result of conversion surgery in gastric cancer patients with peritoneal seeding. J Gastric Cancer, 14, n. 4, p. 266-270, Dec 2014.
Ramos MFKP,Pereira MA,Charruf AZ et al. Conversion Therapy For Gastric Cancer: Expanding The Treatment Possibilities. Arq Bras Cir Dig, 32, n. 2, p. e1435, 2019.
Como citar este artigo
Ramos MFKP, Terapia de conversão no câncer gástrico Gastropedia 2023 Vol 2. Disponível em: gastropedia.pub/pt/cirurgia/terapia-de-conversao-no-cancer-gastrico/
Técnicas combinadas para ressecção localizada de espessura total da parede do trato gastrointestinal – “Laparoscopic and Endoscopic Cooperative Surgery” (LECS)
Introdução
A combinação da endoscopia e da laparoscopia para ressecções localizadas de espessura total do trato gastrointestinal foi descrita pela primeira vez em 2008 por Hiki et al [1]. Essa combinação une as vantagens das duas vias de acesso em um único procedimento. Surgiu como uma alternativa à gastrectomia em cunha, e ao evitar a ressecção de margens excessivas, ampliou a capacidade de ressecções localizadas, evitando gastrectomias desnecessárias [2]. Desde então vem sendo cada vez mais difundida e aplicada a outros órgãos além do estômago [3].
Após a publicação de Hiki et al [1] relatando o “Laparoscopic and Endoscopic Cooperative Surgery” (LECS), diversas variações técnicas foram descritas, cada uma com suas vantagens e desvantagens. Essas variações permitiram ampliar ainda mais as indicações da abordagem conjunta.
Atualmente, o termo LECS tem sido utilizado genericamente para se referir ao conjunto de técnicas combinadas. A técnica originalmente descrita por Hiki et al está sendo chamada de LECS clássico e as outras de LECS modificado [3].
Indicações
As técnicas combinadas permitem realizar a ressecção localizada de espessura total da parede do trato gastrointestinal evitando margens excessivas, e consequentemente deformidades obstrutivas (Figuras 1a e 1b). Essas técnicas não contemplam a linfadenectomia regional.
Dessa forma, são indicadas para as lesões com necessidade de ressecção de espessura total, quando se deseja evitar margens excessivas, desde que tenham baixo risco de metástase para linfonodos.
Lesões com necessidade de ressecção de espessura total [4]:
Profundas, com origem ou acometimento da camada muscular própria;
Superficiais, localizadas nas camadas mucosa e/ou submucosa na falha das técnicas endoscópicas convencionais (mucosectomia e a dissecção endoscópica da submucosa).
No LECS clássico ocorre a exposição da lesão e do conteúdo luminal para a cavidade peritoneal, não estando indicado para lesões epiteliais ou ulceradas. Com a evolução, técnicas sem exposição foram descritas ampliando a indicação da abordagem combinada para estes tipos de lesões [3].
Figura 1a – Lesão subepitelial no antro gástrico.Figura 1b – Aspecto final logo após a ressecção por técnica combinada da lesão da Figura 1a, demonstrando tênue cicatriz linear, sem deformidade local. Resultado possível devido à não ressecção de margens excessivas.
Descrição das principais técnicas – vantagens e limitações
As principais técnicas combinadas começam pelo acesso laparoscópico à lesão. Os vasos da face serosa devem ser ligados, permitindo uma boa exposição da área a ser ressecada. Em seguida, é feito a marcação interna (mucosa) e externa (serosa e muscular própria) dos limites da lesão utilizando corrente de coagulação. Caso os limites da lesão não sejam nítidos em alguma de suas faces, eles podem ser apontados através de compressão (Figura 3).
Com objetivo de afastar a mucosa da muscular própria, para proporcionar uma dissecção mais precisa e evitar uma perfuração inadvertida, o endoscopista realiza a injeção da submucosa ao redor da lesão. A solução utilizada deve ser eletrolítica e com maior osmolaridade, permitindo a condução da corrente elétrica com maior permanência na submucosa. Um corante pode ser adicionado para facilitar a diferenciação das camadas. Neste momento, não se tem uma precisa visibilização endoscópica dos limites da lesão, enfatizando a importância de uma adequada marcação na mucosa (Figura 4).
Figura 3 – Marcação combinada e precisa dos limites da lesão.Figura 4 – Lesão subepitelial gástrica após a marcação e a injeção da submucosa. Observar a perda da precisão na identificação dos limites da lesão.
“Laparoscopic and Endoscopic Cooperative Surgery” (LECS) clássico
No LECS clássico, guiado pela marcação na mucosa e com auxílio da injeção da submucosa, o endoscopista realiza a secção da parede ao redor da lesão, plano a plano até a perfuração intencional. Deve-se evitar a perfuração precoce, uma vez que o escape aéreo pode dificultar a insuflação do órgão, com consequente perda da visibilidade pelo endoscopista. Essa dissecção endoscópica é auxiliada pela laparoscopia, principalmente em suas fases finais, até a completa liberação da lesão.
Lesões menores que 3 cm podem ser retiradas pela endoscopia por via oral, já as maiores devem ser retiradas pela laparoscopia por via abdominal. O defeito é fechado pela laparoscopia, seja com sutura manual ou mecânica.
Vantagens:
Evita margens excessivas;
Aplicável para a maior parte das localizações das lesões.
Limitação:
Exposição da lesão e do conteúdo luminal à cavidade peritoneal devendo ser evitada em lesões ulceradas ou epiteliais.
“Laparoscopic and Endoscopic Cooperative Surgery” (LECS) modificado – técnicas sem exposição
Após a marcação e a injeção da submucosa, nas técnicas sem exposição é feita a secção das camadas serosa e muscular própria ao redor da lesão, seguida da dissecção submucosa (Vídeo 1). A lesão fica presa apenas pela mucosa, a qual é elástica e redundante, permitindo uma maior amplitude na sua invaginação para a luz do órgão ou eversão para a cavidade peritoneal.
Vídeo 1 – Abertura inicial das camadas serosa e muscular própria, com a exposição da submucosa, corada em azul. Esta abertura é realizada utilizando corrente de corte. Após a secção circunferencial das camadas serosa e muscular própria, a submucosa é dissecada utilizando a corrente de coagulação. Após a dissecção, observa-se a grande mobilidade da lesão para a luz do estômago ou para a cavidade peritoneal.
“Combination of Laparoscopic and Endoscopic Approaches to the Treatment of Neoplasia with a Nonexposure Technique” (CLEAN-NET)
Dois pontos de reparo podem ser passados nas margens da lesão, facilitando sua manipulação, inclusive durante a dissecção da submucosa. Nesta técnica, a lesão é evertida para a cavidade peritoneal e com um grampeador laparoscópico linear, a ressecção de espessura total é completada. Esse grampeamento pode englobar toda a espessura da parede, técnica originalmente descrita, ou apenas a mucosa, sendo chamada de CLEAN-NET modificada (Figura 5). Nesta, após o grampeamento, é feito o fechamento manual da camada seromuscular (Figura 6) [5,6].
Vantagens:
Evita margens excessivas;
Sem exposição da lesão e do conteúdo luminal à cavidade peritoneal;
Maior facilidade nas lesões com crescimento extra luminal.
Limitações:
Maior dificuldade nas lesões com crescimento intraluminal.
Figura 5 – Posicionamento do grampeador linear na mucosa da área de dissecção ao redor da lesão.Figura 6 – Aspecto endoscópico final na pequena curvatura do corpo alto, após o grampeamento da mucosa e a sutura manual das camadas serosa e muscular própria (seta verde).
Com a lesão presa apenas pela mucosa, o cirurgião faz o fechamento com sutura manual das camadas serosa e muscular própria ao redor da área de dissecção, recobrindo a lesão. Para melhor localização pelo endoscopista da área dissecada, um anteparo (esponja) é interposto (Figura 7).
Após, utilizando a técnica da dissecção endoscópica da submucosa, o endoscopista guiado pela marcação na mucosa e pelo anteparo, secciona toda a mucosa ao redor da lesão, completando a ressecção. A lesão é retirada por via luminal, e um segunda plano de sutura e/ou o fechamento da mucosa com clipes podem ser realizados [7,8,9].
Vantagens:
Evita margens excessivas;
Sem exposição da lesão e do conteúdo luminal à cavidade peritoneal;
Maior facilidade nas lesões com crescimento intraluminal;
Grande precisão nas margens laterais de ressecção da mucosa.
Limitações:
Lesões maiores que 3 cm (não são passíveis de retirada por via oral);
Necessita de proficiência na técnica de dissecção endoscópica da submucosa;
Maior dificuldade nas lesões com crescimento extra luminal.
Figura 7 – Camadas serosa e muscular própria fechadas por sutura manual recobrindo a lesão, com anteparo interposto. As setas indicam o local em que o endoscopista fará a incisão circunferencial da mucosa para a completa liberação da lesão.
“Combined Gastric Full-Thickness Tumor Resection”
Após a dissecção laparoscópica da submucosa, utilizando uma pinça, o cirurgião empurra a lesão para luz do órgão. Neste momento o endoscopista apreende a lesão, juntamente com todas as camadas da parede, em uma alça (Figura 8). Pela laparoscopia é possível confirmar se a serosa e a muscular própria da lesão estão completamente apreendidas pela alça (o ponto de fechamento da alça fica nítido e não se observa as camadas serosa e muscular própria junto dele).
Com a lesão apreendida pelo endoscopista, o cirurgião faz o fechamento com sutura manual da parede ao redor da área dissecada (Figura 9). Completado o fechamento, utilizando corrente de corte aplicada à alça, a mucosa ao redor da lesão é seccionada liberando a peça. Esta é retirada por via luminal, e um segundo plano de sutura e/ou o fechamento da mucosa com clipes podem ser realizados.
Vantagens:
Evita margens excessivas;
Sem exposição da lesão e do conteúdo luminal à cavidade peritoneal;
Maior facilidade nas lesões com crescimento intraluminal;
Não requer proficiência em dissecção endoscópica da submucosa.
Limitações:
Lesões maiores que 3 cm (não são passíveis de retirada por via oral);
Menor precisão nas margens laterais de ressecção da mucosa;
Maior dificuldade nas lesões com crescimento extra luminal.
Figura 8 – Lesão sendo empurrada pelo cirurgião e apreendida com uma alça pelo endoscopista.Figura 9 – Visão laparoscópica após apreensão da lesão com alça pelo endoscopista. Fechamento com sutura manual da parede ao redor da área dissecada.
Considerações finais e perspectivas futuras
As lesões com indicação de ressecção de espessura total da parede não são comuns na prática clínica, e ainda apresentam diversas variáveis que influenciam na técnica para sua ressecção. Dentre estas variáveis, destacam-se o tamanho, a localização, o padrão de crescimento (intraluminal ou extra luminal), o acometimento da mucosa, dentre outras. Dessa forma, estudos comparativos entre as técnicas com alto nível de evidência dificilmente serão realizados.
A escolha da técnica deve basear-se em suas vantagens e limitações, aplicadas às particularidades de cada caso, bem como na experiência da equipe. Diversas séries e relatos de casos vem sendo publicados sugerindo serem técnicas seguras e reprodutíveis. Exceto a “Combined Gastric Full-Thickness Tumor Resection”, que apesar de já ser realizado por nossa equipe, ainda não há publicação em humanos.
As técnicas puramente endoscópicas de ressecção de espessura total têm demonstrado eficácia semelhante às técnicas combinadas, com possível menor tempo de procedimento e menor tempo de internação [11]. Elas vêm ganhando cada vez mais destaque na literatura, porém ainda apresentam muitas limitações. Destacam-se a dificuldade de visibilidade após a perfuração intencional do órgão, além da deficiência dos acessórios endoscópicos disponíveis para o fechamento de defeitos maiores. Assim, devem fazer parte do arsenal terapêutico para este tipo de ressecção, porém atualmente não são capazes de substituir as técnicas combinadas.
Tem se estudado a combinação do LECS com o mapeamento de linfonodos sentinelas. Tal associação poderá melhorar o resultado do tratamento das lesões com risco de metástase para linfonodos, como o adenocarcinoma [3]. Conhecendo de forma mais precisa o estadiamento N, muitos pacientes se beneficiarão de um tratamento oncologicamente correto e menos invasivo, ou ainda da necessidade de uma cirurgia mais ampla com linfadenectomia para maior probabilidade de cura.
Referências
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Como citar este artigo
Morita FHA, Técnicas combinadas para ressecção localizada de espessura total da parede do trato gastrointestinal – “Laparoscopic and Endoscopic Cooperative Surgery” (LECS). Gastropedia 2023, vol 2. Disponível em: gastropedia.pub/pt/cirurgia/esofago-estomago-duodeno/tecnicas-combinadas-para-resseccao-localizada-de-espessura-total-da-parede-do-trato-gastrointestinal-laparoscopic-and-endoscopic-cooperative-surgery-lecs/
Partição gástrica para tratamento de tumores gástricos distais obstrutivos não ressecáveis
Infelizmente, muitos pacientes no momento do diagnóstico já apresentam tumores gástricos localmente avançados, que não podem ser removidos por meio de procedimento cirúrgico, ou sinais de doença sistêmica. No Brasil, esse número pode representar mais de 25% dos casos. A obstrução gástrica distal (gastric outlet obstruction) ocorre em cerca de 30% dos tumores gástricos distais. Nessas situações, a principal modalidade terapêutica não curativa para o tratamento do CG persiste sendo a ressecção do tumor, mas sem a necessidade de linfadenectomia associada.
No entanto, alguns pacientes apresentam tumores localmente avançados que não podem ser ressecados. A incidência destes varia na literatura de 5 a 30% dos casos de CG. Nesses casos, procedimentos de derivação gastrointestinal ou o emprego de próteses endoscópicas podem ser indicados para melhorar a qualidade de vida, aliviar os sintomas de obstrução gástrica, e assim possibilitar a administração de tratamento paliativo.
O emprego de próteses endoscópicas tem ganhado popularidade para a paliação obstruções do trato digestivo, uma vez que apresenta a vantagem de ser uma opção menos invasiva e sem a necessidade de uso do centro cirúrgico com anestesia geral. Entretanto, o estudo randomizado multicêntrico (Sustent Study) relatou pior resultado a longo prazo com uso da prótese comparado com a gastrojejunostomia. Fatores como migração da prótese, crescimento tumoral causando nova obstrução, e erosão da parede gástrica, são complicações em longo prazo que prejudicam os resultados observados. Outro agravante refere-se ao custo e indisponibilidade imediata das próteses pelo sistema público em nosso país. Atualmente, a prótese é indicada principalmente em pacientes com baixa performance clínica pela escala da Eastern Cooperative Oncology Group (ECOG), e com expectativa de vida inferior a 2 meses.
Com relação aos procedimentos cirúrgicos de derivação, o mais utilizado é a gastrojejunostomia, também chamada de gastroentero anastomose. A gastrojejunostomia consiste na realização de anastomose com ampla extensão da parede posterior do estômago com a primeira alça jejunal que alcança o estômago sem tensão (Figura 1). A anastomose pode ser realizada de maneira manual ou mecânica, com emprego de grampeadores cirúrgicos.
Apesar da simplicidade técnica da execução da gastrojejunostomia, um grande inconveniente observado na prática é a dificuldade de esvaziamento gástrico pela anastomose após a realização do procedimento. Os dados da literatura referem que de 10 a 26 % dos pacientes apresentam essa complicação, conforme demonstrado na Figura 1. Tal ocorrência pode levar ao aumento no tempo de internação e atrasar o início da quimioterapia paliativa, fundamental para prolongar a sobrevida.
Figura 1
Outro inconveniente deste procedimento é a manutenção do tumor em contato com os alimentos ingeridos pelo paciente, uma vez que a exposição do tumor predispõe a ocorrência de sangramento tumoral. Por fim, existe também o risco de obstrução da gastrojejunostomia pelo crescimento do tumor que se encontra próximo à anastomose, podendo deste modo invadi-la. Esse receio pode levar o cirurgião a realizar a anastomose em uma porção mais proximal do corpo gástrico, o que prejudica ainda mais o esvaziamento gástrico.
Com o objetivo de superar esses inconvenientes, a realização de uma partição parcial do estômago associada a gastrojejunostomia na câmara gástrica proximal tem sido indicada para tumores distais obstrutivos não ressecáveis. O racional da realização da partição envolve a criação de uma câmara gástrica de menores dimensões facilitando o esvaziamento pela gastrojejunostomia e a exclusão do tumor na câmara distal diminuindo o risco de sangramento e impedindo a infiltração da anastomose pelo tumor.
Passos técnicos da partição gástrica
Após a identificação dos limites proximais da lesão, um ponto localizado de 3 a 5 cm proximal à lesão na grande curvatura é selecionado para iniciar a partição (Figura 2).
Figura 2. Escolha do local da partição. Tumor está identificado na área rasurada pela caneta de marcação cirúrgica e a linha de partição no estômago definida.
Sonda de Faucher nº 32 ou nasogástrica calibrosa é passada e mantida ao longo da pequena curvatura gástrica para manutenção da comunicação entre as duas câmaras gástricas criadas pela partição (Figura 3). A partição parcial do estômago é realizada com emprego de grampeador linear cortante.
Figura 3. Posicionamento do grampeador. Sonda de Faucher posicionada ao longo da pequena curvatura evitando a secção completa do estômago.
Posteriormente, a gastrojejunostomia é realizada em posição anterior ao cólon, isoperistáltica na parede posterior do estômago com no mínimo 5 cm de extensão, utilizando a primeira alça jejunal a cerca de 30-40 cm do ângulo de Treitz (Figura 4).
Figura 4. Aspecto final após a partição gástrica. Anastomose mecânica realizada ao longo da grande curvatura na parede gástrica posterior.
A anastomose pode ser realizada da maneira manual ou com o emprego de grampeador linear cortante. A via de acesso pode ser convencional ou laparoscópica, de acordo com a preferência do cirurgião.
Importante ressaltar que nos casos de tumores proximais ou com envolvimento da pequena curvatura proximal a incisura angularis a partição deve ser evitada pelo risco de obstrução da comunicação entre as câmaras gástricas.
Figura 5. Critério de exclusão. Tumor proximal à incisura angularis na pequena curvatura gástrica. Sugestão de leitura:
Ramos MFKP, Partição gástrica para tratamento de tumores gástricos distais obstrutivos não ressecáveis. Gastropedia 2023 Vol 1. Disponível em: gastropedia.pub/pt/sem-categoria/particao-gastrica-para-tratamento-de-tumores-gastricos-distais-obstrutivos-nao-ressecaveis/
Síndrome de Dumping
A Síndrome de Dumping é uma combinação de sintomas gastrointestinais e vasomotores devido ao esvaziamento gástrico pós-prandial rápido
Os sintomas gastrointestinais incluem dor abdominal, saciedade precoce, náusea, vômito, diarreia e distensão abdominal.
Os sintomas vasomotores sistêmicos incluem sudorese, taquicardia, palpitações, dor de cabeça e síncope.
Esta síndrome pode se desenvolver após qualquer operação no estômago, mas é mais comum após a gastrectomia parcial com a reconstrução de Billroth II. Também pode ocorrer após gastroplastia redutora (bypass) com incidência entre 10-20%. É menos comum após reconstrução a Billroth I e Gastrectomia Vertical (Sleeve). Ainda não existem dados confiáveis sobre a prevalência exata da síndrome de dumping no pós-operatório. Estima-se que 5 a 10% dos pacientes com Sd dumping apresentam uma forma incapacitante grave.
Fisiopatologia
A Síndrome de Dumping pode ser dividida em precoce e tardia.
A Síndrome de Dumpingprecoce ocorre dentro de 30 minutos após refeição e é resultado da rápida passagem de alimentos de alta osmolaridade do estômago para o intestino delgado.
Isso ocorre porque a gastrectomia (ou qualquer interrupção do mecanismo do esfíncter pilórico), impede o estômago de preparar o seu conteúdo e entregá-los ao intestino proximal na forma de pequenas partículas em solução isotônica. O bolo alimentar hipertônico passa para o intestino delgado, induzindo:
um rápido deslocamento de líquido extracelular para o lúmen intestinal para atingir isotonicidade. O deslocamento do líquido extracelular provoca distensão luminal e induz os sintomas gastrointestinais.
liberação de vários hormônios gastrointestinais, como tais como substâncias vasoativas (neurotensina, peptídeo vasoativo intestinal (VIP), incretinas (GIP, GLP1) e moduladores da glicose (insulina, glucagon), que induzem sintomas vasomotores (ver abaixo).
Síndrome de dumping precoce
A Síndrome de Dumping tardia ocorre de 1 a 3 horas após uma refeição e é menos comum (corresponde a 25% das sd dumping). A causa da Síndrome de Dumping tardia também é o esvaziamento gástrico rápido, no entanto, está relacionado especificamente à chegada rápida de carboidratos no intestino proximal.
Quando os carboidratos chegam ao intestino delgado, eles são rapidamente absorvidos, resultando em hiperglicemia, que desencadeia a liberação de grandes quantidades de insulina para controlar o aumento do nível de açúcar no sangue. Essa supercompensação resulta em hipoglicemia, causando sintomas neuroglicopênicos (ver abaixo). A hipoglicemia estimula a glândula adrenal a liberar catecolaminas, resultando em sudorese, tremores, tontura, taquicardia e confusão (reatividade autonômica).
Sintomas
Os sintomas de dumping precoce e tardio apresentam algumas diferenças.
Dumping precoce:
ocorre dentro de 1 h, tipicamente 30 min após a ingestão de uma refeição
sintomas gastrointestinais: dor abdominal, distensão abdominal, borborigmo, náuseas, diarreia
sintomas vasomotores: fadiga, desejo de deitar-se, rubor, palpitações, transpiração, taquicardia, hipotensão e síncope (raro)
Dumping tardio:
1-3 h após refeição
Sintomas neuroglicopenicos: fadiga, fraqueza, confusão, fome e síncope
reatividade autonômica: transpiração, palpitações, tremor e irritabilidade
Devido à sobreposição de sintomas na apresentação clínica, muitas vezes é difícil diferenciar entre as duas apresentações, e a co-ocorrência é frequentemente encontrada.
Tratamento
Medidas dietéticas geralmente são suficientes para tratar a maioria dos pacientes.
evitar alimentos com grandes quantidades de açúcar
alimentar com maior frequência (6/dia) com pequenas refeições ricas em proteínas, gorduras e fibras
separar líquidos de sólidos durante a refeição. A ingestão de líquidos deve ser adiada em pelo menos 30 minutos.
Em alguns pacientes sem resposta a medidas dietéticas, tratamentos farmacológicos direcionados a sintomas específicos podem ser eficazes, como loperamida para diarreia e antieméticos para náuseas.
Os anticolinérgicos (diciclomina, hiosciamina, propantelina) podem retardar o esvaziamento gástrico e tratar espasmos.
Análogos da somatostatina podem melhorar a síndrome de dumping por meio de vários mecanismos:
retardando o esvaziamento gástrico
diminuição do trânsito do intestino delgado
diminuição da liberação de hormônios gastrointestinais, incluindo a secreção de insulina
inibição da vasodilatação pós-prandial
Análogos da somastotatina (ex: octreotide) podem ser administrados via subcutânea (ação curta) imediatamente antes das refeições (3x/dia) ou através de uma formulação intramuscular de longa duração (cada 2-4 semanas). Octreotide é o medicamento mais bem estudado para a síndrome de dumping e pode ser muito eficaz. No entanto, os peptídeos são caros e, portanto, normalmente não são considerados tratamento de primeira linha.
A acarbose é um inibidor da alfa-glucosidase que diminui a digestão intraluminal de carboidratos no duodeno. Portanto, é usado para tratar a hipoglicemia pós-prandial na síndrome de dumping tardia
Os pacientes com sintomas graves podem necessitar de uma reoperação se o tratamento conservador for malsucedido. A escolha da cirurgia depende da cirurgia gástrica original.
Em pacientes com gastrectomia distal é recomendada a conversão de uma gastrojejunostomia em alça para uma reconstrução em Y-de-Roux
Para pacientes com gastrojejunostomia sem gastrectomia, a desmontagem da gastrojejunostomia pode ser realizada se a função do piloro estiver mantida
Referência
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O câncer gástrico (CG) é o quinto câncer mais comum no mundo. Estima-se que mais de um milhão de novos casos de CG ocorram anualmente.
O câncer do remanescente gástrico, ou do coto gástrico, foi definido como um tumor que se desenvolve no remanescente gástrico mais de 5 anos após gastrectomia prévia.
Sua incidência relatada na literatura varia entre 2 a 6% de todos os pacientes com CG. Pode ocorrer no estômago remanescente seja após ressecção prévia por lesão benigna ou maligna. No entanto, esses tumores parecem ter comportamentos e etiologias diferentes. Devido à sua raridade e diversidade, as características do câncer do remanescente gástrico, os fatores de prognóstico e sobrevida, permanecem incertos.
Contexto
A ressecção gástrica para doença benigna foi comumente realizada até o final da década de 1980 e criou uma grande coorte de pacientes com remanescente gástrico com risco de desenvolvimento de tumores. A introdução de antagonistas dos receptores H2 e inibidores da bomba de prótons na década de 1980 reduziu drasticamente o número de ressecções gástricas devido à doença péptica. No entanto, como o período de desenvolvimento da doença é longo, a ocorrência de tumores do remanescente ainda faz parte da realidade atual devido ao uso passado de ressecção gástrica para tratamento de úlcera péptica. Por outro lado, a melhora nos resultados do tratamento do CG aumentou a sobrevida dos pacientes submetidos à ressecção gástrica, aumentando também a população suscetível ao desenvolvimento de nova neoplasia no remanescente gástrico. Portanto, mudança nesta proporção de benigna/maligna relacionada às indicações anteriores de ressecção gástrica é esperada no futuro.
A vigilância endoscópica a longo prazo é recomendada para detecção precoce de lesões em pacientes submetidos a gastrectomia distal prévia. Mesmo com essas recomendações, há um senso comum de que tumores do remanescente geralmente se apresentam em estágio clínico mais avançado e com pior prognóstico. O maior período de efeito carcinogênico após a ressecção, bem como a percepção dos pacientes de que eram portadores de doença benigna, torna-os menos propensos a continuar acompanhando o remanescente gástrico para detecção precoce.
Carcinogênese
A carcinogênese do CG é um processo de várias etapas que envolve a interação de vários fatores genéticos, epigenéticos e ambientais. Os fatores de risco comumente associados ao desenvolvimento do CG incluem infecção crônica por H. pylori, baixa ingestão de frutas e vegetais, alta ingestão de sal, tabagismo e consumo de álcool.
Após ressecção gástrica prévia por doença maligna, esse efeito carcinogênico cumulativo na mucosa gástrica é mantido. Por esta razão, pacientes com gastrectomia prévia por câncer desenvolvem tumores no remanescente em um período significativamente mais curto do que pacientes com lesões benignas prévias.
Após ressecção gástrica por doença benigna, mudanças ambientais começam a induzir danos crônicos em uma mucosa gástrica normal anterior do remanescente, iniciando uma via carcinogênica de novo com um período mais longo para o desenvolvimento do tumor no remanescente. O tempo relatado necessário para transformar essa mucosa inflamada remanescente em um epitélio neoplásico é superior a 20 anos.
Outro fator que contribui para a carcinogênese remanescente é a vagotomia realizada no procedimento anterior, que causa denervação da mucosa gástrica levando a hipocloridria. Por outro lado, a frequência de infecção por H. pylori diminui na mucosa remanescente, levando a um efeito protetor.
Se essas alterações realmente levam a uma maior incidência de CG na mucosa remanescente, ou apenas refletem o risco normal de CG na população em geral, ainda está em discussão. Essa discrepância nos relatórios pode resultar da diferença nas taxas de incidência de CG na população geral de diferentes países. Regiões com baixa incidência de CG tendem a ter uma proporção maior de tumores de remanescentes em comparação com regiões com alta incidência de CG.
Tipo de reconstrução e risco de carcinogênese
A relação entre tipo de reconstrução e risco de RGC permanece incerta.
A reconstrução Billroth I (BI) mantém o fluxo do alimento ingerido do estômago remanescente para o duodeno, mas devido à ressecção no piloro o refluxo biliar duodeno-gástrico é aumentado.
A reconstrução Billroth II (BII) permite o influxo da bile do ramo jejunal aferente para o estômago remanescente. Esse fluxo constante torna a gastrite alcalina mais comum e grave após a BII. Isso leva à inflamação e regeneração da mucosa, que pode estar associada a um maior risco de tumores no remanescente. Apesar de alguns relatos na literatura, essa associação ainda não é um consenso.
Por outro lado, a reconstrução em Y de Roux evita o refluxo biliar para o estômago remanescente, mas raramente é realizada para ressecções benignas.
Na maioria dos casos o tumor do remanescente localiza-se na anastomose prévia (Figura 1). Os pacientes costumam ter idade mais avançada o que reflete o longo período de gastrite inflamatória necessária para induzir a carcinogênese na mucosa gástrica. Embora o sistema TNM seja aplicado a todos os tumores gástricos, o sistema de estadiamento para tumores no remanescente não foi estabelecido. Para um estadiamento patológico final adequado, recomenda-se a recuperação de pelo menos 15 linfonodos para evitar a migração do estágio por subestimação.
Tratamento cirúrgico
A gastrectomia total completa com linfadenectomia radical é a pedra angular do tratamento dos tumores do remanescente. A adesão a órgãos adjacentes e o deslocamento de estruturas anatômicas são dificuldades comuns durante o procedimento, tornando-o mais longo e mais propenso a combinar reparo ou ressecção de outros órgãos. Normalmente, o procedimento cirúrgico é realizado por abordagem aberta convencional, mas recentemente as abordagens laparoscópicas e robóticas minimamente invasivas estão aumentando (acesse videoteca cirúrgica gastropedia).
Tem sido sugerido que as características da metástase linfonodal nos tumores do remanescente são diferentes devido à interrupção da via linfática no primeiro procedimento. O tipo de reconstrução e a indicação prévia da primeira gastrectomia não parecem influenciar na incidência de metástase linfonodal, mas sim na sua localização. Isso pode levar a um maior envolvimento da artéria esplênica, hilo esplênico, mediastino inferior e mesentério jejunal. No entanto, a extensão padrão da linfadenectomia ainda não está definida. Semelhante ao CG, a linfadenectomia do hilo esplênico é indicada apenas se o tumor invadir a curvatura maior.
A presença de metástase linfonodal no mesentério jejunal tem um prognóstico ruim. Sabe-se que a linfadenectomia estendida na área pode afetar gravemente a qualidade de vida pós-operatória. Portanto, a extensão da linfadenectomia no mesentério deve ser determinada com base na extensão do envolvimento linfonodal, considerando um equilíbrio entre risco e benefício.
Figura 1. Imagens endoscópicas de tumores do remanescente junto à gastrojejunostomia prévia.
Referências
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Ramos MFKP, Pereira MCM, Oliveira YS, Pereira MA, Barchi LC, Dias AR, Zilberstein B, Ribeiro Junior U, Cecconello I. Surgical results of remnant gastric cancer treatment. Rev Col Bras Cir. 2020 Nov 30;47:e20202703. doi: 10.1590/0100-6991e-20202703.
Fatores de risco comumente relacionados com o desenvolvimento do câncer gástrico (CG) incluem a infecção crônica pelo Helicobacter pylori (H. pylori), baixa ingestão de frutas e vegetais, consumo de sal elevado, tabagismo e consumo de álcool.
Outro fator de risco conhecido, porém pouco citado, é a presença de Imunodeficiências primárias (IDP), que além de aumentar o risco de desenvolvimento de CG ocasiona sua manifestação em idades mais precoces do que na população geral.
As IDP são um conjunto de doenças que abrangem mais de 300 defeitos inatos da imunidade, sendo a maioria de causa desconhecida. Portadores de IDP apresentam risco aumentado de infecções recorrentes e crônicas, doenças autoimunes e neoplasias ao longo da vida.
Seguido das infecções, a ocorrência de neoplasias é a segunda causa mais comum de morte nessa população. Estima-se que 4 a 25% dos portadores de IDP desenvolverão alguma neoplasia. Especificamente, o risco de desenvolver CG é em torno de 3 a 4 vezes maior nessa população.
Com relação aos pacientes com IDP, a presença de distúrbios gastrointestinais é bastante frequente, podendo ocorrer em 5% a 50% dos casos. Isto ocorre, em parte, porque o intestino é o maior órgão linfóide do corpo humano, contendo a maioria dos linfócitos e produzindo grandes quantidades de Imunoglobulinas. Manifestações gastrointestinais podem ser relacionadas com infecção, inflamação, doenças autoimunes e neoplasias.
Imunodeficiência comum variável (IDCV)
A imunodeficiência comum variável (IDCV) é a forma mais comum das IDP, e sua prevalência é estimada em 1 a cada 25.000 a 50.000 pessoas.
Sua patogênese ainda não foi totalmente esclarecida, entretanto mutações de diversos genes relacionados com o desenvolvimento de células B em plasmócitos produtores de imunoglobulinas e células B de memória foram descritos.
Indivíduos afetados comumente apresentam infecções bacterianas recorrentes do trato respiratório superior e inferior, doenças autoimunes, doença infiltrativa granulomatosa e neoplasias. Os tumores mais comuns são o linfoma, câncer gástrico e o câncer de mama.
O diagnóstico é baseado na redução significativa dos níveis séricos de IgG, IgA e/ou IgM, além da produção reduzida de anticorpos após a aplicação de vacinas. A maioria dos pacientes é diagnosticado entre os 20 e 40 anos, e o tratamento consiste na administração mensal de imunoglobulina.
IDCV e Câncer Gástrico
O aumento do risco de CG em pacientes com IDCV é variável de acordo com a própria taxa de incidência de CG em pacientes sem IDCV no país avaliado. Nesse sentido, um estudo escandinavo estimou um risco aumentado em 10 vezes, enquanto um estudo australiano demonstrou um risco aumentado de 7,23 vezes.
Embora não haja evidência conclusiva, o mecanismo mais aceito para o aumento do risco do CG na presença de IDCV deve-se a redução da produção de IgA gástrica e de ácido clorídrico ― fatores estes que propiciam gastrite crônica e facilitam a colonização por H. pylori, desencadeando o processo de carcinogênese. Esse mecanismo é suportado pela constatação de que pacientes com anemia perniciosa, que também apresentam acloridria e gastrite crônica, têm um risco três vezes maior de desenvolver CG. A diminuição da reposta imune local também é um fator que pode desempenhar um papel no desenvolvimento neoplásico, devido a menor presença de células B na mucosa gástrica de pacientes com IDCV.
A idade do diagnóstico do câncer em pacientes com IDCV costuma ocorrer em idade mais precoce, em média 15 anos mais cedo do que na população geral.
Em relação ao diagnóstico histológico do tumor, o tipo Intestinal de Lauren costuma ser o mais frequente, apresentando grau de diferenciação moderado ou pouco diferenciado. Além disso, pangastrite atrófica com pouca presença de plasmócitos, agregados linfóides nodulares e atividade apoptótica costumam estar presentes devido ao quadro de gastrite autoimune associada.
Figura 1. Pangastrite atrófica intensa em um paciente com IDCV.
Frente às evidências de maior risco de desenvolvimento de CG, é importante que os pacientes com IDCV sejam incluídos em programas de rastreamento. Dados holandeses demonstraram que há uma incidência alta de lesões histológicas e/ou endoscópicas pré-malignas em pacientes com IDCV, tais como gastrite atrófica, metaplasia intestinal e displasia, mesmo naqueles assintomáticos. Até 88% dos pacientes com IDCV sem história gastrointestinal prévia podem apresentar lesões pré-malignas na endoscopia. As taxas de progressão dessas lesões para o CG variam de 0–1,8% por ano na gastrite atrófica; de 0–10% por ano para metaplasia intestinal; e de 0–73% por ano quando já existe presença de displasia.
Intervalos entre os exames de seguimento normalmente empregados podem não ser apropriados para pacientes com IDCV, uma vez que o desenvolvimento do CG pode ocorrer de modo mais rápido. De fato, não existe um protocolo de rastreamento padronizado, e seu emprego deve levar em consideração a incidência de CG regional. Paciente com IDCV podem desenvolver câncer de alto grau de 12 a 14 meses após uma endoscopia sem sinais de displasia. Isso justifica a proposta de no mínimo realizar EDA em todos os pacientes com IDCV no momento do diagnóstico; repeti-la a cada 24 meses em pacientes com histologia normal; a cada 12 meses em pacientes com gastrite atrófica ou metaplasia intestinal; e a cada 6 meses em pacientes com displasia. Recomenda-se ainda a erradicação do H. pylori de rotina.
Tratamento
Não existem protocolos específicos para o tratamento do câncer em pacientes com IDCV. Uma vez realizado o diagnóstico de CG, estes pacientes devem ser submetidos ao tratamento padrão – o mesmo oferecido à população imunocompetente.
Suporte nutricional pré-operatório e administração de Imunoglobulina são medidas recomendadas. Pacientes com IDCV podem receber os mesmos protocolos de quimioterapia utilizados em pacientes imunocompetentes. Entretanto, protocolos de curta duração são preferíveis aos regimes de longa duração, com atenção especial ao controle de infecção. Quando possível, o regime de quimioterapia deve ser adaptado conforme os fatores de risco e tolerância individuais.
Figura 2. Adenocarcinoma em paciente com IDCV e gastrite crônica atrófica de coto gástrico.
Referência
Krein P, Yogolare GG, Pereira MA, Grecco O, Barros MAMT, Dias AR, Marinho AKBB, Zilberstein B, Kokron CM, Ribeiro-Júnior U, Kalil J, Nahas SC, Ramos MFKP. Common variable immunodeficiency: an important but little-known risk factor for gastric cancer. Rev Col Bras Cir. 2021 Dec 15;48:e20213133. English, Portuguese. doi: 10.1590/0100-6991e-20213133. PMID: 34932733.
Qual a melhor forma de realizar a anastomose esofagojejunal após gastrectomia total minimamente invasiva?
A cirurgia minimamente invasiva, que inclui tanto a videolaparoscopia quanto a robótica, têm sido cada vez mais empregada no tratamento de diversas patologias do trato digestivo. Dessa forma, não é surpresa que cada vez mais seu emprego também tem sido indicado para o tratamento das neoplasias gástricas. Atualmente, já existem evidências concretas de estudos prospectivos randomizados da sua segurança e efetividade para tumores distais tanto precoces quanto avançados.
Entretanto, quando se trata de tumores proximais as evidências ainda não são definitivas. Em termos oncológicos, a extensão da linfadenectomia de uma gastrectomia subtotal para total apresenta pouca variação e não adiciona muita complexidade ao procedimento.
Já a reconstrução com confecção da anastomose esofagojejunal, é considerada o grande diferencial entre as duas cirurgias, e sua maior complexidade de execução é fator limitante para maior disseminação do emprego da cirurgia minimamente invasiva.
Essa situação leva a uma discussão recorrente em diferentes congressos e artigos — Qual a melhor forma de realizar a anastomose esofagojejunal?
Antes de tentar encontrar uma resposta, é importante citar as 3 principais técnicas empregadas nas reconstruções após gastrectomia total.
Anastomose com grampeador circular – essa anastomose é realizada de maneira semelhante a cirurgia convencional. A maior diferença para cirurgia convencional é a introdução da ogiva no esôfago. Esse passo pode ser realizado por meio da abertura do esôfago distal ou estômago proximal, seguida da introdução da ogiva na luz esofágica e exteriorização pela parede do esôfago antes ou após o grampeamento do mesmo. Uma alternativa, é a introdução de uma ogiva especialmente desenvolvida para introdução por via oral. A anastomose circular apresenta a vantagem de ser muito semelhante a realizada na cirurgia convencional e não necessita a realização de nenhuma sutura para fechamento dos orifícios do grampeador. Os inconvenientes incluem o custo do uso de um outro grampeador, dificuldade para introdução da ogiva e do grampeador no abdome e a abertura do esôfago/estômago que teoricamente pode causar maior contaminação local
Anastomose com grampeador linear– também conhecida como “overlap anastomosis” é realizada com o emprego de um grampeador linear normalmente com uma carga de 45 mm. Apresenta a vantagem de não necessitar o emprego de um grampeador circular diminuindo o custo do procedimento, além de ser muito semelhante a anastomose gastrojejunal empregada nas cirurgias bariátricas. A desvantagem é a necessidade de fechamento dos orifícios do grampeador com sutura ou realização de novo grampeamento. Ressecções mais proximais no esôfago também dificultam a mobilização do jejuno para adequada confecção dessa anastomose.
Anastomose manual – o aumento da experiência com a cirurgia laparoscópica e principalmente o emprego da cirurgia robótica trouxe novamente a anastomose manual para a rotina nas reconstruções. Não há dúvida que é a mais difícil de ser realizar e mais demorada além de ter maior ocorrência de estenoses. Entretanto, tem a vantagem permitir ao cirurgião ter o total controle da confecção da anastomose podendo calibrar e corrigir áreas de fraqueza/laceração durante sua execução. Seu emprego também evita eventuais lesões, falso-trajeto, perfurações e lacerações durante a introdução dos grampeadores além das temidas falhas de grampeamento.
Mas então, qual seria a melhor técnica?
O fato é que não existe até o momento a comprovação da superioridade de uma técnica em relação a outra. Existem situações que podem ser mais indicadas para uma delas. Por exemplo, anastomoses mais altas são mais difíceis de serem realizadas com grampeador linear sendo mais indicada o circular. Casos em que há dificuldade de mobilizar o jejuno para confecção da anastomose podem ser mais bem manejados com uma anastomose manual. Indisponibilidade de grampeador circular infelizmente ainda ocorre no nosso meio. Recomenda-se que o cirurgião tenho o conhecimento das 3 técnicas para estar apto a enfrentar qualquer intercorrência no intraoperatório, mas no dia a dia, a escolha final da técnica fica a critério de cada cirurgião.