Terapia biológica em esofagite eosinofílica: onde estamos?

A esofagite eosinofílica (EEo) é uma doença inflamatória imunomediada crônica do esôfago, cuja prevalência tem aumentado rapidamente, atingindo atualmente 1 em 3.000 pessoas nos países ocidentais. Caso não seja tratada adequadamente, a remodelação progressiva do tecido leva a uma progressão para doença fibroestenótica

Os tratamentos atuais de primeira linha (Figura 1) incluem o uso off-label de inibidores da bomba de prótons (IBPs), corticosteroides tópicos reaproveitados de formulações para asma, dietas de eliminação e dilatação esofágica.

Embora sejam modalidades eficazes para o tratamento da EEo, cada um tem eficácia variável e limitações conhecidas, tais como:

  • IBP: Resposta histológica estimada em 50.5% (intervalo de confiança de 95%: 42.2 a 58.7%). Dados são limitados, mas mostram que adultos persistem em remissão após 1 anos de seguimento;
  • Corticóides tópicos: Até o momento, exigem o uso off-label de preparações para asma, tais com engolir propionato de fluticasona de um inalador dosimetrado ou criar uma pasta viscosa com budesonida aquosa e um espessante, como sucralose ou mel.

    • A remissão clínico-histológica é observada em até 68% dos pacientes. Deve-se orientar os pacientes para evitar refeições por 30 a 60 minutos após uso da medicação e sobre o risco de candidíase esofágica em até 10 a 20%.
    • Várias novas formulações de corticosteróides que melhoram a ação tópica no esôfago e minimizam o importuno de criar sua própria pasta estão atualmente sob investigação. O comprimido orodispersível de budesonida, por exemplo, mostrou resultados interessantes (remissão clínico-histológica de 57.6% em 6 semanas e 84.7% em 12 semanas) e foi aprovado para uso na Europa.

  • Dieta:

    • A dieta elementar consiste na ingesta exclusiva de fórmulas com aminoácidos livres e tem resposta histológica de até 91%, mas é algo pouco aplicável na rotina.
    • Por sua vez, a dieta de eliminação de 6 alimentos (6-food elimination diet) é a mais clássica e consiste em retirar os gatilhos mais comuns (laticínios, trigo, ovos, soja, amendoim e nozes, peixes e mariscos) por 6 semanas. A partir de então, realiza-se nova endoscopia com reintrodução sistemática de cada um dos grupos por 6 semanas e nova endoscopia, na tentativa de identificar o alimento associado.

      • Apesar de complexa, estudos demonstram remissão histológica em até 70% dos pacientes, com remissão a longo prazo caso mantenha a restrição de forma adequada.

    • Na tentativa de evitar tantas endoscopias e restrições, há variações desta dieta: 4-food elimination diet (laticínios, trigo, ovos e soja) e 2-food elimination diet (lacticínios e trigo), com taxa de remissão clínico-histológica de 54 e 43%, respectivamente.

Figura 1: Fluxograma de opções para tratamento de esofagite eosinofílica. No contexto apropriado, dilatação endoscópica também pode ser necessária. Adaptado de Beveridge & Falk (2020)[1]

No dia a dia, nos deparamos com alguns casos em que há maior dificuldade de tratamento com estas terapias clássicas e, portanto, biológicos têm sido usados no contexto de ensaios clínicos. Em 2022, o dupilumabe tornou-se a primeira (e atualmente única) terapia biológica aprovada para EEo pelo FDA (Food and Drug Administration) nos Estados Unidos. Vários outros agentes biológicos estão sendo investigados ativamente para este fim. 

Clicando aqui, você consegue checar a lista atualizada de ensaios clínicos em andamento para EEo.

Para entender os potenciais alvos para tratamento da terapia biológica, devemos lembrar que a EEo se caracteriza por resposta imunológica do tipo 2 (Th2), envolvendo células T, eosinófilos, mastócitos e as citocinas interleucina-4, interleucina-5, interleucina-13 e linfopoietina estromal tímica (TSLP)

Os principais biológicos atualmente em estudo na EEo são:

  • Dupilumabe: anticorpo monoclonal que tem como alvo a cadeia de interleucina (IL)-4Rα, interferindo assim na ligação de IL-4 e IL-13 com o receptor. Foi aprovado pelo FDA como tratamento para EEo em maio de 2022. É aprovado pela ANVISA para tratamento de dermatite atópica moderada a grave, asma eosinofílica grave e rinossinusite crônica com pólipos nasais (ATUALIZAÇÃO MAIO/2023: ANVISA aprovou em Abril/2023 o uso de dupilumabe para o tratamento de esofagite eosinofílica em pacientes a partir de 12 anos de idade e com peso corporal igual ou superior a 40 kg – https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/medicamentos/novos-medicamentos-e-indicacoes/dupixent-dupilumabe-nova-indicacao-4 ). Estudo de fase 3 publicado recentemente no New England Journal of Medicine incluiu pacientes refratários a altas doses de IBP e identificou que uma dose semanal subcutânea de dupilumabe 300 mg resultou em melhora clínica e 60% de resposta histológica nas semanas 24 e 52. Embora muitos estudos tenham mostrado melhora endoscópica e histológica, o dupilumabe é o único cujo estudo randomizado duplo-cego mostrou melhora significativa de sintomas até o momento. Os efeitos adversos mais comuns foram reações no local da injeção (até 20%), nasofaringite (até 12%) e cefaleia (até 8%).
  • Benralizumabe: Bloqueio do receptor para IL-5. Estudo de fase 3 em andamento.
  • Reslizumabe e Mepolizumabe: Ligam-se à IL-5, evitando a ativação do receptor de IL-5. Ensaios clínicos até demonstraram melhora de eosinofilia esofágica, mas não houve benefícios clínicos significativos.
  • Omalizumabe: Anti-IgE, utilizado em asma alérgica e urticária espontânea crônica. Ensaios clínicos demonstraram pouca resposta clínica e histológica, que a inflamação na EEo não é mediada por IgE. Não é promissora.
  • Cendakimabe (RPC4046 ou CC-93538): Bloqueio do receptor para IL-13. Estudo de fase 3 em andamento.
  • Lirentelimabe (Antolimabe ou AK002): Anticorpo contra a lectina 8 semelhante a imunoglobulina ligadora de ácido siálico (Siglec-8). Siglec-8 é um receptor de superfície encontrado em eosinófilos e mastócitos humanos. A ligação de um anticorpo neste receptor induz apoptose de eosinófilos ativados e inibe ativação mastocitária. Estudo de fase 2/3 em andamento.
  • Tezepelumabe: Bloqueia a TSLP. Foi aprovado em 2022 pela ANVISA para tratamento de asma grave. Estudo de fase 3 em andamento

Os resultados decepcionantes em termos de resposta clínica até o momento podem ser consequência da complexa fisiopatologia da EEo, que envolve múltiplas vias de sinalização. ​​A perpetuação da resposta inflamatória e da patogênese dos sintomas é determinada por múltiplas células imunes e citocinas, de modo que mesmo quando uma citocina e uma via são interrompidas, vias alternativas e mecanismos compensatórios podem existir para continuar a propagar a inflamação.

Além disso, embora vários estudos demonstrem redução do número de eosinófilos no tecido esofágico, a falta de efeito sobre os sintomas clínicos sugere que os eosinófilos não são os únicos responsáveis ​​pelos sintomas de EEo. Acredita-se que as alterações na remodelação tecidual (como estenose e dismotilidade) sejam as principais responsáveis ​​pelos sintomas graves. A duração do tratamento na maioria dos ensaios de EoE é curta e pode não ser suficiente para reverter estas alterações crônicas.

Conclusão

Ainda há muito o que avançar na terapia biológica em EEo. Devemos sempre questionar também se a EEo, uma doença localizada no esôfago, realmente se beneficiaria de drogas de ação sistêmica. Além disso, é necessário que posicionemos adequadamente estas novas terapias que estão surgindo e surgirão em algoritmos de tratamento para definirmos não apenas o que podemos usar, mas também quando é o melhor momento para utilizá-las.

Saiba mais sobre esofagite eosinofílica na nossa live sobre o assunto. Link para post com os slides

Live Completa sobre Eosfagite Eosinofílica
https://gastropedia.pub/pt/live/esoofagite-eosinofilica-tudo-o-que-voce-queria-saber/

Referência

[1] Beveridge C, Falk GW. Novel Therapeutic Approaches to Eosinophilic Esophagitis. Gastroenterol Hepatol 2020;16:294–301.

[2] Nhu QM, Aceves SS. Current state of biologics in treating eosinophilic esophagitis. Ann Allergy, Asthma Immunol 2023;130:15–20. doi:10.1016/j.anai.2022.10.004.

[3] Zhang S, Assa’ad AH. Biologics in eosinophilic esophagitis. Curr Opin Allergy Clin Immunol 2021;21:292–6. doi:10.1097/ACI.0000000000000741.

[4] Straumann A. Biologics in Eosinophilic Esophagitis — Ready for Prime Time? N Engl J Med 2022;387:2379–80. doi:10.1056/NEJMe2213030.

[5] Dellon ES, Rothenberg ME, Collins MH, Hirano I, Chehade M, Bredenoord AJ, et al. Dupilumab in Adults and Adolescents with Eosinophilic Esophagitis. N Engl J Med 2022;387:2317–30. doi:10.1056/NEJMoa2205982.

Como citar este arquivo

Lages RB. Terapia biológica em esofagite eosinofílica: onde estamos? Gastropedia; vol. 1, 2023. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/sem-categoria/terapia-biologica-em-esofagite-eosinofilica-onde-estamos/




Como tratar o Helicobacter pylori? Entendendo como escolher o esquema de primeira linha

O Helicobacter pylori (H. pylori) é a infecção bacteriana crônica mais prevalente do mundo, acometendo mais de metade da população. Associa-se com gastrite crônica, que pode progredir para complicações graves, como úlcera péptica, adenocarcinoma e linfoma MALT. 

Pelas evidências atuais, a sua erradicação tem sido recomendada de forma mais ampla, mesmo na ausência de sintomas em muitas situações. As principais referências que norteiam a conduta do H. pylori em nosso país são:

  • IV Consenso Brasileiro (2018)
  • Consenso Maastricht VI / Florence (2022)

Uma das mais importantes causas de falha à erradicação do H. pylori é o aumento da resistência à claritromicina e levofloxacino. A resistência aos nitroimidazóicos também é comum. Por outro lado, a resistência à amoxicilina e à tetraciclina é baixa e estável. Esses conceitos são importantes tanto quando pensamos em esquemas de primeira linha como em esquema de retratamento.

A escolha do esquema inicial de tratamento para o H pylori considera dois principais aspectos:

  • Taxa local de resistência à claritromicina
  • Histórico de alergia medicamentosa

Seria interessante a realização de teste de susceptibilidade (molecular ou cultura) antes da prescrição de antibióticos, mas sabemos que estes métodos ainda são extremamente escassos (ou mesmo quase inexistentes) na nossa prática diária brasileira.

Em áreas em que há baixa resistência à claritromicina (< 15%), o tratamento empírico de primeira linha deve ser a terapia tripla com claritromicina ou a quádrupla com bismuto. Alguns poucos estudos avaliaram o perfil de resistência do H. pylori no Brasil, identificando resistência de 2.5 a 16.9% à claritromicina, 5 a 23% às fluoroquinolonas, aproximadamente 50% ao metronidazol e duplas resistência à claritromicina e metronidazol de 7.5 a 10%. Diante disso, a tendência do Consenso Brasileiro ainda é considerar o Brasil como uma área de baixa resistência à claritromicina.

Desde o Maastricht V (2017) e o IV Consenso Brasileiro (2018), uma importante mudança nas recomendações de tratamento para o H. pylori foi o aumento da duração de 7 para 14 dias na tentativa de aumentar a taxa de erradicação diante da crescente elevação de resistência bacteriana.

Os esquemas de primeira linha propostos em nosso país, portanto, são os seguintes:

  • Esquema recomendado: OAC – Terapia tripla padrão com claritromicina

  • Esquema alternativo: BOTM – Terapia quádrupla com bismuto

  • Outro esquema alternativo: OACM – Terapia quádrupla concomitante sem bismuto. É uma opção em áreas de maior resistência comprovada à claritromicina quando o bismuto não for disponível.

Por falar em disponibilidade de subcitrato de bismuto coloidal, essa medicação tem sido bem pouco disponível em nosso país. Atualmente, é possível conseguir apenas por meio de manipulação (e mesmo assim com certa dificuldade). Isso nos faz lembrar da furazolidona, que já foi muito utilizada em esquemas para tratamento de H. pylori, mas que não é comercializada há anos em nosso país.

Alergia à penicilina

A erradicação do H. pylori em pacientes com alergia à penicilina (relatada em até 3 a 10% das pessoas) é um desafio. O ideal seria realmente comprovar que essa alergia é verdadeira para ter à disposição os esquemas com amoxicilina.

Pelo Consenso Brasileiro, são dois os esquemas principais:

  • Terapia tripla com levofloxacino em substituição à amoxicilina (OCL)

  • Terapia quádrupla com bismuto (BOTM), conforme já citada previamente

Efeitos adversos

Infelizmente, até 50% dos pacientes apresentam efeitos colaterais com o tratamento do H. pylori. Em menos de 10%, esses efeitos são limitantes e levam à interrupção da terapia. É importante, portanto, sempre orientar bem os pacientes dos efeitos adversos mais comuns para aumentar a adesão:

  • Amoxicilina: Diarreia, rash cutâneo
  • Claritromicina: náuseas, vômitos, dor abdominal, gosto metálico, raramente prolongamento QT

Usar probióticos ajuda?

Os probióticos (como Lactobacilli e Saccharomyces boulardii) reduzem os efeitos adversos associados à terapia de erradicação e, com isso, podem aumentar a adesão. Há estudos sobre efeitos diretos sobre o H. pylori, mas ainda são necessários mais dados.

Preciso fazer controle de cura? Quando?

Sim. Deve ser realizado pelo menos 4 semanas após o tratamento. O ideal é preferir método não invasivos, reservando-se a endoscopia apenas se indicada por outra razão (ex: controle de cura de úlcera gástrica).

Conclusão

O H. pylori é extremamente comum e sua erradicação pode ser muitas vezes um desafio. A terapia tripla padrão (OAC) no Brasil fornece taxas de cura acima de 80% e ainda é a mais utilizada. Devemos, contudo, estar atentos aos crescentes níveis de resistência bacteriana para atualizarmos constantemente nossas recomendações.

Como citar este artigo

Lages RB. Como tratar o Helicobacter pylori? Entendendo como escolher o esquema de primeira linha. Gastropedia 2022. Disponível em https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/estomago/como-tratar-helicobacter-pylori

Referências

[1] Malfertheiner P, Megraud F, Rokkas T, Gisbert JP, Liou JM, Schulz C, et al. Management of Helicobacter pylori infection: the Maastricht VI/Florence consensus report. Gut 2022;71:1724–62. doi:10.1136/gutjnl-2022-327745.
[2] Coelho LGV, Marinho JR, Genta R, Ribeiro LT, Passos M CF, Zaterka S, et al. IVth Brazilian Consensus Conference on Helicobacter pylori infection. Arq Gastroenterol 2018;55:97–121. doi:10.1590/s0004-2803.201800000-20.




Efeitos adversos associados ao uso prolongado de inibidores de bomba de prótons (IBP)

Desde a introdução do omeprazol em 1989, os inibidores de bomba de prótons (IBPs), também conhecidos como “prazóis”, revolucionaram o tratamento das doenças acido-pépticas. A grande eficiência dessa classe em bloquear a produção de ácido fez com que rapidamente ela caísse no gosto popular e se tornasse um dos medicamentos mais comercializados no mundo.

Com o seu uso crescente, surgiram na última década uma série de preocupações sobre possíveis efeitos colaterais a longo prazo. Contudo, há divulgação em massa de vários estudos sem adequada interpretação, contribuindo para a insegurança dos médicos prescritores e a ansiedade dos pacientes. 

Qual é a verdade afinal? Os “prazóis” causam câncer e demência?

Qual a qualidade da evidência?

A grande maioria das publicações que abordam os efeitos adversos associados ao uso prolongado de IBP é composta por estudos observacionais retrospectivos, baseados em grandes bancos de dados coletados inicialmente por propósitos administrativos.

Esse tipo de estudo torna muito difícil estabelecer relação de causalidade. Afinal, a exposição (usar ou não usar IBP) não é definida aleatoriamente e, por isso, fatores não aleatórios que levaram ao uso ou não de IBP podem impactar a probabilidade de desenvolver um desfecho. Em muitos casos, o motivo pelo qual o paciente está usando o IBP já constitui um fator de risco para o efeito adverso em estudo. Mesmo com as ferramentas estatísticas de regressão multivariada, ainda sobrarão efeitos de confusão residuais devido à presença de diferenças imensuráveis entre os grupos.

Em 1965, Sir Austin Bradford Hill propôs uma lista de 9 critérios para inferir causalidade (Tabela 1). Isso é importante porque a maioria dos estudos epidemiológicos sugere apenas associações e, como tal, é propensa a vários vieses, levando a extrapolações errôneas para a causalidade. 

Tabela 1: Critérios de Bradford Hill para estabelecer causalidade

Por que o IBP causaria efeitos adversos a longo prazo?

Em teoria, a maior parte dos efeitos adversos a longo prazo do IBP estariam associados à hipocloridria.

Apesar de importante para tratamento de doenças pépticas, como as úlceras e o refluxo gastroesofágico, a redução prolongada de ácido gástrico também poderia ocasionar aumento da produção de gastrina, alteração da microbiota intestinal e redução da absorção de alguns nutrientes.

Figura 1: Mecanismos teóricos pelos quais o IBP poderia causar efeitos adversos a longo prazo

ECL = Células enterocromafim-like; GECA = gastroenterocolite aguda; SIBO = Supercrescimento bacteriano do intestino delgado (Small intestinal bacterial overgrowth); PBE = Peritonite bacteriana espontânea; BCP = broncopneumonia; Ca = cálcio; Fe = ferro; Mg = Magnésio

Apesar destes efeitos teóricos, a maior parte destas associações não foi comprovada em estudos.

Quais os riscos de fato?

A maior parte da evidência consiste de estudos observacionais que identificaram associações fracas com risco relativo e odds ratio menor que 2. Além disso, não há consistência, pois existem inúmeros estudos com conclusões opostas.

As evidências mais consistentes são do aumento do risco de pólipos de glândulas fúndicas (que são pólipos benignos que não malignizam), de infecções entéricas e de nefrite intersticial aguda (raro, por efeito idiossincrático).

Uma das maiores preocupações dos médicos e pacientes é, sem dúvidas, um possível risco aumentado de malignidade gástrica. Os estudos disponíveis, contudo, são conflitantes e têm vieses importantes e variáveis ​​de confusão. Um estudo chinês de 2017 foi certamente um dos que mais despertou curiosidade sobre o assunto nos noticiários. Ele foi um estudo observacional baseado em banco de dados para auditoria, que identificou um hazard ratio de 2.44 (intervalo 1.42 a 4.20). Mesmo que desconsiderássemos todos os vieses desse estudo e julgássemos que ele fosse uma verdade absoluta (o que com certeza não é, uma vez que não foi observado se houve cura de H. pylori nos pacientes e o grupo usuário de IBP tinha características com maior risco de câncer – maior idade, mais comorbidades, maior histórico de úlceras, maior tabagismo e maior polifarmácia), ainda sim o aumento absoluto de risco para câncer gástrico em usuários de IBP seria de 4 em 10.000 pessoas-ano (ou seja, aumento absoluto de risco de 0,04% por paciente ao ano).

A Tabela 2 traz um compilado publicado pelo American College of Gastroenterology no guideline de DRGE (2022) quanto aos riscos dos principais efeitos que costumam ser citados como possivelmente associados ao IBP, baseado em estudo randomizado recente. 

Tabela 2: Efeitos adversos associados ao uso prologando de IBP, baseado em estudo randomizado recente. Adaptado de Katz P et al, 2022.

Conclusão

  • Os estudos que identificaram efeitos adversos associados ao uso prolongado de IBPs apresentam falhas, não são considerados definitivos e não estabelecem uma relação de causa e efeito entre os IBPs e as condições adversas. 
  • Apesar de não podermos excluir a possibilidade de que os IBPs possam conferir um pequeno aumento no risco de desenvolver essas condições adversas, isso não justifica a sua suspensão quando bem indicado, uma vez que os benefícios nestes casos superam em muito seus riscos teóricos. 
  • Devemos ser críticos apenas para questionar se a prescrição do IBP está ou não indicada, uma vez que o uso inapropriado gera aumento de custos e exposições desnecessárias. Sempre que possível, outra estratégia adequada é reduzir a prescrição de IBP para a menor dose necessária.

Referências

  1. Cheung KS, Chan EW, Wong AYS, Chen L, Wong ICK, Leung WK. Long-term proton pump inhibitors and risk of gastric cancer development after treatment for Helicobacter pylori : a population-based study. Gut 2017:gutjnl-2017-314605. doi:10.1136/gutjnl-2017-314605.
  2. Chinzon D, Domingues G, Tosetto N, Perrotti M. Safety of long-term proton pump inhibitors: facts and myths. Arq Gastroenterol 2022;59:219–25. doi:10.1590/S0004-2803.202202000-40.
  3. Katz PO, Dunbar KB, Schnoll-Sussman FH, Greer KB, Yadlapati R, Spechler SJ. ACG Clinical Guideline for the Diagnosis and Management of Gastroesophageal Reflux Disease. Am J Gastroenterol 2022;117:27–56. doi:10.14309/ajg.0000000000001538.
  4. Malfertheiner P, Kandulski A, Venerito M. Proton-pump inhibitors: Understanding the complications and risks. Nat Rev Gastroenterol Hepatol 2017;14:697–710. doi:10.1038/nrgastro.2017.117.
  5. Moayyedi P, Eikelboom JW, Bosch J, Connolly SJ, Dyal L, Shestakovska O, et al. Safety of Proton Pump Inhibitors Based on a Large, Multi-Year, Randomized Trial of Patients Receiving Rivaroxaban or Aspirin. Gastroenterology 2019;157:682-691.e2. doi:10.1053/j.gastro.2019.05.056.
  6. Nehra AK, Alexander JA, Loftus CG, Nehra V. Proton Pump Inhibitors: Review of Emerging Concerns. Mayo Clin Proc 2018;93:240–6. doi:10.1016/j.mayocp.2017.10.022.
  7. Vaezi MF, Yang YX, Howden CW. Complications of Proton Pump Inhibitor Therapy. Gastroenterology 2017;153:35–48. doi:10.1053/j.gastro.2017.04.047.

Como citar este artigo

Lages RB., EFEITOS ADVERSOS ASSOCIADOS AO USO PROLONGADO DE INIBIDORES DE BOMBA DE PRÓTONS (IBPs). Gastropedia, 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/estomago/efeitos-adversos-associados-ao-uso-prolongado-de-inibidores-de-bomba-de-protons-ibp/




Highlights sobre diagnóstico de doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) – novo guideline do American College of Gastroenterology (ACG) 2022

A lot has changed, much remains the same”. Com essa premissa, o American College of Gastroenterology (ACG) publicou o seu mais novo Guideline para diagnóstico e conduta em Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) no início de 2022, atualizando as suas recomendações gerais neste tema após quase 10 anos.

Sabemos que o diagnóstico de certeza de DRGE pode ser desafiador. Não há um padrão-ouro e, portanto, por vezes é necessário que montemos um quebra-cabeça com manifestações clínicas, resposta à terapia, achados endoscópicos e monitorização prolongada do refluxo. A Tabela 1 resume as principais recomendações dessa diretriz, ao passo que o Fluxograma 1 sugere a abordagem sugerida para diagnóstico de DRGE.

Tabela 1: Recomendações diagnosticas

Abordagem diagnóstica Comentários Recomendação ACG 2022
Diagnóstico clínico (sintomas + terapia empírica) – Pirose e regurgitação são os principais sintomas típicos- Manifestações extra-esofágicas incluem rouquidão, pigarro, tosse crônica, globus, laringite, faringite, fibrose pulmonar e exacerbação de asma. A avaliação deles é desafiadora: mesmo em pacientes com diagnóstico estabelecido de DRGE, pode ser difícil estabelecer que a DRGE é realmente a causa desses problemas – Para pacientes com sintomas típicos sem sinais de alarme*: prescrever terapia empírica com IBP 1x/dia (em jejum) por 8 semanas
– Em pacientes com dor torácica não cardíaca sem pirose: recomendado teste objetivo para DRGE** ao invés de terapia empírica
– Sintomas extraesofágicos isolados não são suficientes para diagnóstico de DRGE: é necessário realizar teste objetivo**
Esofagograma (EED) – Em um estudo prospectivo, apenas metade dos pacientes com refluxo anormal no exame baritado apresentavam alteração na pHmetria. – Não recomendado como teste diagnóstico em DRGE
Endoscopia digestiva alta (EDA) – Esofagite erosiva (EE) grau A de Los Angeles não é suficiente para diagnóstico
– EE grau B pode ser diagnóstica se presença de sintomas típicos e resposta ao IBP
– EE graus C e D ou Barrett longo (> 3 cm) confirmam o diagnóstico de DRGE
– Primeiro exame a ser realizado se presença de sinais de alarme* ou em pacientes com múltiplos fatores de risco para Esôfago de Barrett
– Realizar se ausência de resposta ao IBP empírico por 8 semanas
– Realizar se recidiva dos sintomas após suspensão do IBP 
– Exame diagnóstico deve ser realizado idealmente 2-4 semanas após suspensão de IBP
– Em pacientes com EE graus C e D, deve-se repetir a EDA após terapia para assegurar que houve cicatrização e para avaliar a presença de possível Esôfago de Barrett (que pode ser difícil de detectar em casos de esofagite grave)
Manometria esofágica – Pode avaliar alterações de motilidade associadas à DRGE (hipotonia da junção esofagogástrica e motilidade esofágica ineficaz), mas não são achados específicos – Não recomendada como teste diagnóstico em DRGE
– Necessária antes de exames de monitorização de refluxo para definir a posição da sonda
– Necessária antes de indicar procedimentos antirrefluxo, principalmente para descartar acalásia
Monitorização prolongada de refluxo (pHmetria e impedâncio-pHmetria) – A variável mais importante é o tempo total de exposição ácida
– O uso de sondas de pHmetria com dois canais para documentar o refluxo em esôfago proximal é questionável (resultados muito variáveis)
– Realizar SEM IBP por pelo menos 7 dias se endoscopia sem evidência objetiva de DRGE***
– Realizar EM USO DE IBP se já há evidência objetiva de DRGE*** para avaliar sintomas refratários (preferencialmente a impedâncio-pHmetria, pois permite a avaliação de refluxo não ácido)
*Sinais de alarme: Disfagia, perda de peso, sangramento, vômitos, anemia
**Teste objetivo para DRGE: EDA ou monitorização prolongada de refluxo
***Evidência objetiva de DRGE em endoscopia: Esofagite erosiva Los Angeles C ou D, Barrett longo (> 3 cm)

Fluxograma 1: Abordagem diagnóstica para Doença do Refluxo Gastroesofágico (American College of Gastroenterology, 2022)

Diagrama

Descrição gerada automaticamente

Sugestão de leitura: atualização do consenso de Lyon em 2023 sobre diagnóstico de DRGE

Referência

[1] Katz PO, Dunbar KB, Schnoll-Sussman FH, Greer KB, Yadlapati R, Spechler SJ. ACG Clinical Guideline for the Diagnosis and Management of Gastroesophageal Reflux Disease. Am J Gastroenterol 2022;117:27–56. doi:10.14309/ajg.0000000000001538.

Como citar este artigo

Lages, RB. Highlights Sobre Diagnóstico De Doença Do Refluxo Gastroesofágico (Drge) – Novo Guideline Do American College Of Gastroenterology (Acg)  2022. Gastropedia 2022, vol II. Disponível em: https://gastropedia/gastroenterologia/esofago/highlights-sobre-diagnostico-de-doenca-do-refluxo-gastroesofagico-drge-novo-guideline-do-american-college-of-gastroenterology-acg-2022




Classificação de Chicago 4.0: o que há de novo na manometria de alta resolução?

A Classificação de Chicago (CC) busca padronizar a interpretação da manometria de alta resolução (MAR) definindo um fluxograma para classificar os distúrbios motores do esôfago. A primeira versão completa foi publicada em 2009, sendo recentemente atualizada para a 4ª versão. A classificação anterior (3.0 de 2015) já havia sido discutida previamente neste site.

Mas o que muda, de fato, nessa nova atualização?

1. Mudança de protocolo para realização da MAR

A CC 4.0 preconiza a realização de deglutições tanto em posição supina como em posição vertical, bem como de manobras adicionais, como múltiplas deglutições rápidas (MDR, ou multiple rapid swallows – MRS) e desafio de bebida rápida (DBR, rapid drink challenge – RDC).

A recomendação preferencial é pelo sistema de estado sólido, mas sabemos que o seu custo é elevado e que, no Brasil, o sistema de perfusão é muito mais disponível. A classificação de CC 4.0 pode também ser utilizada com o sistema de perfusão, desde que valores normativos tenham sido determinados. Nesse caso, porém, devem-se realizar apenas as deglutições supinas e manobras que sejam possíveis nessa posição. Na prática, caso usemos o sistema de perfusão no nosso dia a dia, seguimos com 10 deglutições úmidas na posição supina, mas recomenda-se realizar pelo menos 1 sequência de MDR.

O Quadro 1 detalha o protocolo padronizado pela CC 4.0 para realização de MAR.

Quadro 1: Protocolo para manometria de alta resolução padronizado conforme CC 4.0

Protocolo MAR – CC 4.0

  • Jejum de 4 horas;
  • Assinar termo de consentimento.

Estudo inicial em posição supina

  • 60 segundos para adaptação;
  • Documentar posição com pelo menos 3 inspirações profundas;
  • 30 segundos de linha de base;
  • 10 deglutições úmidas (5 mL) supinas;
  • 1 sequência MDR (deve ser repetida até 3x se tentativa falha ou resposta anormal).

Mudar posição para vertical (apenas se sistema de estado sólido)

  • 60 segundos para adaptação;
  • Documentar posição com pelo menos 3 inspirações profundas;
  • 30 segundos de linha de base;
  • 5 deglutições úmidas (5 mL) verticais;
  • 1 DBR.

Se não encontrar nenhum distúrbio motor, considerar:

  • Se alta probabilidade de OFJEG: testes com deglutições sólidas ou provocação farmacológica, se disponível;
  • Se suspeita de ruminação: realizar, se possível, impedância pós-prandial.

Se achados ambíguos ou se existe suspeita de obstrução que não preenche critérios para acalásia, considerar outros testes complementares:

  • Esofagograma baritado cronometrado;
  • EndoFLIP.

2. Não há mais diferenciação entre distúrbios maiores e menores da peristalse

A CC 4.0 não distingue mais entre distúrbios de motilidade maiores e menores, mas simplesmente separa distúrbios de obstrução da JEG dos distúrbios de peristalse.

A Figura 1 resume a análise hierárquica da motilidade esofágica conforme CC 4.0.

Figura 1: Fluxograma para diagnóstico de distúrbios motores esofágicos segundo Classificação de Chicago 4.0. Integral da pressão de relaxamento (IRP – integrated relaxation pressure); Junção esofagogástrica (JEG); Múltiplas deglutições rápidas (MDR); Desafio de bebida rápida (DBR); Obstrução ao fluxo da JEG (OFJEG).

3. Subtipos de acalásia seguem o padrão da classificação anterior

4. Definição mais criteriosa sobre obstrução ao fluxo da junção esofagogástrica (OFJEG)

Apesar de uma proporção de OFJEG poder evoluir para acalásia ou mesmo representar uma variante de acalásia, observou-se que mais de um terço desses casos são clinicamente irrelevantes ou relacionados a etiologias benignas, como efeitos mecânicos, uso de opioide ou artefatos. Para evitar tratamentos desnecessários, a CC 4.0 foi mais criteriosa nesse tema.

O diagnóstico manométrico de OFJEG é definido pela elevação da IRP (integral da pressão de relaxamento, integrated relaxation pressure) em duas posições + 20% deglutições com pressão intrabolus elevada na posição supina, com evidência de peristalse. A suspeita inicial para o diagnóstico de OFJEG ocorre quando a IRP é alterada, mas não há critérios para acalásia, isto é, há contrações peristálticas.

Por outro lado, o diagnóstico de OFJEG clinicamente relevante requer: diagnóstico manométrico + sintomas relevantes (disfagia ou dor torácica não cardíaca) + investigações adicionais para obstrução (esofagograma ou endoFLIP). Você pode conhecer mais sobre endoFLIP neste outro artigo do Endoscopia Terapêutica.

5. De nada adianta achado manométrico sem clínica compatível

Alguns padrões manométricos podem ser incidentais, não indicando patologia clínica e não justificando uma intervenção. Portanto, uma das principais prioridades na CC 4.0 foi distinguir entre patologia e achados manométricos inespecíficos. Optou-se por manter o esquema de classificação estabelecido com base na fisiologia esofágica, mas a OFJEG, o espasmo esofágico distal e o esôfago hipercontrátil passam a ser considerados padrões com relevância clínica obscura. Um diagnóstico clinicamente relevante desses distúrbios requer achados manométricos conclusivos e sintomas relevantes (disfagia e/ou dor torácica não cardíaca).

6. Jackhammer passa a ser considerado um subtipo de esôfago hipercontrátil

A CC 4.0 manteve os critérios da CC 3.0 de ≥ 20% de deglutições hipercontráteis, mas revisou a nomenclatura para mudar o Jackhammer para um subtipo e renomear o distúrbio como esôfago hipercontrátil. Essa alteração considerou a heterogeneidade dos padrões de motilidade que atendem à definição, com a identificação de três subgrupos: Jackhammer (britadeira) com contrações prolongadas repetitivas, deglutições hipercontráteis de pico único e deglutições hipercontráteis com uma vigorosa pós-contração do esfíncter inferior do esôfago. Entre os três padrões, o Jackhammer é, normalmente, o mais sintomático e com a maior probabilidade de responder à intervenção.

7. Definição de motilidade esofágica ineficaz (MEI) passou a ser mais rigorosa

A definição da CC 4.0 de MEI é mais rigorosa, exigindo mais de 70% das contrações como ineficazes (em vez de, pelo menos, 50% em classificações anteriores) ou ≥ 50% das contrações falhas. A definição de uma contração ineficaz também passa a abranger deglutições fragmentadas, sendo que o peristaltismo fragmentado não é mais um distúrbio motor.

Como citar este artigo

Lages RB. Classificação de Chicago 4.0: o que há de novo na manometria de alta resolução?. Gastropedia 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/esofago/classificacao-de-chicago-4-0-o-que-ha-de-novo-na-manometria-de-alta-resolucao/

Referências

  1. Yadlapati R, Kahrilas PJ, Fox MR, Bredenoord AJ, Prakash Gyawali C, Roman S, et al. Esophageal motility disorders on high-resolution manometry: Chicago classification version 4.0©. Neurogastroenterol Motil 2021; 33(1):e14058. doi:10.1111/nmo.14058.
  2. Yadlapati R, Pandolfino JE, Fox MR, Bredenoord AJ, Kahrilas PJ. What is new in Chicago Classification version 4.0? Neurogastroenterol Motil 2021;33(1):1–7. doi:10.1111/nmo.14053.



Endoluminal Functional Lumen Imaging Probe (EndoflipTM): conhecendo a tecnologia e seus potenciais usos

O EndoflipTM é uma técnica inovadora que utiliza a tecnologia de planimetria por impedância para avaliar a distensibilidade de órgãos gastrointestinais.

Apesar de desenvolvido em 2009, o seu uso ainda é restrito a ambientes de pesquisa devido ao custo elevado e à necessidade de maiores evidências para melhor padronização do método.

Consiste de um cateter que apresenta em sua extremidade distal um balão distensível de 8 ou 16 cm (Figuras 1 e 2). Neste balão, estão localizados 16 pares de sensores de planimetria por impedância, que são capazes de medir a área de secção transversal de um plano do órgão (planimetria) utilizando a resistência elétrica (impedância) do fluido existente no balão.

Na extremidade distal do cateter, está localizado ainda um transdutor de pressão, que é responsável por aferir a pressão dentro do balão. Desta forma, dividindo-se a área transversal pela pressão, podemos determinar o Índice de Distensibilidade em reposta à distensão controlada por volume.

Figura 1: Representação do monitor do EndoflipTM (Su B et al, 2020).
Figura 2: Representação do cateter EndoflipTM realizando medidas em esfíncter inferior do esôfago (Hirano et al, 2017).

A grande parte dos estudos com o EndoflipTM foi realizada para avaliação esofágica. Para tal, o cateter é introduzido com o paciente sedado, geralmente após a endoscopia digestiva alta.

Com a introdução do EndoflipTM 2.0 em 2017, foi associado ainda um sistema de topografia, que permite avaliar a motilidade esofágica (se ausência de ondas, se contrações anormais retrógradas ou contrações normais anterógradas) – Figura 3.

Figura 3: Exame sem alterações, apresentando junção esofagogástrica com distensibilidade normal e contrações normais anterógradas (Dorsey YC et al, 2020).
Figura 3: Exame sem alterações, apresentando junção esofagogástrica com distensibilidade normal e contrações normais anterógradas (Dorsey YC et al, 2020).

 

As potenciais aplicações do método são:

1. Avaliação de disfagia e acalásia

  • Destaque naqueles pacientes com clínica suspeita de acalásia, mas dúvida diagnóstico devido relaxamento normal da junção esofagogástrica (JEG) em exame de manometria;
  • Utilidade em pacientes que não conseguem realizar a manometria por não tolerarem o desconforto da sonda (o EndoflipTM é realizado sedado);
  • Índice de distensibilidadeda JEG > 3 mm2/mmHg e contrações anterógradas sugerem normalidade (Figura 3);
  • Índice de distensibilidade£ 1.6 mm2/mmHg da JEG, bem como ausência de contrações (figura 4) ou contrações repetitivas retrógradas (figura 5) sugerem acalásia.
  • Nos casos de diagnóstico manométrico de obstrução ao fluxo da JEG, o Índice de Distensibilidade da JEG < 2 mm2/mmHg é associado a melhor resposta sintomática a terapias similares à da acalásia, enquanto valores > 3 mm2/mmHg são favoráveis ao seguimento conservador.
Figura 4: Junção esofagogástrica com distensibilidade reduzida e ausência de contrações, sugerindo Acalásia tipo I (Dorsey YC et al, 2020).
juncao-esofagogastrica-com-distensibilidade-reduzida-acalasia-tipo-3.jpg
Figura 5: Junção esofagogástrica com distensibilidade reduzida e contrações repetitivas retrógradas, sugerindo Acalásia tipo III (Dorsey YC et al, 2020).

2. Uso intra-operatório para guiar ajustes em miotomias e fundoplicaturas

  • Em miotomias, valores de Índice de Distensibilidade da JEG entre 4.5 e 8.5 mm2/mmHg sugerem melhores resultados (Figura 6);
  • Em fundoplicaturas, valores de Índice de Distensibilidade da JEG entre 2 e 3.5 mm2/mmHg foram associadas com menor índice de disfagia e de refluxo após procedimento.
Figura 6: Índice de distensibilidade da Junção esofagogástrica antes e após miotomia em paciente com acalásia (Su B et al, 2020)

3. Avaliação na esofagite eosinofílica

  • Identificar a distensibilidade esofágica, de modo a identificar estreitamentos fibroestenóticos que nem sempre são bem avaliados pela endoscopia.
  • Potencial benefício em pacientes que persistem com disfagia a despeito da remissão histológica, podendo guiar possíveis dilatações.

4. Outros potenciais usos

  • Avaliar distensibilidade do piloro em pacientes com suspeita de gastroparesia
  • Avaliar canal anal em pacientes com incontinência.

Como citar este artigo

Lages RB., Endoluminal Functional Lumen Imaging Probe (EndoflipTM): conhecendo a tecnologia e seus potenciais usos. Gastropedia, 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/esofago/endoluminal-functional-lumen-imaging-probe-endofliptm-conhecendo-tecnologia-e-seus-potenciais-usos/

Referências Bibliográficas

  1. Dorsey YC, Posner S, Patel A. Esophageal Functional Lumen Imaging Probe (FLIP): How Can FLIP Enhance Your Clinical Practice? Dig Dis Sci 2020. Online ahead of print. doi:10.1007/s10620-020-06443-8.
  2. Hirano I, Pandolfino JE, Boeckxstaens GE. Functional Lumen Imaging Probe for the Management of Esophageal Disorders: Expert Review From the Clinical Practice Updates Committee of the AGA Institute. Clin Gastroenterol Hepatol 2017;15:325–34. doi:10.1016/j.cgh.2016.10.022.
  3. Su B, Novak S, Callahan ZM, Kuchta K, Carbray JA, Ujiki MB. Using impedance planimetry (EndoFLIPTM) in the operating room to assess gastroesophageal junction distensibility and predict patient outcomes following fundoplication. Surg Endosc 2020;34:1761–8. doi:10.1007/s00464-019-06925-5.
  4. Su B, Dunst C, Gould J, Jobe B, Severson P, Newhams K, et al. Experience-based expert consensus on the intra-operative usage of the endoflip impedance planimetry system. Surg Endosc 2020. doi:10.1007/s00464-020-07704-3.