Neoplasia periampular com metástase hepática isolada: o que você faria?
Atender e cuidar de um paciente oncológico deve ir além do conhecimento de alta complexidade e baseado em evidências que se atualizam a cada dia. Espera-se uma sólida relação médico-paciente com manejo de expectativas e de muita confiança.
A situação que desejo colocar aqui é a de um paciente com síndrome colestática devido a neoplasia maligna periampular não biopsiada. Apresentava um status muito bom, um atleta totalmente independente para as atividades diárias e com pouca perda de peso mesmo na presença dos sintomas de intolerância alimentar.
Não preenchendo critérios para neoadjuvância (borderline)1 e sem evidências de lesões metastáticas no estadiamento realizado, foi optada por uma ressecção como primeiro tratamento (upfront) que se deu cerca de 1 mês após o primeiro contato com o cirurgião.
Exponho a foto do intra-operatório:
A lesão subcentimétrica destacada foi ressecada e enviada para biópsia de congelação. O achado foi de neoplasia maligna na amostra enviada.
Existem vários fatores nesse momento de decisão que nos induzem a prosseguir com a cirurgia: a falibilidade da congelação intraoperatória, o fato desse paciente – a exceção da maioria dos casos atendidos nesse contexto – estar tão física e nutricionalmente apto a cirurgia, a confiança e otimismo transmitido em consulta para o paciente e família diante da precocidade do tratamento cirúrgico, a experiência de casos anteriores que foram “bem sucedidos”.
Por essa razão compartilho os seguintes estudos que tiveram como objetivo definir o real prognóstico desse paciente.
O que dizem os estudos?
No primeiro2 foram analisados retrospectivamente pacientes submetidos a pancreatectomias associadas a ressecções de metástases hepáticas em um centro internacionalmente renomado.
O tamanho da amostra (22 pacientes) é criticável e provavelmente é consequência da alta seleção de pacientes. Essa seleção também é comprovada nos detalhes da amostra: tamanho médio da metástase (0.6 cm), ressecções hepáticas foram em sua maioria nodulectomias. Além disso, todos os casos foram semelhantes ao nosso, um achado incidental intraoperatório.
Para controle foram designados dois grupos: 1 – ressecção convencional com mesmo sítio primário sem associação a metástase hepática e 2 – cirurgia paliativa realizada diante da metástase hepática (derivação biliodigestiva + alimentar). A comparação demonstrou resultados interessantes, mas não inesperados: a um custo de maior taxa de complicações, sangramento e tempo de internação não houve benefício na sobrevida desses pacientes a longo prazo comparados a cirurgia paliativa. Vale destacar que, a exemplo da nossa situação, estamos comparando um grupo selecionado pelo otimismo, pela expectativa de melhor evolução frente ao habitual.
Destaco, ainda, essa revisão sistemática3 mais recente demonstrando uma sobrevida semelhante entre pacientes que realizaram a cirurgia combinada no contexto proposto e pacientes encaminhados para quimioterapia paliativa após detecção metástase no estadiamento (não submetidos a cirurgia). Em pacientes selecionados, após quimioterapia e controle sistêmico, a sobrevida proporcionada pela mesma cirurgia foi de 3 a 4 vezes maior.
Conclusão
Como visto acima, não nos faltam exemplos que em poucos pacientes a cirurgia pensada inicialmente (ressecção de metástase hepática + duodenopancreatectomia) pode trazer benefício em sobrevida4. Porém, no momento da cirurgia esse indivíduo ainda não passou por essa seleção do tratamento sistêmico e, por isso, não sabemos ainda se ele é – ou melhor – será um desses casos. Por isso, nesse dia, procedemos com a derivação biliodigestiva – solucionando assim a obstrução biliar – associada a derivação alimentar devido aos sintomas alimentares alegados.
Para aqueles que optariam por prosseguir com o procedimento, os convido a reflexão: por mais otimista que seja nossa expectativa, a nossa intenção e atitude permanecem submissas aos dados e estatísticas. Nossa função principal durante a jornada do nosso paciente é aconselhá-lo a tomar o caminho mais vantajoso e não apenas torcer pelo melhor resultado.
Afinal, existem cirurgias menos arriscadas que aliviam os sintomas e proporcionam um tratamento sistêmico sem intercorrências para nosso paciente. Dessa forma, à luz do conhecimento atual, ele permanecerá com maior qualidade de vida e por mais tempo fora do ambiente hospitalar. Lembrando que o tratamento definitivo não deixará de ser opção caso se prove adequado ao longo de sua evolução.
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Referências
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Como citar este artigo
Magalhães DP. Neoplasia periampular com metástase hepática isolada: o que você faria? Gastropedia, vol. 2 Disponível em: gastropedia.pub/pt/cirurgia/neoplasia-periampular-com-metastase-hepatica-isolada-o-que-voce-faria/
Metástase hepática colorretal sincrônica – Como programar o tratamento?
O tumor colorretal possui grande impacto na saúde da população mundial e, segundo dados do INCA, ocupou o segundo lugar em incidência em ambos os sexos em nosso país em 2020. As complicações decorrentes do tumor colorretal ocupam o segundo lugar em mortalidade por câncer no mundo6. Ao diagnóstico, cerca de 20% desses pacientes já se apresentam com metástases hepáticas.4
Com o avanço dos tratamentos oncológicos e melhor compreensão da doença, estão disponíveis um maior número de tratamentos para esses pacientes, incluindo: cirurgia, quimioterapia, imunoterapia, radioterapia e tratamentos radio intervencionistas. Embora pacientes com metástases hepáticas sejam considerados com estádio IV, seguem sendo casos passíveis de tratamento curativo.
Diante de várias opções terapêuticas e com o aumento da sobrevida, casos complexos tornaram-se mais comuns, o que demanda de nós aprofundado conhecimento das diferentes opções terapêuticas. Reconhecendo essa dificuldade, os hospitais oncológicos organizam comitês multidisciplinares especializados que discutem as particularidades de cada paciente na intenção de obter os melhores resultados. São nessas reuniões em que traçamos o planejamento terapêutico e melhor momento para reavaliação e atuação de cada equipe.
Figura 1 – Realização de ablação por radiofrequência guiada por ultrassonografia simultânea a cirurgia hepática para tratamento multimodal de metástases de tumor colorretal
Diante da importância epidemiológica do diagnóstico que se apresenta com frequência nos consultórios e em situações de urgência – onde nem sempre temos acesso a opinião multidisciplinar em tempo hábil – esse artigo pretende mostrar os benefícios e desvantagens de cada estratégia disponível para oferecer ao paciente com tumor colorretal e metástase hepática sincrônica.
Os estudos sobre metástases hepáticas de tumores colorretais são numerosos e frequentemente há uma diferença regional de terminologia no assunto. Esse artigo se aplica a pacientes com metástase hepática já existente ou identificada logo ao estadiamento do tumor primário.
Figura 2 – Ressonância magnética demonstrando metástase hepática (seta amarela) sincrônica a um adenocarcinoma de cólon direito (seta azul).
Pacientes com tumor colorretal assintomáticos e metástases hepáticas ressecáveis
A maior parte dos especialistas clínicos e cirúrgicos recomenda a realização de quimioterapia pré-operatória – por cerca de 02 meses – seguida de tratamento cirúrgico caso boa resposta1. A cirurgia pode envolver a ressecção do primário em associação com hepatectomia desde que os cirurgiões estejam habilitados para tal e que as duas sejam cirurgias de médio porte. Casuísticas já demonstraram maior taxa de complicações perioperatórias e mortalidade em casos de cirurgia combinada envolvendo hepatectomias maiores2.
Pode-se, também, realizar ressecção do primário seguida de quimioterapia no intervalo entre as cirurgias; com ressecção hepática prevista para após cerca de 2 a 3 meses. Durante a primeira cirurgia a avaliação de doença hepática e confirmação anatomopatológica de metástases pode ser realizada, se necessário.
Figura 3 – Ultrassonografia laparoscópica intraoperatória. Recurso válido na identificação e planejamento intraoperatório de ressecções hepáticas.
Não houve diferença de sobrevida no período de 5 anos quando analisadas as opções; entretanto, destacamos que são dados de estudos retrospectivos em que pode ter havido viés de indicação de cirurgia do primário para pacientes com melhor performance e menor volume de doença oncológica. Por isso, o consenso entre os centros especializados é indicar a quimioterapia como primeiro tratamento1.
Pacientes com tumor colorretal assintomáticos e metástases hepáticas irressecáveis
É frequente que casos de tumores colorretais em pacientes com boa performance sejam submetidos a cirurgia como primeiro tratamento independente da presença de metástases hepáticas. Contudo, observa-se que o fator limitante para o possível tratamento curativo desses pacientes é a doença sistêmica manifestada no fígado3.
Dessa forma, orienta-se a realização de quimioterapia como primeiro tratamento, com reavaliação da resposta após 2 meses e programação da hepatectomia, se factível. Em 1996, Bismuth já demonstrou uma taxa de conversão de metástases hepáticas irressecáveis para ressecáveis em 16% com impacto em prognóstico (taxa de sobrevivência de 40% em 05 anos). Resultados mais recentes demonstram taxas de conversão de até 30%2.
A literatura demonstra que o desfecho dos pacientes que, ao final, foram submetidos às duas cirurgias é similar seja para os que iniciaram o tratamento com quimioterapia, seja para os que iniciaram com colectomia. Esse dado nos dá segurança para mantermos a lesão primária em tratamento com a quimioterapia e, ao mesmo tempo, perseguirmos a possibilidade de tratamento cirúrgico – simultâneo ou em etapas – de todas as lesões1.
Figura 4 – Além da redução das dimensões após a quimioterapia, observa-se alteração de sinal (aspecto cicatricial) e melhor delimitação dos limites da lesão; fatores que favorecem o procedimento cirúrgico
Pacientes com tumor colorretal sintomático e metástases hepáticas
Estima-se que cerca de 20 % de casos de tumor colorretal possuem seu diagnóstico e tratamento iniciado na urgência.5 Nesse contexto, é importante destacar o impacto do estadiamento completo frente a suspeita clínica de tumor colorretal. Caso seja seguro para o paciente, a realização de tomografia de abdome e tórax com contraste e a dosagem de antígeno carcinoembrionário antes de uma possível ressecção do tumor primário serão fundamentais durante o planejamento terapêutico oncológico.
As principais complicações que levam o paciente com tumor colorretal a urgência são obstrução intestinal, perfuração ou sangramento. Ainda que diante de um paciente metastático, precisamos considerar o paciente como potencialmente tratável e, portanto, oferecer uma cirurgia com princípios oncológicos ou uma derivação que permita adiar o tratamento com intenções curativas1.
Há consenso entre os especialistas que durante o contexto sintomático com obstrução ou perfuração não há espaço para envolver qualquer abordagem das metástases hepáticas.1
O sangramento no tumor colorretal raramente demanda cirurgia de urgência. Em geral, o sangramento pode ser solucionado com terapia transfusional seguido de quimioterapia precoce com boa resposta. Uma vez solucionado o sangramento, esses pacientes podem ser manejados conforme as estratégias acima.
As diferentes estratégias de tratamento cirúrgico
Tradicional
A estratégia da abordagem tradicional consiste na realização de colectomia como primeiro tratamento, seguida de quimioterapia e cirurgia hepática em 2-3 meses2. De um lado, esse caminho é mais seguro com a redução do risco de complicações do tumor primário. Por outro lado, é importante atentarmos para o risco de complicação durante a cirurgia de ressecção do primário que pode, e muitas vezes supera, o risco de intercorrências caso o mantenhamos sob tratamento quimioterápico.
Uma complicação perioperatória adiará o tratamento das metástases sistêmicas do paciente que é o que, de fato, definirá o seu prognóstico. Por isso, em casos de lesão hepática irressecável considerar fortemente início com quimioterapia que poderá proporcionar a oportunidade de um tratamento completo1.
Cirurgia simultânea
Há claros benefícios de se oferecer um tratamento combinado durante apenas um ato cirúrgico. Ser submetido a um único ato anestésico e um menor tempo de internação é uma possibilidade convidativa para o cirurgião e para o paciente. Entretanto, o tempo operatório prolongado e um maior risco de complicações perioperatórias são desvantagens já demonstradas e que, quando ocorrem, anulam esses benefícios.
Atualmente, a ressecção combinada está reservada para casos de colectomia simples e hepatectomias menores que podem ser realizadas em mesmo tempo cirúrgico por abordagem convencional ou videolaparoscópica. A incisão subcostal direita da hepatectomia permite a realização de colectomia direita oncológica, sendo essa a indicação mais frequente. Para casos de colectomia esquerda, a abordagem laparoscópica com ressecção de nódulos menores e periféricos é a mais empregada.
Já foi demonstrada maior mortalidade e morbidade na associação de colectomias oncológicas de grande porte (abordagem de mesorreto ou multiviscerais) e/ou hepatectomias maiores (ressecção de mais de 3 segmentos); sugerindo os limites desse tipo de estratégia.5
Figura 5 – A abordagem simultânea de tumor primário (cólon direito) e metástase hepática.
Liver-first ou Abordagem reversa
Abordagem é cada vez mais empregada e reservada para casos em que o tratamento oncológico completo dependerá de uma ressecção hepática maior e/ou resposta das lesões a quimioterapia.
Muito aplicada em casos de tumores de reto médio/baixo em que se realizará quimioterapia e radioterapia neoadjuvantes. Nesse intervalo, é possível iniciar o tratamento da doença hepática ao longo do tempo de resposta do primário a quimiorradioterapia1.
A desvantagem dessa estratégia é a atenção e acompanhamento dos sintomas do tumor primário ou de suas complicações, como obstrução intestinal e perfuração. Estudos mostram que a incidência dessas complicações locais nos pacientes assintomáticos em vigência de quimioterapia é baixa, mas não é nula.7
Referências
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Adenocarcinoma de vesícula biliar: Como proceder diante do diagnóstico inesperado
A colecistectomia é uma das cirurgias mais realizadas no mundo. Estima-se que nos Estados Unidos sejam feitas um número superior a 500.000 por ano, sendo a maioria dos procedimentos motivados por colelitíase. Outras alterações como pólipo de vesícula biliar > 1 cm e vesícula biliar em porcelana se somam a colelitíase como indicações frequentes para o procedimento. As três causas citadas são fatores de risco para adenocarcinoma de vesícula biliar – diagnóstico que, muitas vezes, se apresenta como uma surpresa desagradável no retorno do paciente ao cirurgião geral.
Dessa forma, no contexto de diagnóstico incidental, apontaremos nesse artigo quais são os detalhes importantes para a tomada de decisão no retorno e como obter o melhor desfecho oncológico dos pacientes elegíveis.
O que observar no laudo anatomopatológico?
O principal documento para tomada de decisão será o relatório anatomopatológico. Além do estadiamento, existem outros detalhes que podem nos trazer mais informações sobre o prognóstico do paciente e opções de tratamento após a colecistectomia.
É importante que o laudo contenha, além da profundidade de invasão:
Margem do ducto cístico: em caso de margem comprometida a cirurgia demandará a dissecção do ducto com congelação intraoperatória. Uma margem de ducto cístico positiva envolve a possibilidade de acometimento da via biliar principal e o resgate cirúrgico pode envolver uma reconstrução biliodigestiva.
Sítio da lesão: face peritoneal ou hepática da vesícula biliar
Anteriormente descrito como fator determinante para evolução do paciente, o sítio do tumor T2 passou a fazer parte do estadiamento na sua oitava atualização. Pacientes com lesão na face hepática apresentam maior disseminação linfonodal, invasão perineural e vascular; apresentando, portanto, uma menor sobrevida em 05 anos.
A reabordagem cirúrgica para ampliação de margem hepática e linfadenectomia do ligamento hepatogástrico e duodenal possui benefício em sobrevida para pacientes com estadiamento pT1b, pT2 e pT3. Os pacientes pT1a são considerados tratados adequadamente com uma colecistectomia (taxa de cura de 85 a 100%)1,2.
O acometimento secundário do linfonodo cístico (Mascagni), que frequentemente acompanha a vesícula biliar na colecistectomia comum, proporciona um pior prognóstico, mas não contraindica a reabordagem. Existem protocolos que defendem iniciar tratamento dos casos N+ com neoadjuvância, mas ainda sem resultados conclusivos.
O que faz diferença para decidir ampliar a ressecção?
Dados da cirurgia: Os melhores resultados de ampliação de margem hepática e linfadenectomia do hilo hepático se dá com cirurgiões afeitos a cirurgia hepatobiliopancreática ou em centros especializados em cirurgia oncológica. Caso o paciente seja elegível a ressecção, é importante que o cirurgião receba informações adicionais sobre a colecistectomia.
Dados como impressão de vesícula ou lesão remanescente, suspeita intra-operatória de Síndrome de Mirizzi em um contexto de colecistite aguda ou da estimativa intraoperatória do tamanho do ducto cístico remanescente podem auxiliar no planejamento da reoperação.
Perfuração da vesícula biliar: Pacientes que apresentaram perfuração da vesícula biliar durante o primeiro procedimento possuem desfecho oncológico significativamente pior1.
Investigação adicional Recomenda-se ao menos um exame de imagem axial contrastado – tomografia ou ressonância magnética – a fim de estadiamento oncológico e planejamento operatório. Nesse exame, avalia-se suspeita de lesão residual ou metástase, variações anatômicas da vascularização arterial hepática (presente em 25% da população)3 e linfonodos suspeitos para acometimento secundário.
Tratamento operatório
A reabordagem cirúrgica pode ser indicada por videolaparoscopia ou cirurgia aberta a depender da expertise do cirurgião. Caso opte-se por cirurgia aberta, iniciar o procedimento com uma laparoscopia diagnóstica pode trazer dados complementares ao estadiamento e evitar incisões/ morbidade desnecessária.
Linfadenectomia hilar: Recomenda-se realização da linfadenectomia do ligamento hepatogástrico e hepatoduodenal. Recomenda-se a ressecção de no mínimo 06 linfonodos para estadiamento adequado2.
Ressecção hepática: Em paciente sem evidência de doença macroscópica residual, recomenda-se uma ressecção da fossa da vesícula biliar – segmentos IVb e V – com profundidade de 2 cm. Ressecções mais extensas dependerão da lesão residual, acometimento vascular ou biliar e da ultrassonografia intraoperatória1,2.
Na busca por uma ressecção R0, hepatectomias major e ressecções vasculares apresentaram grande morbidade e, até o momento, contribuição modesta para a sobrevida desses pacientes.
Ressecção de portais laparoscópicos da primeira cirurgia: A ressecção dos portais foi sugerida com intenção de evitar implantes tumorais, na intenção de corrigir uma contaminação durante a primeira cirurgia. Entretanto, a prática não é mais encorajada. Estudos demonstraram ausência de benefício em sobrevida, com risco 15% de hérnia incisional4. Pacientes com evidência de lesão tumoral nos portais demonstraram desfecho semelhante a pacientes com metástase peritoneal.
Referências
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Amin, M. B., Edge, S.B., Greene, F. L., et al. AJCC Cancer Staging Manual. 8th ed. New York: Springer (2017)
Insulinoma: Estratégias diagnósticas e detalhes para o tratamento
O insulinoma é o tumor neuroendócrino pancreático funcionante mais frequente (55%), tem seu pico de ocorrência em pacientes na quinta década de vida (entre 40 e 50 anos) e uma discreta predominância entre as mulheres (1,4:1)1.
Os sintomas associados ao tumor se dividem entre adrenérgicos – ansiedade, tremores e agitação – e neuroglicopênicos como desorientação, alterações visuais e convulsões2. Devido a frequente ingestão alimentar para evitar a hipoglicemia acentuada durante o jejum, é frequente que os pacientes se apresentem com obesidade/sobrepeso ao diagnóstico.
Em 1938 foi descrita a tríade de Whipple: hipoglicemia documentada (<50mg/dL), sintomática e aliviada após ingesta calórica. Atualmente, a confirmação diagnóstica se dá com um teste clínico de jejum de 48 a 72 horas em que se coletam exames laboratoriais periodicamente. O perfil laboratorial demonstrará uma glicemia baixa em oposição a elevados níveis de insulina, pro-insulina e peptídeo C3. É fundamental para o diagnóstico se certificar que o paciente não faz uso de antidiabéticos orais como sulfonilureias ou insulina injetável.
A relação do insulinoma em síndromes endócrinas (NEM-1 e esclerose tuberosa) é conhecida e traz particularidades propedêuticas devido a um maior risco de tumores neuroendócrinos múltiplos ou insulinomas malignos4.
O tratamento recomendado é a excisão cirúrgica do tumor. A enucleação, bem como as pancreatectomias segmentares, são tratamentos reconhecidos uma vez que a grande maioria dos tumores são benignos. Dessa forma, a linfadenectomia se torna menos relevante que a preservação de parênquima pancreático a fim de evitar insuficiência exócrina ou endócrina1.
Dessa forma, este artigo pretende trazer uma análise dos diferentes exames diagnósticos utilizados nos casos do insulinoma e suas aplicações, além de uma lista de cuidados perioperatórios específicos para esses pacientes.
Métodos diagnósticos por imagem
Os métodos axiais com contraste são os mais utilizados para o estudo anatômico do pâncreas e suas relações vasculares. Dentre eles, a ressonância magnética, quando disponível, se provou mais sensível para localizar os insulinomas que se apresentam como nódulos hipervasculares na fase arterial, com hiperintensidade em T2 e hipointensidade em T1 em relação ao parênquima pancreático. Lesões menores podem ser localizadas mais facilmente nas fases de difusão5.
Um exame específico para tumores neuroendócrinos que se vale de seus receptores de somatostatina, o PET Galio 68 pode auxiliar em casos de suspeita clínica sem diagnóstico pelos métodos acima. É um exame adequado para a localização de insulinomas ectópicos que não foram visualizados no abdome superior5.
Métodos diagnósticos invasivos
Ecoendoscopia: Exame para avaliação do parênquima pancreático em busca de lesões subcentimétricas, usado por alguns autores como o primeiro exame para se localizar o insulinoma. Oferece sensibilidade ainda maior nas lesões da cabeça do pâncreas e processo uncinado.
No laudo de uma suspeita de insulinoma é importante constar, se possível, a mensuração do tumor, sua localização e a distância de estruturas vasculares relevantes (junção espleno-mesentérica), e da proximidade do ducto pancreático principal (auxiliar a decisão operatória de enuclear a lesão).1
A punção por agulha é dispensável na grande maioria dos casos. O paciente sintomático com lesão esporádica não precisa de confirmação anatomopatológica para o tratamento. Nas síndromes endócrinas, tanto os tumores neuroendócrinos funcionantes quanto os não funcionantes podem expressar marcadores imuno-histoquímicos para insulina. Dessa forma, esse exame não é adequado para diferenciá-los. 6
Em lesões não periféricas ou intrapancreáticas de difícil localização, o cirurgião pode solicitar uma tatuagem com azul de metileno para facilitar a localização intraoperatória.
Cateterismo arterial pancreático seletivo (SACS)
O exame consiste no posicionamento de um cateter coletor na veia hepática direita para coleta do nível sanguíneo de insulina após os estímulos arteriais.
Em seguida, após cateterização arterial seletiva, injeta-se gluconato de cálcio nas artérias peripancreáticas com poder de topografar a lesão caso a insulinemia dobre dentro de 3 minutos após a injeção.
Tumor na corpo/cauda do pâncreas: Positivo após injeção na artéria esplênica
Tumor na cabeça pancreática ou processo uncinado: Positivo após injeção na artéria gastroduodenal ou mesentérica superior
Metástase hepática oculta: Positivo após injeção na artéria hepática própria
O exame é usado sobretudo em casos de síndromes endócrinas e de tumores neuroendócrinos múltiplos em que se deseja identificar qual a lesão metabolicamente ativa.1
Tratamento operatório
A definição de via operatória depende da expertise do cirurgião. É importante destacar que para o acesso laparoscópico, sobretudo de nodulectomias e pancreatectomias distais, é necessário um planejamento detalhado do local da secção pancreática. A conversão para cirurgia aberta está justificada nos casos de imprecisão.7
A ultrassonografia intra-operatória é uma aliada do cirurgião de fígado e pâncreas e que, nesse contexto, certifica a localização tumoral e a proximidade com ducto pancreáticos nos casos em que se aventa enucleação. Dessa forma, o exame proporciona maior segurança ao procedimento, reduzindo risco de fístula pancreática e permitindo preservação de parênquima pancreático quando possível.
Na cirurgia convencional a inspeção e palpação do órgão pode identificar o tumor que tem uma textura e consistência fibroelástica em um parênquima pancreático mais macio. Para os casos em que se planeja a enucleação, a cápsula do tumor pode ser um parâmetro para o plano de dissecção, e o uso de clipes ou ligaduras é encorajado para que se evite lesão térmica do ducto. 1
Cuidados perioperatórios com a glicemia
Devido ao jejum pré-operatório e a possibilidade de motivar sintomas, encorajamos o uso de soro de manutenção calórica para reduzir eventos de hipoglicemia.
Durante o procedimento, um aumento em 30 mg/dL do platô glicêmico ocorre em até 30 minutos após a ressecção do tumor metabolicamente ativo. A alteração glicêmica somada a análise macroscópica da peça durante o intraoperatório pode confirmar o sucesso do procedimento.
Espera-se um aumento da glicemia nas primeiras 24 horas do procedimento, período em que costumeiramente mantêm-se o soro de manutenção calórica. O monitoramento da glicemia é importante durante a hospitalização e nos primeiros dias após a alta médica. Durante as semanas que sucedem a cirurgia, pode acontecer um aumento da glicemia que demande, inclusive, uso temporário de insulina. 1
Alternativas para tratamento
Em pacientes não candidatos a cirurgia, podemos realizar tratamento clínico com diazoxida (dose inicial de 50 – 300 mg/dia) e análogos da somatostatina (octreotide). Devido a efeitos colaterais dessas medicações, a sua prescrição deve ser feita por profissionais com experiência como endocrinologistas ou oncologistas. As mesmas medicações podem ser utilizadas como tratamento sintomático antes do procedimento ou paliativo no contexto de insulinomas malignos irressecáveis ou metastáticos.2
Tratamento radioablativos endoscópicos ou percutâneos tem emergido como possíveis alternativas em caso de pacientes não candidatos a cirurgia devido a condições clínicas, desde que se preserve uma distância mínima de 3 mm em relação ao ducto principal.
Como citar este artigo
Magalhães, DP. Insulinoma: Estratégias diagnósticas e detalhes para o tratamento. Gastropedia 2022. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/insulinoma-estrategias-diagnosticas-e-detalhes-para-o-tratamento
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Microcálculos e barro biliar – Quais seus valores para a prática clínica?
A doença calculosa da vesícula biliar é responsável por grande volume das cirurgias eletivas dentro do nosso sistema de saúde e as complicações da doença biliar geram inúmeros atendimentos e internações de urgência: colecistite aguda, pancreatite aguda biliar, coledocolitíase e colangite aguda.
Nos Estados Unidos há dados que demonstram prevalência de colelitíase de 6% na população masculina e 9% em pacientes do sexo feminino. Há poucos estudos nacionais, cada um demonstrou prevalência variável, mas todos acima de 5% da população brasileira e com predominância no sexo feminino.
Dentre as suas formas de apresentação, o barro biliar e a microlitíase são achados menos frequentes e discute-se se seriam um passo intermediário na formação dos cálculos biliares. Nesse artigo descreveremos seus conceitos e principais repercussões clínicas.
Barro Biliar
O barro biliar é mais comumente formada de cristais de colesterol a partir da estase biliar, mas sua composição pode variar de acordo com a etiologia2 (complexos de cálcio-ceftriaxone, por exemplo).
Frequentemente relatado em situações específicas que predispõem estase biliar ou formação de cristais como: nutrição parenteral, doentes críticos, uso de ceftriaxone e gestação como exemplos mais comuns. Nessas situações, o barro biliar possui potencial reversível e, caso paciente não apresente complicações da doença biliar, recomenda-se observação até a retirada do fator causal.
Descrito principalmente como um achado ultrassonográfico, a vesícula biliar apresenta um conteúdo hipoecogênico que se deposita formando nível em relação a bile mais fluída e sem formar sombra acústica posterior. O barro biliar muda de posição lentamente de acordo com o decúbito do paciente.
Em estudos observacionais apresenta evolução variável, podendo regredir espontaneamente em até 20% dos casos seguidos por 3 anos. Entretanto, em paciente elegíveis; recomenda-se o tratamento cirúrgico preferencialmente a colecistectomia videolaparoscópica quando há sintomas compatíveis com obstrução biliar ou se vigência de doença biliar complicada.
Microlitíase
É definida como presença de cálculos menores que 3 mm. Devido a suas dimensões possui difícil visualização via ultrassonografia transabdominal. Assim, situações clínicas de alta suspeita de litíase biliar com ultrassonografia transabdominal negativa podem ser melhor esclarecidas via ecoendoscopia (exame que pode chegar a sensibilidade de 95% para esse diagnóstico). 4
Como esse achado depende, muitas vezes, de um exame de alta complexidade e pouco disponível como a ecoendoscopia; a quase totalidade do casos de microlitíase são de pacientes com sintomas de cólica biliar ou após doença biliar complicada. Além disso, acredita-se que os microcálculos possuem um maior potencial de migração devido às suas dimensões. Por isso, recomenda-se o tratamento cirúrgico preferencialmente a colecistectomia videolaparoscópica
Por fim, é importante ressaltar que a literatura disponível para essas formas de apresentação da doença calculosa da vesícula biliar é focada em paciente sintomáticos ou em investigação etiológica de doença biliar complicada. Dessa forma, onde se tem maior disponibilidade de exames no contexto de paciente assintomático, recomenda-se cautela frente a esses achados para não oferecermos procedimentos fúteis ao paciente.
Referências
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Ko, C. W., Sekijima, J. H. & Lee, S. P. Biliary sludge. Ann. Intern. Med.130, 301–311 (1999).
Dill, J. E. et al. Combined Endoscopic Ultrasound and Stimulated Biliary Drainage in Cholecystitis and Microlithiasis – Diagnoses and Outcomes. Endoscopy27, 424–427 (1995).
Lammert, F. et al. EASL Clinical Practice Guidelines on the prevention, diagnosis and treatment of gallstones. J. Hepatol.65, 146–181 (2016).