Conduta nos pólipos de vesícula biliar: quando fazer seguimento e quando indicar a colecistectomia?

Os pólipos na vesícula biliar são achados comuns em exames de ultrassonografia abdominal, aparecendo em cerca de 4,5% dos adultos. Enquanto a maioria deles não apresenta potencial maligno, uma pequena porcentagem – entre 4% e 10% – são adenomas, que podem se tornar malignos.

Estudos mostram que o tamanho do pólipo é o principal fator de risco para o desenvolvimento de câncer, especialmente quando os pólipos adenomatosos têm 10 milímetros ou mais, apresentando uma chance de malignidade entre 37% e 55%.

No entanto, é difícil diferenciar entre pólipos adenomatosos e pólipos sem potencial maligno nos exames pré-operatórios. Por isso, é importante o gastroenterologista saber a correta indicação da cirurgia em pacientes com pólipos da vesícula biliar a fim de evitar um procedimento cirúrgico desnecessário nos pacientes sem risco e, principalmente, indicando corretamente o procedimento na população com maior risco de malignidade.

Em um artigo anterior, descrevemos os principais tipos de pólipos de vesícula biliar, suas características clinicas e ultrassonograficas: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/hepatopancreatobiliar/polipos-de-vesicula-biliar/

Nesse artigo, vamos resumir as indicações de seguimento e tratamento dos pólipos de vesícula biliar.

PACIENTES SINTÓMATICOS

Os pólipos de vesícula raramente causam sintomas, porém alguns estudos relataram associação entre pólipos de vesícula e cálculos não detectados na ultrassonografia e/ou colecistite. O guideline conjunto europeu de 2022 recomenda colecistectomia para pacientes que apresentam sintomas como cólica biliar ou complicações (ex: pancreatite) e que apresentam condições clínicas favoráveis a cirurgia 1 . A taxa de melhora dos sintomas é variável na literatura (40-90% de melhora).

Pacientes com sintomas dispépticos não específicos sem cólica biliar devem ser tratados de forma conservadora (a menos que haja outras indicações para a remoção do pólipo), já que a patogênese desses sintomas não é clara e a colecistectomia pode não aliviar os sintomas. Esses pacientes devem ser tratados sintomaticamente, assim como outros pacientes com dispepsia funcional.

PACIENTES ASSINTOMÁTICOS COM FATORES DE RISCO PARA CÂNCER DE VESÍCULA BILIAR

Os fatores de risco para câncer de vesícula biliar incluem:

  • idade >60 anos
  • colangite esclerosante primária
  • etnia asiática
  • pólipos sésseis com espessura focal da parede da vesícula >4 mm

A conduta vai depender do tamanho do pólipo:

  • Pólipos ≤5 mm: ultrassonografia de vigilância com 6 meses, 1 ano e 2 anos. Follow-up pode ser interrompido se não houver crescimento nesse período.
  • Pólipos de 6 a 9 mm: recomendada colecistectomia se o pacientes estiver clinicamente apto e aceitar a cirurgia.
  • Pólipos de 10 a 20 mm: Pólipos de 10 a 20 mm devem ser considerados como possivelmente malignos. A colecistectomia laparoscópica é recomendada.
  • Pólipos >20 mm: geralmente são malignos. Os pacientes devem realizar estadiamento pré-operatório com tomografia computadorizada ou ultrassonografia endoscópica. O tratamento radical constitui colecistectomia estendida com dissecção de linfonodos e ressecção hepática parcial no leito da vesícula biliar.

PACIENTES ASSINTOMÁTICOS SEM FATORES DE RISCO PARA CÂNCER DE VESÍCULA BILIAR

Em pacientes assintomáticos e sem fatores de risco para câncer de vesícula biliar, as recomendações de vigilância variam de acordo com o tamanho do pólipo.

  • Para pólipos ≤5 mm: não é necessário acompanhamento. *
  • Para pólipos de 6 a 9 mm: realizar ultrassonografia de abdômen com 6 meses, 1 ano e 2 anos. Vigilância pode ser interrompida se não houver crescimento nesse período.

* Essa estratégia está alinhada com as condutas do American College of Radiology 2 e com Canadian Association of Radiologists Incidental Findings Working Group 3 , que recomendam que pólipos menores do que 7 mm não necessitam acompanhamento.

CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES EM PACIENTES SUBMETIDOS À VIGILÂNCIA

1. Aumento no tamanho do pólipo

O guideline conjunto europeu de 2017 recomendava que:

  • Um aumento de tamanho superior a 2 mm nas imagens provavelmente representa um aumento clinicamente relevante e deve motivar encaminhamento a um cirurgião para colecistectomia.

Já a atualização deste guideline em 2022 recomenda que:

  • Se a lesão polipoide crescer 2 mm ou mais durante o período de acompanhamento de 2 anos, então o tamanho atual da lesão polipoide deve ser considerado juntamente com os fatores de risco do paciente. Discussão multidisciplicar deve ser realizada para decidir se vale a pena continuar a vigilância ou se a colecistectomia está indicada.

Um importante trabalho retrospectivo publicado em 2019 incluindo mais de 600.000 adultos submetidos a colecistectomia mostrou que:

  • O crescimento de 2 mm ou mais parece fazer parte da história natural dos pólipos de vesícula biliar.

    • A probabilidade de um pólipo crescer pelo menos 2 mm em 10 anos foi de 66% para pólipos menores que 6 mm e 53% para pólipos entre 6- 10mm.
    • Importante: esse crescimento não parece estar associado ao futuro câncer de vesícula biliar. Nenhum dos 507 pacientes com pólipos que cresceram para 10 mm ou mais foi subsequentemente diagnosticado com câncer.

  • O primeiro ano é o mais importante:

    • A maioria dos casos de Ca de vesícula foi diagnosticada no primeiro ano, provavelmente representando neoplasias já existentes no momento do diagnóstico.
    • Pólipos inicialmente menores que 10 mm quase nunca foram associados a futuros casos de Ca de vesícula (taxa 1,05 por 100.000 pessoas-ano)
    • Pólipos com ≥ 10 mm no diagnóstico raramente foram associados a Ca vesícula após o primeiro ano.

A cereja do bolo desse estudo:

  • Além disso, observamos que proporções semelhantes de adultos foram diagnosticadas com Ca de vesícula (0,053% vs. 0,054%), quer uma ultrassonografia inicial tenha mostrado ou não um pólipo de vesícula. Esses achados sugerem que pode não haver uma ligação geral entre pólipos de vesícula e neoplasia de vesícula, e que os pólipos de vesícula são um achado incidental.

2. Duração da vigilância

A duração da vigilância em pacientes com câncer de vesícula biliar não está clara. As diretrizes atualizadas conjuntas europeias recomendam interromper a vigilância em dois anos se não houver crescimentos dos pólipos. Alguns autores recomendam manter a vigilância por pelo menos cinco anos. No entanto, em pacientes com fatores de risco para câncer de vesícula biliar, devemos manter a vigilância para câncer de vesícula biliar com USG abdominal indefinidamente.

3. Adenomiomatose

Pacientes com características típicas de adenomiomatose na ultrassonografia não necessitam de vigilância ou colecistectomia.

4. Se durante o acompanhamento o pólipo da vesícula biliar desaparecer

Se durante o acompanhamento o pólipo da vesícula biliar desaparecer, a vigilância de acompanhamento pode ser interrompida.

Referências

  1. Foley KG, Lahaye MJ, Thoeni RF, Soltes M, Dewhurst C, Barbu ST, Vashist YK, Rafaelsen SR, Arvanitakis M, Perinel J, Wiles R, Roberts SA. Management and follow-up of gallbladder polyps: updated joint guidelines between the ESGAR, EAES, EFISDS and ESGE. Eur Radiol. 2022 May;32(5):3358-3368. doi: 10.1007/s00330-021-08384-w. Epub 2021 Dec 17. PMID: 34918177; PMCID: PMC9038818.
  2. Sebastian S, Araujo C, Neitlich JD, Berland LL (2013) Manag- ing incidental findings on abdominal and pelvic CT and MRI, Part 4: white paper of the ACR Incidental Findings Commit- tee II on gallbladder and biliary findings. J Am Coll Radiol 10(12):953–956
  3. Bird JR, Brahm GL, Fung C, Sebastian S, Kirkpatrick IDC (2020) Recommendations for the management of incidental hepatobiliary findings in adults: endorsement and adaptation of the 2017 and 2013 ACR Incidental Findings Committee White Papers by the Canadian Association of Radiologists Incidental Findings Working Group. Can Assoc Radiol J 71(4):437–447
  4. Szpakowski JL, Tucker LY. Outcomes of Gallbladder Polyps and Their Association With Gallbladder Cancer in a 20-Year Cohort. JAMA Netw Open. 2020 May 1;3(5):e205143. doi: 10.1001/jamanetworkopen.2020.5143. PMID: 32421183; PMCID: PMC7235691.

Como citar este artigo

Martins BC. Conduta nos pólipos de vesícula biliar: quando fazer seguimento e quando indicar a colecistectomia? Gastropedia 2024; vol 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/conduta-nos-polipos-de-vesicula-biliar-quando-fazer-seguimento-e-quando-indicar-a-colecistectomia/




Neoplasia Pseudopapilar Sólida do Pâncreas (Tumor de Frantz)

A Neoplasia Pseudopapilar Sólida do Pâncreas (NPSP), conhecida previamente como Tumor de Frantz, é um tumor geralmente benigno, porém com potencial de malignidade. Estas lesões são raras, representando menos de 2% das neoplasias pancreáticas. Predominam em mulheres jovens (20-30 anos), sendo geralmente assintomáticas. Quando há sintomas, o principal deles é a dor abdominal. Geralmente são encontrados de forma incidental em exames de imagem como tomografia computadorizada e ressonância magnética. Nesse artigo, vamos resumir as principais características desta neoplasia.

Apresentação Clínica:

No passado, a maioria dos casos desta neoplasia eram sintomáticos (80%). No entanto, com a utilização disseminada dos métodos de imagem, houve grande aumento dos achados incidentais em pacientes assintomáticos, que atualmente representam cerca de 50% dos casos. O sintoma mais comum é dor abdominal, seguido de náuseas, vômitos e perda de peso. Outros sintomas menos frequentes incluem icterícia e pancreatite. Alguns pacientes podem apresentar massa palpável, visto que a lesão não costuma causar sintomas nos estágios iniciais.

  • Representam menos de 2% das neoplasias pancreáticas.
  • Predominantes em mulheres jovens (20-30 anos).
  • Geralmente são assintomáticos.
  • Principal sintoma: dor abdominal.
  • Diagnósticos incidentais em TC, RM e US.

Características nos exames de imagem:

  • As NPSP podem aparecer como uma lesão pancreática mista, sólida e cística, em imagens de TC e RNM.
  • Também podem aparecer como tumores sólidos bem demarcados.
  • Num estudo das características de RM de pequenos tumores sólidos do pâncreas, os NPSP apresentavam uma intensidade de sinal significativamente mais baixa nas imagens ponderadas em T1, uma intensidade de sinal mais elevada nas imagens ponderadas em T2 e um realce heterogêneo e progressivo precoce na RM, em comparação com os adenocarcinomas e os tumores neuroendócrinos.

Características Endoscópicas (EUS):

  • Lesões geralmente são bem demarcadas (aspecto encapsulado), hipoecogênicas e de aparência sólida.
  • Podem ter áreas císticas de permeio, proporcionando uma imagem heterogênea, ou ser predominantemente císticas.
  • Podem ser encontradas em qualquer lugar do pâncreas: cabeça, corpo, cauda e processo uncinado.
  • Calcificações podem estar presentes em até 20% dos casos.
  • Outra característica que pode ser encontrada é a presença de vasos no interior do tumor, que podem ser visíveis como pequenas estruturas hiperecogênicas que atravessam a lesão.

Diagnóstico por EUS-FNA:

  • O fluido aspirado do cisto é tipicamente sanguinolento.
  • Sensibilidade: 80-90%, Especificidade: 85-96%.
  • Fornece informações morfológicas para planejamento cirúrgico.

Características Histológicas e Marcadores Moleculares:

  • A citologia é diagnóstica em 75% dos casos.
  • Apresentam estrutura complexa de células poligonais.
  • A disposição das células tumorais ao redor dos vasos capilares confere à lesão uma aparência “pseudopapilar” irregular.
  • A análise citológica revela papilas ramificadas características com estroma mixoide.
  • A análise imuno-histoquímica, incluindo vimentina, CD10 e beta-catenina, auxilia a diferenciação entre uma NPSP e um tumor neuroendócrino pancreático.

Características Sugestivas de Malignidade:

  • Tamanho > 5 cm.
  • Mitoses frequentes.
  • Índice Ki-67 elevado (> 5%).
  • Invasão vascular ou linfática.
  • Presença de necrose.
  • Presença de metástases à distância.

Tratamento e Prognóstico:

  • Ressecção cirúrgica completa é a abordagem definitiva, devido ao potencial de malignização.
  • Escolha cirúrgica é baseada na localização (duodenopancreatectomia ou pancreatectomia distal).
  • Sobrevida pós-operatória próxima de 95%, com necessidade de monitoramento.
  • Acompanhamento a longo prazo é essencial para identificar recorrências.

Referências:

  1. Arief Suriawinata.Pathology of exocrine pancreatic neoplasms. Uptodate 2023. Disponivel em: https://www.uptodate.com/contents/pathology-of-exocrine-pancreatic-neoplasms.
  2. Asif Khalid, Kevin McGrath. Pancreatic cystic neoplasms: Clinical manifestations, diagnosis, and management. Uptodate 2022. Disponivel em: https://www.uptodate.com/contents/pancreatic-cystic-neoplasms-clinical-manifestations-diagnosis-and-management.
  3. Okasha, H., Abbas, W., Altonbary, A. et al. Role of endoscopic ultrasonography in the diagnosis of solid pseudo-papillary neoplasm: Egyptian multi-centric case series and systematic review. Egypt J Intern Med 34, 9 (2022). https://doi.org/10.1186/s43162-022-00105-z

Como citar este artigo

Passos HL, Souza CS, Martins BC. Neoplasia Pseudopapilar Sólida do Pâncreas (Tumor de Frantz). Gastropedia 2024 Vol. 1 Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/hepatopancreatobiliar/neoplasia-pseudopapilar-solida-do-pancreas-tumor-de-frantz




Prevenindo novos episódios de diverticulite aguda: quando tratar clinicamente e quando operar?

Introdução

A diverticulite aguda é um problema gastrointestinal comum e recorrente que se caracteriza pela inflamação de um ou mais divertículos no cólon. Ela pode ocorrer tanto em formas leves quanto graves, podendo causar complicações como fístulas, estenoses e perfurações intestinais. Estudos mostram que o risco de recorrência varia de 20% a 40% e que frequentemente a recorrência acontece nos primeiros 12 meses após o episódio inicial. Desta forma, é importante discutirmos as abordagens de prevenção secundária e indicar quando é apropriado recorrer à cirurgia.

Se quiser saber mais sobre a fisiopatologia da diverticulite aguda e outras compicações da doença diverticular, confira esse post: Doença diverticular do cólon: epidemiologia e fisiopatologia

Se quiser saber mais sobre o tratamento da diverticulite aguda, confira esse post: Tratamento da Diverticulite Aguda

Fisiopatologia da diverticulite aguda
Fisiopatologia da diverticulite aguda: Alterações da microbiota, perda da função de barreira, inflamação e trauma causado por fecalito são os principais mecanismos propostos para a diverticulite aguda.

Intervenções Dietéticas

Fibras Alimentares

A abordagem alimentar é frequentemente considerada a primeira linha de ação na prevenção de novos episódios. As diretrizes da American Gastroenterological Association (AGA) sugerem uma dieta rica em fibras para pacientes com histórico de diverticulite aguda [1]. No entanto, a qualidade da evidência por trás dessa recomendação é baixa. Alguns estudos mostram que a dieta rica em fibras não é eficaz na prevenção de episódios recorrentes ou no tratamento de sintomas gastrointestinais recorrentes em comparação com uma dieta padrão ou pobre em fibras.

Probióticos

Os probióticos são outra intervenção dietética em potencial, embora a falta de evidência sólida impeça sua recomendação para a prevenção secundária de diverticulite. Até o momento, os estudos disponíveis não forneceram dados convincentes sobre sua eficácia.

Terapias Farmacológicas

Mesalazina

A mesalazina, um anti-inflamatório não esteroide, foi extensivamente estudada para sua eficácia na prevenção de episódios recorrentes de diverticulite. Uma meta-análise envolvendo 2.461 pacientes não conseguiu demonstrar uma redução significativa nas taxas de recorrência em comparação com um placebo. No entanto, um estudo de menor escala (DIVA), apontou que a mesalazina poderia ter efeitos benéficos na minimização da gravidade dos sintomas e aceleração da recuperação [3].

Rifaximina

Outra opção terapêutica é a rifaximina, um antibiótico com baixa absorção. Alguns estudos mostraram que a rifaximina, quando usada em conjunto com suplementos de fibra, conseguiu reduzir significativamente o risco de recorrência. A associação de rifaximina com mesalazina parece ter melhor resultado do que a rifaximina sozinha (taxa de recorrência 2,7% vs 13,0%), sugerindo uma potencial sinergia entre as duas drogas.

Tratamento Cirúrgico

A abordagem para a cirurgia eletiva em pacientes com diverticulite aguda tem evoluído ao longo do tempo. Anteriormente, a cirurgia era recomendada principalmente após episódios recorrentes e complicados, como obstrução e formação de fístulas, especialmente após duas crises que necessitavam de hospitalização. No entanto, tanto as diretrizes da ASCRS como alguns estudos recentes, sugerem uma abordagem mais individualizada [6].

O número de episódios já não é mais o único critério para a decisão cirúrgica. Idade, condições médicas coexistentes, gravidade do episódio e sintomas persistentes também devem ser considerados. Esta mudança ocorre porque a maioria dos episódios recorrentes apresenta um curso benigno e somente uma minoria (5%) requer cirurgia urgente. Estes episódios recorrentes parecem apresentar menor risco de perfuração, talvez pela formação de aderências causadas pela inflamação pregressa.

É importante notar que, apesar da morbidade pós-operatória (10-15%) e do risco residual de recorrência da doença, estudos como o ensaio DIRECT demonstraram que a qualidade de vida melhora significativamente após a cirurgia em comparação com o manejo conservador [5]. No entanto, o manejo conservador resulta em mais reinternações devido à recorrência da doença.

A colectomia laparoscópica é o método cirúrgico recomendado, dadas suas vantagens em termos de menor morbidade e recuperação mais rápida. As principais indicações para a cirurgia incluem estenose, fístulas, hemorragia diverticular recorrente, pacientes jovens, pacientes imunossuprimidos e a impossibilidade de excluir carcinoma. Idealmente deve-se aguardar pelo menos 6 semanas após o episódio de agudização para realizar a cirurgia eletiva.

Por fim, é fundamental a discussão multidisciplinar para uma tomada de decisão informada, levando em consideração o perfil de risco cirúrgico, a necessidade de imunossupressão e a preferência do paciente.

Conclusão

A abordagem terapêutica para prevenir novos episódios de diverticulite aguda deve ser individualizada, considerando a gravidade e a frequência dos sintomas, o perfil de risco cirúrgico e as preferências do paciente. Novas pesquisas são necessárias para solidificar as melhores práticas em prevenção secundária, incluindo a eficácia de diferentes regimes farmacológicos e abordagens cirúrgicas.

Referências

  1. Stollman N et al. American Gastroenterological Association Institute Guideline on the Management of Acute Diverticulitis. Gastroenterology 149, 1944–1949 (2015). [PubMed: 26453777]
  2. Khan RMA, Ali B, Hajibandeh S & Hajibandeh S Effect of mesalazine on recurrence of diverticulitis in patients with symptomatic uncomplicated diverticular disease: a meta-analysis with trial sequential analysis of randomized controlled trials. Colorectal Disease 20, 469–478 (2018). [PubMed: 29520987]
  3. Stollman N, Magowan S, Shanahan F, Quigley EMM & DIVA Investigator Group. A randomized controlled study of mesalamine after acute diverticulitis: results of the DIVA trial. J. Clin. Gastroenterol. 47, 621–629 (2013). [PubMed: 23426454]
  4. Tursi A, Brandimarte G & Daffinà R Long-term treatment with mesalazine and rifaximin versus rifaximin alone for patients with recurrent attacks of acute diverticulitis of colon. Digestive and Liver Disease 34, 510–515 (2002). [PubMed: 12236485]
  5. Bolkenstein HE, Consten ECJ, van der Palen J, van de Wall BJM, Broeders IAMJ, Bemelman WA, Lange JF, Boermeester MA, Draaisma WA; Dutch Diverticular Disease (3D) Collaborative Study Group. Long-term Outcome of Surgery Versus Conservative Management for Recurrent and Ongoing Complaints After an Episode of Diverticulitis: 5-year Follow-up Results of a Multicenter Randomized Controlled Trial (DIRECT-Trial). Ann Surg. 2019 Apr;269(4):612-620. doi: 10.1097/SLA.0000000000003033. PMID: 30247329.
  6. Hall J, Hardiman K, Lee S, Lightner A, Stocchi L, Paquette IM, Steele SR, Feingold DL; Prepared on behalf of the Clinical Practice Guidelines Committee of the American Society of Colon and Rectal Surgeons. The American Society of Colon and Rectal Surgeons Clinical Practice Guidelines for the Treatment of Left-Sided Colonic Diverticulitis. Dis Colon Rectum. 2020 Jun;63(6):728-747.
  7. Tursi A, Scarpignato C, Strate LL, Lanas A, Kruis W, Lahat A, Danese S. Colonic diverticular disease. Nat Rev Dis Primers. 2020 Mar 26;6(1):20. doi: 10.1038/s41572-020-0153-5. PMID: 32218442

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Martins BC e Camargo MGM. Prevenindo Novos Episódios de Diverticulite Aguda: Quando Tratar Clinicamente e Quando Operar? 2023; vol 2. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/colorretal/prevenindo-novos-episodios-de-diverticulite-aguda-quando-tratar-clinicamente-e-quando-operar/




Tratamento da Diverticulite Aguda

A doença diverticular do cólon é uma causa importante de internações hospitalares e acarreta custos significativos no sistema de saúde das sociedades ocidentais e industrializadas. A fisiopatologia e epidemiologia da diverticulite já foi abordada anteriormente no Gastropedia nesse outro post. Nesse artigo vamos abordar o tratamento da diverticulite aguda.

A primeira decisão acerca do tratamento de um paciente com diverticulite envolve determinar a necessidade de internação ou não.

A diverticulite aguda apresenta-se de forma leve na maioria dos casos. Pacientes com sintomas leves de dor abdominal, sem queda do estado geral, com trânsito intestinal normal e capazes de aceitar dieta oral e com cognição razoável para entender as explicações sobre as indicações de sofrer reavaliação podem ser tratados sem hospitalização. O tratamento ambulatorial é habitualmente eficaz e menos de 10% dos pacientes são readmitidos.

Quadros leves – pacientes não hospitalizados

O tratamento para pacientes não hospitalizados apresenta algumas divergências entre os guidelines e pode incluir dieta líquida (ou leve), hidratação oral e antibióticos (ou não – leia mais sobre o tema clicando aqui ).

Nossa recomendação:

  • dieta líquida sem resíduos;
  • controle da dor com analgésicos e antiespasmódicos;
  • antibióticos de largo espectro por 7-10 dias. Os antibióticos devem cobrir a flora gastrointestinal de gram-negativos e bactérias anaeróbias;
  • a maioria dos estudos recomenda como primeira linha a combinação de fluroquinolona (ciprofloxacina 200-400mg/12h) e metronidazol (500mg/8h);
  • como alternativa ao metronidazol pode se recorrer à clindamicina (lembrar que estamos falando de ATB vo).

Quando devemos internar?

As seguintes situações reforçam a necessidade de internação hospitalar:

  • Diverticulite complicada (perfuração franca, abscesso, obstrução, fístula, etc);
  • Sinais de sepse: temperatura >38C, FC > 90, FR > 20, Leucocitose ou leucopenia importante, PCR > 15 md/dL;
  • pacientes com maior risco (muito idosos, diabéticos, insuficiência cardíaca, doença renal crônica, doença pulmonar obstrutiva crônica, obesos, com doença do tecido conjuntivo ou imunossuprimidos, aqueles em corticoterapia prolongada);
  • pacientes incapazes de tolerar dieta e hidratação oral;
  • dor abdominal importante, com suspeita de complicações;
  • pacientes sem melhora com tratamento ambulatorial inicial.

Todos os pacientes submetidos a internação devem se submeter a TC e receber ATBterapia.

Tratamento dos pacientes hospitalizados

No tratamento dos pacientes hospitalizados, o jejum (hidratação EV) ou a dieta líquida ou leve são considerados pelos diferentes guidelines a depender do grau da complicação.

Em relação a antibioticoterapia, a via de acesso também é motivo de divergência entre os diversos guidelines, podendo ser utilizado por via oral ou endovenosa. O tempo de uso também varia entre 4 a 10 dias.

Nossa recomendação nos casos não complicados:

  • Antibioticoterapia EV (podendo ser alterada para VO quando boa aceitação da dieta no terceiro ao quarto dia), incluindo cobertura para gram positivos, gram negativos, anaeróbios e aeróbios.
  • Os esquemas antibióticos mais utilizados são ciprofloxacino (ou Ceftraxione) associado a metronidazol, ou ampicilina + gentamicina + metronidazol.
  • Melhora sintomática e laboratorial deve ser esperada em dois a quatro dias quando a dieta pode ser avançada.
  • Pacientes sem complicações e que apresentem boa condição clínica podem receber alta e é sugerido completar o uso de antibiótico por pelo menos 7 dias, se estendendo até 14 dias em casos selecionados.

Abordagem do abscesso diverticular (Hinchey I e II)

  • A escolha do tratamento depende muito do tamanho do abscesso, da sua localização, se está acessível para drenagem percutânea e a apresentação clínica do doente.
  • Abscessos > 3 cm são tratados principalmente com drenagem percutânea, antibioterapia IV, dieta líquida e controle da dor.
  • A melhoria significativa na temperatura, dor abdominal e leucocitose geralmente é observada dentro de 48 horas após o início do tratamento.
  • A intervenção cirúrgica pode tornar-se necessária se o abscesso não for acessível para drenagem ou se os sintomas persistirem ou piorarem, mesmo com a drenagem. Assim, a cirurgia de urgência com ressecção, continua a ser a única opção bem documentada se o doente estiver instável ou se o tratamento clínico falhar.
  • As contraindicações à drenagem percutânea são: peritonite purulenta ou fecal difusa ou coleção sem acesso por abordagem percutânea.
  • A drenagem percutânea trata com sucesso 80% dos doentes.

Abordagem de perfuração livre (Hinchey III e IV)

  • Os doentes com peritonite generalizada purulenta (Hinchey III) ou peritonite fecal (Hinchey IV) são tipicamente doentes com sintomas e sinais de sepse.
  • A fluido terapia agressiva imediata e antibióticos IV de amplo espetro devem ser administrados imediatamente.
  • As taxas de mortalidade relatadas são 6% para peritonite purulenta e 35% para peritonite fecal.
  • A intervenção cirúrgica de emergência é necessária para controlar a origem da sepse.

Indicação do tratamento cirúrgico de URGÊNCIA na diverticulite aguda

  • Falha da terapêutica medicamentosa;
  • Diverticulite complicada (perfuração, peritonite);
  • Instabilidade ou sepse;

A ressecção com anastomose primária com ou sem ostomia de proteção é hoje considerada o método padrão-ouro pois apresenta vantagens como eliminação foco séptico e absorção sistêmica de toxinas, diminuição da mortalidade operatória geral, redução do número de operações e custo hospitalar, ressecção de segmento que pode albergar câncer e o fato de permitir a lavagem e a drenagem da cavidade de forma mais efetiva, de acordo com o último guideline da Sociedade Americana de Cirurgiões Colorretais (ASCRS) (Hall J, et al. Dis Colon Rectum. 2020). Entretanto, a escolha da técnica cirúrgica depende da estabilidade hemodinâmica do paciente, da extensão da contaminação peritoneal e da experiência do cirurgião. Muitos serviços ainda recomendam a cirurgia de Hartmann em casos de peritonite fecal.

Aspectos técnicos da cirurgia

Em relação aos aspectos técnicos da cirurgia, existe uma concordância entre todos os guidelines que a margem proximal da ressecção deve ser em tecido saudável, não havendo a necessidade de retirar todo cólon remanescente apenas porque existem divertículos no mesmo.

Já a margem distal deve ser em reto proximal, abaixo da transição retossigmoide.

A anastomose colorretal deve ser realizada em tecido são, e não deve incluir divertículos na linha de grampeamento (ou de sutura).

A artéria mesentérica inferior deve ser preservada quando não há suspeita de malignidade.

Não há consenso em relação a mobilização da flexura esplênica. Entretanto, na disciplina de Coloprocotolgia do HCFMUSP preconizamos a mobilização de rotina da flexura esplênica para confeccionar a anastomose sem tensão.

É essencial a identificação dos ureteres e dos nervos pré-sacrais, assim como a manutenção da vascularização apropriada, evitando-se a dissecção do mesentério friável.

Dificuldade cirúrgicas na diverticulite aguda:

  • Presença de abscessos, coleções e aderências secundárias ao processo inflamatório e infeccioso
  • Distorções anatômicas
  • Trajetos fistulosos podem estar presentes
  • Friabilidade dos tecidos
  • Os pacientes tendem a ser idosos e com comorbidades associadas
  • Muito dos pacientes são obesos com bastante gordura visceral
Algoritmo para o manejo da diverticulite aguda não complicada: A suspeita clínica de diverticulite aguda precisa ser confirmada por meio de imagens (ultrassom e/ou tomografia computadorizada) e parâmetros laboratoriais (contagem de leucócitos, taxa de sedimentação de eritrócitos e proteína C-reativa, que se correlacionam com a gravidade da doença). No cenário de diverticulite aguda não complicada, leucócitos normais e baixa PCR (juntamente com ausência de febre) caracterizam pacientes como de baixo risco, nos quais o tratamento ambulatorial é viável (considerar fatores como comorbidades, imunossupressão e suporte ambulatorial). Pacientes ambulatoriais devem ser tratados com uma dieta líquida clara (pobre em fibras) e antimicrobianos só devem ser administrados em casos selecionados. Para pacientes que necessitam de internação, líquidos intravenosos e antimicrobianos intravenosos devem ser administrados. Em ambos os pacientes de baixo e alto risco, espera-se melhora dos sintomas em 2–3 dias e, então, a dieta normal pode ser retomada. Se a melhora continuar, os pacientes podem ser liberados para completar um curso de antibióticos de 7–10 dias em casa. A falha do tratamento conservador justifica pesquisa de complicações, consideração de diagnósticos diferenciais e avaliação da equipe cirúrgica.

Referências

  1. Hall J, Hardiman K, Lee S, Lightner A, Stocchi L, Paquette IM, Steele SR, Feingold DL; Prepared on behalf of the Clinical Practice Guidelines Committee of the American Society of Colon and Rectal Surgeons. The American Society of Colon and Rectal Surgeons Clinical Practice Guidelines for the Treatment of Left-Sided Colonic Diverticulitis. Dis Colon Rectum. 2020 Jun;63(6):728-747.
  2. Tursi A, Scarpignato C, Strate LL, Lanas A, Kruis W, Lahat A, Danese S. Colonic diverticular disease. Nat Rev Dis Primers. 2020 Mar 26;6(1):20. doi: 10.1038/s41572-020-0153-5. PMID: 32218442

Como citar este artigo

Martins BC e Camargo MGM. Tratamento da Diverticulite Aguda Gastropedia 2023; vol 2. Disponível em: gastropedia.pub/pt/cirurgia/tratamento-da-diverticulite-aguda/




Pólipos de Colesterol e Colesterolose

Os pólipos de colesterol e a colesterolose são condições benignas causadas pelo acúmulo de lipídios na mucosa da parede da vesícula biliar. Para ter uma visão geral dos pólipos de vesícula biliar, confira esse outro post: Pólipo de vesícula biliar.

A colesterolose difusa é normalmente diagnosticada incidentalmente durante a colecistectomia, sendo que seu diagnóstico geralmente não é realizado por ultrassonografia e não está incluído no diagnóstico diferencial de pólipos na vesícula biliar.

Os pólipos de colesterol são a forma polipoide da colesterolose, sendo os pólipos mais comuns na vesícula biliar. Geralmente são achados incidentais durante ultrassonografia de abdômen. Geralmente são assintomáticos, mas em alguns casos o pedículo (frágil) pode se romper, resultando em complicações similares às causadas por cálculos biliares.

Epidemiologia

A colesterolose é comum, com prevalência variando de 9 a 26 por cento em séries cirúrgicas. Sua prevalência parece ser semelhante entre homens e mulheres.

Patogênese

A colesterolose resulta de depósitos anormais de triglicerídeos, precursores de colesterol e ésteres de colesterol na mucosa da vesícula biliar. O acúmulo de lipídios cria depósitos amarelos geralmente visíveis a olho nu. Esses depósitos amarelos em um fundo de mucosa hiperêmica levaram à descrição dessa descoberta como “vesícula biliar em morango”. A principal característica microscópica é a presença de macrófagos carregados de gordura dentro de vilosidades alongadas. A vilosidade hiperplásica é preenchida e distendida por essas células, criando pequenos nódulos amarelos sob o epitélio. Em um terço dos casos esses nódulos são maiores do que 1mm e assumem aparência polipoide, dando origem a pólipos de colesterol únicos ou múltiplos que estão ligados à mucosa por um pedículo frágil (cujo núcleo é composto por macrófagos repletos de lipídios). Esses pólipos podem se romper, resultando em complicações semelhantes às causadas por pequenos cálculos biliares, incluindo dor biliar, pancreatite e icterícia obstrutiva.

Pólipos de cholesterol. Adaptado de: Sleisenger and Fordtran’s Gastrointestinal and liver disease 9th ed p 1146 – 1149

Diagnóstico

No USG de abdômen os pólipos de colesterol geralmente são:

  • múltiplos
  • homogêneos
  • polipoides
  • mais ecogênicos do que o parênquima hepático
  • menores que 1 cm.

Obs: A colesterolose difusa não possui achados ultrassonográficos específicos e o diagnóstico geralmente é feito durante a cirurgia.

Resumo sobre Pólipos de Colesterol e Colesterolose na Vesícula Biliar
-Pólipos de Colesterol e Colesterolose: São condições benignas que afetam a vesícula biliar, podendo causar sintomas e complicações.
-Colesterolose: É uma condição benigna caracterizada pelo acúmulo de lipídios na mucosa da parede da vesícula biliar. Pode se apresentar como difusa ou polipoide, sendo frequentemente diagnosticada incidentalmente durante a colecistectomia.
-Pólipos de Colesterol: São a forma polipoide da colesterolose, os pólipos mais comuns na vesícula biliar. São tipicamente detectados por ultrassonografia, muitas vezes assintomáticos, mas podem levar a sintomas semelhantes a cálculos biliares.
-Epidemiologia: A colesterolose é comum, variando de 9% a 26% em estudos cirúrgicos. Sua associação com cálculos biliares é frequente. A prevalência é similar entre homens e mulheres.
-Patogênese: Resulta de depósitos anormais de lipídios na mucosa da vesícula biliar. Em 1/3 dos casos assumem a forma polipoide.
-Forma Polipoide: Depósitos dão origem a pólipos de colesterol, podendo romper-se e causar complicações semelhantes a cálculos biliares, como dor e icterícia.
-Diagnóstico: são frequentemente detectados incidentalmente por USG.
-Ultrassonografia: geralmente são múltiplos, homogêneos e polipoides, mais ecogênicos que o fígado e menores que 1 cm.

Referências

Zakko WF. Gallbladdder polyps. 2023. Disponível em uptodate.com

Como citar este artigo

Martins BC. Pólipos de Colesterol e Colesterolose Gastropedia 2023; vol 2. Disponível em:
https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/hepatopancreatobiliar/polipos-de-colesterol-e-colesterolose/




Resumo da Live: Desvendando as Lesões Císticas do Pâncreas

Caros,

Segue abaixo os slides com as principais mensagens passadas durante nossa live de Lesões Císticas do Pâncreas. 

Se você perdeu a live ou se quiser rever alguns trechos clique nesse link: Desvendando as Lesões Císticas do Pâncreas

Bons estudos!

Neoplasias papililferas intraductais produtoras de mucina




Adenomiomatose da Vesícula Biliar

Introdução

A adenomiomatose ou adenomiose (ADM) é uma condição benigna da vesícula biliar caracterizada pelo crescimento excessivo da mucosa, espessamento da parede muscular e presença de divertículos intramurais, conhecidos como sinusoides de Rokitansky-Aschoff (RAS).

Neste artigo vamos revisar as características patológicas, epidemiológicas e de diagnóstico da adenomiomatose, tecendo um breve comentário sobre o tratamento

Para saber mais sobre pólipos da vesícula biliar, confira esse outro artigo:

Epidemiologia

A adenomiomatose é relativamente comum, sendo encontrada em 1-9% das amostras de colecistectomia. Embora possa ocorrer em uma ampla faixa etária, os diagnósticos mais frequentes são em pacientes na faixa dos 50 anos. A incidência aumenta com a idade, provavelmente devido à inflamação prolongada.

A prevalência da adenomiomatose em relação ao gênero varia na literatura. Alguns estudos indicam que é mais comum em mulheres (3:1), enquanto outros afirmam que a prevalência é semelhante entre homens e mulheres. Não há preferência racial conhecida.

A causa da adenomiomatose é desconhecida, embora se acredite que seja uma resposta à inflamação crônica da vesícula biliar. Como os diagnósticos mais frequentes ocorrem na faixa dos 50 anos, a ideia de inflamação crônica como etiologia parece plausível.

Achados Patológicos

A adenomiomatose é uma das colecistoses hiperplásicas, sendo a outra a colesterolose. Nessa condição, ocorre hiperplasia da parede com a formação de sinusóides de Rokitansky-Aschoff (divertículos intramurais revestidos por epitélio mucoso) que penetram na parede muscular da vesícula biliar, com ou sem espessamento da parede. O acúmulo de colesterol na adenomiomatose é intraluminal, já que cristais de colesterol precipitam na bile retida nos sinusóides de Rokitansky-Aschoff.

Os seios de Rokitansky-Aschoff consistem em invaginações do epitélio na camada muscular que produzem pequenos divertículos intramurais. Por si só, essa condição não apresenta significado clínico. Um diagnóstico histológico de adenomiomatose requer que os seios de Rokitansky-Aschoff sejam profundos, ramificados e acompanhados de hipertrofia da camada muscular.
Fonte: Sleisenger and Fordtran’s Gastrointestinal and liver disease 9th ed p 1146 – 1149

Existem três formas macroscópicas de adenomiomatose (Fig. 2):

  • A forma segmentar (> 60%): forma uma espécie de diafragma entre o colo e o fundo da vesícula biliar, separando-a em duas zonas comunicantes.
  • A forma localizada (30%): geralmente ocorre no fundo da vesícula.
  • A forma difusa (mais rara <5%): espessamento parietal que afeta toda a parede da vesícula.
Formas macroscópicas da adenomiomatose

No tipo localizado, a adenomiomatose pode causar um espessamento mucoso focal na parede da vesícula formando um nódulo, geralmente no fundo, que se projeta para o lúmen, dando a aparência de um pólipo na ultrassonografia. A camada muscular na área afetada costuma estar espessada de três a cinco vezes a sua espessura normal.

Quadro Clínico

Geralmente, a adenomiomatose é assintomática, sendo descoberta incidentalmente por exames de imagem ou após colecistectomia, mas pode apresentar sintomas. Em raras situações, pode causar dores semelhantes a cólicas biliares no hipocôndrio direito. No entanto, como metade dos casos de ADM está associada a cálculos biliares, é difícil atribuir especificamente à ADM a causa dessas dores.

Não há evidência de que a presença de adenomiomatose aumente o risco de câncer de vesícula biliar. Porém, a presença de adenomiomatose está associada a casos mais avançados de câncer de vesícula biliar, possivelmente porque sua presença dificulta o diagnóstico precoce por exames de imagem.

Diagnóstico Radiológico

Uma vez que a ADM não apresenta sintomas específicos, a imagem desempenha um papel fundamental no seu diagnóstico diferencial. Cerca de 25% dos casos de espessamento da parede da vesícula biliar (parede > 3 mm) são devidos à ADM.

Atualmente, o diagnóstico baseia-se na ultrassonografia (US) e frequentemente é incidental. A USG apresenta uma sensibilidade de cerca de 65%.

Os sinais sugestivos incluem parede espessada, conteúdo luminal anecoico ou ecogênico (lodo, cálculos), imagens murais pseudocísticas correspondendo aos seios de Rokitansky-Aschoff e artefatos de reverberação acústica (cauda de cometa) devido a concreções de cálcio presas nos RAS.

A ultrassonografia endoscópica melhora a sensibilidade da USG transabdominal, especialmente para o diagnóstico diferencial com câncer da VB.

Ultrassonografia

  • espessamento mural (difuso, focal, anular)

  • artefato de cauda de cometa: focos intramurais ecogênicos dos quais emanam artefatos de reverberação em forma de V são altamente específicos para a adenomiomatose, representando os cristais de colesterol no lumen dos seios de Rokitansky-Aschoff
Espessamento segmentar hipoecoico no fundo da vesícula biliar, medindo 11×5mm,sugestivo de adenomiomatose. Imagem cedida pela Dra. Julia Mayumi Gregorio

Tomografia Computadorizada

  • espessamento anormal da parede da vesícula biliar e realce são características comuns, mas não específicas, da TC para a adenomiomatose
  • os seios de Rokitansky-Aschoff maiores podem ser visualizados
  • foi descrito um sinal de rosário na TC, formado por epitélio realçado dentro de divertículos intramurais cercados pela camada muscular da vesícula biliar hipertrófica relativamente não realçada

Ressonância Nuclear Magnética

A Colangiopancreatografia por Ressonância Magnética (CPRM) é a técnica normalmente empregada para caracterização da vesícula biliar e árvore biliar. As características de imagem incluem:

  • espessamento mural
  • massa focal séssil
  • divertículos intramurais preenchidos com líquido
  • o sinal de colar de pérolas refere-se à disposição curvilínea característica de várias cavidades intramurais arredondadas hiperintensas visualizadas em imagens ponderadas em T2
  • configuração de ampulheta em tipos anulares

Tratamento

Pacientes com características típicas de adenomiomatose na ultrassonografia não requerem vigilância ou colecistectomia.

A colecistectomia pode ser realizada nas seguintes situações:

  • paciente sintomático com dor no quadrante superior direito (geralmente devido a cálculos biliares)
  • aparência (especialmente quando focal) pode ser difícil de distinguir de malignidade.

Galeria de Imagens

Referências

  1. Golse N, Lewin M, Rode A, Sebagh M, Mabrut JY. Gallbladder adenomyomatosis: Diagnosis and management. J Visc Surg. 2017 Oct;154(5):345-353. doi: 10.1016/j.jviscsurg.2017.06.004. Epub 2017 Aug 24. PMID: 28844704.
  2. Ryu Y, Abdeldjalil B, Molinari A, et al. Adenomyomatosis of the gallbladder. Reference article, Radiopaedia.org (Accessed on 24 Aug 2023) https://doi.org/10.53347/rID-7056
  3. Wisam F Zakko, MD. Gallbladder polyps. Disponível em https://www.uptodate.com/contents/gallbladder-polyps

Como citar este artigo

Martins BC. Adenomiomatose da Vesícula Biliar Gastropedia 2023; vol 2. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/hepatopancreatobiliar/adenomiomatose-da-vesicula-biliar/




Pólipos de Vesícula Biliar

Introdução

Os pólipos da vesícula biliar geralmente são achados incidentais diagnosticados durante exames de ultrassom abdominal ou durante colecistectomia. Geralmente não apresentam sintomas, mas ocasionalmente podem causar desconfortos similares aos causados por cálculos biliares.

A maioria dessas lesões não é neoplásica, mas sim hiperplásica ou representa depósitos de lipídios.

Com o uso generalizado da ultrassonografia, as lesões polipoides na vesícula biliar estão sendo cada vez mais detectadas. No entanto, muitas vezes a imagem não é suficiente para excluir a possibilidade de neoplasia ou adenomas pré-malignos. Nesse artigo, revisaremos a importância clínica e o diagnóstico diferencial dos pólipos na vesícula biliar. Para saber sobre o tratamento dos pólipos de vesícula, confira esse outro artigo: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/conduta-nos-polipos-de-vesicula-biliar-quando-fazer-seguimento-e-quando-indicar-a-colecistectomia

Classificação

As lesões polipoides na vesícula biliar podem ser categorizadas como benignas ou malignas. As lesões benignas podem ser subdivididas em neoplásicas e não neoplásicas.

Pólipos benignos não neoplásicos

As lesões não neoplásicas benignas mais comuns são pólipos de colesterol, seguidos por adenomiomatose e pólipos inflamatórios.

  • Pólipos de colesterol e colesterolose:

    • é uma condição benigna caracterizada pelo acúmulo de lipídios na mucosa da parede da vesícula biliar.
    • são os tipos mais comuns de pólipos da vesícula biliar, podendo chegar a 10% ou mais.
    • Pode ser do tipo difuso ou polipoide.
    • O termo colesterolose se refere ao tipo difuso, que é geralmente diagnosticado incidentalmente durante a colecistectomia, causando o aspecto de “vesícula em morango” devido ao contraste que faz com a mucosa da vesícula.
    • Os pólipos de colesterol são a forma polipoide da colesterolose, sendo o pólipo da vesícula biliar mais comum, geralmente diagnosticado incidentalmente em ultrassonografia.
    • Embora geralmente assintomático, em alguns pacientes pode causar sintomas e complicações semelhantes às causadas por cálculos biliares.

  • Adenomiomatose:

    • é uma anormalidade da vesícula biliar caracterizada pelo crescimento excessivo da mucosa, espessamento da parede muscular e divertículos intramurais.
    • A prevalência da adenomiose da vesícula biliar é baixa, mas parece ter uma prevalência maior em mulheres do que em homens.

  • Pólipos inflamatórios

    • Os pólipos inflamatórios são os pólipos não neoplásicos menos comuns.
    • Aparecem como sésseis ou pediculados e são compostos por tecido de granulação e fibroso com células plasmáticas e linfócitos.
    • Os pólipos têm geralmente 5 a 10 mm de diâmetro, embora tenham sido descritos pólipos inflamatórios com mais de 1 cm

Pólipos benignos neoplásicos

  • Adenomas:

    • Pólipos adenomatosos da vesícula biliar são as lesões neoplásicas benignas mais comuns. Embora a verdadeira incidência seja desconhecida, na maioria das séries é inferior a 0,5 por cento.
    • Adenomas da vesícula biliar são tumores epiteliais benignos compostos por células que se assemelham ao epitélio das vias biliares.
    • O risco de câncer aumenta com o tamanho do pólipo, sendo que pólipos adenomatosos com tamanho maior têm um risco de malignidade.

  • Outros — Outras lesões neoplásicas da vesícula biliar como fibromas, lipomas e leiomiomas, são raros. A história natural desses pólipos não está bem definida.

Pólipos malignos:

  • A maioria dos pólipos malignos na vesícula biliar são adenocarcinomas.
  • Os adenocarcinomas da vesícula biliar são muito mais comuns do que os adenomas da vesícula biliar, ao contrário do cólon, onde os adenomas são muito mais comuns do que os adenocarcinomas.
  • Carcinoma escamoso, cistoadenoma mucinoso e adenoacantomas da vesícula biliar são raros

RISCO DE CÂNCER

A maioria dos pólipos na vesícula biliar é benigna, e a maioria dos pólipos benignos, com exceção dos adenomas, não tem potencial maligno. O risco global de câncer de vesícula biliar em pacientes com pólipos na vesícula parece ser baixo.

  • Em um grande estudo de coorte com mais de 35.000 adultos com pólipos na vesícula diagnosticados por USG, 0.053% tiveram câncer de vesícula biliar, semelhante à população sem pólipos (0.054%). [ref]
  • O risco de evolução para neoplasia varia de acordo como o tamanho dos pólipos, ocorrendo em 128/100.000 pessoas para pólipos > 10mm, mas somente em 1.3/100.000 pessoas para pólipos < 6mm.

Fatores de risco estabelecidos para câncer

  • Tamanho do pólipo — A incidência de câncer da vesícula biliar varia de 43 a 77% em pólipos maiores que 1 cm e 100% em pólipos maiores que 2 cm.
  • Pólipo séssil — pólipos sésseis são um fator de risco independente para malignidade, com um risco 7x maior de câncer de vesícula biliar. [ref]
  • Idade > 60 anos: esse é o corte adotado em diretrizes para estratificação de risco e orientação de tratamento.
  • Outros: etnia indiana, colangite esclerosante primária

Condições com risco incerto

  • Cálculos biliares concomitantes
  • Adenomiomatose — Não há evidências de que a presença de adenomiose aumenta o risco de câncer de vesícula biliar. Se o risco for aumentado, a magnitude do aumento parece ser pequena.

DIAGNÓSTICO

Os pólipos na vesícula biliar geralmente são descobertos incidentalmente em exames de ultrassonografia abdominal. Nenhuma das modalidades de imagem disponíveis pode distinguir inequivocamente pólipos benignos de malignos. Isso só pode ser confirmado pelo anatomopatológico após a colecistectomia.

Características dos pólipos da vesícula biliar na ultrassonografia abdominal:

  • Podem ser únicos ou múltiplos
  • Sensibilidade 84% e especificidade 96% (meta-análise com 16.260 pacientes)
  • PÓLIPOS DE COLESTEROL são geralmente múltiplos, homogêneos, polipoides e pediculados, com ecogenecidade maior do que o parênquima hepático.

    • Eles podem ou não conter pontos hiperecogênicos.
    • Os pólipos de colesterol geralmente têm menos de 1 cm.
    • Em contraste com os pólipos de colesterol, a colesterolose difusa não possui achados ultrassonográficos específicos, e seu diagnóstico geralmente é feito após a cirurgia.

  • ADENOMAS são lesões homogêneas, isoecoicas em relação ao parênquima hepático, têm uma superfície lisa e geralmente não têm pedículo.

    • A morfologia séssil e o espessamento focal da parede da vesícula biliar maior do que 4 mm são fatores de risco para malignidade.

  • ADENOCARCINOMAS são estruturas polipoides homogêneas ou heterogêneas que geralmente são isoecoicas em relação ao parênquima hepático.
  • A ADENOMIOMATOSE também pode causar um espessamento difuso com focos anecoicos redondos que representam os divertículos intramurais. Quando localizada no fundo, a adenomiose pode produzir uma projeção de mucosa que pode dar a aparência de um pólipo na ultrassonografia.

Papel da ecoendoscopia (EUS)

A EUS é um método de imagem invasivo que pode ser útil em casos selecionados, especialmente em pacientes com suspeita de pólipos malignos. Oferece a vantagem de obter imagens da vesícula biliar através da parede gástrica, evitando a atenuação prejudicial pela gordura subcutânea ou interferência do gás intestinal.

No entanto, sua precisão em diferenciar pólipos neoplásicos de não neoplásicos é limitada:

  • Em uma meta-análise de quatro estudos que incluíram 1009 participantes, a sensibilidade para detecção de pólipos displásicos/carcinoma foi de 79% e a especificidade foi de 89%.
  • Embora a Contrast-enhanced EUS (ex: com microbolhas) possa ter uma acurácia ligeiramente maior na diferenciação entre pólipos adenomatosos e de colesterol quando comparada à EUS convencional, ainda são necessários mais estudos para estabelecer seu papel definitivo.

Resumo de Pólipos da Vesícula Biliar

Tipo de Pólipo Características Principais Prevalência e Incidência Achados Ultrassonográficos Risco de Malignidade Sintomas e Complicações
Pólipos Benignos Não Neoplásicos
Colesterolose Difusa

Acúmulo de lipídios na mucosa da vesícula biliar.

Prevalência de 9% a 26% em estudos cirúrgicos.

Não apresenta achados ultrassonográficos específicos.

Geralmente baixo. Geralmente assintomática
Pólipos de Colesterol Crescimentos benignos na mucosa da vesícula biliar. Tipicamente diagnosticados por ultrassonografia. Prevalencia estimada >10% Múltiplos, homogêneos, polipoides, mais ecogênicos que o fígado. Baixo. Geralmente assintomática. Podem ter complicações semelhantes a cálculos
Pólipos Inflamatórios Compostos por tecido de granulação e fibroso. Menos comuns entre os pólipos não neoplásicos. Sésseis ou pediculados, geralmente 5 a 10 mm Baixo. Varia de acordo com tamanho
Pólipos Benignos Neoplásicos
Adenomas Tumores epiteliais benignos mais comuns. Menos de 0,5% de incidência.

Isoecogênicos, liso, sem pedículo.

Variável, aumenta com tamanho >10mm. Raramente sintomáticos
Pólipos Malignos
Adenocarcinomas Forma mais comum de pólipos malignos. Incidência mais alta que adenomas malignos. Características avançadas, geralmente diagnosticados tardiamente. Alto. Sintomas avançados e complicações
Carcinomas de Células Escamosas, Cistadenomas Mucinosos e Adenoacantomas Tipos raros de pólipos malignos. Incidência baixa. Características avançadas, exige avaliação e tratamento especializados. Alto. Sintomas avançados e complicações

Referências

  1. Szpakowski JL, Tucker LY. Outcomes of Gallbladder Polyps and Their Association With Gallbladder Cancer in a 20-Year Cohort. JAMA Netw Open. 2020 May 1;3(5):e205143. doi: 10.1001/jamanetworkopen.2020.5143. PMID: 32421183; PMCID: PMC7235691.
  2. Bhatt NR, Gillis A, Smoothey CO, Awan FN, Ridgway PF. Evidence based management of polyps of the gall bladder: A systematic review of the risk factors of malignancy. Surgeon. 2016 Oct;14(5):278-86. doi: 10.1016/j.surge.2015.12.001. Epub 2016 Jan 26. PMID: 26825588.
  3. Foley KG, Lahaye MJ, Thoeni RF, Soltes M, Dewhurst C, Barbu ST, Vashist YK, Rafaelsen SR, Arvanitakis M, Perinel J, Wiles R, Roberts SA. Management and follow-up of gallbladder polyps: updated joint guidelines between the ESGAR, EAES, EFISDS and ESGE. Eur Radiol. 2022 May;32(5):3358-3368. doi: 10.1007/s00330-021-08384-w. Epub 2021 Dec 17. PMID: 34918177; PMCID: PMC9038818.

Como citar este artigo

Martins BC. Pólipos de Vesícula Biliar Gastropedia 2023; vol 2. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/hepatopancreatobiliar/polipos-de-vesicula-biliar




Hemorragia Diverticular: quadro clínico e tratamento

A hemorragia de um divertículo do cólon é a causa mais comum de HDB em doentes com mais de 60 anos, porém menos de 5% dos doentes com diverticulose terá hemorragia gastrointestinal 1.

Nesse artigo revisaremos as causas e quadro clínico do sangramento diverticular. Se quiser saber mais sobre doença diverticular confira esse post: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/doenca-diverticular-do-colon-epidemiologia-e-fisiopatologia/

Fisiopatologia do sangramento diverticular

Com a herniação diverticular no ponto de fraqueza dos vasos, a vasa recta fica mais exposta ao conteúdo do cólon, levando a espessamento da camada íntima e adelgaçamento da camada média, que predispõe a ruptura do vaso para o lumen.

Fisiopatologia do sangramento diverticular

Quadro clínico da hemorragia diverticular

  • Tipicamente apresenta-se como sangramento volumoso e indolor, geralmente autolimitado, mas pode ser fatal.
  • O cólon direito é o foco do sangramento em 50 a 90% dos casos (proximal ao ângulo esplênico).
  • Cerca de 80% destas cessam espontaneamente.
  • A recorrência é comum e ocorre em 25 a 50% dos casos.

            O exame de escolha no diagnóstico da hemorragia diverticular é a colonoscopia, a qual pode ser diagnóstica e terapêutica.  Importante realizar o preparo do cólon mesmo no contexto de sangramento para aumentar a eficácia do exame 2. A anuscopia deve ser realizada mesmo sem preparo de colón para excluir causas de sangramento anorretais. Em casos em que não é possível o preparo do cólon, pode-se realizar a arteriografia, a cintilografia ou a angio tomografia.

Coágulo aderido em um divertículo, indicando local de sangramento recente. Imagem cedida pela Dra. Renata Nobre

Tratamento da hemorragia diverticular

O manejo da hemorragia digestiva baixa aguda de acordo com as recomendações da associação de gastroenterologia americana (ACG) (Strate LL, et al. Am J Gastroenterol. 2016) incluem:

  • Abordagem inicial em casos de HDB: história clínica, exame físico e laboratoriais, simultaneamente com a ressuscitação volêmica.
  • a ressuscitação volêmica tem como meta a normalização da PA e da FC antes do procedimento endoscópico.
  • Pacientes com Hb<7 devem ser transfundidos. Pacientes cardiopatas pode-se estabelecer 9 g/dl como meta de Hb.
  • a COLONOSCOPIA é o melhor método diagnóstico para avalição destes pacientes e deve ser realizada após estabilização hemodinâmica incluindo preparo de cólon para limpeza de coágulos e fezes residuais a fim de permitir a avaliação adequada da mucosa visando encontrar o local do sangramento. É importante a intubação da válvula ileocecal para avaliação de possível sangramento de intestino delgado ou trato digestivo alto.
  • o momento ideal da colonoscopia em pacientes de alto risco ou com sinais de sangramento é a realização de preparo de cólon imediatamente após a ressuscitação volêmica e a realização da colonoscopia em até 24 horas após início do quadro e confirmação de preparo de cólon adequado, o qual aumenta as taxas diagnóstica e de sucesso terapêutico. Entretanto, duas recentes metanálises de estudos randômicos (evidencia 1A) demonstraram que a realização de colonoscopia nas primeiras 24 horas não reduz a mortalidade ou o ressangramento em pacientes com HDB, de forma que a decisão do momento da colonoscopia deve avaliada individualmente 4,5.
  • o TRATAMENTO ENDOSCÓPICO deve ser realizado em pacientes com estigmas de sangramento incluindo sangramento ativo, vaso visível e coágulo aderido.
    • a injeção de adrenalina (1:10000 ou 1:20000) pode ser utilizada como método inicial para redução do sangramento ativo, porém deve ser sempre associada a outro método seja ele mecânico ou térmico.Em sangramento diverticular recomenda-se o tratamento com hemoclips por serem mais seguros que métodos térmicos e mais simples que a ligadura elástica.

    • Em casos de sangramento mais severos em divertículos, a realização de tatuagem após o tratamento pode ser útil em casos de recidivas para facilitar a identificação na reabordagem, seja ela endoscópica ou cirúrgica.

  • a EMBOLIZAÇÃO POR RADIOLOGIA INTERVENCIONISTA deve ser considerada em pacientes com sangramento ativo severo com EDA sem sinais de sangramento os quais não conseguem tolerar o preparo de cólon pois não responderam adequadamente a ressuscitação volêmica. Em pacientes que falharam ao tratamento endoscópico a embolização por angiografia também está indicada.
  • a CIRURGIA está indicada apenas em casos de falha de tratamentos menos invasivos como colonoscopia e angiografia terapêutica.
  • É importante antes da cirurgia localizar o local exato do sangramento a fim de evitar a ressecção de local inadequado ou necessidade de ressecção extensa do cólon. A colectomia total apenas deve ser realizada quando não há correta identificação do local do sangramento. Ressecções em pacientes com hemorragia diverticular com localização do sangramento incerta mostraram uma mortalidade pós-operatória de 43% em comparação com 7% em pacientes com localização bem definida do sangramento 6.

Referências

  1. Tursi A, Scarpignato C, Strate LL, Lanas A, Kruis W, Lahat A, Danese S. Colonic diverticular disease. Nat Rev Dis Primers. 2020 Mar 26;6(1):20. doi: 10.1038/s41572-020-0153-5.
  2. Pasha SF et al. The role of endoscopy in the patient with lower GI bleeding. Gastrointestinal Endoscopy 79, 875–885 (2014). [PubMed: 24703084]
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Como citar este artigo

Martins BC. Hemorragia Diverticular: quadro clínico e tratamento Gastropedia 2023; vol 2. Disponível em:
gastropedia.pub/pt/cirurgia/hemorragia-diverticular-quadro-clinico-e-tratamento/




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